RESUMO:As dificuldades de implementação e de apropriação de recursos de Tecnologia Assistiva (TA) deriva do seu alto custo, desconforto social em utilizá-los, extravios dos dispositivos e da falta de funcionalidade em longo prazo. Paralelamente a esse contexto, diferentes possibilidades em TA vêm se popularizando entre as pessoas com deficiência visual, as quais têm sido descritas, timidamente, em pesquisas de levantamento que abordam o uso de TA por pessoas com baixa visão. Em razão da carência de conhecimento sobre a temática e a necessidade de descrever o perfil funcional e de uso dessas possibilidades, este artigo tem como objetivo caracterizar, a partir do ponto de vista dos usuários, o funcionamento e o uso de recursos de acessibilidade de smartphones e/ou tablets no cotidiano de pessoas com baixa visão. A metodologia adotada nesta investigação é de natureza descritiva, sob o delineamento de estudo de caso. Participaram do estudo 28 pessoas com baixa visão, membros de um grupo já existente no aplicativo WhatsApp. A coleta de dados aconteceu no espaço virtual desse aplicativo, individualmente, por meio de entrevista semiestruturada. Os dados foram transcritos e analisados com base na teoria fundamentada. Os resultados indicam que o uso dos recursos de acessibilidade é o principal diferencial dos smartphones e dos tablets, pois são eles os responsáveis pelo acesso independente a esses dispositivos. Eles são usados de maneira combinada, e os diferentes arranjos garantem variabilidade de opções em TA proporcionais à diversidade de necessidades do público com baixa visão. Show
PALAVRAS-CHAVE: ABSTRACT:The difficulties in implementing and appropriating Assistive Technology (AT) features derive from their high cost, social discomfort in using them, loss of devices and lack of functionality in the long term. Parallel to this context, different possibilities in AT have become popular among people with visual impairment, which have been described, timidly, in research that address the use of AT by people with low vision. Due to the lack of knowledge on the subject and the need to describe the functional profile and use of these possibilities, this article aims to characterize, from the users’ point of view, the functioning and use of accessibility features of smartphones and/or tablets in the daily lives of people with low vision. The methodology adopted in this investigation is descriptive in nature, under the outline of a case study. Twenty-eight people with low vision participated in the study, members of an existing group in the WhatsApp application. Data collection took place in the virtual space of this application, individually, through semi-structured interviews and data analysis based on the grounded theory. The results indicate that the use of accessibility features is the main differential of smartphones and tablets, as they are responsible for independent access to these devices. They used in a combined manner, and the different arrangements guarantee variability of AT options proportional to the diversity of needs of the public with low vision. KEYWORDS: 1 IntroduçãoAs exigências da visão e do processamento da informação visual impostas pela sociedade são cada dia mais latentes. Placas de trânsito, monitores de computador, jornais, livros, televisão, painéis de controle em painel de cristal líquido (LCD)4 4 Sigla da expressão em inglês liquid crystal display – painel de cristal líquido. são apenas alguns exemplos do crescente fluxo de informações visuais que geram demanda natural do bom funcionamento da visão. A ausência e/ou a redução no desempenho visual podem ocasionar desvantagens no desenvolvimento, na funcionalidade e na participação social de pessoas com deficiência visual – baixa visão e cegueira (Kooijman et al., 1994Kooijman, A. C., Looijestijn, P. L., Welling, J. A., & Van Der Wildt, G. J. (1994). Low vision (v. 11). IOS Press.). De acordo com o National Eye Institute (2007)National Eye Institute. (2007). What you should know about low vision. http://www.nei.nih.gov/health/lowvision/LowVisPat Bro2.pdf As habilidades visuais das pessoas com baixa visão poderão ser ampliadas com auxílio de recursos ópticos (Carvalho et al., 2005Carvalho, K. M. M., Gasparetto, M. E. R. F., Venturini, N. H. B., &
José, N. K. (2005). Visão Subnormal: orientações ao Professor do Ensino Regular. Unicamp.), não ópticos (Gasparetto, 2010Gasparetto, M. E. R. F. (2010). Orientações ao professor e à comunidade escolar referentes ao aluno com baixa visão. In M. W. Sampaio, M. A. O. Haddad, H. A. da Costa Filho, & M. O. de C. Siaulys (Eds.), Baixa visão e cegueira: os caminhos para a reabilitação, a educação e a inclusão (pp. 347-360). Cultura Médica,
Guanabara Koogan.; Montilha et al., 2006Montilha, R. C. I., Temporini, E. R., Nobre, M. I. R. de S., Gasparetto, M. E. R. F., & José, N. K. (2006). Utilização de recursos ópticos e equipamentos por escolares com deficiência visual. Arquivos Brasileiros de Oftalmologia, 69(2), 207-211.), eletrônicos e de informática (Mortimer, 2010Mortimer, R. (2010). Recursos de informática para a
pessoa com deficiência visual. In M. W. Sampaio, M. A. O. Haddad, H. A. da Costa Filho, & M. O. de C. Siaulys (Eds.), Baixa visão e cegueira: os caminhos para a reabilitação, a educação e a inclusão (pp. 221-231). Cultura Médica, Guanabara Koogan.). Eles se constituem como meio de garantia de acesso às informações necessárias ao desenvolvimento funcional, seja em atividades de vida diária e prática, trabalho, mobilidade, seja nos processos de ensino e de aprendizagem.
Portanto, quando selecionados, aceitos e usados adequadamente, os recursos de TA têm o potencial de facilitar as ocupações que podem aumentar a produtividade, a independência, a autoconfiança e a qualidade de vida de pessoas com deficiência visual (Alves et al., 2009Alves, C. C. de F., Monteiro, G. B. M., Rabello, S., Gasparetto, M. E. R. F., & Carvalho, K. M. de. (2009). Assistive technology applied to education of students with visual impairment. Pan
American Journal of Public Health, 26(2), 148-152. http://dx.doi.org/10.1590/S1020-49892009000800007 Contudo, muitas barreiras são encontradas por esse público até se chegar ao patamar de apropriação e eficiente utilização de determinados dispositivos de TA. No Brasil, evidências apontam que a falta de formação em serviços especializados e o desconhecimento das próprias pessoas com deficiência visual
acerca dos recursos de TA, além da escassez/ausência dos recursos e de assessoria especializada na avaliação e na implementação da TA, prejudicam o acesso e o uso desses valiosos recursos (Alves et al., 2009Alves, C. C. de F., Monteiro, G. B. M., Rabello, S., Gasparetto, M. E. R. F., & Carvalho, K. M. de. (2009). Assistive technology applied to education of students with visual impairment. Pan American Journal of Public Health, 26(2), 148-152.
http://dx.doi.org/10.1590/S1020-49892009000800007 Além dessas barreiras, um desafio comum na realidade brasileira, assim como em países desenvolvidos, refere-se ao abandono das tecnologias assistenciais5 5 O termo “tecnologias assistenciais” é empregado na literatura internacional como sinônimo de
Tecnologia Assistiva. Neste texto, também adotamos essa terminologia como sinônimo de TA. por seus usuários (Cook & Polgar, 2015Cook, A. B., & Polgar, J. M. (2015). Assistive technologies: principles and practices. Elsevir- Mosby.; Fok et al., 2011Fok, D., Polgar, J. M., Shaw, L., & Jutai, J. W. (2011). Low vision assistive technology device usage and importance in daily
occupations. IOS Press, 1(39), 37-48. http://dx.doi.org/10.3233/WOR-2011-1149 No Nepal, uma pesquisa de intervenção óptica desenvolvida por Gnyawali et al. (2012)Gnyawali, S., Shrestha, J. B., Bhattarai, D., &
Upadhyay, M. (2012). Optical needs of students with low vision in integrated schools of Nepal. Optometry and Vision Science, 89(12), 1752-1756. https://doi.org/10.1097/opx.0b013e3182772f3c Os resultados desses estudos evidenciam a importância do protagonismo que o usuário deve assumir na seleção dos dispositivos, além de considerar as necessidades de longo prazo do consumidor para reduzir as taxas de abandono (Lourenço, 2008Lourenço, F. G. (2008).
Protocolo para avaliar a acessibilidade do computador para alunos com paralisia cerebral [Dissertação de Mestrado, Universidade Federal de São Carlos - UFSCar]. Repositório Institucional da UFSCar. https://repositorio.ufscar.br/handle/ufscar/2987?show=full Famílias e professores observaram que crianças e jovens com baixa visão usam as funções de ampliação desses dispositivos para magnificar texto ou imagens e
acessar informações de forma mais independente. Além disso, os dispositivos eletrônicos móveis parecem mais socialmente aceitáveis, ao contrário dos aparelhos ópticos volumosos que marcam a deficiência (Thomas et al., 2015Thomas, R., Barker, L., Rubin, G., & Dahlmann-Noor, A. (2015). Assistive technology for children and young people with low vision. Cochrane Database of Systematic Reviews, 6(CD011350).
https://doi.org/10.1002/14651858.CD011350.pub2 Considerando o perfil de TA contemporânea e seus prováveis benefícios e aceitação por parte de crianças e adolescentes com deficiência visual, Thomas et al. (2015)Thomas, R., Barker, L., Rubin, G., & Dahlmann-Noor, A. (2015). Assistive technology for children
and young people with low vision. Cochrane Database of Systematic Reviews, 6(CD011350). https://doi.org/10.1002/14651858.CD011350.pub2 Fruchterman, no prefácio do livro Assistive Technology for Blindness and Low vision, lembra que, em 1996, em congresso nos Estados Unidos, o computador foi descrito (PC) como “canivete suíço para pessoas com deficiências” (Manduchi & Kurniawan, 2017, p. VIIManduchi, R., & Kurniawan, S. (2017). Assistive Technology for blindness and low vision. CRC Press.), e que, atualmente, os smartphones, tablets e, acima de tudo, a Internet, criaram novas oportunidades em relação ao acesso à informação desse público. Por meio desses dispositivos, conteúdos podem ser rapidamente adaptados às necessidades das pessoas com deficiências, maximizando as capacidades e a acessibilidade por meio de TA (Manduchi & Kurniawan, 2017Manduchi, R., & Kurniawan, S. (2017). Assistive Technology for blindness and low vision. CRC Press.). Os autores ressaltam que os dispositivos eletrônicos móveis incluem sistemas de GPS, que oferecem informações que permitem aos usuários viajarem a pé ou utilizarem o transporte público, sabendo exatamente onde estão e como chegar ao destino, além de se beneficiarem com os recursos fornecidos pela Internet que lhes oferecem acesso à informação, comunicação e redes sociais. Os aplicativos para smartphones ainda dispõem de
ferramentas para reconhecimento de cores, de cédulas de dinheiro e de objetos (Manduchi & Kurniawan, 2017Manduchi, R., & Kurniawan, S. (2017). Assistive Technology for blindness and low vision. CRC Press.). Pontualmente, essas possibilidades em TA estão sendo descritas nos levantamentos de dispositivos de TA (Fok et al., 2011Fok, D., Polgar, J. M., Shaw, L., & Jutai, J. W. (2011). Low vision
assistive technology device usage and importance in daily occupations. IOS Press, 1(39), 37-48. http://dx.doi.org/10.3233/WOR-2011-1149 Assim sendo, mediante a carência de conhecimento sobre a temática e a necessidade de descrever o perfil funcional e de uso dessas possibilidades, este artigo tem como objetivo caracterizar, a partir do ponto de vista dos usuários, o funcionamento e o uso de recursos de acessibilidade de smartphones e/ou tablets no cotidiano de pessoas com baixa visão. 2 MetodologiaO método adotado nesta investigação é de natureza descritiva, sob o delineamento de estudo de caso. A pesquisa de estudo de caso visa promover uma análise profunda da questão investigada, dentro do seu contexto, a fim de compreender o problema sob a óptica dos participantes (Merriam, 2009Merriam, S. B. (2009) Qualitative research: A guide to design and implementation. Jossey-Bass.; Simons, 2009Simons, H. (2009). Case study research in practice. Sage.; Stake, 2006Stake, R. E. (2006). Multiple case study analysis. Guilford.; Yin, 2014Yin, R. K. (2014). Case study research: Design and methods. Sage, 2014.). Esse desenho de pesquisa tem como foco compreender como grupos específicos de pessoas enfrentam certos problemas, adotando uma visão holística da situação (Merriam, 1998Merriam, S. B. (1998). Qualitative research and case study applications in education. Jossey-Bass Publishers.). Nesse contexto, este se constitui o delineamento mais adequado à presente investigação, que tem por objetivo compreender um fenômeno contemporâneo, dentro de um sistema limitado a partir das percepções dos sujeitos de pesquisa. Essas características corroboram a definição de Yin (1994)Yin, R. K. (1994). Case Study Research Design and Methods: Applied Social Research and Methods Series. Sage Publications Inc., que concebe “um estudo de caso (como) investigação empírica que investiga um fenômeno contemporâneo dentro do seu contexto da vida real, especialmente quando as fronteiras entre o fenômeno e o contexto não são claramente evidentes” (p. 13). Os aspectos citados na definição estão presentes no objeto de estudo. A contemporaneidade do fenômeno desta pesquisa relaciona-se à compreensão quanto ao uso, ao papel e à aplicação cotidiana presentes em dispositivos eletrônicos móveis como a TA. Essa compreensão deu-se a partir dos relatos dos usuários com baixa visão por meio de entrevistas semiestruturadas. E a delimitação do sistema ou unidade social investigada manifesta-se na seleção de participantes dentro de um ambiente de mídia social, um grupo de WhatsApp. A pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e aprovada pelo CAAE 74755017.8.0000.5504. Posteriormente a sua aprovação, os participantes sinalizaram o consentimento respondendo, via mensagem de voz gravada pelo aplicativo WhatsApp, “eu aceito participar da pesquisa” ao Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. 2.1 ParticipantesParticiparam do estudo 28 pessoas com baixa visão, as quais foram selecionadas no grupo Stargardt no WhatsApp7 7 O Grupo virtual Stargardt é a unidade social pesquisada e trata de uma organização de pessoas com baixa visão em um espaço de mídia social, o aplicativo WhatsApp. composto por 104 integrantes, formado por pessoas com deficiência visual, pais, responsáveis e cônjuges de pessoas nessa condição visual. Foram incluídas, nesta pesquisa, pessoas com baixa visão, com mais de 18 anos de idade, usuárias de aplicativos de TA em smartphones ou tablets, e que consentiram em participar da pesquisa. Dos 104 integrantes do Grupo Stargardt, 28 se enquadraram nos critérios de inclusão da pesquisa. Dos participantes, 13 eram mulheres (46%) e 15 homens (54%), com idade média de 35 anos, e intervalo entre 18 e 63 anos, distribuídos pelo território nacional e um residente em outro país, tendo representantes de aproximadamente 10 estados, a saber: São Paulo (13), Minas Gerais (6), Paraná (2), Bahia (1), Rio de Janeiro (1), Rio Grande do Norte (1), Rio Grande do Sul (1) Santa Catarina (1), Tocantins (1) e New Jersey-EUA (1). Quanto ao nível de escolaridade, 32% (9) possuíam Ensino Superior completo, 25% (7) Pós-Graduação, 18% (5) Ensino Médio completo, 11% (3) Ensino Superior incompleto, 7% (2) Curso Técnico, 3,5% (1) Ensino Médio incompleto e 3,5% (1) Ensino Fundamental incompleto. A atuação professional do grupo foi categorizada em: atuação profissional 46,4% (n=13), fora de atuação ou desempregados 14,3% (n=4), aposentados 17,8% (n=5), e estudantes 21,5% (n=6). Em relação à patologia que causou a baixa visão, 96% dos participantes foram afetados pela doença de Stargardt, e, destes, um participante apresentava Stargardt em comorbidade com retinose pigmentar. Um participante (3,5%) declarou ter estrabismo e nistagmo como causa da baixa visão; todavia, esses sintomas não se caracterizam como causa, o que nos leva a conjecturar acerca do seu desconhecimento da patologia que gera sua condição visual. Nesse universo, baseado na acuidade visual, 32% (9) apresentavam perda visual moderada (<20/60 e ≥ 20/200); 46% (13), perda visual grave (<20/200 e ≥20/400); 18% (5), perda visual profunda (<20/400 e ≥ 20/1200); e 3,5% (1) não soube informar. Quanto à idade aproximada em que receberam o diagnóstico da doença, 46,4% (n=13) informaram ter sido diagnosticados até os dez anos de idade; 32% (n=9), no intervalo de 10 a 20 anos;18% (n=5), entre 20 e 30 anos; e 3,6 (n=1), com mais de 30 anos. Quanto ao comprometimento de campo visual, 82% (n=22) indicaram ter uma perda da visão central e18% (n=5) apresentavam perda visual central e periférica. 2.2 Procedimentos de coleta de dadosA coleta de dados foi realizada por meio de entrevistas semiestruturadas no espaço virtual do aplicativo WhatsApp. Após submetidos os critérios de inclusão, os participantes foram sendo chamados individualmente para uma conversa privada entre pesquisador e sujeito no aplicativo para agendamento da entrevista. Nos horários agendados, as entrevistas foram realizadas usando o recurso de mensagens de voz gravada. Assim, com cada participante, em conversa privada (fora do grupo), a pesquisadora iniciou a entrevista enviando pergunta por pergunta em mensagens de voz gravada, e os participantes responderam às perguntas da mesma forma. Ao enviar uma questão, o participante ouvia a pergunta e, em seguida, respondia via gravação de áudio. Quando se fez necessário, após ouvir as respostas dos participantes, foram feitos questionamentos adicionais. Assim, o tempo de resposta foi imediato (comunicação síncrona), e a duração das entrevistas variou de 59 minutos a 3 horas e 9 minutos. Em casos de imprevistos durante as entrevistas, elas foram interrompidas e retomadas em horário mais adequado ao participante, mas sempre realizada de forma síncrona. Os textos das transcrições foram organizados em categorias: aplicativos utilizados, funcionalidade, pontos positivos, negativos e demanda, as quais foram analisadas segundo a teoria fundamentada. Neste artigo, discutiremos os dados da categoria “aplicativos utilizados”. A fim de sistematizar a transcrição, adotaram-se os seguintes sinais usados em transcrições de informações orais: (+) para pausas; (...) para supressão de trechos; ( ) quando não foi compreendida parte da fala e se supôs ter ouvido; MAIÚSCULA quando sílabas ou palavras foram pronunciadas com maior ênfase; e (( )) para inferir alguma colocação do pesquisador. Os resultados apresentados a seguir fazem parte de um recorte da pesquisa de doutorado, cujo título é O uso de dispositivos eletrônicos móveis como Tecnologia Assistiva por pessoas com baixa visão (Borges, 2019Borges, W. F. (2019). O uso de dispositivos eletrônicos móveis como Tecnologia Assistiva por pessoas com baixa visão [Tese
de Doutorado, Universidade Federal São Carlos - UFSCar]. Repositório Institucional da UFSCar. https://repositorio.ufscar.br/handle/ufscar/11603?show=full 3 Resultados e discussãoA pesquisa geral identificou 50 aplicativos que possibilitavam o uso dos dispositivos móveis como TA, e nove recursos de acessibilidade por meio dos quais era garantido aos usuários o acesso aos dispositivos móveis. Considerando o objeto de análise deste artigo, destacamos os nove recursos de acessibilidade utilizados por essa amostra (Quadro 1). Quadro 1 O uso desses recursos foi elencado pela população como o principal diferencial dos smartphones e tablets, uma vez que são eles os responsáveis pelo acesso independente a esses dispositivos e, consequentemente, aos outros aplicativos ali disponíveis, sejam eles de TA ou não. Entre os recursos de acessibilidade, os leitores e os ampliadores de tela eram qualificados como fundamentais para o uso dos dispositivos eletrônicos móveis e seus respectivos aplicativos na execução de tarefas pretendidas, como podemos verificar nos seguintes excertos:
Em geral, não houve uma predominância em relação às preferências entre os leitores ou ampliadores de tela.
Existe um número maior de pessoas com baixa visão grave que optam por ampliadores, mas também registramos casos de participantes (P6 e P14, respectivamente as acuidades visuais de 20/100 e 20/150) com acuidade visual entre 20/60 e 20/200 (baixa visão moderada) que manifestavam preferência por leitores de tela. Esses dados corroboram os apresentados por Fok et al. (2011)Fok, D., Polgar, J. M., Shaw, L., & Jutai, J. W. (2011). Low vision assistive technology
device usage and importance in daily occupations. IOS Press, 1(39), 37-48. http://dx.doi.org/10.3233/WOR-2011-1149 Entre os usuários desses
recursos, Fok et al. (2011)Fok, D., Polgar, J. M., Shaw, L., & Jutai, J. W. (2011). Low vision assistive technology device usage and importance in daily occupations. IOS Press, 1(39), 37-48. http://dx.doi.org/10.3233/WOR-2011-1149 Além dos ampliadores e dos leitores de tela, outros recursos de acessibilidade auxiliavam na usabilidade dos dispositivos eletrônicos móveis. Essas ferramentas modificavam o contraste da tela e do teclado, ativavam diversas funções por comando de voz (assistentes de voz) e convertiam a linguagem oral em registro escrito, por meio do ditado. Alguns sistemas operacionais já traziam lupas eletrônicas e sistema de reconhecimento de código de barras e QR como ferramentas de acessibilidade do próprio aparelho. Os recursos de acessibilidade são usados individualmente ou associados uns aos outros, bem como aos aplicativos de TA (Figura 1). Um aplicativo de orientação e de mobilidade relacionado ao transporte público, por exemplo, pode ser usado em combinação com leitores de tela (primeira combinação), ou inversores de cor e ampliador de tela (segunda combinação). Outro exemplo que podemos citar é o uso das redes sociais, cuja leitura do conteúdo poderia ser feita por leitores ou ampliadores de tela, a manifestação escrita por ditado ou usando adaptações de contraste no teclado, e a visualização de imagens poderia ser auxiliada por ampliadores sem inversão de cores. Cada indivíduo pesquisado articulava as combinações mais adequadas as suas dificuldades entre aplicativos e recursos de acessibilidade. Figura 1 Outros arranjos evolvem o acesso à informação visual externa por meio de lupas eletrônicas/vídeo ampliadores, digitalizadores e programas OCR (Figura 2). Nesse caso, os sujeitos com baixa visão, ao usarem um ampliador de tela (ou outro recurso de acessibilidade de preferência) que garantisse acesso ao dispositivo, digitalizavam o impresso nos aplicativos de digitalização; e, em seguida, com o programa OCR, o transformavam em um arquivo de formato acessível. Posteriormente, poderiam usar um leitor de texto ou telas para ouvir o conteúdo antes inacessível; ou, ainda, um ampliador de tela para lerem o arquivo digital com caracteres ampliados. Esses arranjos permitiam variabilidade de opções em TA proporcionais à diversidade de necessidades do público com baixa visão. Figura 2 Os diversos arranjos e as combinações relatadas pelos usuários de dispositivos eletrônicos móveis reproduzem a combinação descrita ainda no estudo de Fok et al. (2011)Fok, D., Polgar, J. M., Shaw, L., &
Jutai, J. W. (2011). Low vision assistive technology device usage and importance in daily occupations. IOS Press, 1(39), 37-48. http://dx.doi.org/10.3233/WOR-2011-1149 Portanto, é a variedade de arranjos possíveis, tanto em dispositivos eletrônicos móveis quanto em recursos convencionais, que qualificam os dispositivos de
TA benéficos à população com baixa visão, já que, nessa situação visual, encontramos uma vasta diversidade de condições visuais e, assim, necessidades variadas de recursos (Laplane & Batista, 2008Laplane, A. L. F., & Batista, C. G. (2008). Ver, não ver e aprender: a participação de crianças com baixa visão e cegueira na escola. Caderno Cedes, 28(75), 209-227.
https://doi.org/10.1590/S0101-32622008000200005 O ponto crucial para a popularização dos dispositivos eletrônicos móveis como recursos de TA
entre pessoas com baixa visão se deve ao fato de se constituírem em interfaces acessíveis. Mundialmente, há uma tendência na substituição de recursos projetados especificamente para a baixa visão por dispositivos multifuncionais elaborados na perspectiva do desenho universal. Fok et al. (2011)Fok, D., Polgar, J. M., Shaw, L., & Jutai, J. W. (2011). Low vision assistive technology device usage and importance in daily occupations. IOS Press, 1(39), 37-48.
http://dx.doi.org/10.3233/WOR-2011-1149 Esses dados demonstram a importância dos recursos elaborados na perspectiva do
desenho universal, em que já sejam previstos, na elaboração do próprio equipamento, meios e estratégias que atendam à diversidade das necessidades humanas. A ideologia do desenho universal prevê a criação de recursos, equipamentos e estruturas do meio físico destinadas a serem utilizadas simultaneamente por todas as pessoas, sem necessitar de reformas, adaptações ou recursos adicionais para atender a um grupo específico. Assim, a sua finalidade é simplificar a vida de todos, qualquer que seja a
idade, estatura ou capacidade, tornando os produtos, as estruturas, a comunicação/informação e o meio edificado utilizáveis pelo maior número de pessoas possível a baixo custo ou sem custos extras (Carta do Rio, 2004Carta do Rio. (2004). Desenho universal para um desenvolvimento inclusivo e sustentável. http://agenda.saci.org.br/index2.php?modulo=akemi¶metro=14482&s=noticias Cook e Polgar (2015)Cook, A. B., & Polgar, J. M. (2015). Assistive technologies: principles and practices. Elsevir- Mosby. descrevem a incorporação de recursos de TA em dispositivos móveis e computacionais. Segundo os autores, as mudanças no mundo da TA permitiram que muitas das adaptações especiais desenvolvidas para pessoas com deficiências tornaram-se características padrão presentes em produtos tradicionais e utilizáveis por uma ampla gama de pessoas com diferentes habilidades e capacidades. Para exemplificar esse contexto, os autores elaboraram uma lista com as características desses recursos e seus usos como TA e como tecnologias tradicionais. A título de ilustração dos itens que constam na lista, os ampliadores de tela, quando usados como TA, permitem que pessoas com baixa visão vejam mais facilmente a tela do computador (tablets ou smartphones). Já, quando usadas como tecnologias tradicionais por pessoas sem deficiência, objetivam tornar certas partes da tela mais evidentes durante apresentações aos públicos. Outro exemplo refere-se ao reconhecimento de voz, que, como TA, transforma sinais sonoros em registros escritos para aqueles que são incapazes de usar as mãos para digitar ou visualizar o teclado. Como tecnologias tradicionais, atendem aos interesses de pessoas que queiram inserir texto mais rápido do que podem digitar. Essa “migração” de recursos de TA para o mundo da tecnologia tradicional tem fortalecido a tendência do desenho universal. Nessa perspectiva, os dispositivos móveis (smartphones, tablets) e tecnologias de computação e informação podem ser projetados de acordo com os princípios do desenho universal. Assim sendo, são características projetadas por fabricantes dos dispositivos que os transformam em produtos mais aproveitáveis para pessoas que têm deficiência e facilitam a vida de pessoas sem deficiência (por exemplo, botões alargados; diferentes opções de exibição como visual, tátil ou auditiva; alternativas para a leitura do texto, como ícones ou imagens) (Cook & Polgar, 2015Cook, A. B., & Polgar, J. M. (2015). Assistive technologies: principles and practices. Elsevir- Mosby.). Cook e Polgar (2015)Cook, A. B., & Polgar, J. M. (2015). Assistive technologies: principles and practices. Elsevir- Mosby., fundamentados em Pullin (2009), admitem a articulação de dois conceitos ao desenho universal:
Nessa perspectiva, são concebidas plataformas multimodais que possuem diversos recursos e configurações flexíveis. Segundo Cook e Polgar (2015)Cook, A. B., & Polgar, J. M. (2015). Assistive technologies: principles and practices. Elsevir- Mosby., recursos de TA de menor investimento financeiro terão de ser previstos em dispositivos de tecnologia tradicionais, “as smartphones equipped with a variety of sensors; a GPS antenna built in; and features such as voice recognition, word prediction, and speech output that make them ideal platforms”8 8 Tradução: como telefones inteligentes equipados com uma variedade de sensores; uma antena GPS embutida; e recursos como reconhecimento de voz, previsão de palavras e saída de fala que os tornam plataformas ideais. (Emiliani et al., 2011 como citado em Cook & Polgar, 2015, p. 20Cook, A. B., & Polgar, J. M. (2015). Assistive technologies: principles and practices. Elsevir- Mosby.). Adicionou-se, ainda, que a personalização e as adaptações da plataforma para atender aos objetivos da TA serão fornecidas por meio de aplicativos de software. Essas características apontadas pelos autores se encontram descritas nesta pesquisa. Os dispositivos móveis têm incorporado recursos de TA que garantem o uso dos smartphones e tablets por uma ampla gama de pessoas e aproximam esses dispositivos das características do desenho universal e outros aplicativos personalizados, adquiridos nas lojas virtuais, os quais garantem personalizações e adaptações extras que potencializam o seu uso para públicos com necessidades mais específicas. As mudanças e a evolução nas tecnologias tradicionais e TA atribuem, portanto, às perspectivas de desenho universal e à TA um ponto de intersecção, em que há migrações de recursos entre as áreas. Todavia, Cook e Polgar (2015)Cook, A. B., & Polgar, J. M. (2015). Assistive technologies: principles and practices. Elsevir- Mosby. destacam “o foco” como a característica que distingue TA e desenho universal. Os recursos de TA são desenvolvidos e aplicados para maximizar a participação de indivíduos com deficiência na sociedade, por meio da execução de atividades funcionais de vida diária. Enquanto o desenho universal tem um foco na funcionalidade do projeto para a mais ampla gama da população, sem preocupação com as necessidades individuais. Considerando nossos achados, a utilização tanto de aplicativos que auxiliam nas dificuldades enfrentadas por pessoas com deficiência visual quanto os recursos de acessibilidade previstos nos projetos dos dispositivos móveis têm possibilitado uma vida mais produtiva e participativa das pessoas com baixa visão, ao proporcionar acesso às mesmas tecnologias tradicionais (smartphones, tablets, computadores, internet) dos demais membros da população. 4 Considerações finaisO crescente avanço tecnológico permite que dispositivos sejam acoplados ao seu sistema operacional, ou que sejam disponibilizados, em lojas virtuais, aplicativos adicionais que assistem às pessoas com deficiência no acesso e na realização de diversas atividades. Em consequência dos seus benefícios, estes têm ocupado espaço privilegiado nos recursos de TA usados por pessoas com baixa visão. Ao propormos caracterizar, a partir do ponto de vista dos usuários, o funcionamento e o uso de recursos de acessibilidade de smartphones e/ou tablets no cotidiano de pessoas com baixa visão, esta investigação encontrou 50 aplicativos que possibilitavam o uso dos dispositivos móveis como TA, e nove recursos de acessibilidade por meio dos quais era garantido aos usuários o acesso aos dispositivos móveis. O uso dos recursos de acessibilidade foi apontado pela população desta pesquisa como o principal diferencial dos smartphones e dos tablets, pois são eles os responsáveis pelo acesso independente a esses dispositivos. Os recursos de acessibilidade são usados individualmente ou associados uns aos outros, bem como aos aplicativos de TA. Os sujeitos lançavam mão de diversas combinações entre aplicativos e recursos de acessibilidade para solucionar ou minimizar as barreiras comunicacionais e informacionais. Esses arranjos permitiam variabilidade de opções em TA proporcionais à diversidade de necessidades do público com baixa visão. Esses dados demonstram a importância dos recursos elaborados na perspectiva do desenho universal, em que já sejam previstos, na elaboração do próprio equipamento, meios e estratégias que atendam à diversidade das necessidades humanas. Nesses termos, o levantamento e a sistematização dos conhecimentos acerca do uso dos smartphones e tablets por pessoas com baixa visão implicam avanços na área de conhecimento da Educação Especial, principalmente no que diz respeito: a) à proposição de programas de implementação de TA; b) à exposição de novas possiblidades para garantia da participação de alunos com baixa visão nas atividades de leitura e escrita e do acesso rápido à informação em multiformatos; c) à ampliação das oportunidades de acesso e à diminuição das taxas de abandono dos recursos, haja vista que não são estigmatizadores e são aparelhos de fácil acesso à população brasileira. Em relação à aplicação desses resultados para a área da Educação Especial, acreditamos que podem subsidiar a elaboração de um programa para a formação de professores de Atendimento Educacional Especializado. Além de indicar que a adoção e o financiamento de tablets nos programas governamentais pode se constituir em solução aos problemas de acesso à leitura de alunos com deficiência visual, uma vez que podem ser disponibilizados livros didáticos e literários nessas interfaces, que se tornam imediatamente acessíveis com o uso de leitores de textos e telas, ampliadores de tela, inversão de cores, aumento de fontes, entre outros, dispensando, em alguns casos, os volumosos livros ampliados e em Braille. Acrescentamos, ainda, que o uso desses dispositivos no contexto escolar deveria ser universalizado, em virtude dos benefícios que trariam para alunos com ou sem deficiência. A pesquisa foi realizada com um grupo heterogêneo quanto à faixa etária, ao desempenho visual, às atividades laborais e acadêmicas; no entanto, seria interessante que houvesse mais diversidade em relação à patologia, o que poderia fornecer um perfil diferente de aplicativos e das tarefas. Desta feita, sugerimos, para futuros estudos, amostras com maior diversidade quanto às causas da baixa visão, além de investimentos, divulgação e programas de ensino para aumentar o uso desses aplicativos. Referências
O que é um recurso de acessibilidade?São recursos de tecnologia assistiva capazes de traduzir automaticamente conteúdos digitais (texto, áudio e vídeo) em LIBRAS, tornando computadores, dispositivos móveis e plataformas Web acessíveis para pessoas surdas.
Quais são os recursos de acessibilidade?São as rampas, elevadores, banheiros adaptados, pisos táteis, calçadas rebaixadas etc., e são regulamentados pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).
O que é acessibilidade de um exemplo?Podemos definir como acessibilidade as práticas que possibilitam a todas as pessoas a possibilidade de acesso as coisas como lugares e posições especificas, um bom exemplo para isso é uma rampa ao lado de uma escada, a rampa garanti a acessibilidade daqueles que não poderão subir de escada, mas através da rampa ...
Quais são os recursos de acessibilidade na comunicação?Audiodescrição, legendas, janela de Libras, impressões em braille e dublagem são alguns dos exemplos existentes.
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