Diferença entre averiguação oficiosa e investigação de paternidade

Decis�o Texto Integral: Proc. n� 1097/16.7T8FAR.E1

Acordam na 2� sec��o c�vel do Tribunal da Rela��o de �vora:

I – Relat�rio.
1. (…), solteira, maior, residente no Bairro Camar�rio da (…), Edif�cio (…), lt 9, bloco 2, r/c dt�, Vila Real de Santo Ant�nio, instaurou contra (…), vi�vo, residente no s�tio da (…), Manta Rota, Vila Nova de Cancela, a��o de investiga��o da paternidade.

Alegou, em resumo, que (…), sua m�e, manteve uma rela��o de namoro com (…), entre o in�cio de Agosto de 1983 at� finais de Janeiro de 1984, per�odo durante o qual a sua m�e engravidou, gravidez que terminou com o seu nascimento em 10/9/1984.

Apenas a sua maternidade se mostra estabelecida, mas o seu pai � o referido (…), com quem manteve contatos nos primeiros anos de vida, contatos que vieram a ser restabelecidos ap�s a A. perfazer 18 anos, altura em que este passou a considerar e a tratar a A. como sua filha.

O (…) faleceu em 3/1/2016, sem descendentes, tendo-lhe sobrevivido o seu pai, ora R.

Concluiu pedindo que se declare e reconhe�a que o falecido (…) � o seu pai biol�gico.

Contestou o R. argumentando, em s�ntese, que j� correu termos uma a��o de investiga��o da paternidade da A., intentada pelo Minist�rio P�blico contra o referido (…) a qual, depois de produzidas as provas, foi julgada improcedente e que a A. nunca foi tratada pelo falecido como sua filha, nem pela sua fam�lia, designadamente o ora R., que em nenhum momento contatou com a A..
Concluiu pela improced�ncia da a��o.
Respondeu a A. defendendo que inexiste identidade de sujeitos e de causa de pedir entre a presente a��o e a a��o de investiga��o de paternidade instaurada pelo Minist�rio P�blico, assim, concluindo pela improced�ncia da exce��o do caso julgado suscitada pelo R..

2. Findos os articulados foi proferido decis�o que absolveu o R. da inst�ncia por proced�ncia da exce��o dilat�ria do caso julgado.

3. O recurso.
A A. recorre desta decis�o exarando as seguintes conclus�es que se reproduzem:
“1�- Ressalvada novamente melhor opini�o, na presente a��o de investiga��o de paternidade n�o se verificam os pressupostos da exce��o dilat�ria do caso julgado relativamente � mencionada a��o de investiga��o n� 103/85;
2�- Desde logo, por serem diferentes as identidades tanto dos demandantes como as dos demandados em ambas as a��es;

3�- Com efeito, a referida a��o n� 103/85 foi interposta pelo Minist�rio P�blico no exerc�cio da compet�ncia pr�pria de averigua��o oficiosa da paternidade ao abrigo do disposto nos art�s 1864� e 1865�, n� 5, do CC, enquanto que a presente a��o foi intentada pela Autora em conformidade com o art� 1869� do CC;

4�- Assim como muito diferentes s�o os interesses pessoais (jur�dicos, morais, familiares e patrimoniais) de cada um dos demandados em ambos os lit�gios;

5�- Por outro lado, na citada a��o n� 103/85 a causa de pedir invocada limitou-se � filia��o biol�gica resultante da procria��o e na presente a��o, al�m deste fundamento, foram tamb�m alegados factos integradores das presun��es de tratamento como filha por parte do pretenso Pai (posse de estado) e de concubinato consagradas nas al�neas a) e c) do art� 1871� do CC – n�o se verificando a identidade da causa de pedir destas a��es;

6�- Do mesmo modo, existem diferen�as relevantes nos outros pressupostos do caso julgado, uma vez que na presente a��o foi formulado o pedido de exuma��o do cad�ver do pretenso pai, e consequente an�lise cient�fico-laboratorial do respetivo ADN;

7�- E isto porque – como vem sendo reconhecido superiormente pela nossa Jurisprud�ncia – os direitos de identidade pessoal e de investiga��o da paternidade s�o imprescrit�veis e devem prevalecer sobre todos os direitos do pretenso progenitor, mesmo ap�s o falecimento deste; em consequ�ncia,

8�- Ao declarar a proced�ncia da exce��o dilat�ria do caso julgado, com a consequente absolvi��o do R�u da inst�ncia, a Merit�ssima “A Quo” – ressalvados os devidos respeitos – fez interpreta��o menos correta do disposto nos art�s 577�, al. i), 581� e 278�, n� 1, al. e), todos do CPC;

9�- Nestes termos e nos mais que doutamente ser�o supridos, dever� conceder-se provimento ao presente recurso, com a consequente revoga��o da douta senten�a recorrida, como � de s� Justi�a.

N�o houve lugar a resposta.
Admitidos os recursos e observados os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II. Objeto do recurso.
Considerando as conclus�es da motiva��o do recurso e sendo estas que delimitam o seu objeto, importa decidir se a presente a��o constitui repeti��o da a��o de investiga��o de paternidade instaurada pelo Minist�rio P�blico contra (…).

III. Fundamenta��o.
1. Factos.
Embora n�o os haja discriminado, a decis�o recorrida fundamentou-se nos seguintes factos que se mostram provados por documento:
a) A A. nasceu em 10/9/1984 e encontra-se registada como filha de (…).
b) Com o n� 103/85, correu termos no Tribunal Judicial de Vila Real de Santo Ant�nio, uma a��o de investiga��o de paternidade intentada pelo Minist�rio P�blico contra (…).
c) A referida a��o, que veio a ser julgada improcedente, tinha como pedido a declara��o que a menor (…) � filha de (…), com fundamento na manuten��o de rela��es sexuais da m�e da A. em exclusividade com o R. nos primeiros 120 dias dos 300 que precederam o nascimento da A., no �mbito duma rela��o de namoro que estabeleceram entre o in�cio de Dezembro de 1983 e at� Fevereiro de 1984.

2. Direito.
2.1. Se ocorre a exce��o do caso julgado.
Por haver julgado verificada a identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir, entre a presente a��o e a��o de investiga��o de paternidade n� 103/85 que correu termos no Tribunal Judicial de Vila Real de Santo Ant�nio, a decis�o recorrida concluiu pela proced�ncia da exce��o do caso julgado e absolveu o R. do pedido.
A A. diverge deste ju�zo, na considera��o que esta tripla identidade n�o se verifica em nenhuma das suas dimens�es; os sujeitos n�o s�o os mesmos em ambas as a��es, a causa de pedir � diferente porque na presente a��o s�o alegados factos constitutivos da posse de estado enquanto na a��o n� 103/85 apenas foram alegados factos atributivos da paternidade biol�gica e o pedido tamb�m n�o � coincidente porque na presente a��o, para al�m o pedido de declara��o da paternidade da A., presente na a��o n� 103/85, foi formulado o pedido de exuma��o do cad�ver do pretenso pai, e consequente an�lise cient�fico-laboratorial do respetivo ADN.
A exce��o do caso julgado pressup�e a repeti��o de uma causa (art� 580�, n� 1, do CPC) e a causa repete-se quando se prop�e uma a��o id�ntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e � causa de pedir (art� 581�, n� 1, do CPC); a identidade de sujeitos ocorre quando as partes s�o as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jur�dica (ibidem n� 2), a identidade de pedido evidencia-se quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jur�dico (ibidem n� 3) e a identidade da causa de pedir surge quando a pretens�o deduzida nas duas a��es procede do mesmo facto jur�dico (ibidem n� 4).
As partes s�o as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jur�dica quando “s�o portadoras do mesmo interesse substancial. O que conta, pois, para o efeito da identidade jur�dica � a posi��o das partes quanto � rela��o jur�dica substancial, e n�o a sua posi��o quanto � rela��o jur�dica processual.”[1] “E s�-lo-�o, fundamentalmente, quando os litigantes no novo processo forem as pr�prias pessoas que pleitearam no outro, ou sucessores delas (entre vivos ou mortis causa), na rela��o controvertida: herdeiros, legat�rios, donat�rios, compradores, cession�rios. As partes no novo processo ser�o pois id�nticas �s do anterior quando sejam pessoas que na rela��o ventilada ocupem a mesma posi��o que, ao tempo, estas ocupavam. ”[2]
� luz destes considerandos concluiu-se, sem esfor�o, pela identidade dos sujeitos passivos em ambas as a��es; o R. na presente a��o, pai do pretenso pai da A., � demandado enquanto sucessor deste, como permite e imp�e o art� 1819�, n� 1, aplic�vel ex vi do art� 1873�, ambos do C�digo Civil, ou seja, ocupa na rela��o ventilada a mesma posi��o que, ao tempo da a��o 103/85, ocupou o seu falecido filho, sendo por isso id�ntica a posi��o de ambos quanto � rela��o jur�dica substancial configurada nos autos.
A dificuldade n�o est�, pois, na identidade de sujeitos passivos da a��o, mas na ajuizada identidade dos sujeitos ativos; a primeira a��o de investiga��o de paternidade foi instaurada pelo M�P�, na sequ�ncia de averigua��o oficiosa de paternidade, ou seja, depois do tribunal concluir pela exist�ncia de provas seguras da paternidade (art� 1865�, n� 5, do C�digo Civil) e a presente a��o � instaurada pela pretensa filha, ora A.
A decis�o recorrida resolveu esta quest�o afirmando que “h� identidade de sujeitos, pois que na referida a��o n� 103/85 o Minist�rio P�blico interveio em representa��o da ent�o menor (…), autora na presente a��o”.
Ju�zo cuja validade (substancial) n�o dispensa a demonstra��o que na a��o n� 103/85 o Minist�rio P�blico interveio em representa��o da ent�o menor (…) e n�o cremos poder convergir neste ponto.
O funcion�rio do registo civil tem o dever de enviar ao tribunal certid�o integral do registo de nascimento de menor sempre que este seja omisso quanto � paternidade a fim de se averiguar oficiosamente a identidade do pai (art� 1864� do CC)
A instru��o do processo incumbe ao M�P� e concluindo-se pela exist�ncia de provas seguras da paternidade e, assim, pela viabilidade da a��o de investiga��o, incumbe ao M� P� intentar a respetiva a��o (art�s 1864� e 1865�, do CC, art�s 202� a 207� da OTM, � data em vigor e vigentes art�s 60� a 64� da Lei n.� 141/2015, de 8/9).
Nas a��es oficiosas o M� P� representa o Estado (…). O Estado � o autor da a��o. O seu interesse � supra-individual (…) O Estado atua em interesse pr�prio, empenhado como est� em estabelecer a filia��o que corresponda � verdade biol�gica e n�o tanto � filia��o jur�dica, ou � vontade de algu�m. Interesse que pode coincidir, ou n�o, com os interesses, designadamente sucess�rios, do filho, ou de outros sucessores que, s� por si, n�o tomariam sequer a iniciativa da a��o”[3].
A a��o n� 103/85 tem esta natureza, ou seja, foi oficiosamente proposta pelo Minist�rio P�blico, ao abrigo do disposto no art� 1865�, n� 5, do CC, depois de, em averigua��o oficiosa, se haver conclu�do pela exist�ncia de provas seguras da paternidade da A.; a atua��o do Minist�rio P�blico, motivada pelo interesse p�blico da filia��o, revestiu-se de car�cter oficioso e fez uso de um dever imposto pelo Estado.
Representando o Minist�rio P�blico, na a��o n� 103/85, o Estado e sendo a presente a��o proposta pela A. n�o se pode, a nosso ver, concluir, como se concluiu (sem demonstra��o) na decis�o recorrida, que na referida a��o o Minist�rio P�blico representou a A.; autor na a��o 103/85 foi o Estado e n�o a ora A..
Por aus�ncia de identidade de sujeitos a presente a��o n�o constitui, a nosso ver, repeti��o da a��o de investiga��o de paternidade que correu termos com o n� 103/85, o que bastaria para obstar � proced�ncia do caso julgado.
Neste sentido e incindindo sobre uma situa��o de contornos porventura menos evidentes, ajuizou-se no Ac. STJ de 03-05-2000: “n�o existe identidade de sujeitos, na perspetiva da exce��o de caso julgado, entre a posi��o de autor, do M.P., numa a��o oficiosa de investiga��o de paternidade, intentada ao abrigo do artigo 1865�, n.� 5, do CCiv, e aquela outra em que o M.P. interv�m em representa��o do menor, numa a��o facultativa de investiga��o da paternidade, ao abrigo do poder-dever estatut�rio consignado na al�nea c), do n.� 1, do artigo 5�, do Estatuto do M.P.”[4]

Ainda assim, a improced�ncia da a��o oficiosa n�o obsta a que seja intentada nova a��o de investiga��o de paternidade, ainda que fundada nos mesmos factos (art�s 1813� e 1868�, do CC).
Regime que constitui uma clara derroga��o da for�a vinculativa do caso julgado material e cuja ratio visa “(…) evitar que o eventual insucesso da a��o de investiga��o oficiosa, dominada pelo interesse p�blico da descoberta da real maternidade ou paternidade da crian�a e, por isso, nem sempre proposta no momento mais oportuno e nas melhores condi��es de sucesso, possa acabar por prejudicar o direito tradicional de o pr�prio registando ou registado promover a investiga��o da sua paternidade ou maternidade nas melhores condi��es de prova e de tempo”.[5]
No mesmo sentido, Guilherme de Oliveira, “o legislador deve ter pretendido que a recente averigua��o oficiosa, inspirada pelo interesse p�blico da filia��o, n�o diminu�sse o tradicional direito do investigante particular, empenhado na constitui��o do estado jur�dico de filho; e deve ter receado que este relevant�ssimo direito pudesse ser comprometido por uma a��o oficiosa descuidada, improcedente e preclusiva.”[6]
Em conclus�o, (i) n�o existe identidade de sujeitos, na perspetiva da exce��o de caso julgado, entre a posi��o de autor, do M.P., numa a��o oficiosa de investiga��o de paternidade, intentada ao abrigo do artigo 1865.�, n.� 5, do CCiv e a intentada pelo filho numa a��o facultativa de investiga��o da paternidade e (ii) a a��o oficiosa de investiga��o da paternidade intentada, sem �xito, pelo Minist�rio P�blico, ao abrigo da mesma disposi��o legal, n�o preclude o direito do filho de intentar nova a��o de investiga��o de paternidade, ainda que fundada nos mesmos factos.
Por ser esta a situa��o posta nos autos, procede o recurso, com a revoga��o da decis�o recorrida e o consequente prosseguimento dos autos.

2.2. Custas.

Porque vencido no recurso, incumbe ao R. pagar as custas (art� 527�, n�s 1 e 2, do CPC).


IV. Dispositivo:
Delibera-se, pelo exposto na proced�ncia do recurso, em revogar a senten�a recorrida.
Custas, nesta inst�ncia, pelo R., sem preju�zo do benef�cio do apoio judici�rio de que beneficia.
�vora, 23/11/2017
Francisco Matos
Jos� Tom� de Carvalho
M�rio Branco Coelho
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[1] A. Reis, CPC, anotado, 1950, vol. 3�, p�g. 101.
[2] Manuel de Andrade, No��es Elementares de Processo Civil, p�g. 310
[3] Neves Ribeiro, O Estado nos Tribunais, 1985, p�g. 195.
[4] Dispon�vel em www.dgsi.pt.
[5] Pires Lima e Antunes Varela, CC Anotado, 1995, vol. V, p�gs. 71 e 72.
[6] Estabelecimento da Filia��o, 1979, p�g. 35.

O que é um processo de investigação de paternidade?

A investigação de paternidade é uma ação que concede aos filhos o direito de ter o nome do pai no registro, se assim desejarem. No entanto, até o começo dos anos 1990, esse era um processo muito complexo e que trazia muitos transtornos para a mãe da criança.

Qual a diferença entre ação de investigação de paternidade e negatória de paternidade?

Ou seja, nos casos de investigação de paternidade o pedido vem do menor, que deseja sanar a dúvida acerca de seu genitor. Já na ação negatória de paternidade tem-se a dúvida partindo do pai, que entra com o procedimento para descobrir se o indivíduo é mesmo seu filho.

Para que serve a ação de investigação de paternidade?

A investigação de paternidade é uma ação judicial que ocorre quando o investigado se recusa a contribuir para a elucidação dos fatos extrajudicialmente ou se nega a submeter-se ao teste de DNA ou, ainda, quando se recusa ao reconhecimento da criança mesmo depois de ter realizado o teste com resultado positivo.

Qual o procedimento das ações de investigação de paternidade?

Assim, com o decorrer da ação, a forma mais eficaz de descobrir se há vínculo de paternidade entre o suposto pai e o filho, será realizar o exame de DNA, em data que será designada pelo Juiz, normalmente, após a contestação do suposto pai, sendo agendada a coleta do material genético da criança e do suposto genitor.