Quais as principais ideias defendidas por John Locke Thomas Hobbes e Jean

Introdução

Esse artigo ancora-se em três autores com teorias distintas a respeito da constituição do Estado, mas que são a base da Ciência Política que tem o Estado civil como uma construção social a partir de um contrato, ou seja, uma construção não natural. Apesar de serem contratualistas discordam em diversas questões ao longo do desenvolvimento de suas teses, com isso buscaremos abordar essas divergências, assim como, os pontos de semelhanças em suas teorias.

Nesse mesmo sentido é importante lembrar que são autores indispensáveis para tratar do contratualismo e as teorias que o sucederam a respeito da criação e manutenção do Estado, tendo em comum a perspectiva de que podemos pensar a história do homem em pelo menos dois períodos distintos, o homem no estado de natureza e este na sociedade civil fruto do contrato social. É evidente que cada um dos três trabalha suas teorias de modo a construí-las distintamente um do outro o que fazem deles únicos, porém complementares.

Desse modo, esse artigo busca trazer algumas semelhanças e diferenças quanto as abordagens teóricas dos contratualistas, objetivando trabalhar os principais conceitos que se correlacionam.

Hobbes, Locke e Rousseau por si só tem uma relevância muita grande para a Ciência Política, contudo, quando pensados em conjunto essa importância se torna inigualável.

1 Constituindo o Estado Moderno

Pode-se dizer sem encontrar muita ou nenhuma resistência que são três os elementos constitutivos do Estado, sendo eles a obrigação política, o povo e o território.

E ainda, pode-se delimitar da seguinte forma: o primeiro elemento constitutivo de um Estado é justamente a Obrigação Política, que está representada na soberania do Estado por ser detentor do monopólio do uso da força, da violência, o Estado tem que ser a expressão do desejo do povo. Desse modo, o Estado é quem tem que gerir a segurança quanto às ameaças externas, gerir a estrutura jurídica, monetária e fiscal, assim como, toda a estrutura estatal burocrática.

O Povo que é o segundo elemento constitutivo do Estado, nesse caso, está caracterizado por partilhar o mesmo território. O povo é o “sujeito de direito diante do poder do Estado, uma vez que, este deverá assegurar àquele a plenitude de seus direitos perante os demais indivíduos e perante a própria ação do Estado” (RECIO; NASCIMENTO, 2012, p. 13). Sendo assim, o Estado é constituído pela vontade dos indivíduos, daí a soberania do Estado provem do povo e é coletivamente da posse do povo.

A soberania do Estado, consequentemente do poder de um povo, ocorre até o limite do terceiro elemento constitutivo de um Estado, o Território, ou seja, o espaço físico geográfico que delimita o local em que um determinado povo habita e tem poder.

Porém, a questão é mais complexa, e quando se trata do Estado moderno não se pode pensar apenas por esses três elementos constitutivos de forma a ser a única teoria possível, sobretudo, não se pode defini-lo de forma tão homogênea. Contudo, nesse artigo ainda que de forma sucinta busca-se fazer um recorte, afim de, trabalhar as teorias dos contratualistas.

Estudos a respeito do Estado moderno aparece pela primeira vez em 1513 com Nicolau Maquiavel (1469-1527), mas foi efetivamente com os contratualistas Thomas Hobbes (1588-1679), John Locke (1632-1704) e Jean Jacques Rousseau (1712-1778) que eles assumem formas mais complexas no que concerne a sua constituição e manutenção.

A origem do Estado tem basicamente duas grandes interpretações, a primeira é a natural que compreende ser o desenvolvimento inevitável dos grupamentos humanos, que buscando cooperação e benefícios coletivos e individuais recíprocos se associam, e a necessidade de organizar esse conjunto de pessoas promove naturalmente o Estado1, o primeiro e um dos mais proeminentes defensores dessa teoria é Aristóteles que entende que, “o homem é um animal político (zoon politikon): por conseguinte, a polis existe por natureza, é um fenômeno natural” (GINZBURG, 2014, p.19). A segunda interpretação é a contratualista, que entende a sociedade como sendo fruto do resultado das decisões humanas, da razão humana, ou seja, se compreende que as pessoas decidiram viver em coletividade partilhando regras de convivência.

Sendo os precursores da teoria contratualista Hobbes, Locke e Rousseau. Este último, considerado o maior pensador do século XVIII, e tido por Kant como o “Newton da Moral,” é autor do renomado Contrato Social, e John Locke e Hobbes, ambos pensadores do século XVII, Locke contribuinte da teoria do estado de natureza, vê este como um estado de paz instável (Locke, 1983), já em relação a Hobbes, segundo Noberto Bobbio, é a partir dele que a teoria dos direitos naturais, passa a ser responsável pela doutrina jurídica que funda os direitos humanos, ou seja, o jusnaturalismo moderno, superando a tradição dos direitos naturais antigos e medievais (BOBBIO, 1986).

2 Thomas Hobbes

Hobbes, um filósofo inglês que nasceu na segunda metade do século XVI e faleceu no final do século XVII2 é autor da teoria que o Homem é um ser egoísta por natureza, e a única forma de evitar a barbárie, característica de uma sociedade violenta e egoísta em que todos lutam contra todos, é a sociedade civil, pois se deve compreender que o estado de natureza

deu a cada um o direito a tudo; isso quer dizer que, num estado puramente natural, ou seja, antes que os homens se comprometessem por meio de convenções ou obrigações, era lícito cada um fazer o que quisesse, e contra quem julgasse cabível e por tanto possuir, usar e desfrutar tudo que quisesse ou pudesse obter. Ora, como basta um homem querer uma coisa qualquer para que ela já lhe pareça boa, e o fato dele a desejar já indica que ela contribui, ou pelo menos lhe parece contribuir, para sua conservação [...], de tudo isso então decorre que, no estado de natureza, para todos é legal ter tudo e tudo cometer. E é este o significado daquele dito comum, “a natureza deu tudo a todos”, do qual portanto o entendemos que, no estado de natureza a medida do direito esta na vantagem que for obtida. (HOBBES, 2002, p. 32).

Sendo assim, é a formação do Estado civil por meio de um contrato tácito em que todos aceitam a regulação de um poder maior, proveniente do Estado enquanto ator e da sua tutela do uso da força que, se podem regular as ações dos homens sobre todas as coisas, garantindo que esses ao desejarem possuir a mesma coisa (objeto, afeto de alguém ou mesmo alimento) não venham agir conflituosamente com o seu adversário.

Partindo desse pressuposto vale salientar que para Hobbes

o estado de natureza não é caracterizado pela sociabilidade, mas por seu contrário: a guerra de todos contra todos. A agressão, real ou possível, gera de início o medo, e em seguida o impulso para sair do medo mediante um pacto baseado na renúncia de cada indivíduo aos próprios direitos naturais. (GINZBURG, 2014, p. 19).

Amplamente influenciado pela ciência do século XVII de Descartes e Galileu3, sobretudo, os estudos a respeito do movimento, Hobbes busca aplicar esses conceitos em sua teoria, compreendendo que os corpos mantêm o seu estado cinético, e o que está em repouso permanece em repouso, já o que está em movimento permanece em movimento acabando dessa forma com a ideia do motor primeiro4.

Hobbes estuda os homens como se fossem corpos que se encontram no universo, sendo que em estado de natureza os homens tendem ao conflito que é o que equivale ao entrechoques de corpos, o que impede o movimento, retirando do sujeito a sua liberdade, sendo o Estado civil aquele que poderá (re)instaura a liberdade.

Desse modo, para ele a liberdade é a ausência de oposição, é quando um corpo não é impedido de ter seu movimento. E ao contrário do que muitos autores indicam, de que para Hobbes o estado de natureza é o que seria o estado de liberdade plena, ele entende que o Estado civil organiza a vida em sociedade para permitir a liberdade do cidadão. Então, não é correto dizer que o cidadão passa parte de sua liberdade para o Estado, pois a soberania do Estado é fruto da construção coletiva do individuo, sendo ele representante do individuo. Contudo, o Estado representa a vontade do indivíduo.

Desse modo, uma visão possível é que para Hobbes, o que motiva a formação do contrato social era a busca da liberdade.

Por essa perspectiva Hobbes entende que as leis de natureza são uma construção da razão que tem como objetivo alcança a paz e conservação do homem, pois, ele entende que a natureza dita a busca da paz, sendo a sua ideia da “reta razão - isto é, a lei de natureza - é que procuremos a paz, quando houver qualquer esperança de obtê-la” (HOBBES, 2002, p.36).

Em um estado de natureza os homens viveriam de acordo com suas paixões exercendo poder em relação a tudo e sobre todos de forma indiscriminada, sendo que se dois ou mais homens desejam a mesma coisa se tornam inimigos promovendo um estado de constante medo, pois

todo homem é opaco aos olhos de seu semelhante – eu não sei o que o outro deseja, e por isso tenho que fazer uma suposição de qual será a atitude mais prudente, mais razoável. Como ele também não sabe o que quero, também é forçado a supor o que farei. Dessas suposições recíprocas, decorre que geralmente o mais razoável para cada um é atacar o outro, ou para vencê-lo, ou simplesmente para evitar um ataque possível: assim a guerra se generaliza entre os homens. (RIBEIRO, 2008, p. 55) Grifo do autor.

O medo é o fator preponderante para a formação do contrato social, pois não há nenhum homem tão forte que não possa ser suplantado por um grupo de outros homens mesmo que individualmente mais fracos, ou mesmo pela astucia de algum deles, desse modo, em um estado de natureza todos viveriam em constante medo e alerta. Assim pode-se dizer que “a agressão, real ou possível, gera de início o medo, e em seguida o impulso para sair do medo mediante um pacto baseado na renúncia de cada indivíduo aos próprios direitos naturais” (GINZBURG, 2014, p.19).

A natureza humana é dotada de paixões e razão, as paixões são geradoras de conflito, culminando no medo recíproco de todos para com todos, enquanto a razão é representada pelo esforço que todos os corpos fazem para se preservar, criando uma equação: medo + razão = sociedade civil.

No entanto, segundo Hobbes

[...] a convergência de muitas vontades rumo ao mesmo fim não basta para conservar a paz e promover uma defesa duradoura, é preciso que, naqueles tópicos necessário que dizem respeito à paz e autodefesa, haja tão somente uma vontade de todos os homens. Mas isso não se pode fazer, a menos que cada um de tal modo submeta sua vontade a algum outro (seja ele um só ou um conselho) que tudo o que for vontade deste, naquelas coisas que são necessárias para a paz comum, se havido como sendo vontade de todos em geral, e de cada um em particular. (HOBBES, 1992, p. 108).

Desse modo, Hobbes compreende que deve haver a submissão das vontades de todos os homens a um único, constituindo assim a sociedade civil, contudo, esta vontade é representativa, pois, a vontade do Soberano é, ao mesmo tempo, a vontade de todos e de cada um. Neste estado, todos os cidadãos devem total obediência ao Estado e em troca este, com um poder coercivo, lhes garante a paz. No capítulo XIV do leviatã Hobbes escreve:

Que um homem concorde, quando outros também o façam, e na medida em que tal considere necessário para a paz e para a defesa de si mesmo, em renunciar a seu direito a todas as coisas, contentando-se, em relação aos outros homens, com a mesma liberdade que aos outros homens permite em relação a si mesmo. (HOBBES, 2003, p. 113).

Como observado nas palavras de Hobbes, ao expor a segunda lei da natureza, aparece a ideia de contrato firmado em busca de estabelecer a paz entre os homens, garantindo a primeira lei que diz que todo homem deve esforçar-se para que a paz exista e seja mantida.

Contudo, Ginzburg ao fazer uma releitura da teoria hobbesiana reconhece de que para esse “o medo está no centro da própria filosofia política” (2014, p.16), mas atribui ao medo uma função que vai além da formação da sociedade civil, ele coloca no medo principalmente a atribuição de “manutenção” do Estado como ele se comporta hoje, aquele que gerencia o terror.

Ginzburg ao citar Hobbes busca explicar que os acordos entres os animais é natural, enquanto os acordos entre homens são estritamente artificiais e por isso, “para conseguir que o pacto seja duradouro, é necessário um poder comum, a fim de mantê-los [os homens] num estado de sujeição (too keep them in awe) e de dirigir suas ações para o bem comum”. (2014, p. 25-26).

Assim, cabe dizer que “Hobbes apresenta a origem da religião e a do Estado de maneira paralela”. E mesmo sem a Igreja ter autonomia no Estado moderno ela pode exercer uma função significativa, isso porque “o poder do Estado não se apoia somente na força, mas na sujeição” (GINZBURG, 2014, p. 28).

Ginzburg chama a atenção para o termo Awe (temor/terror) e como esta palavra aparecia sempre em trechos em que Hobbes dedicou à origem da religião e do Estado do Leviatã. (2014, p. 28)

Essa leitura feita por Ginzburg nos permite olhar também para direções que não havíamos olhados antes, vez que,

todos os intérpretes explicam que Hobbes inaugura a filosofia política moderna propondo pela primeira vez uma interpretação secularizada para a origem do Estado. A leitura que sugeri aqui é diferente. Para Hobbes, o poder político pressupõe a força, mas a força, por si só, não basta. O Estado, o “deus mortal” gerado pelo medo, incute terror: um sentimento no qual se misturam de maneira inextricável medo e sujeição. (GINZBURG, 2014, p. 28).

Com isso, podemos observar que há mais de uma possibilidade de fazer a leitura de Hobbes. Contudo, nenhuma delas podem ignorar o peso que o medo tem para toda teoria Habbesiana.

Aqui, embora sendo um artigo e tendo seus limites quanto ao alcance da discussão dos conceitos e abordagens, buscamos trazer para o diálogo tanto a perspectiva de leitura de Hobbes a partir de uma secularização, e a abordagem de Ginzburg que não se contrapõe a secularização, mas a observa com uma certa intimidade com a religião.

Ainda a partir da releitura feita por Ginzburg, Hobbes identificava o "Leviatã" como um monstro bíblico, uma espécie de gigante e faz referência ao livro de Jó: “Non est super terram potestas quae comparetur ei” (2014, p. 16), traduzido do latim: que não há poder sobre a terra que se possa comparar.

Vivemos num mundo em que os Estados ameaçam com o terror, exercitam-no e às vezes o sofrem. É o mundo de quem procura se apoderar das armas, veneráveis e potentes, da religião, e de quem empunha a religião como uma arma. Um mundo no qual gigantescos Leviatãs se debatem convulsamente ou ficam de tocaia, esperando. Um mundo semelhante àquele pensado e investigado por Hobbes. (GINZBURG, 2014, p. 30).

Com isso, podemos dizer que Thomas Hobbes ao escrever "Leviatã", livro publicado em 1951, estava vivendo um período de grande instabilidade política e estabelecer a paz ou pensar em elementos que validam a paz era de extrema importância. Sendo assim, também podemos dizer que Hobbes continua sendo muitíssimo atual e excepcionalmente importante.

3 John Locke

Outro proeminente contratualista, John Locke, influenciou diversos movimentos e constituições em todo mundo, pensador liberal entende que mesmo em um estado de natureza “os homens são iguais e detêm iguais direitos à vida, à liberdade e à propriedade” (RECIO; NASCIMENTO, 2012, p. 10).

Sendo que, o estado de natureza nada mais é do que a condição na qual o poder executivo da lei da natureza está exclusivamente nas mãos de indivíduos e não se tornou coletivo, que é o resultado do processo de reflexão dos homens que buscam a supremacia da racionalidade formando a sociedade civil. Então, para Locke toda sociedade humana que se encontre em uma autoridade coletiva estabelecida e permanente é proveniente da condição original, ou seja, do estado de natureza.

E é justamente no estado de natureza que se compreende existir a perfeita liberdade e igualdade entre os homens, pois, todos tem o domínio sobre si mesmo e as leis da natureza que, cabem a todos de forma indiscriminada e sem restrições, não existindo subordinação nem sujeição de um em relação a outro. Dessa forma, Locke diz que o estado de natureza é o estado de

perfeita liberdade para regular suas ações e dispor de suas posses e pessoas do modo como julgarem acertado dentro dos limites da lei da natureza, sem pedir licença ou depender da vontade de qualquer outro homem. É também um estado de igualdade, em que é recíproco todo o poder e jurisdição, não tendo ninguém mais que outro qualquer (LOCKE, 1998, p. 382).

A presunção da liberdade e igualdade perfeita atrelada ao estado de natureza se confirma na teoria lockeana quando este atribui a todos os homens até mesmo o direito de punir os transgressores das ditas leis da natureza, o que fica evidenciado em seu segundo tratado.

E para que todos os homens sejam impedidos de invadir direitos alheios e de prejudicar uns aos outros, e para que seja observada a lei da natureza, que quer a paz e a conservação de toda a humanidade, a responsabilidade pela execução da lei da natureza é, nesse estado, depositada nas mãos de cada homem, pelo que cada um tem o direito de punir os transgressores da dita lei em grau que impeça sua violação. Pois a lei da natureza seria vã, como todas as demais leis que dizem respeito ao homem neste mundo, se não houvesse alguém que tivesse, no estado de natureza, um poder para executar essa lei e, com isso, preservar os inocentes e conter os transgressores. E se qualquer um no estado de natureza pode punir a outrem, por qualquer mal que tenha cometido, todos o podem fazer, pois, nesse estado de perfeita igualdade, no qual naturalmente não existe superioridade ou jurisdição de um sobre outro, aquilo que qualquer um pode fazer em prossecução dessa lei todos devem necessariamente ter o direito de fazer (LOCKE, 1998, p. 385-386).

Faz-se salutar salientar que mesmo o estado de natureza sendo “relativamente pacífico, não está isento de inconvenientes, como a violação da propriedade (vida, liberdade e bens)” (MELLO, 2008, p. 86). Desse modo, se faz necessário a criação da sociedade política por meio de um contrato, uma vez que, a “ausência de uma autoridade que resolva os conflitos e defenda os homens contra injustiças provenientes das imposições dos mais fortes” prejudica o desenvolvimento da igualdade e da liberdade (RECIO; NASCIMENTO, 2012, p. 10).

A única maneira pela qual uma pessoa qualquer pode abdicar de sua liberdade natural e revestir-se dos elos da sociedade civil é concordando com outros homens em juntar-se e unir-se em uma comunidade, para viverem confortável, segura e pacificamente uns com outros, num gozo seguro de suas propriedades e com maior segurança contra aqueles que dela não fazem parte (LOCKE, 1998, p. 468).

Contudo, os homens são iguais e detêm iguais direitos à vida, à liberdade e à propriedade, mas como dito anteriormente, é a intenção de que esses direitos sejam garantidos que “leva os homens a se unirem e estabelecerem livremente entre si o contrato social, que realiza a passagem do estado de natureza para a sociedade política e civil.” (MELLO, 2008, p. 86).

Para John Locke a sociedade política é fruto da racionalidade e do consentimento do povo, ou seja, o poder atribuído ao governante só é legítimo se tiver a concordância do povo.

Locke viveu em uma época tumultuada e conflituosa na Inglaterra, tendo inclusive que se refugiar na Holanda por alguns anos, retornando a solo inglês apenas com a vitória da Revolução Gloriosa,5 escrevendo suas teorias que buscam demonstrar a legitimidade do direito de resistência.

Filho de um comerciante que lutou na guerra civil em favor do exército do Parlamento já teve em casa seu primeiro exemplo e lição de resistência. Estudou em Oxford onde se tornou professor no curso de medicina em que se formou anos antes, “em 1666 foi requisitado como médico e conselheiro de lorde Shaftesbury, destacado político liberal, líder dos Whigs e opositor do rei Carlos II no Parlamento” (MELLO, 2008, p. 83), sendo o lorde Shaftesbury mais que um paciente, foi ele um mentor intelectual de Locke.

De orientação liberal Locke entende que “nem a tradição, nem a força, mas apenas o consentimento expresso dos governados é a única fonte do poder político legítimo” (MELLO, 2008, p. 84) justificando o direito de resistência e criando elementos possibilitadores para reconhecer a teoria do estado de natureza. Sendo uma situação real e não hipotética, o estado de natureza, afirma Locke, que ainda existia no momento contemporâneo a ele, tendo como prova disso, segundo ele, alguns povos, como as tribos norte-americanas.

Em oposição à tradicional doutrina aristotélica, segundo a qual a sociedade precede ao indivíduo, Locke afirma ser a existência do indivíduo anterior ao surgimento da sociedade e do Estado. Na sua concepção individualista, os homens viviam originalmente num estágio pré-social e pré-político, caracterizado pela mais perfeita liberdade e igualdade, denominado estado de natureza. (MELLO, 2008, p. 84).

Outra concepção distinta da teoria de Hobbes é que para Locke a propriedade privada é anterior a formação da sociedade civil, ou seja, já estava presente no estado de natureza, pois, a primeira propriedade existente é o próprio corpo, sendo um direito natural e que deve ser preservado inclusive pelo Estado depois da instituição da sociedade política.

Para Hobbes, a propriedade inexiste no estado de natureza e foi instituída pelo Estado-Leviatã após a formação da sociedade civil. Assim como a criou, o Estado pode também suprimir a propriedade dos súditos. Para Locke, ao contrário, a propriedade já existe no estado de natureza e, sendo uma instituição anterior à sociedade, é um direito natural do indivíduo que não pode ser violado pelo Estado. (MELLO, 2008, p. 85)

Dessa forma é importante compreendermos que mesmo o estado de natureza sendo um estado de relativa paz, o contrato social é importante justamente para garantir que a paz permaneça, uma vez que, este não está resguardado de inadequações, como transgressões a respeito da propriedade (vida, liberdade e bens) que, “na falta de lei estabelecida, de juiz imparcial e de força coercitiva para impor a execução das sentenças, coloca os indivíduos singulares em estado de guerra uns contra os outros” (MELLO, 2008, p. 86). Aqui, fica evidenciado que o objetivo principal do contrato social é a preservação da propriedade e a proteção da comunidade.

Deve-se entender, portanto, que todos aqueles que abandonam o estado de natureza para se unirem a uma comunidade abdicam, em favor da maioria da comunidade, a todo o poder necessário aos fins pelos quais eles se uniram à sociedade, a menos que tenham expressamente concordado em qualquer número superior à maioria. E isso ocorre simplesmente pela concordância em unir-se em uma sociedade política, em que consiste todo o pacto existente, ou que deve existir, entre os indivíduos que ingressam num corpo político ou o formam. Por conseguinte, o que inicia e de fato constitui qualquer sociedade política não passa do consentimento de qualquer número de homens livres capazes de uma maioria no sentido de se unirem e incorporarem a uma tal sociedade. E é isso, e apenas isso, que dá ou pode dar origem a qualquer governo legítimo no mundo (LOCKE, 1998, p.472).

Desse modo, fica evidenciado que o fim maior e principal para os homens unirem-se em sociedades políticas a partir de um pacto social e submeterem-se a um governo é, portanto, a conservação de sua propriedade. (LOCKE, 1998, p. 495).

Locke não apenas baliza sua teoria contratualista na propriedade, mas também é extremamente inovador para sua época no que ser refere à definição e formação da propriedade, para ele “o homem era naturalmente livre e proprietário de sua pessoa e de seu trabalho” e considerando que a terra “fora dada por Deus em comum a todos os homens”, quando este incorpora seu esforço, ou seja, trabalho à matéria bruta que antes estava em estado natural “o homem tornava-a sua propriedade privada, estabelecendo sobre ela um direito próprio do qual estavam excluídos todos os outros homens” (MELLO, 2008, p. 85). Assim, o trabalho na teoria lockeana era o fundamento originário da propriedade, e daí surge a causa do pacto social e a obrigação do Estado em protegê-la.

Locke ainda vai além, “antecipando” a teoria do valor-trabalho, desenvolvida por Smith e Ricardo, ao relacionar o uso da moeda à concentração da riqueza e à distribuição desigual dos bens entre os homens. Assim, “esse foi, para Locke, o processo que determinou a passagem da propriedade limitada, baseada no trabalho, à propriedade ilimitada, fundada na acumulação possibilitada pelo advento do dinheiro”. (Mello 2008 p. 85).

4 Jean Jacques Rousseau

Jean Jacques Rousseau nasceu em Genebra na Suíça em 1712 e faleceu em 1778, filho de um relojoeiro e órfão de mãe desde o nascimento tem uma vida conturbada e cheia de intemperes.

Rousseau se difere de Hobbes já na concepção de que em um estado de natureza os homens seriam bons e viveriam em paz, ou seja, o homem nasceria irrepreensível em sua conduta, honesto, incorruptível, moralmente reto, sendo a sociedade que os tornam maus a partir da “divisão do trabalho e da propriedade privada” criando a diferença entre os homens, os corrompendo (RECIO; NASCIMENTO, p. 10). Sendo que o Estado está para diminuir as desigualdades entre os homens e promover a manutenção da liberdade que já existe no estado de natureza.

É um dos autores mais significativos e influentes em termos de teoria política para a Revolução Francesa, uma vez que, este também fez uma releitura substancial de seus antecessores e construiu sua própria teoria. Sua teoria comunga com a tese de que o exercício da soberania do Estado, na realidade é o exercício da soberania do povo, pois a ele pertence, retirando a soberania do direito singular do príncipe e passando-a para a vontade geral do povo. Desse modo, de maneira exaustiva, Rousseau repensa diversas teorias anteriores

retomando as reflexões dos autores da tradicional escola do direito natural, como Grotius, Pufendorf e Hobbes e, de outros, não poupando críticas pontuais a nenhum deles, o que o colocará, no século XVIII, em lugar de destaque entre os que inovaram a forma de se pensar a política, principalmente ao propor o exercício da soberania pelo povo, como condição primeira para a sua libertação. E, certamente, por isso mesmo, os protagonistas da revolução de 1789 o elegerão como patrono da Revolução ou como o primeiro revolucionário. (NASCIMENTO, 2008, p. 194).

Assim, o grande desafio para compreender Rousseau é articular como ele compreende a história hipotética da humanidade com a criação do pacto social, que nasce da necessidade de cooperação entre os homens contra as forças da natureza, mas, por sua vez culminou na desigualdade social.

Para vencer os obstáculos, os homens não criaram novas forças, cada indivíduo não pode criar novas forças do nada. O que os indivíduos fizeram foi unir e orientar as forças já existentes, agregar um conjunto de forças que superasse os obstáculos da natureza. Daí nasce o pacto social, da necessidade de cooperação entre os homens contra as forças da natureza. Em lugar da pessoa particular de cada contratante, o ato de associação produz um corpo moral e coletivo (MONTEAGUDO, 2010, p. 63).

Para Rousseau os homens nascem livres, mas é justamente o contrato social que os aprisionam, então ele busca estabelecer a legitimidade do contrato social indicando que, se por um lado, o individuo perde sua liberdade natural, ganha em troca, a liberdade civil.

Nestas condições haveria uma conjugação perfeita entre a liberdade e obediência. Obedecer à lei que se prescreve a si mesmo é um ato de liberdade […] Um povo, portanto, só será livre quando tiver todas as condições de elaborar suas leis num clima de qualidade, de tal modo que a obediência a essas mesmas leis signifique, na verdade, uma submissão à deliberação de si mesmo e de cada cidadão, como partes do poder soberano. (NASCIMENTO, 2008, p. 196).

Assim, Rousseau abre espaço para a exigência de uma sociedade em que o povo determina o poder, em que a legitimidade da existência da sociedade não esteja apenas vinculada ao momento inicial, mas se refaça a cada instante com mecanismos que permita a participação efetiva do povo, que é o que promove a legitimidade de um Estado.

Desse modo, o contrato social tem por objetivo “encontrar uma forma de associação que defenda e proteja contra toda força comum, a pessoa e os bens de cada associado e pela qual cada um, unindo-se a todos, apenas obedeça a si próprio, e se conserve tão livre quanto antes” (Rousseau, 1983, p. 32).

A compreensão de que ao viver sob a égide do contrato social o homem está a viver sob suas próprias determinações, em que prevalece a soberania da sociedade, a soberania política da vontade coletiva, e desta forma, está tão livre quanto antes, é a chave para a possível dicotomia existente entre a liberdade natural do homem, presente no estado de natureza e a segurança da vida em sociedade, fruto do pacto social.

Desse modo, o governo baseado no contrato social não exclui a liberdade; pelo contrário, reafirma, ao assegurar os direitos civis. E como dito antes, em sociedade, a liberdade e a autonomia dos cidadãos é consequência das leis que um indivíduo estabelece para as próprias ações, a partir da soberania popular que deve ser a fonte do poder que gere a vida em sociedade.

Contudo, não se pode negligenciar que para Rousseau a sociedade promove modificações substanciais aos homens, que podem ser positivas ou negativas. Dentre as negativas, certamente podemos citar a desigualdade social. Análise essa, que mudou a concepção do mundo sobre a origem da desigualdade entre os homens, pois, até chegar a Rousseau se entendia a desigualdade como sendo algo natural, e posterior a sua análise a desigualdade passou a ser considerada fruto das ações sociais.

O verdadeiro fundador da sociedade civil foi o primeiro que, tendo cercado um terreno, lembrou-se de dizer isto é meu e encontrou pessoas suficientemente simples para acreditá-lo. Quantos crimes, guerras, assassínios, misérias e horrores não pouparia ao gênero humano aquele que, arrancando as estacas ou enchendo o fosso, tivesse gritado a seus semelhantes: “Defendei-vos de ouvir esse impostor; estareis perdidos se esquecerdes que os frutos são de todos e que a terra não pertence a ninguém!” (ROUSSEAU, 1999, p. 87).

É seguindo esses preceitos que Rousseau se tornou um grande ícone como teórico da resistência, por se posicionar favorável a legitimidade do direito do povo de voltar contra o governo quando esse não os representa. Assim como, foi ele o primeiro pensador que identifica a desigualdade entre os homens como sendo fruto das relações sociais, o que o coloca em uma posição de autor da transformação.

Considerando que, tudo aquilo que é da natureza humana é imutável, não haveria o que fazer para transformar, mudar, a sociedade, no que se refere à desigualdade, se está for compreendida como natural. No entanto, se a desigualdade entre os homens é cultural, social e sistêmica é algo que pode ser transformado, combatido.

E é justamente por esses pressupostos teóricos que alimentam perspectivas de transformações que Rousseau é considerado o patrono da Revolução Francesa.

Considerações Finais

Este artigo buscou demonstrar em que se assemelham e em que se diferenciam os contratualistas Locke, Hobbes e Rousseau.

Podemos observar que quanto a base metodológica Hobbes é absolutista, influenciado também pelo momento vivido e pelos processos de centralização política das monarquias nacionais europeias, defendia a concentração do poder no Estado e na figura do monarca.

Enquanto John Locke é um liberalista, tendo recebido muita influência política do líder dos Whigs, vivenciou a Revolução Gloriosa o que também o influenciou a publicar Dois tratados sobre o governo civil, obra em que justifica e fundamenta o liberalismo.

Já Rousseau tem como base metodológica a democracia, foi intitulado por muitos como patrono da Revolução Francesa pela sua defesa do exercício da soberania do povo em detrimento das monarquias.

Sendo a natureza humana o ponto central da tese desses autores existem algumas singularidades, sendo que para Hobbes o homem é mau e egoísta por natureza, enquanto que para Locke o homem é como um papel em branco, nem bom nem mau, já Rousseau desenvolveu sua teoria a partir da ideia do bom selvagem, de que o homem é bom por natureza e a sociedade que o corrompe. Desse modo, Hobbes, Rousseau e Locke compartilham o pressuposto de que todos os homens nascem livres, e por natureza são dotados de razão, no entanto, se para Hobbes o estado de natureza é um estado de guerra de todos contra todos, para Rousseau é um estado de bem-estar, no qual os homens viviam felizes e em harmonia, já para Locke o estado de natureza é uma condição de relativa paz chancelada pela racionalidade.

Com isso, a passagem do estado de natureza para a criação do Estado Civil que é o resultado do contrato social e defendido pelos três autores tem motivos distintos. Desse modo, o objetivo da criação do Estado para Hobbes é preservar a vida, é deixar de viver sob o constante medo, para Locke é preservar a propriedade que já existe desde o estado de natureza, e para Rousseau é preservara liberdade civil.

Cabe ainda dizer que para Hobbes é a partir do contrato social que a liberdade se aflora, enquanto que para o Locke é no estado de natureza que se encontra a perfeita liberdade e consequentemente a igualdade entre os homens, e com isso no primeiro ponto Rousseau se distancia de Hobbes porque entende que o Estado Civil proporciona a garantia da liberdade já existente no estado de natureza e se aproxima de Locke ao entender que no estado de natureza a igualdade está presente entre os homens, contudo, acrescenta ainda que a desigualdade é fruto da propriedade privada presente apenas na sociedade civil, diferenciando-se de Locke que ver a propriedade privada como algo que precede o contrato social. Por fim, é relevante observar que se para Hobbes e Rousseau o estado de natureza é hipotético, com fins inclusive didáticos, para Locke este era real e em algumas sociedades longínquas existia até mesmo na época em que ele escrevia.

Quais as principais ideias defendidas por John Locke Thomas Hobbes e Jean Jacques Rousseau?

Thomas Hobbes, John Locke e Jean-Jacques Rousseau (contratualistas clássicos ou jusnaturalistas) partem da noção de direito natural e do contrato como forma de regulação das relações entre governantes e governados.

Quais foram as principais ideias defendidas por John Locke?

John Locke foi um dos filósofos mais influentes da Modernidade e propôs uma teoria de conhecimento que defendia o empirismo. Suas investigações sobre como a mente adquire conhecimento resultaram no estabelecimento de limites para o papel da razão e estiveram relacionadas com teorias científicas da época.

O que o Thomas Hobbes defendia?

Grande defensor do absolutismo, Hobbes defende essa forma de governo utilizando argumentos lógicos e estritamente racionais (excluindo quaisquer preceitos ou argumentos religiosos). Sua teoria baseia-se na ideia de que é necessário um Estado Soberano para controlar a todos e manter a paz civil.

Quais as principais ideias de Jean

Principais Ideias Rousseau era a favor do “contrato social”, forma de promover a justiça social que dá nome a sua principal obra. Apregoava que a propriedade privada gerava a desigualdade entre os homens. Segundo ele, os homens teriam sido corrompidos pela sociedade quando a soberania popular tinha acabado.