Na hipótese de algum sócio pôr em risco a continuidade da empresa, a sociedade poderá pleitear sua exclusão sob o fundamento de descumprimento de obrigação social. Mas quando há apenas vontade de expulsar o sócio, sem demonstração de conduta prejudicial? Show
Resumo: Este artigo tem como objetivo abordar a possibilidade retirada e a exclusão de sócio da sociedade limitada, tendo em vista a interpretação da legislação específica pelos tribunais sobre o tema. Também se avalia a dissolução da sociedade pela quebra da affectio societatis, e a continuidade da empresa após a alteração do quadro societário. Palavras-chave: sociedade limitada, dissolução parcial, exclusão de sócio, retirada de sócio, affectio societatis. Sumário:Introdução. 1. A possibilidade de exclusão do sócio no Código Civil. 2. Atos do minoritário que justificam a sua exclusão do quadro societário na limitada. 3. A ausência de affectio societatis na exclusão do sócio minoritário. 4. O direito de defesa do sócio a ser excluído. Conclusão. Referências. A possibilidade de exclusão do sócio minoritário pela maioria do capital social não é uma questão muito nova na doutrina e na jurisprudência
pátria. O artigo 339 do Código Comercial só admitia a exclusão forçada de sócio, com causa justificada, sendo que tal causa apenas poderia reconhecida mediante o procedimento judicial cabível. Assim, dispunha o mencionado dispositivo já revogado pelo Código Civil de 2002: Art. 339 - O sócio que se despedir antes de dissolvida a sociedade ficará responsável pelas obrigações contraídas e perdas havidas até o momento da despedida. No caso de haver lucros a esse tempo
existentes, a sociedade tem direito de reter os fundos e interesses do sócio que se despedir, ou for despedido com causa justificada, até se liquidarem todas as negociações pendentes que houverem sido intentadas antes da despedida.. Deste modo, o Código Comercial apenas admitia a exclusão do sócio de sociedade limitada, como espécie de dissolução de sociedade, ou seja, decisão consensual de todos os sócios, ou ainda, pela despedida por causa justificada conforme o dispositivo
descrito acima. Não sendo cabível que a maioria dos sócios pudesse deliberar sobre a causa que justificasse a despedida[2]. Todavia, caso o contrato social previsse a possibilidade dos próprios sócios interessados decidissem sobre a existência ou não da justificativa, nessa hipótese seria possível tal deliberação, já que as próprias partes pactuaram previamente criando esse direito e estariam obrigadas ao pacto a que livremente aderiram. Tal entendimento, inclusive, foi cristalizado
pelo Pretório Excelso: ... o entendimento dominante, na doutrina e na jurisprudência, é claro e uníssono no sentido de permitir que conste da cláusula do contrato o poder dos sócios de excluir um deles, não mais o é no reconhecer esse poder, quando não conferido pelas estipulações contratuais.. Portanto, se inexiste autorização contratual para a exclusão do sócio, a exigência de que essa determinação seja condicionada à apreciação judicial, é sem dúvida
razoável, mesmo porque, a dissidência obriga à solução em juízo, do mesmo modo que ocorre com a dissolução da sociedade, que será judicial, se há nolentes, e exclusão do sócio não é senão uma modalidade de dissolução parcial..[3] Esse era o entendimento que vigorava na jurisprudência. Entrementes, com o passar do tempo o princípio da preservação da empresa ganhou muita importância nos tribunais, o que acarretou na sua influência na legislação mais recente acerca do tema. Com o passar do tempo, foi-se fincando o entendimento de que a maioria do capital poderia excluir a minoria que comprometesse o andamento dos negócios sociais. Ao longo das décadas de 80 e 90, molda-se a corrente majoritária no Tribunal de Justiça de São Paulo e também no STJ tendendo a considerar o mero fim da affectio societatis motivo suficiente para exclusão da minoria pela maioria e a possibilidade de exclusão, mesmo na ausência de cláusula autorizativa e de decisão judicial..[4] Por sua vez, a possibilidade do fim da affectio societatis ser motivo suficiente para excluir o sócio minoritário não tem sido tratado de maneira tranquila pela jurisprudência. Para compreender melhor essa possibilidade, antes é necessário abordar o que a atual legislação dispõe. 1. A possibilidade de exclusão do sócio minoritário no Código CivilApós a evolução da jurisprudência e doutrina sobre o tema, o Código Civil de 2002 previu com maior detalhamento o tema da exclusão de sócio. A seção sétima do capítulo referente à sociedade limitada trata sobre a resolução da sociedade em relação a sócios minoritários. Frisa-se no tocante à exclusão de sócio, que o título da rubrica do dispositivo que trata da matéria (CC, art. 1.085) indica que a resolução extrajudicial somente se dará em relação aos sócios minoritários. Isto porque, se os atos forem praticados por sócio (ou sócios) que representa metade ou maior parcela do capital social, inviável é a deliberação em reunião ou assembleia de sócios, restando aos minoritários valer-se da via judicial.[5]. Dispõe o caput do art. 1.085 do Código Civil:
O caput do dispositivo evidencia que a exclusão se realiza sem o consentimento do excluído e, em alguns casos, contra a sua própria vontade, visto que, apesar de entrar em colisão com os demais sócios, não tem o desejo imediato de despedir-se da sociedade. No cenário das sociedades limitadas, veio permitir o Código uma outra modalidade de exclusão extrajudicial (art. 1.085), consistente na possibilidade de a maioria social, representativa de mais da metade do capital, entender que um ou mais sócios minoritários estão colocando em risco a continuidade da empresa pela pessoa jurídica exercida, em razão de atos de inegável gravidade. Poderá essa maioria, mediante alteração do contrato social levada a registro, imprimir a resolução da sociedade em relação ao sócio ou sócios minoritários. Todavia, exige-se, para poder a exclusão assim se viabilizar, que no ato constitutivo conste previsão da possibilidade de expulsão, no plano extrajudicial, do sócio por justa causa.[6][7]. Outrossim, o parágrafo único com a redação dada pela Lei nº 13.792 de 2019 afirma:
No tocante à sociedade limitada que possui apenas dois sócios, a possibilidade de exclusão extrajudicial do sócio minoritário não constava de forma clara e expressa da redação original do parágrafo único do art. 1.085 do Código Civil, tendo sido acrescentada em alteração legislativa do início de 2019. A doutrina, porém, já admitia tal possibilidade, conforme demonstra o Enunciado 17 da I Jornada de Direito Comercial do CJF: Na sociedade limitada com dois sócios, o sócio titular de mais da metade do capital social pode excluir extrajudicialmente o sócio minoritário desde que atendidas as exigências materiais e procedimentais previstas no art. 1.085, caput e parágrafo único, do CC.[8]. 2. Atos do minoritário que justificam a sua exclusão do quadro societário na limitadaInicialmente, sobre este caráter híbrido que diferencia as sociedades limitadas das demais sociedades ensina Modesto Carvalhosa[9]:
É justamente esse caráter híbrido que distingue as sociedades limitadas e impede que sejam classificadas em um ou outro dos referidos grupos. Esse tipo societário, como já referido, é singular, guardando um particularismo próprio da posição intermediária que ocupa entre as sociedades de pessoas e as sociedades de capital.. E justamente por ter esse caráter hibrido, foi possível estabelecer regra própria para a exclusão do sócio minoritário extrajudicialmente. Conforme o descrito no artigo 1.085 do Código Civil, para que o sócio minoritário seja excluído pelos demais sócios, a gravidade de um ou mais atos por ele praticado deve ser capaz de colocar a continuidade da atividade empresarial em risco. Contudo, esses mencionados atos de inegável gravidade constituem conceito jurídico indeterminado, pois a lei não traz qualquer exemplo sobre o que seria um ato de magnitude, mas prevê que eles devem colocar em risco a continuidade da empresa. Pesquisando alguns casos se verificou algumas hipóteses em que o E. Tribunal de Justiça do Estado não reconhece a prática de ato de inegável gravidade. No julgamento da Apelação Cível 0021879-56.2012.8.26.0224 restou consignado que:
Pelo trecho do acórdão transcrito é possível constatar que na análise feita pelo Poder Judiciário sobre o teor do ato de inegável gravidade, é observado o que dispõe o contrato social sobre essa possibilidade, bem como a prova que embasa a alegação de exclusão. Assim, como se aquele ato, por si só, arriscou de maneira verdadeira a continuidade da empresa. No julgamento em destaque também restou consignado que a falta de aporte pelo sócio não configura ato que possa ensejar a sua exclusão, já que essa impossibilidade não impede que os demais sócios promovam o aumento do capital social, diluindo a participação daquele que não pode fazê-lo. Por outro lado, na Apelação Cível nº 0191933-10.2010.8.26.0100 a C. 6ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo reconheceu a prática de falta grave no cumprimento das obrigações da sócia minoritária, por ter se afastado voluntariamente das atividades das empresas, sendo até tal fato mencionado na ata de assembleia geral extraordinária. Além disso, a sócia excluída em nenhum momento manifestou o seu desejo de permanecer na empresa, e a sua única reivindicação foi sobre os valores que lhe seriam devidos[11]. Também no julgamento da Apelação Cível nº 0003395-93.2012.8.26.0320, restou caracterizados a ocorrência dos atos de inegável gravidade pela E. 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo, pois neste caso em conduta de imprudência do sócio minoritário, a empresa que é uma academia foi multada pelo Conselho Regional de Educação Física. Ademais, a auditoria contábil feita na sociedade, atestou que o sócio excluído realizou, sem justificativa, alguns saques da conta corrente da sociedade, bem como celebrou em nome da sociedade contrato de mútuo junto a instituições financeiras, entretanto os recursos foram apropriados pelo sócio, pois o montante não ingressou no caixa da pessoa jurídica[12]. Deste modo, foram demonstradas algumas hipóteses de como o sócio coloca em risco a continuidade da empresa, em virtude de atos de inegável gravidade, sendo cruciais para tal análise as peculiaridades do caso concreto. 3. A ausência de affectio societatis na exclusão do sócio minoritárioExiste divergência na jurisprudência, e na doutrina especializada se a affectio societatis seria motivo suficiente para a exclusão, por si só. Ao tratar das doutrinas clássicas sobre affectio societatis leciona Rubens Requião:
Por aqui se registra a importância inegável da affectio societatis na sociedade limitada, sendo apenas tratada não a sua relevância, mas sim a sua aplicação em uma situação excepcional, qual seja a exclusão do sócio minoritário. No julgamento da Apelação Cível 0020847-58.2011.8.26.0577 a C. 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu que, restando demonstrada a perda da affectio societatis, de rigor a dissolução parcial da sociedade, pois o desgaste da relação entre os sócios, com posições inconciliáveis, inclusive havendo divergência atinente ao valor de cotas sociais, impôs inexoravelmente, a pretendida tutela jurisdicional para dissolução parcial de sociedade e apuração de haveres[14]. Esse raciocínio tem base que a sociedade limitada, não teria caráter híbrido como já apontado alhures pela abalizada doutrina do Professor Modesto Carvalhosa, e considera a limitada precipuamente uma sociedade de pessoas, em que não é possível obrigar os sócios a permanecerem associados. Em contrapartida, no julgamento do Agravo de Instrumento nº 2220164-80.2014.8.26.0000 a E. 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo afirmou que a simples desarmonia entre os sócios ou eventual quebra da affectio societatis não é suficiente, por si só, para motivar a exclusão do sócio minoritário. Como restou lavrado: Evidente que a norma cogente do art. 1.085 do Código Civil não mais admite a previsão estatutária de exclusão imotivada do sócio, e nem judicial, se amparada na expressão indeterminada da ausência de affectio societatis, tal como admitia a jurisprudência no regime do velho Código Civil.. O desaparecimento da affectio societatis constitui agora o efeito de ato objetivo e sério praticado pelo sócio excluído, de gravidade tal que coloque em risco a própria atividade empresarial. As razões e o procedimento a ser seguido para exclusão de sócio se encontram previstos nos artigos 1085 e supletivamente no art. 1030 do Código Civil, que não aludem à singela falta de affectio, mas, ao contrário, exigem atos de inegável gravidade do sócio excluído[15].. Desta maneira, para esta parcela da jurisprudência paulista é equivocado excluir o sócio minoritário do quadro societário apenas baseando-se na quebra da affectio societatis. Essa segunda posição é a que prevaleceu no C. Superior Tribunal de Justiça, que no julgamento do Recurso Especial nº 1.129.222 asseverou:
Conforme o magistério de Erasmo Valladão Azevedo e Novaes França e de Marcelo Vieira Von Adameck:
Isso porque a exclusão do sócio funda-se, em última instância, na teoria do inadimplemento contratual. Com efeito, a doutrina de que trata do tema, em sua grande maioria, utiliza-se da lição do jurista italiano Arturo Dalmartello sobre a exclusão do sócio, para justificar sua aplicação no direito brasileiro, nos termos da qual L´istituto della esclusione non è altro, nella sua essenza, se non l´istituto della risoluzione del contratto sinallagmatico per inadempimento, adatto al contratto plurilaterale di società commerciale[16] (L´esclusione dei soci delle società commerciale. Padova: Cedam, 1939, p. 105).[17]. Após todos os argumentos trazidos pelo aresto do tribunal superior, pontua-se que em última forma a expulsão de sócio minoritário do quadro societário não pode ser medida de discricionariedade do sócio majoritário, ou ainda exercício de direito potestativo. Nessa linha, é o entendimento do Professor Fábio Ulhoa Coelho:
Nesse sentido dispõe o Enunciado 67 da CEJ: A quebra do affectio societatis não é causa para a exclusão do sócio minoritário, mas apenas para dissolução (parcial) da sociedade. O que demonstra a preponderância desse entendimento hodiernamente. Também se lembra de que o reconhecimento da quebra da affectio societatis, junto com a culpa recíproca por violações ao contrato social, já ensejou a dissolução total da sociedade, conforme se verifica nas Apelações Cíveis nº 0002563-89.2013.8.26.0008 e nº 0007865-44.2010.8.26.0319, ambas decididas pelo E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Na análise do caso concreto, os magistrados não encontraram outra solução senão o fim da atividade empresarial. Contudo, é de se apontar que tanto a doutrina, quanto a jurisprudência têm promovido o princípio da preservação da empresa, que tem como escopo superar momentos árduos a fim de manter a sua função social. Nesse sentido, é o escólio do Professor Fábio Ulhoa Coelho:
Afinal, as empresas cumprem importante papel na economia brasileira e na busca por um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, qual seja, garantir o desenvolvimento nacional. Página 1 de 2
OLSZENSKI, João Victor Ferreira. Possibilidade de exclusão de sócio minoritário pelo fim da affectio societatis. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 6812, 24 fev. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/96295. Acesso em: 8 nov. 2022. Quais seriam as razões que justificariam em uma sociedade limitada a exclusão de sócio?1.030. Ressalvado o disposto no art. 1.004 e seu parágrafo único, pode o sócio ser excluído judicialmente, mediante iniciativa da maioria dos demais sócios, por falta grave no cumprimento de suas obrigações, ou, ainda, por incapacidade superveniente.
Quando um sócio pode ser excluído da sociedade?A hipótese prevista pelo Código Civil permite a exclusão do sócio quando entender que um ou mais sócios estão pondo em risco a continuidade da empresa, em virtude de atos de inegável gravidade, que seriam as chamadas faltas graves.
Quais as hipóteses de exclusão dos sócios?Exclusão por não integralização do valor subscrito – o sócio remisso. Falência do sócio ou cuja cota foi liquidada por um credor. Exclusão por falta grave – quebra do affectio societatis. Exclusão por incapacidade superveniente.
Pode expulsar um sócio?É plenamente legal, no âmbito das sociedades contratuais, excluir sócio da sociedade. Esse instituto jurídico está previsto no artigo 1.030 (exclusão judicial) e no artigo 1.085 (exclusão extrajudicial) do código civil vigente.
|