E verdade que a divisão entre países do norte e países do sul considera as condições socioeconômicas dos países?

Resumo  

  • Um vocabulário que não é neutro
  • Distribuição mundial da população, da riqueza e das emissões de CO2
  • Para além da clivagem Norte-Sul: a exploração de classe em cada país
  • Desigualdades na distribuição do património
  • Desigualdades na totalidade dos rendimentos
  • A dominação patriarcal
  • As relações Centro-Periferia no Norte e no Sul

 Um vocabulário que não é neutro

Os termos usados para designar as diversas categorias de países reflectem divergências teóricas e políticas em matéria de análise e estratégia. Tais divergências dizem geralmente respeito aos conteúdos sociais dos conceitos económicos: as categorias económicas são frequentemente apresentadas como reflexo de leis naturais, nas quais as relações sociais e as relações de poder pouco têm a dizer. Assim, o conceito dominante de subdesenvolvimento designa um simples atraso, por vezes imputado a causas naturais. Passemos em revista alguns desses termos:

  • Países subdesenvolvidos: este termo antigo caiu em desuso, tendo adquirido um sentido pejorativo.
  • Países em vias de desenvolvimento ou em desenvolvimento: estas expressões são menos pejorativas que a primeira, mas inscrevem-se na mesma problemática do «atraso». Além disso presumem uma melhoria da situação que nem sempre se verifica. O Banco Mundial continua a usar esta classificação de países «desenvolvidos» / países «em vias de desenvolvimento» (PED). [1].
  • Países menos avançados: termo utilizado nas instâncias internacionais; acumula todos os defeitos precedentes.
  • Terceiro Mundo: termo inventado por Alfred Sauvy em 1952 (por analogia com o terceiro estado) e que obteve grande sucesso durante a Guerra Fria, para designar todos os países que manifestavam vontade de serem independentes, tanto em relação aos EUA como à URSS. Dois factos tornaram mais delicada a utilização do termo, embora a atitude tenha subsistido: por um lado, o desaparecimento em 1991 da URSS e do bloco que o rodeava; por outro lado, a heterogeneidade crescente dos antigos países do Terceiro Mundo, alguns dos quais passaram por um grande desenvolvimento económico, chegando alguns a juntar-se aos países «desenvolvidos», segundo a classificação do Banco Mundial.

«Em 1951, numa revista brasileira, falei de três mundos, sem no entanto empregar a expressão “Terceiro Mundo”. Criei e empreguei esta expressão pela primeira vez, por escrito, no semanário francês l’Observateur, a 14 de agosto de 1952. O artigo terminava assim: “porque afinal esse Terceiro Mundo ignorado, explorado, tão desprezado como o terceiro estado, quer também ele ser algo”. Transpus assim a famosa frase de Sieyes sobre o Terceiro Estado durante a Revolução Francesa»
Alfred Sauvy, demógrafo e economista

  • Países pobres: esta expressão põe a tónica na pobreza económica da maioria das populações dos países em causa. Contudo, oculta as desigualdades gritantes que aí existem. Além disso, um certo número de países considerados pobres são na realidade muito ricos em recursos naturais, já para não falar das suas riquezas culturais. Mais vale falar de países explorados e empobrecidos.
  • Países do Sul: um termo apropriado para sublinhar a fractura com os países do Norte do planeta, que são em muitos casos «desenvolvidos» e dominantes, mas que tem o duplo defeito de passar ao lado das numerosas excepções a essa classificação geográfica e de fazer crer num fatalismo geográfico natural. É por isso que na América Latina se fala de Sul Global e Norte Global, a fim de os distinguir das realidades geográficas norte-sul. Usa-se também a denominação «os Suis», para destacar a heterogeneidade dos países do Sul.
  • Países da periferia: termo próximo das abordagens estruturalistas e marxistas que põe em evidência os fenómenos de dominação dentro do capitalismo mundial, controlado pelos países mais industrializados, que levam a cabo políticas imperialistas.
  • Países emergentes: termo usado para designar os países que iniciaram um processo de industrialização inegável que os distingue do conjunto, outrora mais homogéneo, do Terceiro Mundo. A China, a Índia e o Brasil constituem os principais exemplos. Esta expressão substitui frequentemente a de «mercados emergentes», que reflecte bem a visão neoliberal de um desenvolvimento que teria de passar obrigatoriamente pela inserção na divisão internacional do trabalho imposta pela mundialização capitalista. Note-se que cinco países considerados emergentes estabeleceram entre si um quadro de colaboração chamado BRICS, conforme as suas iniciais: Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul (South Africa em inglês).
  • Países em transição para uma economia de mercado: eufemismo que designava em tempos os países do Leste da Europa que, após a dissolução da URSS e do bloco soviético, entraram num processo de restauração capitalista.

Para o CADTM, a distinção Norte/Sul, Países desenvolvidos/Países em desenvolvimento envolve igualmente a dominação de instituições financeiras internacionais (IFI) como o Banco Mundial, o FMI e outros angariadores de fundos que impõem políticas imperialistas e neocoloniais segundo as conveniências das grandes potências do Norte.

Apesar das lacunas de todos estes termos, usamos os seguintes termos como sinónimos: países do Sul, Periferia, países empobrecidos, países em desenvolvimento (PED), Terceiro Mundo.

Estes termos são geralmente usados em oposição a: países do Norte, Norte, Centro, considerados como sinónimos entre si. Dentro deste grupo dominam os principais países industrializados, ou países imperialistas.

Com muitas reticências e por limitações ligadas aos dados estatísticos, vemo-nos obrigados a usar as categorias estabelecidas pelo Banco Mundial. Com efeito, não temos recursos suficientes para estabelecermos à escala mundial a nossa própria base de dados estatísticos, assente em critérios mais pertinentes que os usados pelo Banco Mundial para categorizar os países.

Em 2020, os «países em desenvolvimento» reuniam, segundo o Banco Mundial, três categorias de países, [2] consoante os seus rendimentos:

  • 31 «países de baixo rendimento» (países cujo PIB PIB
    Produto interno bruto
    O produto interno bruto é um agregado económico que mede a produção total num determinado território, calculado pela soma dos valores acrescentados. Esta fórmula de medida é notoriamente incompleta; não leva em conta, por exemplo, todas as actividades que não são objecto de trocas mercantis. O PIB contabiliza tanto a produção de bens como a de serviços. Chama-se crescimento económico à variação do PIB entre dois períodos.
    /habitante é inferior ou igual a 1 025 $US anuais);
  • 47 «países com rendimentos médio-inferiores» (países cujo PIB/habitante se situa entre 1 026 $US e 3 995 $US anuais);
  • 60 «países com rendimentos médios-superiores» (países cujos rendimentos se situam entre os 3 996 $US e os 12 375 $US anuais).

Segundo esta classificação, encontram-se entre os países em desenvolvimento economias tão diversas como a Tailândia e o Haiti, o Brasil e o Níger, a Rússia e o Bangladexe. O Banco Mundial inclui a China entre os 60 «países com rendimentos médio-superiores». Nós classificamos a China à parte, atendendo ao seu forte peso económico e à enorme escala da sua população. Segundo o nosso recenseamento, havia 137 países do Sul em 2020 (segundo o Banco Mundial, seriam 138).

Em termos simplificados, o Sul agrupa a América Latina, as Caraíbas, o Médio Oriente [equivalente, no português clássico, ao Próximo Oriente], o Norte de África, a África Subsariana, o Sul da Ásia, o Sudeste da Ásia e do Pacífico, a Ásia Central, a Turquia, os países da Europa Central e de Leste não membros da UE, assim como a Bulgária e a Roménia, que são membros da UE.

Quando empregamos o termo Norte, referimo-nos ao grupo de países identificados pelo Banco Mundial como tendo um elevado nível de rendimentos, o que inclui 80 países cujo PIB/habitante é superior a 12 375 $US anuais (ver a lista completa de países do Sul e do Norte mais abaixo).

Assim, o Norte agrupa os países pertencentes à Europa Ocidental, aos Estados da Europa Central e de Leste membros da UE (com excepção da Bulgária e da Roménia), os Estados Unidos da América, o Canadá, o Japão, a Coreia do Sul, a Austrália, a Nova Zelândia e uns 40 países situados em diversas latitudes. Nem todos estes países são «industrializados», no sentido de a sua economia ser composta por um importante sector industrial de manufacturas. De facto, alguns destes países são pouco ou nada industrializados, mas os organismos internacionais consideram que eles alcançaram um nível elevado de rendimentos, seja por terem conseguido atrair avultados capitais estrangeiros, nomeadamente por serem paraísos fiscais (caso do Panamá, Seicheles, Baamas, ilhas Caimão), seja por obterem elevados rendimentos graças à extracção de petróleo (caso dos estados árabes do Golfo Pérsico ou do sultanado de Brunei no Sudeste da Ásia).

 Distribuição mundial da população, da riqueza e das emissões de CO2

Numa população mundial calculada em cerca de 7,8 mil milhões de pessoas em 2020, os países do Sul abrigam cerca de 66 %, a China cerca de 18 % e os países do Norte cerca de 16 % [3].

Distribuição da população mundial em 2020

E verdade que a divisão entre países do norte e países do sul considera as condições socioeconômicas dos países?
Azul: países do Sul;
Laranja: China;
Cinzento: países do Norte.
Fonte: Nações Unidas

O produto interno bruto (PIB) é o indicador clássico usado por muitos economistas para avaliar a produção de riqueza no mundo. No entanto ele apenas nos dá uma visão incompleta, tendenciosa e contestável, pelo menos por cinco razões:

  1. o trabalho não remunerado, prestado principalmente pelas mulheres e que é vital para a reprodução social, não é tido em conta;
  2. os atentados contra o ambiente não são negativamente registados (ver quadro mais abaixo);
  3. a unidade de medida utilizada é o preço dos bens e serviços, não a quantidade de trabalho necessária à sua realização;
  4. as desigualdades no interior de cada país não são tidas em conta;
  5. o impacto da dívida sobre a progressão dos indicadores económicos, políticos, sociais e culturais do país é excluído.

Apesar destas lacunas, o PIB revela os desequilíbrios económicos entre Norte e Sul. O PIB, assim como outros indicadores económicos a que recorremos, são expressos em dólares americanos ($US) – salvo indicação em contrário –, uma vez que hoje em dia cerca de 60 % [4] das reservas cambiais, 88 % [5] das trocas internacionais e a maioria dos empréstimos são cotados nessa moeda.

A acumulação de riquezas encontra-se na sua maior parte concentrada no Norte, em proporção quase inversa à distribuição da população. Embora a parte do Norte na acumulação de riquezas possa ter diminuído nos últimos anos, é preciso notar que isso não se deve a uma maior acumulação nos países do Sul, mas sim ao grande crescimento económico da China.

RegiõesDistribuição do PIB mundial
Em 2010 Em 2018 Em 2020
PIB mundial 66.108,9 mil milhões $US 85.968,7 mil milhões $US 84.456,2 mil milhões $US
Países do Norte
(Países com elevado rendimento)
68,8 % 63,5 % 63,3 %
China 9,2 % 16,2 % 17,4 %
Países do Sul 22 % 20,4 % 19,3 %
Dos quais, países com
rendimento intermédio superior
(p.ex. China)
13,2 % 11,3 % 10 %
Dos quais, países com
rendimento intermédio inferior
7,9 % 8,5 % 8,7 %
Dos quais, países com
baixo rendimento
0,9 % 0,5 % 0,5 %
Fonte: Banco Mundial [6] (os totais e subtotais podem não bater certo, devido ao arredondamento dos números)

Os números do PIB por habitante revelam o fosso económico que separa Norte e Sul.

RegiãoPIB por habitante (em $US)
Em 2010 Em 2018 Em 2020
Mundo 9.605,6 11.347,3 10.918,7
Norte
(países de elevado rendimento)
39.412 45.240,6 44.003,4
China 4.550,5 9.905,3 10.434,8
Sul 3.590,2 4.933,1 4.754,8
Dos quais, países com
rendimento intermédio superior
(incluindo a China)
6.324,5 9.468,9 9.177,8
Dos quais, países com
rendimento intermédio inferior
1.806,5 2.267,6 2.217,2
Dos quais, países com
baixo rendimento
1.125,4 674,4 691,2
Fonte: Banco Mundial [7]

Distribuição geográfica dos emissores de CO2e [8]

Sabe-se que os principais emissores de gases com efeito de estufa (GEE) são actualmente os países do Norte e a China, o Brasil e a Índia. Não raro, ouvimos muitos responsáveis políticos e chefes de grandes empresas de países do Norte afirmarem que a China é o principal emissor de GEE actualmente e por isso devia devia ser o país a fazer maiores esforços para diminuir as emissões e lutar contra as alterações climáticas. Este discurso visa na realidade desresponsabilizar-se, abstraindo-se da responsabilidade histórica dos países do Norte nas emissões de GEE desde o início da Revolução Industrial no século 19 (os GEE têm uma duração de vida de várias décadas na atmosfera e os seus efeitos concretos na mudança climática podem ocorrer 40 anos após a sua emissão). Essas afirmações silenciam igualmente o papel da China na divisão internacional do trabalho: as elevadas emissões de GEE vindas da China são a consequência do fabrico de bens manufacturados vendidos em todo o mundo – nomeadamente no Norte, onde o poder de compra das famílias é maior – por multinacionais sediadas nos países do Norte.

Uma análise mais aprofundada das emissões de CO2e, levando em conta as «emissões importadas» [9], cava ainda mais o fosso que separa os países do Norte dos países do Sul.

E verdade que a divisão entre países do norte e países do sul considera as condições socioeconômicas dos países?

Na mesma linha, a rede Global Footprint desenvolveu um indicador que conjuga um indicador de desenvolvimento humano (IDH) e a pegada ecológica dos países. tendo em conta estas duas variáveis, a análise do «desenvolvimento» assume um aspecto totalmente diferente: em 2015, nenhum país em todo o mundo reunia simultaneamente um IDH muito elevado e uma pegada ecológica sustentável. Por outro lado, os países sem mácula eram principalmente os da América do Sul, tendo à cabeça Cuba. [10]

Portanto, os países do Norte conseguiram desenvolver as suas economias e atingir níveis de vida relativamente elevados graças a enormes emissões de GEE. Na necessária luta contra o aquecimento climático, a redução de emissões de CO2 dos estados do Norte devia ser proporcionalmente muito maior que a dos estados do Sul, de modo que o esquema de emissões permitidas com vista a uma redução drástica mundial possa servir, além da transição para um sistema energético global 100 % renovável, a melhoria dos níveis de vida nos países do Sul.

É fundamental pôr em causa a responsabilidade das grandes empresas capitalistas nos últimos dois séculos. De facto, as grandes empresas originárias do século 19 ou do início do século 20, como a Coca-Cola (fundada em 1886), Pepsi-Cola (1898), Unilever (1930), Monsanto (1901), Cargill (1865) no sector agroalimentar, BP (1909), Shell (1907), ExxonMobil (1870), Chevron (1879), Total (1924) no sector petrolífero, ThyssenKrupp (1811), ArcelorMittal (resultante da fusão de diversos grupos nascidos na primeira metade do século 20) no sector metalúrgico, Volkswagen (1937), General Motors (1908), Ford (1903), Renault-Nissan-Mitsubishi (agrupamento de três empresas criadas entre 1870 e 1932) no sector automóvel, Rio Tinto (1873), BHP Billiton (1895) no sector mineiro, têm enormes responsabilidades nas emissões de GEE. Se calculássemos a quantidade de GEE que as suas actividades geraram desde o seu aparecimento, descobriríamos que representa uma proporção enorme do que foi acumulado na atmosfera como verdadeira bomba de relógio que acabou por explodir. Mais recentemente, é preciso incluir, na lista incompleta mencionada acima, o impacto nefasto sobre o ambiente das GAFAM (Google, Apple, Facebook, Amazon e Microsoft). Por fim, há que juntar mais recentemente uma série de empresas privadas ou, nalguns casos, públicas, originárias dos países capitalistas ditos emergentes, que também têm consequências nefastas no ambiente: Gasprom, Rosneft na Rússia, Sinopec, Petrochina na China, Petrobras e Vale do Rio Doce no Brasil, Coal India e Tata na Índia, etc. Fundamentalmente, tanto no Norte como no Sul, o modo de produção capitalista é responsável pela destruição do planeta. Em vez de falarmos de antropoceno, responsabilizando a humanidade inteira pela crise ecológica, conviria utilizar o termo capitaloceno, pois é o modo de produção capitalista que está em causa.

  Para além da clivagem Norte-Sul: a exploração de classe em cada país

No entanto, este panorama da situação económica mundial é muito incompleto, pois ignora as grandes desigualdades de rendimento e de acumulação de riquezas dentro de cada categoria de países. O capitalismo alastrou a todo o globo. Neste sistema, a classe capitalista, que representa uma minoria ínfima da população, enriquece mais a cada dia, graças às riquezas produzidas pelo trabalho da maioria da população, e também graças à exploração da natureza, sem se preocupar com os limites físicos desta. Desapossados da propriedade dos meios de produção, a maioria das mulheres e dos homens não tem outro remédio senão vender a sua força de trabalho aos capitalistas (proprietários desses meios de produção), que procuram remunerar o trabalho ao mais baixo nível que podem, impedindo assim a esmagadora maioria da população de sair da condição social em que se encontra. Inversamente, as riquezas acumuladas pelos capitalistas permitem-lhes investir em variados sectores, a fim de aumentarem as suas fontes de lucro Lucro Resultado contabilístico líquido resultante da actividade duma sociedade. O lucro líquido representa o lucro após impostos. O lucro redistribuído é a parte do lucro que é distribuída pelos accionistas (dividendos)., explorando ao mesmo tempo os seres humanos e a natureza.

A fim de manter os seus proventos ao mais alto nível possível e de assegurarem a perpetuação desse modo de produção, a classe capitalista procura não só manter os salários directos ao nível mais baixo que conseguirem, mas também impedir a redistribuição das riquezas, pagando o mínimo possível de impostos, combatendo as políticas sociais, como sejam os serviços públicos de saúde, educação e habitação. Também interessa aos capitalistas impedir a organização colectiva dos trabalhadores e das trabalhadoras, nomeadamente combatendo os chamados direitos do trabalho: o direito de constituir sindicatos, o direito de greve, as negociações colectivas, etc. Inversamente, os trabalhadores têm todo o interesse em organizar-se, a fim de conquistar direitos sociais e contestar as desigualdades. Existe portanto uma luta de classes a nível internacional, cuja intensidade varia consoante o nível de organização colectiva dos trabalhadores, em cada lugar e em cada época, face às injustiças gritantes.

A nível mundial, 2.153 milionários possuíam em 2019 mais riquezas que 4,6 mil milhões de pessoas, ou seja, 60 % da população mundial. [11]

As desigualdades económicas entre diversos grupos da população podem ser medidas nomeadamente pelo património na posse de cada pessoa e pelos respectivos rendimentos (rendimentos do trabalho – salários, reformas, diversos tipos de subsídios sociais – e rendimentos do capital – lucros das empresas, dividendos recebidos pelos accionistas, etc.).

Os grupos mais pobres da população mundial possuem literalmente menos que nada: estão endividados e devem dinheiro aos seus credores – geralmente bancos –, ou seja, aos grupos mais ricos da população. Nos EUA, cerca de 12 % da população – ou seja mais de 38 milhões de pessoas – têm património negativo. [12] O nível de endividamento destass pessoas – devido nomeadamente aos empréstimos a estudantes e aos empréstimos para compra de casa – é tal que puxa para baixo o património acumulado por 50 % dos mais pobres, tornando-o negativo (-0,1 %). [13]

  Desigualdades na distribuição do património

Parte de cada grupo da população no património totalEUA (2014)França (2014)China (2014)Índia (2012)
Os 10 % mais ricos 73 % 55,3 % 66,7 % 62,8 %
Dos quais, o 1 % mais rico 38,6 % 23,4 % 27,8 % 30,7 %
Dos quais, os 9 % seguintes 34,4 % 31,9 % 38,9 % 32,1 %
Os 40 % do meio 27,1 % 38,4 % 26,7 % 30,8 %
Os 50 % mais pobres -0,1 % 6,3 % 6,6 % 6,4 %
Fonte: World Inequality Database (o total de algumas colunas pode não perfazer 100 %, devido ao arredondamento dos números)

 Desigualdades na totalidade dos rendimentos

Parte de cada grupo da população nos rendimentos totaisMundo (2016)UE28 (2016)EUA (2014)China (2015)Índia (2015)
Os 10 % mais ricos 52,1 % 33,4 % 47 % 41,4 % 56,1 %
Dos quais, o 1 % mais rico 20,4 % 10,3 % 20,2 % 13,9 % 21,3 %
Dos quais, os 9 % seguintes 31,7 % 23,1 % 26,8 % 27,5 % 34,8 %
Os 40% do meio 38,2 % 44,6 % 40,4 % 43,7 % 29,2 %
Os 50 % mais pobres 9,7 % 22 % 12,6 % 14,8 % 14,7 %
Fonte: World Inequality Database (o total de algumas colunas pode não perfazer 100 %, devido ao arredondamento dos números)

Os 22 homens mais ricos do mundo possuem mais que o conjunto da população feminina de África. [14]

Por consequência, não se trata nunca de opor Norte e Sul na sua globalidade, mas sim de fazer emergir uma dinâmica «geográfica» de conjunto: a maioria das decisões é tomada por uma ínfima minoria da população do Norte e do Sul (o 1 %), com pesadas consequências para a esmagadora maioria da população do Sul e do Norte (os 99 %). Dentro de cada país e de cada região o sistema de dominação e exploração existe e mantém-se.

É assim que na Índia uma ínfima minoria enriquece de maneira fenomenal, graças ao trabalho efectuado pelas centenas de milhões de indianos pobres. Olhando para outra região do mundo, o Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (ICIJ - International Consortium of Investigative Journalists) revelou em janeiro de 2020 os mecanismos predatórios e espoliadores usados por Isabel dos Santos para se tornar a mulher mais rica de África, em dtrimento nomeadamente da população do seu país, Angola. [15]

Nos EUA – a maior economia do mundo –, mais de 14 milhões de famílias, incapazes de reembolsar os seus empréstimos hipotecários, foram expulsas das suas casas, no seguimento da crise dos subprimes de 2006 (mas os despejos massivos são muito anteriores à crise e continuam hoje em dia).

Para além da distinção entre blocos geográficos, trata-se sobretudo – e no essencial – da exploração da esmagadora maioria da população, tanto do Sul como do Norte, por uma ínfima minoria que constitui a classe capitalista, comummente chamada «o 1 %». O comportamento dessa classe dominante é motivado pela procura do lucro máximo a curto prazo. É indispensável compreender e combater esta clivagem, sob pena de não conseguirmos identificar as alternativas pertinentes na luta pela emancipação da grande maioria, vítima das relações de exploração e opressão.

 A dominação patriarcal

Segundo a Oxfam: as mulheres de todas as idades assumem todos os dias o equivalente a 12,5 mil milhões de horas de trabalho não remunerado. Ainda segundo a Oxfam: as mulheres realizam mais de três quartos do trabalho não remunerado em todo o mundo. [16]

É fundamental ter em conta a opressão e a exploração das mulheres em todo o mundo. A opressão das mulheres é muito antiga, mais antiga que o capitalismo. Chama-se «patriarcado» à opressão sofrida pelas mulheres, enquanto mulheres, exercida pelos homens. No capitalismo, o patriarcado traduz-se nomeadamente na imposição às mulheres e às minorias de género de uma carga de tarefas de «reprodução social» – tarefas que permitem produzir e regenerar as condições de vida e a força de trabalho (como sejam a educação, os cuidados domésticos, a alimentação, etc.) e portanto o capitalismo. Estas tarefas são maioritariamente assumidas no seio familiar, de maneira invisível e não remunerada. Esta opressão reproduz-se de múltiplas formas, para além do aspecto estritamente económico: através da linguagem, da filiação, dos estereótipos, das religiões, da cultura, etc. A opressão das mulheres e o sistema patriarcal combinam-se de maneira inextricável com a exploração capitalista, tanto no Norte como no Sul. Os efeitos do endividamento público e privado ilegítimo reforçam a opressão das mulheres.

 As relações Centro-Periferia no Norte e no Sul

As grandes empresas do Brasil exercem sobre os seus vizinhos da América do Sul relações imperialistas de dominação; as grandes empresas da China exercem o mesmo tipo de relações com numerosos países de África, do Sul da Ásia e Sudeste Asiático. Estas relações são por vezes designadas «subimperialismos», «imperialismos periféricos» ou ainda «imperialismos regionais».

Dentro da União Europeia, cujos países pertencem quase na totalidade ao grupo dos países do Norte (com excepção da Roménia e da Bulgária), os países periféricos são dominados pelos países com economias mais fortes e suas grandes empresas privadas – é nomeadamente o caso dos países ditos «da periferia Sul» (onde encontramos Grécia, Chipre, Espanha, Portugal) e da «periferia Leste» na Europa Central e oriental. Dentro dos EUA, o povo da ilha de Porto Rico encontra-se submetido a uma relação neocolonial.

Para completar a compreensão das relações internacionais, é preciso ter em conta o conceito de centro(s) e periferia(s), tanto à escala continental como regional. [17] Este modelo centro-periferia permite compreender melhor o sistema de opressão exercido por um centro constituído por economias dominantes que impõem as suas condições às economias periféricas sujeitas a esse sistema, baseado em relações de desigualdade e em mecanismos de dependência, ao serviço da acumulação de capital.


Participaram na redacção deste artigo: Maud Bailly, Nathan Legrand, Milan Rivié, Éric Toussaint e o grupo nacional de coordenação do CADTM Bélgica.


Lista dos países do Sul e do Norte (segundo a classificação do Banco Mundial))


ÉCONOMIAS COM RENDIMENTOS BAIXOS (PIB/HABITANTE: 1.025 $US OU MENOS)

Afeganistão, Benim, Burkina Faso, Burúndi, Chade, Coreia do Norte, Eritreia, Etiópia, Gâmbia, Guiné, Guiné-Bissau, Haiti, Iémene, Libéria, Madagáscar, Malawi, Mali, Moçambique, Nepal, Níger, Uganda, República Centro-Africana, República Democrática do Congo (Congo-Kinshasa), Ruanda, Serra Leoa, Síria, Somália, Sudão do Sul, Tajiquistão, Tanzânia, Togo


ÉCONOMIAS COM RENDIMENTOS MÉDIOS INFERIORES (PIB/HABITANTE: 1.026 A 3.995 $US)

Angola, Bangladexe, Bolívia, Butão, Cabo Verde, Camarões, Cambodja, Cisjordânia e Gaza, Comores, Costa do Marfim, Djibuti, Essuatíni (ex-Suazilândia), Estados Federados da Micronésia, Filipinas, Gana, Honduras, Ilhas Salomão, Índia, Indonésia, Laos, Lesoto, Marrocos, Mauritânia, Mianmar, Moldávia, Mongólia, Nicarágua, Nigéria, Papua-Nova Guiné, Paquistão, Quénia, Quirguistão, Quiribati, República Árabe do Egipto, República do Congo (Congo-Brazzaville), Salvador, São Tomé e Príncipe, Senegal, Sudão, Timor Leste, Tunísia, Ucrânia, Usbequistão, Vanuatu, Vietname, Zâmbia, Zimbabué


ÉCONOMIAS COM RENDIMENTOS MÉDIOS INFERIORES (PIB/HABITANTE: 1.026 A 3.995 $US)

Albanie, Algérie, Samoa américaines, Argentine, Arménie, Azerbaïdjan, Belarus, Belize, Bosnie-Herzégovine, Botswana, Brésil, Bulgarie, Chine, Colombie, Costa Rica, Cuba, Dominique, République dominicaine, Guinée équatoriale, Équateur, Fidji, Gabon, Géorgie, Grenade, Guatemala, Guyana, Afrique du Sud, Iran, Iraq, Jamaïque, Jordanie, Kazakhstan, Kosovo, Liban, Libye, Malaisie, Maldives, Maurice, Îles Marshall, Mexique, Monténégro, Namibie, Nauru, Macédoine du Nord, Paraguay, Pérou, Roumanie, Fédération de Russie, Samoa, Serbie, Sri Lanka, St. Lucie, Saint-Vincent-et-les-Grenadines, Suriname, Thaïlande, Tonga, Turquie, Turkménistan, Tuvalu, Venezuela


ÉCONOMIAS COM RENDIMENTOS MÉDIOS SUPERIORES (PIB/HABITANTE: 3.996 À 12.375 $US)

África do Sul, Albânia, Argélia, Argentina, Arménia, Azerbaijão, Belize, Bielorrússia, Bósnia-Herzegovina, Botsuana, Brasil, Bulgária, Cazaquistão, China, Colômbia, Costa Rica, Cuba, Domínica, Equador, Federação Russa, Fiji, Gabão, Geórgia, Granada, Guatemala, Guiana, Guiné Equatorial, Ilhas Marshall, Irão, Iraque, Jamaica, Jordânia, Kosovo, Líbano, Líbia, Malásia, Maldivas, Maurícias, México, Montenegro, Namíbia, Nauru, Macedónia do Norte, Paraguai, Peru, República Dominicana, Roménia, Samoa, Samoa Americanas, Sérvia, Sri Lanka (Ceilão), Santa Lucia, São Vicente e Granadinas, Suriname, Tailândia, Tonga, Turcomenistão, Turquia, Tuvalu, Venezuela


ECONOMIAS COM RENDIMENTOS ALTOS (PIB/HABITANTE: 12.376 $US OU MAIS)

Alemanha, Andorra, Antígua e Barbuda, Aruba, Austrália, Áustria, Baamas, Bahrein, Barbados, Bélgica, Bermudas, Brunei Darussalam, Canadá, Ilhas Caimão, Ilhas Anglo-Normandas, Chile, Chipre, Croácia, Curaçao, Dinamarca, Estónia, Ilhas Feroe, Finlândia, França, Polinésia Francesa, Gibraltar, Grécia, Gronelândia, Guam, Hong Kong, Hungria, Islândia, Irlanda, República Checa, Ilha de Man, Israel, Itália, Japão, Coreia do Sul, Koweit, Letónia, Liechtenstein, Lituânia, Luxemburgo, Macau, Malta, Mónaco, Holanda, Nova Caledónia, Nova Zelândia, Ilhas Marianas do Norte, Noruega, Omã, Palau, Panamá, Polónia, Portugal, Porto Rico, Qatar, San Marino, Arábia Saudita, Seicheles, Singapura, São Martinho (parte holandesa), Eslováquia, Eslovénia, Espanha, São Martinho (parte francesa), Suécia, Suíça, Taiwan, Trindade e Tobago, Ilhas Turcas e Caicos, Emirados Árabes Unidos, Reino Unido, Estados Unidos da América (EUA), Uruguai, Ilhas Virgens Americanas

E verdade que a divisão entre países do Norte e países do sul considera as condições socioeconômicas dos países?

p. 77. ( ) A divisão entre países do Norte e países do Sul considera as condições socioeconômicas dos países. ( ) A regionalização Norte-Sul é pouco precisa, já que há muitas diferenças econômicas e sociais entre os países de cada grupo.

Como acontece a divisão do mundo em norte rico e sul pobre?

A divisão norte-sul é uma divisão sócioeconômica e política utilizada para atualizar a Teoria dos Mundos. A partir dessa divisão, separa-se os países desenvolvidos, chamados de países do norte, dos países do sul, grupo de países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, divididos no mapa através de uma linha imaginária.

Por que a divisão do mundo em países do Norte e países do sul não corresponde à realidade atual?

Resolução: Porque incluiu no mesmo conjunto países com diferentes níveis de desenvolvimento. Por exemplo, Brasil e Haiti, embora muito distintos socioeconomicamente, foram considerados países subdesenvolvidos.

Quais as principais diferenças econômicas e sociais entre o norte e o sul do mundo?

A diferença entre nortistas e sulistas tinha origem no processo de desenvolvimento de cada uma destas regiões. Enquanto o sul prosperava à custa do trabalho escravo e da exportação de matéria-prima para a Europa, o norte privilegiou o trabalho assalariado e a articulação de um poderoso comércio.