Qual é o principal critério definidor de competência dos juizados especiais criminais?

Oriana Piske*

Sumário: 1. Conciliação. 2. Transação. 3. Reparação dos danos sofridos pela vítima. 4. Aplicação de pena não privativa de liberdade.

1. Conciliação

São objetivos máximos dos Juizados Especiais, a conciliação, a transação, a reparação dos danos sofridos pela vítima e a aplicação de pena não privativa de liberdade com a finalidade de alcançar o escopo maior - a pacificação social. Tais objetivos demandam uma atenção especial dos operadores do direito, visto que também são instrumentos necessários à concretização dos preceitos da Lei no 9.099/95.
A palavra conciliação é "derivada do latim conciliatio, de conciliare (atrair, harmonizar, ajuntar); entende-se o ato pelo qual duas ou mais pessoas desavindas a respeito de certo negócio põem fim à divergência amigavelmente".
O papel desempenhado pela conciliação e pela arbitragem dentro do sistema processual tradicional sempre foi muito tímido, talvez pela grande influência da cultura do litígio. Nesse sentido é o entendimento de Elena Highton:

"Hay una cultura del litigio enraizada en la sociedad actual, que debe ser revertida si deseamos una justicia mejor y una sociedad também mejor, y lo que permite clasificar a una cultura como litigiosa no es, propiamente, el numero de conflictos que presenta, sino la tendencia a resolver esos conflictos bajo la forma adversarial del litigio".

A conciliação no processo civil, por exemplo, se resumia, quando muito, a um mero e às vezes inaudível questionário do magistrado antes do início das audiências.
Ante a permanência dos vínculos das relações que geram os conflitos, desde a Lei de Pequenas Causas vem se tentando reabilitar formas de composição de conflito mais adequadas ao que se denomina de Justiça coexistencial, ou conciliativa, que "(...) deve ser perseguida quando esta possa revelar-se, também no plano qualitativo, não já um second best, mas também melhor do que a Justiça ordinária contenciosa".
Na conciliação as partes têm uma posição mais proeminente, devido a participarem da solução do conflito. Na verdade, a decisão é um compromisso cujos termos, com estímulo do conciliador, são produzidos pelos envolvidos. Trata-se de um método não adversarial, na medida em que as partes atuam juntas e de forma cooperativa.
A conciliação objetiva que as partes possam reconhecer os limites do conflito e encontrar uma solução conjunta. Pode ocorrer o atendimento pleno direito do autor, parcial, ou mesmo não haver atendimento do direito deste. A necessidade da superação do ranço de uma mentalidade conservadora na apreciação dos novos instrumentos de realização e efetivação de cidadania se afigura um grande desafio. Não perceber as novas potencialidades dos Juizados Especiais constitui uma verdadeira contramarcha ao processo de universalização do acesso adequado à Justiça. Portanto, a conciliação representa estratégia de atuação que leva as próprias partes a encontrarem a melhor solução para o litígio, cabendo ao juiz, togado ou não, e ao conciliador informarem às partes a importância e as vantagens positivas desse instituto.
Com efeito, a Lei no 9.099/95 valoriza a conciliação (art. 21/26 e 57), não desejando uma tentativa pálida de acordo com a simples indagação às partes sobre a sua possibilidade. Muito mais do que isso, pretende uma interação entre as partes com o conciliador ou juiz, desarmando os espíritos, apresentando caminhos e sugestões para o deslinde da controvérsia, numa participação efetiva em busca da pacificação social.
Deve, pois, não só o conciliador mas também o juiz (togado ou leigo), atentar sempre para o espírito de conciliação imposto pela lei. Na conciliação, não há uma solução ditatorialmente imposta, as partes, em consenso, encontram um caminho para a resolução do conflito.
Trata-se de uma mudança não só de comportamento, mas também de mentalidade.
O órgão que representa a Justiça sai de sua posição inerte e, mantendo evidentemente a igualdade das partes, formula hipóteses, sugere formas de composição do litígio, adverte para os riscos em caso de prosseguimento do pleito, enfim, exerce atuação preponderante no caminho para o entendimento das partes.
A finalidade primordial do Juizado Especial é, na medida do possível, com um mínimo de formalidades, buscar a conciliação entre as partes, e os princípios insculpidos no artigo 2o da Lei no 9.099/95, poderiam ser apresentados como princípios da conciliação.
No que tange ao Juizado Especial Criminal, procura-se compor o dano social resultante do fato, prevendo-se a sua reparação imediata, ao menos em parte, com a composição, ou a transação, como preconizado na doutrina moderna, que as tem como suficientes para a responsabilidade penal do autor de infrações menores quando não indiquem estas periculosidade do agente. Tais medidas, antes vedadas na área criminal quanto às ações penais públicas, passaram a ser admitidas pela Constituição Federal nas causas de competência dos Juizados Especiais (art. 98, I). Com isso mitiga-se o princípio da obrigatoriedade, que era de aplicação absoluta nas ações penais públicas. Possibilitam elas, no bojo do procedimento, uma rápida solução do conflito de interesses, com a aquiescência das partes envolvidas.
Com efeito, a Lei no 9.099/95, no que concerne ao Juizado Especial Criminal, quebra com o rígido sistema da obrigatoriedade, passando a admitir a "discricionariedade regulada pela lei". Não se trata de aceitação do princípio da oportunidade, mas de mitigação da obrigatoriedade por via procedimental. Para tanto, há a fase preliminar, onde ocorre a tentativa de conciliação entre a vítima e o autor do fato, quanto à reparação do dano, e, ainda, entre o Ministério Público e o autor do fato, no que tange aos aspectos criminais do evento. Para maior efetividade da conciliação, há previsão da atuação, além dos juízes togados e leigos, de conciliadores, consoante disposição das leis de organização judiciária.

2. Transação

Acostumados ao sistema tradicional da obrigatoriedade da ação penal como era regra do sistema penal acusatório, era desconfortável a convivência com a discricionariedade regulada pela transação. Orgulhosos com o fato de termos erigido garantias constitucionais, os princípios do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório (art. 5o, incisos LIV e LV), a transação penal parecia aparentemente colidir formalmente com a Carta Magna. Havia então a sensação de que a presunção de inocência sofria um golpe fatal. Entretanto esta transação já estava prevista como proposta constitucional (art. 98, inciso I), bastava apenas a regulamentação, o que veio a acontecer com a publicação da Lei no 9.099/95. Cabe ressaltar que o novo instituto não afronta quaisquer destes princípios constitucionais, como veremos à frente. Ao contrário, cuida-se tão-somente de um instituto do novo modelo de Justiça Criminal.
No sistema penal embora não houvesse a previsão expressa acerca do princípio da obrigatoriedade da ação penal pública, tal se abstraía do exame sistemático das disposições do Código de Processo Penal, especificamente os artigos 24 e 42.
Com a Lei dos Juizados, a transação apresentou-se como uma exceção à regra da indisponibilidade e obrigatoriedade da ação penal pública com base na discricionariedade regulada, exceção mitigada pelo controle jurisdicional. Tal medida se fazia necessária. É certo que o modelo processual penal clássico da América Latina atém-se ao princípio estrito da legalidade, impondo o exercício obrigatório da ação penal pública. Contudo, a realidade demonstrou que se criavam critérios de seleção informais e politicamente caóticos, com o elevado número de crimes em que não eram instaurados inquéritos ou em que o Ministério Público não oferecia denúncia.
Visando preservar o princípio da obrigatoriedade, mitigando-o com o da discricionariedade regulada, afastou-se o princípio puro da oportunidade atribuindo-se à lei a seleção das hipóteses de transação penal (art. 61 e 76, da Lei no 9.099/95) com aplicação imediata da pena de multa ou restritiva de direitos mediante acordo entre o Ministério Público e o autor da infração com assistência da defesa técnica e controle judicial.
A transação penal é instituto decorrente do princípio da oportunidade de propositura da ação penal, o que confere ao seu titular, o Ministério Público, a faculdade de dispor da ação penal, isto é, de promovê-la, sob certas condições, partindo-se do princípio da discricionariedade regulada. O Ministério Público somente poderá dispor da ação penal nas hipóteses previstas legalmente, desde que exista a concordância do autor da infração e a homologação judicial. Cabe ressaltar que a transação consiste em mútuas concessões entre as partes, estando autorizada na Constituição Federal no que tange às infrações de menor potencial ofensivo (art. 98, I). A transação penal instituída pela Lei no 9.099/95

"possui natureza de negócio jurídico civil, firmado entre o Ministério Público e o autor do fato, e que as ?penas? de multa e restritivas de direitos, estabelecidas por força desse negócio jurídico nada mais são do que as prestações assumidas pelo autor do fato. Quanto à sentença estabelecida pelo parágrafo 4o do artigo 76 da Lei no 9.099/95, não é condenatória, não impõe pena, mas somente homologa o acordo firmado entre as partes e forma o título executivo judicial da obrigação assumida pelo autor do fato, tendo por conseqüência a exclusão do processo-crime e a declaração da extinção da punibilidade, pela decadência do direito de propor a ação penal."

Acrescente-se que, com a aceitação e cumprimento da pena alternativa proposta em sede de transação penal, o autor da infração fica sem poder fazer jus a este benefício nos próximos cinco anos. Vale lembrar que o descumprimento da transação penal acarreta o prosseguimento na ação penal.
São óbices à proposta de transação:
a) ter sido o autor da infração condenado definitivamente por crime com pena privativa de liberdade;
b) ter sido beneficiado anteriormente, no prazo de cinco anos, pela transação penal;
c) os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, não indiquem ser a medida necessária e suficiente.
O autor da infração poderá ou não aceitar a proposta do Ministério Público e, embora a lei não faça menção, poderá ser efetuada uma contraproposta pelo autor do fato e seu defensor. Na hipótese de o autor do fato e seu defensor discordarem no que diz respeito à aceitação da proposta pelo autor do fato, o nosso posicionamento é no sentido de que vale a decisão do autor do fato, mesmo que contrária ao seu defensor. É certo que a defesa tem relevância para dar a orientação jurídica mais adequada. Todavia, o autuado é que tem de escolher entre aceitar a proposta ou submeter-se ao processo, além do que, em interpretação sistemática da lei, verificaremos que o § 7o do artigo 89 é claro em dizer que "... Se o acusado não aceitar a proposta...".
Uma das mais complexas controvérsias diz respeito aos limites da recusa do Ministério Público em formular a proposta de transação penal, a melhor doutrina, com apoio da jurisprudência (Apelações Criminais no 973.693 e 968.325 do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo), vem refutando a idéia de que tal proposta seja faculdade do Ministério Público (facultas agendi). Atualmente o entendimento majoritário é no sentido de que presentes as condições legais, a transação penal é um direito penal público subjetivo de liberdade do autuado, devendo o Ministério Público propô-la.
Nesta fase o juiz deverá analisar a legalidade da proposta efetuada pelo Ministério Público, bem como se houve aceitação, por parte do autor do fato e seu defensor. Sendo assim, o juiz verificará se estão presentes os requisitos legais, os pressupostos para realização da proposta e conseqüente transação; casos estes não estejam presentes, o juiz não acolherá a proposta do Ministério Público e, em decorrência, não homologará a transação.
Desta forma, se o juiz não acolher a proposta do Ministério Público poderá aplicar o artigo 28 do Código de Processo Penal, em face do princípio da oportunidade regrada. Assim não poderá o juiz aplicar uma pena diversa da proposta do Ministério Público, ressalvada a hipótese expressamente prevista no § 1o, do artigo 76 da Lei no 9.099/95, eis que é vedada ao julgador, sob pena de ofensa ao devido processo legal, bem como por ferir o princípio da imparcialidade do juiz e o sistema acusatório, onde há nítida separação entre as funções do Ministério Público, de imputação do fato e de realização de proposta de pena a ser aplicada, e as do Poder Judiciário, de aplicação do direito ao fato concreto, de julgar imparcialmente e definitivamente a lide.
Caso o juiz não homologue a transação realizada, por análise de sua oportunidade, adentrando na esfera da discricionariedade das partes, caberá mandado de segurança por parte do Ministério Público, por ferir o direito líquido e certo, bem como o habeas corpus por parte do autor do fato, em proteção ao direito de ir e vir.
No que concerne à sentença homologatória de transação penal, a Lei no 9.099/95 afastou os seguintes efeitos secundários: reincidência; efeitos civis e antecedentes criminais. Acrescente-se que a lei determina que tal sentença seja registrada apenas para impedir a concessão do mesmo benefício da transação pelo prazo de cinco anos.
Vale lembrar que a transação não tem por objeto imediato deixar de punir o suposto autor de uma infração penal, mas sim a não propositura da ação penal, evitando-se, de maneira secundária, os efeitos deletérios daí resultantes. Nestes termos, a rescisão do acordo não pode redundar na imediata aplicação de pena, mas sim naquilo que foi objeto da transação, ou seja, na continuidade do processo penal.
Assim, descumprido pelo autor do fato a sua prestação estabelecida na transação penal, desfaz-se o acordo, com a conseqüente possibilidade de o Ministério Público oferecer denúncia, ou mesmo adotar outra providência de natureza persecutória, como requisitar diligências investigatórias ou, dada a eventual complexidade do caso, a instauração de inquérito policial. Vislumbra-se, na hipótese, que se retorna a situação jurídica anterior à celebração do acordo (transação penal).
Por outro lado, verifica-se que a transação penal, prevista no artigo 76 da Lei no 9.099/95, difere do modelo americano, visto que o "Ministério Público não pode deixar de oferecer acusação em troca da confissão de um crime menos grave ou da colaboração do suspeito para a descoberta de co-autores, como ocorre no sistema da plea bargaining dos Estados Unidos da América". Com efeito, nos Estados Unidos vigora o princípio da oportunidade da ação penal, o promotor detém poder discricionário, podendo, inclusive, deixar de intentá-la.
O instituto da plea barganing consiste numa verdadeira transação entre a acusação e a defesa; tem a finalidade da imposição de pena referente a delito de menor potencialidade ofensiva, diverso daquele que inicialmente foi imputado ao réu. A plea barganing representa a manifestação expressiva, embora não única, da discricionariedade do promotor americano, e consiste fundamentalmente na negociação entre o Ministério Público e a defesa, destinada a obter uma confissão de culpa em troca da acusação por um crime menos grave, ou por um número mais reduzido de crimes. Quanto ao alcance prático da plea barganing nos Estados Unidos, observa-se que, através dele, são solucionados de 80 a 95% de todos os crimes; por outro lado, inquéritos feitos por uma amostragem significativa de promotores revelaram que estes consideram 85% dos casos da sua experiência como adequados a uma solução de plea bargaining.
A figura da plea barganing suscita uma controvérsia entre os juristas e os criminólogos americanos. Os críticos apontam insistemente para a desigualdade e a injustiça que se refletem na plea negotiation. Com a negociação de fatos (e do direito) feita no gabinete do Ministério Público e nos corredores do Tribunal, subtraída da publicidade, os seus resultados concretos dependem diretamente do poder das partes em confronto, da respectiva competência de ação. É nítida a superioridade da posição do Ministério Público. O domínio efetivo do processo permite-lhe uma estratégia que pode contar com o desconhecimento, a incerteza e a insegurança da defesa em relação a aspectos decisivos, como nos relativos à prova. Dispõe, por outro lado, da irrecusável vantagem de escolher o tipo de crime por que se propõe acusar e o tipo da reação criminal que se propõe reclamar.
Os argüidos que recusam a guilty plea são considerados incômodos e pertubadores, e acabam por serem punidos com mais severidade. A pressão no sentido da leading guilty pode implicar a condenação de inocentes, sobretudo dos mais inexperientes. Por outro lado, o sistema privilegia manifestamente os delinqüentes com maior competência de ação, ou mais experientes, que podem ser os mais perigosos. Alguns críticos do sistema de negociação da Justiça observam que, muitas vezes, ele é um sofisticado e sintético sucedâneo da justiça real. Os seus processos e métodos rotineiros e quase absurdos levam diretamente ao favoritismo, à venalidade, à coerção e ao arbítrio. Consideram o sistema particularmente vulnerável à manipulação política.
Dentre as vantagens da plea barganing, avultam as da economia - de tempo e dinheiro -, racionalidade e eficiência. Numa perspectiva sociológica, a plea bargaining representa a resposta do sistema americano à maximização da justiça criminal. Com base mais jurídica, são ainda numerosas as vozes dos que acreditam que ele constitui um expediente suscetível de superar a rigidez abstrata e a ambigüidade da lei criminal, imediatizando soluções de maior eqüidade e justiça.
Por outro lado, incorre-se em erro, a prática de disponibilidade do processo penal, principalmente estadunidense, ao tentar aplicar à administração da Justiça os princípios e valores da sociedade capitalista: produtividade, entendida com maior ou menor percentual de condenações obtidas, convertendo-se num instrumento de medida de eficácia da atividade jurisdicional. As vantagens das negociações e das declarações de culpabilidade residem no fato de serem uma forma de administrar a Justiça de maneira mais flexível do que o modelo tradicional, bem como são a base para que mais de três quartos das condenações nos Estados Unidos da América sejam produto das pleas e as quais são necessárias para que hoje em dia a administração funcione.
No Brasil, o instituto da transação penal apresentou uma feição diversa da plea bargaining e da plea guilty, observando o princípio Constitucional da inocência, a aceitação da proposta de transação formulada pelo Parquet não significa reconhecimento da culpabilidade penal, nem mesmo da responsabilidade civil. Acrescento que se trata de um benefício legal a que faz jus o autor do fato que preencha os requisitos legais (Lei no 9.099/95, art. 76).
A proposta do Ministério Público atém-se a balizas para o preenchimento de determinadas condições e requisitos legais tendo em vista que a transação penal antecede a acusação, ou seja, antes da instauração da ação penal, na audiência preliminar ou antes do recebimento da denúncia ou queixa, se não houver oportunidade de a mesma se efetivar em fase anterior por ausência do autor da infração. Resta clara a opção do legislador pela discricionariedade regrada.
Considero que neste particular a Lei no 9.099/95 avançou as pleas americanas, dado que, na transação penal brasileira, não há qualquer juízo de culpabilidade, seja pela declaração do agente do delito, aceitando a proposta do Ministério Público, declarando-se culpado pelo fato a ele atribuído (plea guilty) ou negociação entre o Ministério Público e a defesa, objetivando uma confissão de culpa em troca da acusação por um crime menos grave, ou por um número mais reduzido de crimes (plea bargaining), mas trata-se, a transação, de um benefício legal de não submissão do autor do fato à ação penal por preencher os requisitos do § 2o do artigo 76, do referido Diploma legal, e permanecendo o mesmo sem antecedentes criminais, apenas deixa de gozar este benefício nos próximos cinco anos.
Desta forma, verifica-se que na transação penal há desvinculação da admissibilidade de culpa e da instauração da ação penal, bem como tem amparo constitucional, e seu procedimento está em harmonia com os princípios da inocência e do devido processo legal. Apresenta-se, ainda, como um instituto que traça um novo modelo de Justiça consensuada que, de formar singular, consegue ao mesmo tempo observar a dignidade da pessoa humana e a efetividade da Justiça.
Deve-se ressaltar, também, que um dos principais objetivos da Lei no 9.099/95 foi provocar a despenalização, atendendo aos ditames de uma moderna política criminal.

.3. Reparação dos danos sofridos pela vítima

A reparação dos danos sofridos pela vítima é um objetivo expresso no artigo 62 da Lei no 9.099/95, como também a aplicação de pena não privativa de liberdade, sendo que o primeiro objetivo reflete uma atual preocupação penal com a vítima, enquanto o segundo objetivo reproduz a necessidade da despenalização, tão presente no direito penal moderno.
Tal instituto despenalizador apresenta uma relevância social extraordinária, visto que permite a solução do litígio seja na esfera criminal como na civil, e, ainda, a pacificação social.
O novo modelo consensual, introduzido pela Lei no 9.099/95, representa o reflexo da nova política-criminal brasileira que, a despeito de uma tendência "paleorepressiva" que se imprimiu, mormente após 1990, pelo incremento da criminalidade, culminando na edição da Lei dos Crimes Hediondos, surpreendentemente, neste contexto de "hard control", surgiu este novo paradigma de Justiça criminal, tendo como base fundamental o consenso.
Há na atualidade grande preocupação em privilegiar a vítima no processo criminal. Louvável, portanto, que tenha sido fixado como um dos objetivos principais do Juizado a reparação dos danos por ela sofridos e, em vários pontos, a lei prestigiou a vítima.
A Lei no 9.099/95 aproximou a questão civil da penal, permitindo que na fase preliminar possa ser feito acordo sobre a reparação do dano no Juizado Criminal, com a formação do título executivo. Deu também papel de relevo à vítima, ao prever e, por isso, estimular a sua presença na fase preliminar, quando poderá ser feito o acordo civil. Aliás, ainda que a lei não faça alusão à vítima na audiência de suspensão condicional do processo, sua presença neste ato seria bastante conveniente.
Com o aumento das hipóteses de representação, ficando assim a acusação condicionada à manifestação de vontade da vítima, aumenta a sua força no sistema. Também, ao inovar com a previsão de renúncia ao direito de representar ou de oferecer queixa em razão do acordo civil, estimulou a realização dos acordos, aumentando a chance de a vítima ser reparada.
Outro aspecto importante é o de trazer para o processo criminal o responsável civil, o que poderá facilitar os acordos tendentes a ressarcir o dano sofrido pela vítima, que no direito tradicional nunca mereceu qualquer atenção. Hoje, a vítima ganhou destaque importantíssimo e a sociedade, de modo geral, beneficou-se com isto.
Assim, na composição civil dos danos causados à vítima, verifica-se a ocorrência de dois fenômenos: a reparação do dano à vítima, que passa a ter uma atenção especial do direito penal; e, a extinção da punibilidade do autor do fato, decorrente do anterior, passando a ser uma via ressocializadora e despenalizadora.

4. Aplicação de pena não privativa de liberdade.

Aspecto relevante do Juizado é a afirmação de que deve ser evitada a aplicação de pena privativa de liberdade, em inteira consonância com a tendência da Criminologia moderna. Reflete-se essa diretriz no fato de que o acordo entre Ministério Público e autor do fato só poderá cingir-se à multa ou restrição de direito. Por outro lado, na conversão da pena de multa ou de pena restritiva, deve-se buscar interpretações ou soluções que tendam a evitar a pena privativa.
A Lei no 9.099/95 estabeleceu quatro medidas despenalizadoras visando evitar a pena de prisão:

l) nas infrações de menor potencial ofensivo de natureza privada ou pública condicionada, havendo composição civil, resulta extinta a punibilidade (art. 74, parágrafo único);
2) não havendo composição civil ou tratando-se de ação pública incondicionada, a lei prevê a aplicação imediata de pena alternativa (restritiva ou multa) (art. 76);
3) as lesões corporais culposas ou leves passam a requerer representação (art.88);
4) os crimes cuja pena mínima não seja superior a um ano permitem a suspensão condicional do processo (art. 89).

Assim, mediante tais medidas despenalizadoras e descarcerizadoras, o Direito Penal brasileiro passa a acompanhar as tendências mundiais contemporâneas.
Neste passo, verificamos que o legislador não admite que a proposta de transação penal verse sobre a aplicação de pena privativa de liberdade, mesmo reduzida, e mesmo que esta seja a única prevista em abstrato. Afinal, estamos numa fase que diríamos administrativa, em que não há sequer acusação, o processo jurisdicional propriamente dito não se iniciou, e não se sabe se o acusado, neste, seria absolvido ou condenado. Ainda nos situamos fora do âmbito do direito penal punitivo, de seus esquemas e critérios.
Mas isso não quer dizer que a pena restritiva de direitos possa ser buscada além do rol indicado pelas alíneas do inciso XLVI do artigo 5o da Constituição Federal, com as especificações do artigo 53 e seguintes do Código Penal, excluída, naturalmente, a pena privativa da liberdade.
A proposta da acusação deverá ser clara e precisa, para dar ao autuado e seu defensor pleno conhecimento da pena proposta, com a medida de suas conseqüências práticas. Referir-se-á ao fato narrado no termo da ocorrência, mas sem qualquer tipificação legal. Isso porque a aplicação da sanção não indica reconhecimento da culpabilidade. Deverá, ainda, a proposta especificar o valor da multa (se de pena pecuniária se tratar) ou a espécie e duração da pena restritiva de direitos.
Desta forma, como a lei determina que a pena privativa de liberdade, ainda que seja a única aplicável em abstrato, seja substituída por pena restritiva de direitos ou multa, também permite ao juiz reduzir até a metade a pena de multa contemplada, ainda em tese, para a infração penal.
Trata-se, agora, de poder discricionário do juiz: bastará, para sua utilização, que o acusador tenha proposto a aplicação de pena de multa e o autuado e seu advogado a tenham aceito.
A elaboração da proposta e a homologação da transação penal submetem-se a condições especificadas nos três incisos do § 2o do artigo 76.
Não se trata de condições da ação, pois nesse momento processual ainda não há ação nem processo. Cuida-se simplesmente de requisitos em cuja ausência a proposta de transação não poderá ser formulada, e muito menos o acordo homologado por sentença: ou seja, de causas impeditivas da proposta e de sua homologação.
Assim, o impedimento da lei dirige-se, em primeiro lugar, ao Ministério Público que não poderá formular a proposta, tendo, ainda, o dever de motivar, em um dos incisos em questão, as razões de sua recusa em transacionar. Em segundo lugar, a ordem é voltada ao juiz, que fica impedido de homologar o acordo penal.
A Lei no 9.099/95 admitiu a possibilidade de conversão da pena de multa em pena privativa de liberdade, ou restritiva de direitos, sem contudo especificar em que hipóteses deverá ser feita a conversão em uma ou outra. Tanto o Código Penal como a Lei de Execução Penal prevêem a conversão da pena de multa em pena de detenção (art. 51 e §§ do Código Penal, e art.182 da LEP), mas não tratam da conversão em pena restritiva.
Assim, a Lei no 9.099/95 acabou trazendo interessante inovação, permitindo também a conversão da multa em pena restritiva. Mas, como não fixou os critérios para a conversão em pena privativa ou em pena restritiva, deixou ao intérprete o trabalho de, no conjunto de suas normas, extrair a real intenção do legislador.
A base para a melhor exegese encontra-se, certamente, no artigo 62, parte final, onde está dito, em destaque, que o processo criminal perante o Juizado Especial tem como um de seus objetivos primordiais o de evitar a pena privativa. Assim, a meta principal é evitar a pena privativa, devendo-se, por isso, preferir na conversão a pena restritiva.
Verifica-se que, de fato, a adoção de penas restritivas de direitos na modalidade de prestação de serviços à comunidade, ou de entrega de cestas básicas de alimentos, de remédios, de produtos de limpeza, colchões, cadeiras de roda, cobertores, etc., vem prestando relevantes serviços à sociedade, que estão, sem dúvida, atribuindo ao Direito Penal uma função social importantíssima.
Observando a situação fática e as condições psicológicas do autuado, promotores vêm propondo, como uma das condições da transação penal que o autuado, em afirmando ser alcóolatra, freqüente por determinados meses reuniões de alcóolatras anônimos, com o escopo de produzir um resultado social mais eficaz. Os magistrados vêm acolhendo e homologando com atenção esta proposta, determinando o encaminhamento de relatórios mensais para o acompanhamento desta medida. A meu sentir, trata-se mais do que uma adequada condição de transação penal, mas revela-se uma justa medida socioeducativa e pedagógica que tem surtido efeitos muito positivos no contexto familiar e da comunidade.
Da mesma forma acontece quando a prestação de serviços à comunidade busca adequar as condições de capacitação e habilidade pessoal do autuado no sentido de que a pena tenha um cunho social e tenha um efeito educativo.
Não se nega que o sistema implantado, conquanto seus méritos nesta nova concepção jurídico-penal, apresente falhas e que, por certo, serão corrigidas quer pelos operadores do direito, quer em nível de mudanças legislativas, que tendem a aprimorá-lo. Contudo, a experiência em Juizados leva-nos a acreditar que cada vez mais surgirão caminhos e parcerias que envolvam a Justiça e a sociedade civil na busca da resolução dos conflitos pela raiz dos problemas sociais.

REFERÊNCIAS

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CARDOSO, Antônio Pessoa. Justiça alternativa: Juizados Especiais. Belo Horizonte: Nova Alvorada, 1996.

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GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Juizados Especiais Criminais: comentários à Lei no 9.099, de 26.09.1995. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1996.

HIGHTON, Elena I.; ALVAREZ, Gladys S. Mediación para resolver conflictos. Buenos Aires: Ad Hoc, 1995.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais: comentários, jurisprudência, legislação. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1997.

PAIVA, Mario Antonio Lobato de. A Lei dos Juizados Especiais Criminais. Rio de Janeiro: Forense, 1999.

SALOMÃO, Luis Felipe. Roteiro dos Juizados Especiais Cíveis. Rio de Janeiro: Destaque, 1997.

É de competência dos Juizados Especiais Criminais?

Os Juizados Especiais Criminais, criados pela Lei n. 9.099, de 26 de setembro de 1995, são órgãos da Justiça que têm competência para a conciliação, o julgamento e a execução das infrações penais de menor potencial ofensivo.

Como se determina a competência dos Juizados Especiais?

A regra geral trazida pela Lei 9.099/95 é que a competência é do órgão do juizado situado no foro do domicilio do réu ou, a critério do autor (caráter facultativo) o do local em que o réu exerça suas atividades profissionais ou econômicas ou mantenha estabelecimento, filial, agencia, sucursal ou escritório.

Quais são os critérios de competência dos Juizados Especiais Cíveis estaduais?

Os Juizados Especiais Cíveis Estaduais possuem competência para conciliação, processo e julgamento das causas de menor complexidade assim definidas no artigo 3º da Lei nº 9.099/95.

Quais são os princípios que regem os Juizados Especiais?

É fundamental notar o alcance dos princípios da efetividade, oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade em face dos objetivos traçados pela Lei dos Juizados Especiais.