Questão 1 Show (ENEM – 2016) TEXTO I Documentos do século XVI algumas vezes se referem aos habitantes indígenas como “os brasis”, ou “gente brasília” e, ocasionalmente no século XVII, o termo “brasileiro” era a eles aplicado, mas as referências ao status econômico e jurídico desses eram muito mais populares. Assim, os termos “negro da terra” e “índios” eram utilizados com mais frequência do que qualquer outro. SCHWARTZ, S. B. Gente da terra braziliense da nação. Pensando o Brasil: a construção de um povo. In: MOTA, C. G. (Org.). Viagem incompleta: a experiência brasileira (1500-2000). São Paulo: Senac, 2000 (adaptado). TEXTO II Índio é um conceito construído no processo de conquista da América pelos europeus. Desinteressados pela diversidade cultural, imbuídos de forte preconceito para com o outro, o indivíduo de outras culturas, espanhóis, portugueses, franceses e anglo-saxões terminaram por denominar da mesma forma povos tão díspares quanto os tupinambás e os astecas. SILVA, K. V.; SILVA, M. H. Dicionário de conceitos históricos. São Paulo: Contexto, 2005. Ao comparar os textos, as formas de designação dos grupos nativos pelos europeus, durante o período analisado, são reveladoras da: a) concepção idealizada do território, entendido como geograficamente indiferenciado. b) percepção corrente de uma ancestralidade comum às populações ameríndias. c) compreensão etnocêntrica acerca das populações dos territórios conquistados. d) transposição direta das categorias originadas no imaginário medieval. e) visão utópica configurada a partir de fantasias de riqueza. Questão 2 (ENEM – 2015) A língua de que usam, por toda a costa, carece de três letras; convém a saber, não se acha nela F, nem L, nem R, coisa digna de espanto, porque assim não têm Fé, nem Lei, nem Rei, e dessa maneira vivem desordenadamente, sem terem além disto conta, nem peso, nem medida. GÂNDAVO, P. M. A primeira história do Brasil: história da província de Santa Cruz a que vulgarmente chamamos Brasil. Rio de Janeiro: Zahar, 2004 (adaptado). A observação do cronista português Pero de Magalhães Gândavo, em 1576, sobre a ausência das letras F, L e R na língua mencionada demonstra a: a) simplicidade da organização social das tribos brasileiras. b) dominação portuguesa imposta aos índios no início da colonização. c) superioridade da sociedade europeia em relação à sociedade indígena. d) incompreensão dos valores socioculturais indígenas pelos portugueses. e) dificuldade experimentada pelos portugueses no aprendizado da língua nativa. Questão 3 Eram características dos indígenas nativos do Brasil na chegada dos portugueses, em 1500: a) a obtenção de recursos baseada na coleta, caça e agricultura. b) a existência de apenas um idioma comum a todas as tribos. c) a existência de grandes cidades, como a dos astecas. d) a ausência de artesanato. Questão 4 Eram povos nativos do Brasil: a) Maias e Astecas b) Tupinambás e Guaranis c) Tupiniquins e Apaches d) Toltecas e Incas Respostas Resposta Questão 1 Letra C Os relatos dos portugueses, principalmente do século XVI, eram carregados de preconceito em virtude da visão de cultura etnocêntrica, isto é, uma forma de pensamento de quem acredita na superioridade do seu grupo étnico. Resposta Questão 2 Letra D Pero de Magalhães Gândavo evidencia a incapacidade do português do século XVI de compreender as diferenças culturais dos povos nativos, o que ocasionou uma série de relatos em que o modo de vida do nativo foi considerado como “inferior”. Resposta Questão 3 Letra A Os povos indígenas do Brasil coletavam os recursos para sua subsistência, ou seja, para consumo próprio. Como a variedade de povos e culturas indígenas era muito grande, cada povo obtinha seus recursos de maneiras diferentes. Resposta Questão 4 Letra B Os povos Tupinambás e Guaranis habitavam o Brasil quando os portugueses chegaram e ambos tiveram bastante contato com os colonizadores. Os Tupinambás habitavam a região litorânea do Nordeste brasileiro até o Sudeste, e os Guaranis habitavam onde hoje está a região sul do Brasil, além de ocuparem territórios onde hoje estão o Paraguai e Argentina. Crônicas e Controvérsias Discurso fundador e Representação: Carolina de Paula Machado1 Introdução
A representação seria então o que se tem da relação do mundo com os sujeitos, isto é, as impressões que estes têm do mundo. Considerando essa noção do ponto de vista da
historicidade da linguagem, podemos pensar a representação como sendo os sentidos constituídos historicamente nas relações lingüísticas para o brasileiro, de maneira a construir suas representações, e ao mesmo tempo determinando-o enquanto sujeito de linguagem.
E por terem se fixado, esses enunciados sempre se fazem presentes, mesmo que com modificações, quando se pensa na nacionalidade brasileira. Em nosso caso, analisaremos o modo como palavras ou expressões integram enunciados que, por sua vez, integram textos (Guimarães,
2002), considerando-as como marcas que constroem esses “espaços de identidade histórica” do Brasil (Orlandi, op.cit.), reconhecendo os sentidos que significam e re-significam o brasileiro, constituindo outros sentidos para o imaginário do que é ser brasileiro a partir do já-dito.
Observando-se as regularidades lingüísticas pelas paráfrases, há o equívoco na sua materialidade que leva ao deslizamento dos sentidos, à falha no processo ideológico. Para então analisar esse processo parafrástico que leva à ruptura de outros sentidos, nos servimos dos procedimentos de reescritura e de articulação. Com isso, chegamos à da noção de Domínio Semântico de Determinação (DSD) tal como se propõe na Semântica do Acontecimento. Segundo Guimarães, os procedimentos de reescritura
Desse modo, a reescritura pode ser entendida como um procedimento parafrástico pelo qual se dá a textualidade, tecendo-se os sentidos, produzindo a polissemia. Isso se dá na medida em que ao repetir o mesmo, mas como algo diferente de si, ou
seja, através de outras palavras que retomam a palavra ou expressão que está sendo analisada, são produzidos, na tensão entre o mesmo e o diferente, outros sentidos no acontecimento enunciativo. A articulação “diz respeito às relações próprias das contigüidades locais. De como o funcionamento de certas formas afetam outras que elas não redizem” (Guimarães, 2007, p. 88). Os portugueses no Brasil: uma visão evolucionistaA obra “A evolução do povo brasileiro”2 interessou-nos por dois motivos: primeiro porque ela
aborda a formação da sociedade a partir de uma teoria marcada por uma visão evolucionista de muita importância no século XIX, mas que continua a circular no século XX. Em segundo lugar, ela serviu de prefácio a um recenseamento demográfico e econômico realizado em 1920, organizado pelo Ministério da Agricultura, publicado no ano do centenário da Independência do Brasil. Isto é, ela é tomada como um conhecimento autorizado e legitimado pelo Estado sobre a nossa sociedade, conhecimento este
produzido a partir de teorias de caráter evolucionista.
Gostaríamos de chamar a atenção para os pronomes nós, nossa e para o sintagma nominal nosso povo. Neste caso, reconhecemos o sujeito gramatical que antes era indeterminado e sua posição é ocupada pelo pronome pessoal nós e nosso povo ocupa
uma posição de adjunto. E agora, observando a relação que se estabelece entre nós, nossa e nosso neste recorte, será que podemos pensar que nós está substituindo o povo brasileiro do título e o sintagma nosso povo reescreve nós de forma a incluí-lo ao povo? Ou será que nós não reescreve povo brasileiro mas é a palavra povo, que compõe o sintagma nosso povo, que reescreve povo
brasileiro?
Quando ele afirma termos a “mesma civilização” fica mantida não apenas a mesma ideia de civilização como também a mesma ideia de povo/cultura civilizada. Então, entre a paráfrase e a polissemia, mesmo e diferente, ao longo de seu discurso sobre o preconceito secular, o mesmo acaba sendo reafirmado. Nesses dois parágrafos, podemos observar o pronome pessoal nós em relação ao pronome nosso(s) numa relação de alteridade com o pronome outros. Nós vai sendo reescrito por Nosso grupo nacional, por povo de transplantação, por advena, e por civilização do ocidente que por sua vez é reescrito por flor delicada dos climas frios. Cada reescritura determina nós atribuindo-lhe sentidos que configuram sua designação neste acontecimento. Para observar então esses sentidos, elaboramos o seu domínio semântico de determinação a partir das reescrituras acima descritas ( o símbolo ┤em qualquer direção significa “determina”):
Já para o sintagma nominal outros grandes povos civilizados, podemos estabelecer o seguinte domínio: O pronome nós está articulado ao pronome outros pela conjunção e, o que indica coordenação. Os sintagmas civilização do ocidente e flor delicada dos climas frios são determinados pelo adjunto adverbial de lugar nestes climas frios. Com isso, podemos dizer que nós é determinado também pela reescrituras civilização do ocidente e flor
delicada dos climas frios que determinam outros grandes povos civilizados, porque esta civilização que vem de um clima frio está agora num clima tropical. Isso, mais a relação de coordenação indicam que uma parte do que nós significa é comum a outros. Assim, “nós” vai sendo definido pela comparação com “outros”, não numa relação de antonímia, mas numa relação de
hiponímia6 neste acontecimento. Uma outra parte de sua significação determinada pela reescritura nosso grupo nacional mostra que há diferença entre “nós” e “outros”.
Nós, tendo uma parte do sentido contido em outros grandes povos civilizados, pode ser parafraseado por povo de transplantação, advena e por grupo nacional. Outros grandes povos grandes povos civilizados, por conter nós, pode ser parafraseado por flor delicada dos climas frios, por civilização do ocidente, assim como por advena, por povo de transplantação, numa relação de simetria, mas não por grupo nacional. Nessas relações de sentido, o sintagma nominal raças exóticas fica fora da relação parafrástica. No último parágrafo, a expressão cujo solo indica o pertencimento do território ao povo de transplantação, mas não às raças exóticas que apenas “confluiriam” nesse solo. O grupo raças exóticas, por não fazer parte do “povo civilizado”, poderia ser parafraseado, em relação a povo “civilizado”, por raças “não-civilizadas”. Essa relação de exclusão parece continuar como vemos no recorte seguinte: Ora, este problema não pode ser inteiramente resolvido com formulas feitas fóra daqui, mas sim com um estudo local e particular do nosso meio e da gente, que o habita (...) (Ibidem, p. 30). Observando a
expressão paradigmática nosso(a) X que vem se repetindo ao longo do texto, chama atenção que nosso meio segue esse paradigma, mas gente não. A oração subordinada que segue depois de uma pausa, dá-nos a explicação: trata-se da gente que habita a terra, mas que não a possui. Assim, podemos dizer que raças exóticas é reescrito por gente. Gente remeteria aos ‘selvagens’, os ‘não-civilizados’, enfim, os ‘índios’. O pronome nosso acompanha
meio estabelecendo uma relação de posse do meio e não de inclusão, pertencimento. O sintagma “raças exóticas” faz parte de um discurso fundador sobre o Brasil, a partir da visão dos colonizadores portugueses. Considerando este DSD,podemos dizer que “nós” por ter em comum com “outros grandes povos civilizados” as reescrituras civilização do ocidente e flor delicada dos climas frios e em relação ao passado recortado neste acontecimento, que diz respeito à colonização do Brasil feita pelos portugueses, ele pode ser parafraseado por colonizador português no Brasil ou pela
elite descendente dos portugueses colonizadores, mas não por povo brasileiro que aparece no título do livro. Assim, o lugar do sujeito seria o do colonizador português no Brasil.Voltemos agora à relação nós/nosso. Já sabemos que “nós” não reescreve povo brasileiro, confirmando assim a segunda hipótese que levantamos inicialmente sobre “nós”. Uma vez que “nós” refere ao português colonizador no Brasil, resta-nos saber qual a relação que nós estabelece
com nosso.
Mas, ao mesmo tempo, considerando que nós seria o português colonizador, poderíamos parafrasear nosso povo por povo brasileiro. Desse modo, poderíamos considerar que a relação de pertencimento seria do povo brasileiro ao colonizador português ou à elite que ocupou seu lugar. As diferenças de civilização, de raças e a questão da nacionalidade
No trecho acima o autor enumera as semelhanças com o mundo civilizado nos níveis cultural, social, político, sentimental e ideal para mostrar que os que viviam no Brasil também eram “civilizados”. Entretanto também mostra que há diferenças no nível individual, psicológico, que é aquilo que distingue o nós, isto é, o “povo civilizado” que vive no Brasil, dos “povos civilizados europeus”. Ou seja, faz-se presente aqui a preocupação com a questão nacional pela delimitação das diferenças entre o “nosso povo” (português brasileiro) e o “português peninsular”. Um exemplo de diferença seria o fator “estrutural” proveniente da dispersão geográfica que afeta nossa organização das classes sociais:
A diferença, mostrada no parágrafo acima, tem a ver com o modo como o meio em que os brasileiros vivem afetaria, conforme ele anunciara desde o começo, a evolução do povo propiciando com isso as nossas particularidades. Continua a utilização da primeira pessoa do plural, que dá um efeito de homogeneidade e, com isso, um tom nacionalista
ao texto. Observamos a contradição de que não somos “tão civilizados” como ele afirmara anteriormente. Ao delimitar nossa nacionalidade pela diferença com o outro, o europeu, ele também demonstra que a civilização européia (ele compara a sociedade brasileira à inglesa também e não apenas à portuguesa) teria uma maior coerência e interação que a brasileira.
No recorte acima, ele começa já a falar dos
mestiços como sendo superiores. São os mestiços superiores, ricos de eugenismo, representantes das qualidades superiores de coragem e força, que suportariam a selvageria amotinada dos índios. São eles que vão compor, segundo Viana, a nova raça em formação. Na sua visão evolucionista, ele fala da superioridade dos mestiços parecendo contrariar, neste primeiro momento, outras visões evolucionistas que consideram que a miscigenação de raças “superiores” com
raças “inferiores” resultaria numa raça degenerada. A “superioridade” desses mestiços diz respeito, aqui, à cor de sua pele, seriam superiores aos que têm pele mais escura. Apesar de todo o absurdo racista7 da distinção dos povos ou etnias em raças superiores e inferiores, Viana parece estar sendo favorável à miscigenação. Esta posição é, em certa medida, condizente
com o tom nacionalista que encontramos em seu texto, já que esse tema é central no estudo da sociedade brasileira. No entanto, esse discurso de apologia ao grupo nacional de valorização do mestiço, entra em contradição com a preocupação eugênica que ele demonstra e que vai sendo desenvolvida ao longo do livro.
Viana trata a divisão social como algo natural: aos “brancos” caberia dar ordens, mandar, administrar, tutelar as “raças inferiores”; aos mestiços caberia serem criadores ou agricultores; os
negros deveriam trabalhar como escravos e os índios, como veremos, são excluídos por não se deixarem “civilizar” como os negros. Dentro desta perspectiva, a naturalização das relações sociais é confortável aos falam do lugar do colonizador, porque justifica e legitima sua dominação, além de tornar imutável o lugar que cada um ocupa na sociedade. Assim, nessa visão, por sua capacidade que é ‘natural’, os brancos sempre ocupariam os cargos de poder, enquanto que aos negros só restaria serem
escravos porque só seriam capazes de obedecer, (o que justificaria a impossibilidade de serem libertos) e os índios seriam selvagens, não-civilizados (autorizando seu extermínio).
Ser civilizável é sinônimo, então, de ‘não ser rebelde’, ‘de deixar-se
pôr em cativeiro’, ‘de tornar-se escravo’, ‘de obedecer ao senhor branco’. Este é o sentido produzido para “civilizável” na relação o com o discurso colonizador. Além disso, há o critério da gradação da cor (quanto mais clara a cor da pele, mais inteligente, mais vivazes, mais ladinos) que fariam os índios, negros, mestiços subirem na escala da capacidade permitindo-lhes ocupar ofícios dentre os “civilizados”.
Os negros, acrescenta, seriam “organicamente incapazes de se elevarem”. Ou seja, ele justifica com fatos biológicos a incapacidade dos negros de se tornarem “civilizados”. Na caracterização das diferentes raças feitas por ele,
os índios terminam como a “raça” ainda mais “inferior” do que o negro, pois não se deixa influenciar pelos aspectos da “civilização superior”, enquanto o negro seria sugestionado por ter um “temperamento servil e imitador”.
Uma das causas do “clareamento” que vai ocorrendo, segundo ele, é a vinda dos imigrantes europeus e o cruzamento dessa “massa aryana pura” com os mestiços, o que elevaria “o theor aryano do nosso sangue”. Com estes dados estatísticos que mostravam uma diminuição de índios e negros, ele afirma, então, que estaria havendo um “movimento de aryanização”. Segundo ele, na medida em que os mestiços se misturam com os brancos vai ocorrendo o “refinamento” étnico, isto é, um processo clarificador que aproxima o tipo mestiço do tipo europeu. Mas, apesar da possibilidade de o brasileiro tornar-se branco, ainda assim Viana é taxativo quanto à manutenção da suposta inferioridade, por mais semelhantes que os mestiços possam ser aos brancos por conservarem alguns caracteres “inferiores”.
Na última parte do livro, ele trata da evolução das instituições políticas, com uma preocupação nacionalista. No período imperial pós-independência, segundo ele, a dispersão e a fragmentação não são bem vindas porque haveria aí uma preocupação com a “organização política da nacionalidade”, que antes não havia. Os políticos teriam que agir nesse período, ao contrário dos políticos da colônia, de forma a possibilitar a
uniformidade da organização política nacional. “Elles não têm diante de si uma vasta colônia a explorar, segundo os preceitos do fiscalismo; mas uma patria a organizar, uma nação a construir, um povo a governar e dirigir” (Ibidem, p. 213).
Na visão de Viana, com sua “política orgângica”, há indivíduos superiores que devem governar uma maioria “inferior” e há sociedades superiores que devem se
impor sobre as outras. A defesa de um “grupo nacional” dá-se com a relação entre natureza (raça, meio), psicologia (“caráter”) e cultura (na oposição cultura civilizada/evoluída ou bárbara/primitiva). As diferenças culturais são diferenças biológicas e psicológicas, determinadas pelo meio, naturalizando-se assim a realidade social.
Podemos ver que a ‘inferioridade’ dos negros, mulatos e mestiços garante que o poder continue entre a aristocracia formada por homens brancos, já que por aqueles serem inferiores não teriam capacidade de ocupar cargos de poder, precisando
que alguém o faça por eles. O “sentimento de uma patria unica” ainda não estaria formado. O rei seria a peça fundamental do período do império, o que garantiria a unidade das capitanias, pois exerceria um prestígio grande sobre a população. A “sociedade brasileira” para Holanda
Percebemos então que o pensamento de Oliveira Viana se distancia das interpretações dadas à sociedade brasileira dadas por autores como Gilberto Freire, Sérgio Buarque de Holanda e Caio Prado. As diferenças dizem respeito à visão evolucionista que Viana faz da sociedade brasileira, considerando a suposta superioridade biológica dos brancos em relação aos negros, índios e mestiços. Sua visão
perde espaço para outros tipos de abordagens da sociedade trazidas pelas obras de Freyre, Holanda e de Caio Prado, entre outros. Essa outra fase dos estudos sociais não se utilizaria de critérios biológicos, mas culturais, econômicos, entre outros, e traz críticas à herança portuguesa no Brasil. Sociedade portuguesa ┤ nós ├ portugueses e espanhóis Assim, esse pronome nós, em princípio indefinido, ao longo do texto é determinado por portugueses e espanhóis e por sociedade portuguesa. Portugueses e brasileiros ficam indistintos na medida em que ele usa o pronome nosso(a), referindo-se à sociedade
brasileira mas descrevendo as características dos portugueses.
É a cultura portuguesa que prevalece, e o que ocorre
no Brasil seria uma continuidade disso, uma questão de “alma”. Trata-se de uma visão essencialista. Isso parece se confirmar ao longo do texto ao descrever a conquista portuguesa, pois para Holanda, os portugueses realizam a “conquista do trópico para a civilização”, sendo eles “portadores naturais dessa missão” (Ibidem, p. 43).
A “adaptação” é um dos elementos essenciais apontados por ele para o sucesso da colonização dos portugueses, isto é, ele admite a “influência” do meio na formação de nossa sociedade. Uma posição semelhante à de Viana no que se refere à influência do meio sobre os portugueses.
Neste trecho, Holanda descreve os índios como um grupo que não se adéqua às existências social e civil tal como estas são compreendidas para os portugueses. Para estes últimos, a base para o trabalho é
composta pela ordem, constância e exatidão, que não eram compreendidas pelos índios. Ele ainda se refere ao europeu como raça dominante. Mesmo não tratando do ponto de vista racial, utiliza essa denominação para se referir aos portugueses e novamente ele se inscreve no discurso colonialista, ao qual Viana está filiado. Na sua interpretação do que se passa na colonização ressoam os sentidos de um discurso fundador de que o europeu é quem trabalha e os índios não se adequariam ao
trabalho “acurado”. São sentidos provenientes de um discurso fundador que ainda circula, de que os índios ‘são preguiçosos’ e, no início do século XX, época em que o livro foi escrito, esse sentido é transposto para o ‘brasileiro’.
E Holanda, mesmo se situando “do lado de cá do Oceano Atlântico” acaba por naturalizar as características dos índios, mestiços, negros, portugueses,
significando-as de um ponto de vista colonial “do lado de lá”, e assim, representando o que é ser brasileiro no século XX. Comparando o modo como Holanda refere índios e portugueses, observamos
que o índio é o que pertence à terra, que por sua vez pertence aos portugueses. Isto é, os portugueses têm direito à terra, mas que ‘já vem com índios’, ‘naturais da terra’, seja pelo adjetivo natural, seja pelo adjunto da, do. A relação do índio com o Brasil é, assim, de pertencimento, não de “dono”. Já em relação aos portugueses, estes são os que dominam, seja pelo sintagma nominal raça dominante, seja pelo substantivo dominadores. Holanda
não se refere aos que viviam no Brasil, índios, portugueses ou negros, como brasileiros. Esta palavra aparecesomente determinando lusos / lusitanos.
Observamos os sentidos que fazem parte do discurso fundador de que no Brasil haveria uma ‘convivência pacífica entre negros, índios e brancos, apagando-se uma história de conflitos, de revoltas e também o preconceito. Entre os portugueses, segundo ele, não haveria “orgulho de raça” ou, como ele retifica, não completamente. Isso porque eles já teriam começado a se misturar com “gente de cor” muito antes de isso acontecer no Brasil, onde, entretanto, a mistura passa acontecer de forma mais intensa já sem “o sentimento de distância entre os dominadores, aqui, e a massa trabalhadora de homens de cor” (ibidem, p. 54-55). Segundo ele, portugueses e negros se relacionavam bem por conta da mistura e da convivência entre eles:
Havia casos, como ele cita, em que se impedia que os negros ocupassem cargos públicos, mas que para ele teriam se tratado de “casos particulares”, não de um
“exclusivismo racista” onde somente “brancos puros” ocupassem tais cargos, mas porque, tradicionalmente, ao negro ficava associada a ideia de que ele fizesse trabalhos vis por causa da escravidão, um “estigma social”. É interessante observar que no discurso de Holanda são apagados os preconceitos raciais quando ele afirma ser a convivência entre as raças sem “dissonâncias”, através do estabelecimento de “laços sentimentais” que os aproximavam. Entretanto, ele mesmo cita casos em que negros
sofriam preconceito e eram discriminados.
A divisão entre família e sociedade se assemelha à distinção feita por Tönnies (1887) entre
comunidade (Gemeinschaft) e sociedade (Gesellschaft). Para este autor, a família seria um exemplo de comunidade enquanto o Estado seria próprio da sociedade. Comunidade e sociedade distinguem-se porque a primeira seria regida por laços naturais, irracionais, afetivos, tal como a ideia de família apresentada por Holanda. Na noção de sociedade, tal como ele a compreendia, prevaleceriam os laços racionais e as relações seriam determinadas artificialmente, através de acordos. Na família, a
hierarquia que se tem é determinada pelos laços sanguíneos, prevalecendo os sentimentos como a paixão, o desejo. Considerações finais Notas 1 Doutoranda em Lingüística no Instituto de Estudos da Linguagem da UNICAMP com o apoio da CAPES no Brasil e do convênio Capes/COFECUB para o período de doutorado-sanduíche no Laboratório Triangle da ENS-LSH de Lyon no quadro do Projeto “O controle político da representação: uma história das idéias”. 3 Francisco José de Oliveira Viana (1883-1951) foi jurista, professor, etnólogo historiador e sociólogo. Publicou vários livros dedicados ao estudo da sociedade brasileira. Dentre os diversos cargos exercidos por ele, foi consultor jurídico do ministério do trabalho, tendo colaborado na organização da legislação trabalhista que serviu de base para a atual
legislação. Também foi membro da Comissão especial de revisão da Constituição e em 1940 tornou-se ministro do Tribunal de contas da Justiça. Ocupou uma cadeira na Academia Brasileira de Letras e foi membro do Instituto Histórico e Geográfico, tendo sido membro de outras academias e institutos importantes. 4 O autor enuncia dizendo-se imparcial e objetivo, posição própria do discurso positivista. 5 Trata-se do estrangeiro. 6 A hiponímia é uma relação de sentido em que uma expressão tem seu sentido incluído no sentido mais amplo de uma outra expressão que será seu hiperônimo. Segundo Guimarães (2007), esta relação de sentido é uma construção lingüística, não depende de uma relação referencial fora da linguagem. 7 Preocupamo-nos aqui em não sermos anacrônicos, pois a teoria evolucionista utilizada para estudos das sociedades era comum no final do século XIX e como vemos, no início do século XX também. O preconceito racial ainda persiste em nossos dias embora seja muito condenado, e não seja muito explícito. 8 Grifo nosso. 9 Trata-se do texto que introduz o livro Raízes do Brasil, 26ª edição. 10 Holanda se utiliza aqui dos tipos estabelecidos por Weber. Os tipos weberianos são ordenados em pares antagônicos que interagem dialeticamente: por exemplo, quando Holanda divide os portugueses em tipo aventureiro e tipo trabalhador. A análise por pares contrários seria uma tendência seguida no pensamento latino-americano. Referências Bibliográficas AUROUX, S. A revolução tecnológica da gramatização. Campinas, Ed. da Unicamp, 1992. Que maneira eram caracterizados os nativos considerados civilizados em contraposição aos Botocudos?Resposta: Eram caracterizados “indios mansos”. Essa denominação revela o preconceito contra os nativos na hora em que eles eram chamados de “mansos” como se fossem animais.
Como você acha que os índios passaram a se sentir?Falo amigáveis no sentido de que não houveram de imediato mortes, massacres, guerras, extermínio ou coisa do tipo.
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