Qual a relação entre a Enfermagem moderna e o período de Florence?

Introdu��o

Tra�ando uma r�pida retrospetiva hist�rica sobre personalidades que fizeram parte da hist�ria de enfermagem e da sua afirma��o como profiss�o, pensa-se de imediato na figura de Florence Nightingale e na sua atua��o durante a Guerra da Crimeia. No entanto, outras mulheres decididas em revolucionar a sa�de foram igualmente decisivas na visibilidade e afirma��o da enfermagem enquanto profiss�o em contextos de cat�strofes sociais. Existe uma dispers�o do conhecimento nesta �rea, pelo que se pretende com o presente artigo, evidenciar o contributo de diversas figuras para a afirma��o socioprofissional da enfermagem. Por se tratar de um estudo hist�rico, as refer�ncias bibliogr�ficas foram inclu�das pela sua pertin�ncia, tendo sido integrado um friso temporal mais abrangente.

Adota-se a defini��o de cat�strofe social, definida por Rahman (2019) como qualquer evento coletivo derivado de atividades humanas de grupo, podendo ser acidental, em que o fator desencadeante � extr�nseco � vontade do homem ou pelo contr�rio, provocada pelo homem (intr�nseca) onde se incluem os atentados terroristas e os conflitos armados. Estes eventos t�m sido cont�nuos no relacionamento entre diferentes civiliza��es (Bowden, 2019). No entanto, no passado, os conflitos armados, pelas suas caracter�sticas f�sicas, em que os soldados permaneciam em trincheiras lamacentas, severamente malnutridos, aliado � inexist�ncia de antibi�ticos, aumentava exponencialmente a taxa de mortalidade entre os soldados feridos (Figuras 1 e 2). Por outro lado, a incipiente educa��o em higiene, a decad�ncia dos cuidados de sa�de evidenciados pela falta de recursos, prec�rias condi��es de higiene, conforto e cuidado do ambiente, indisciplina das pessoas que prestavam cuidados, assim como, preconceitos masculinos quanto � presen�a feminina em cen�rios desta natureza agravavam ainda mais a situa��o.

� nesse contexto, face � necessidade e ao desejo de manter as pessoas saud�veis, como tamb�m de proporcionar conforto, cuidado e prote��o � pessoa doente, que a Enfermagem Moderna surge. Mulheres como Florence Nightingale, Mary Grant Seacole, Sally Louisa Tompkins, Clarissa Harlowe Barton, entre outras, perante contextos de cat�strofes sociais, foram capazes de dar visibilidade � enfermagem, momentos considerados determinantes para a autonomia e desenvolvimento da profiss�o. As personalidades fortes, a vis�o e a habilidade pr�tica para a organiza��o destas enfermeiras, revelou-se crucial na assun��o dos fundamentos, princ�pios t�cnicos, educacionais e da elevada �tica que impulsionaram a profiss�o (Geovanini et al., 2019). Deste modo, trata-se de um estudo no �mbito da corrente da nova hist�ria de perfil narrativo/descritivo baseado na pesquisa e an�lise documental de v�rias fontes de dados. A quest�o de pesquisa que se assumiu como ponto de partida do presente estudo foi identificar qual a rela��o entre as cat�strofes sociais e o trabalho realizado por algumas enfermeiras para a constru��o/evolu��o da enfermagem enquanto profiss�o e disciplina.

Nesta continuidade, define-se como objetivo dimensionar a rela��o entre as cat�strofes sociais e a relev�ncia do trabalho realizado por determinadas enfermeiras, no final do s�culo XIX, com contributo para a constru��o/evolu��o da enfermagem enquanto profiss�o e disciplina.

Metodologia

Existem na literatura algumas correntes hist�ricas com grande influ�ncia na Europa desde o s�culo XIX at� aos nossos dias. De entre v�rias, revemo-nos na Nova Hist�ria. Esta corrente, lan�ada por seguidores da Escola dos Annales a partir da d�cada de 1980, dirigida por Jacques Le Goff, � assim designada porque os objetos de estudo mudaram e a hist�ria dos grandes homens e das grandes s�nteses d� lugar � hist�ria dos povos e das mentalidades, � dif�cil de delimitar uma vez que � rica no seu conte�do. Partindo do princ�pio de que toda a atividade humana � considerada hist�ria, este autor introduziu uma nova forma de pensar e conceber a hist�ria, trabalhando novos objetos, novas abordagens, novas dimens�es e novos documentos.

Nesta continuidade, consideramos para este estudo um conjunto variado de fontes de informa��o que integram documentos escritos dispon�veis na literatura; acervos museol�gicos como fotografias e documentos de enfermagem (Pimenta, 2018). A hist�ria como ci�ncia encontra-se em permanente constru��o, exigindo um trabalho que ultrapassa a mera interpreta��o, significados de textos ou a��es hist�ricas, na medida em que a sua interpreta��o deve possibilitar uma rela��o circular do todo e das partes. S� assim � poss�vel obter uma interpreta��o dos dados analisados, o mais pr�ximo da realidade, considerada crucial no quadro conceptual da hist�ria e consequentemente, para a hist�ria da enfermagem (Costa, 2017). Os factos t�m de ser interpretados e contextualizados em fun��o da �poca hist�rica em que aconteceram. Interpretar � ir al�m do que est� narrado, � realizar conex�es entre pontos comuns vivenciados em diferentes momentos hist�ricos. As investiga��es dos factos hist�ricos devem possibilitar o emergir de novos significados que permitam “definir, no pr�prio tecido documental, unidades, conjuntos, s�ries, rela��es” inovadoras (Foucault, 2008, p. 7). Neste estudo, a hist�ria possibilitou-nos identificar elementos comuns � evolu��o da enfermagem: o poder como fator etiol�gico dos conflitos armados de onde resultaram cat�strofes sociais com um n�mero avultado de v�timas, em que a necessidade de cuidar das mesmas permitiu a afirma��o socioprofissional da enfermagem como disciplina e identidade. A integra��o do corpus documental foi realizada de forma criteriosa atendendo ao contributo que cada documento forneceu para o estudo em causa.

Assim, utilizou-se o m�todo hist�rico, tamb�m denominado de m�todo cr�tico ou cr�tica hist�rica, que permite atrav�s de fontes prim�rias e outras evid�ncias, analisar eventos passados relevantes para as sociedades humanas. Esta metodologia integra tr�s etapas. A primeira etapa, a heur�stica, onde se procedeu � sele��o de fontes prim�rias, constitu�das por documentos originais (atas, legisla��o, di�rios, not�cias, fotografias), acess�veis em reposit�rios de documenta��o online de diversos museus internacionais, que incidissem sobre o tema em estudo. No entanto, devido � dificuldade em aceder a alguns destes documentos, foram igualmente utilizadas fontes secund�rias, assumindo que estas t�m “um valor limitado pelas distor��es que a informa��o sofre ao passar por diversos autores, contendo j� a interpreta��o de quem as escreveu” (Ferreira et al., 2013, p. 156).

Na segunda etapa, cr�tica documental, processo de an�lise que compreende a cr�tica externa e interna, procedeu-se � an�lise de 22 documentos obtidos, possibilitando confirmar a autenticidade dos dados hist�ricos e apurar a genuinidade dos mesmos (processo denominado de cr�tica externa), pois o car�ter subjetivo de determinadas fontes de informa��o pode colocar em causa o rigor da investiga��o. � de salientar que, “quanto maior o desfasamento temporal entre o acontecimento e a recolha do relato, maior ser� o risco de erro, fazendo-se jus ao ditado �quem conta um conto, acrescenta um ponto�” (Ferreira et al., 2013, p. 157). Relativamente � cr�tica interna, procedeu-se � avalia��o da credibilidade ou fidedignidade das fontes, o que permitiu determinar se o conte�do dos dados transmitidos pela fonte � exato e n�o existem vers�es contradit�rias.

Por �ltimo, procedeu-se � conceptualiza��o da etapa hermen�utica, associada � interpreta��o dos dados, processo atrav�s da qual se estabelece a refer�ncia de um signo, “cujas significa��es . . . s�o compartilhadas . . . e age como uma linha condutora entre as mentes dos indiv�duos e o mundo ao seu redor”, permitindo constituir novas abordagens e conhecimentos sobre os assuntos estudados (Miguel & Popadiuk, 2019, p. 461).

Para a apresenta��o dos resultados associamos assim a triangula��o de todas estas fontes de dados descritas anteriormente, no sentido de aumentar a credibilidade do estudo. � figura da personagem hist�rica de refer�ncia, associamos a sua hist�ria p�blica e o contexto, nem sempre documentado na imagem.

Resultados e discuss�o

Apresentamos de seguida, por ordem cronol�gica, as diversas personalidades consideradas precursoras na consolida��o das bases da era moderna da enfermagem, atendendo � proposta de an�lise hist�rica de Michel Foucault.

Florence Nightingale

Nascida a 12 de maio de 1820, em Floren�a, It�lia, no seio de uma fam�lia tradicional e aristocr�tica inglesa do s�c. XIX, Florence Nightingale abdicou de uma vida de conforto, para se tornar numa das personalidades mais marcantes do s�culo XIX. Determinada em prosseguir a voca��o de enfermeira, desde cedo, revelou aptid�o pelas quest�es sociais. Contudo, a oposi��o da sua fam�lia, que consideravam a profiss�o de enfermeira pouco respeit�vel e digna para o seu estatuto social, levou a que em 1850, Florence viaje pela Europa e Norte de �frica, onde na Alemanha em Kaiserswerth, sub�rbio de Dusseldorf, decide juntar-se �s diaconisas, no sentido de adquirir forma��o para cuidar de doentes (HISTORY Channel, n.d.).

Entre 1851 e 1854, complementou a sua forma��o no Hospital de Dublin sob a administra��o das Irm�s da Miseric�rdia e as Irm�s da Caridade de S�o Vicente de Paulo, adquirindo e consolidando conhecimentos, assim como procedendo � publica��o de alguns trabalhos na �rea da sa�de p�blica. Fruto desta experi�ncia e saber adquirido, � nomeada Superintendente do Establishment for Gentlewomen During Temporary Illness, em Londres, at� ao in�cio da Guerra da Crimeia em 1854.

Do ponto de vista humanit�rio, esta guerra foi uma verdadeira cat�strofe social, devido ao elevad�ssimo n�mero de mortos (em grande parte devido � alta incid�ncia de doen�as infectocontagiosas decorrente das deficientes condi��es sanit�rias e � desorganiza��o dos hospitais de campanha), facto que leva aos jornais da �poca tecerem duras cr�ticas aos servi�os m�dicos brit�nicos de apoio aos feridos de guerra hospitalizados, devido �s elevadas taxas de mortalidade (HISTORY Channel, n.d.).

Neste contexto, o Secret�rio de Estado da Guerra, Sidney Herbert, solicita a presen�a de Florence nos hospitais militares da Turquia em Scutari, no sentido de organizar e coordenar o servi�o de enfermagem. Florence aceita o pedido e parte com 38 volunt�rias, entre religiosas e leigas. Fruto dos seus conhecimentos, preocupa��o e exig�ncia com a qualidade dos cuidados de sa�de, o meio ambiente e o bem-estar dos soldados feridos e doentes, diminui a taxa de mortalidade de 40% para 2% em apenas 6 meses (Figura 3), facto que lhe permite o reconhecimento e o respeito da parte dos pol�ticos, da Rainha Vit�ria e do povo brit�nico. Por�m, esta proeza n�o foi tarefa simples, pois para al�m da falta de recursos e aus�ncia de condi��es de higiene, teve de enfrentar a hostilidade por parte dos m�dicos e demais oficiais militares; preconceitos do sexo masculino; indisciplina e falta de prepara��o das suas enfermeiras. Devido � sua dedica��o, tornou se o anjo da guarda dos soldados feridos e doentes, que a imortalizaram com o apelido de a Dama da L�mpada, porque, de lamparina na m�o, Florence percorria as enfermarias, para atender as necessidades dos soldados doentes ou feridos, durante a noite (HISTORY Channel, n.d.).

� desta experi�ncia em Scutari, num contexto hostil de guerra, que Florence obt�m o saber pr�tico que lhe permite fundar as bases necess�rias para a reorganiza��o dos servi�os de enfermagem, assim como a reforma hospitalar da segunda metade do s�culo XIX, permitindo � enfermagem o estatuto socioprofissional que lhe faltava como uma nova representa��o social.

Quando regressou da guerra da Crimeia, fundou a Nightingale Training School for Nurses no Hospital Saint Thomas em Londres, em 9 de julho de 1860, reconhecida mundialmente como a primeira escola de enfermagem, um marco hist�rico na afirma��o da enfermagem como profiss�o. Florence Nightingale tornou-se assim, no s�mbolo da profiss�o, permitindo literacia e aprendizagem e influenciar as tomadas de decis�o a v�rios n�veis, no que se refere �s pol�ticas e aos cuidados de sa�de (The National Archives Education Service, n.d.). Dedicou a sua vida � profiss�o de enfermeira, em que a narra��o da sua obra n�o cabe nos limites deste artigo. Faleceu a 13 de agosto de 1910, em Londres.

Mary Jane Seacole - A Nightingale Negra

Mary Jane Seacole, enfermeira, nascida em 1805, em Kingston, Jamaica, filha de m�e negra jamaicana e pai branco escoc�s, oficial do ex�rcito brit�nico, destacada pela sua dedica��o pessoal, determina��o e perseveran�a. O seu nome e dedica��o � profiss�o de enfermeira permaneceu discreto por v�rias d�cadas, at� que a enfermeira brit�nica Elsie Gordon, por mera casualidade, encontrou uma c�pia da sua autobiografia numa livraria de livros usados.

Segundo a sua autobiografia Wonderful Adventures of Mrs. Seacole in Many Lands (1857), foi no decurso das epidemias de febre-amarela e de c�lera que assolaram o pa�s de Mary Seacole (Jamaica), que a mesma adquiriu as habilidades para prestar cuidados de enfermagem (Nittle, 2019).

Ap�s o in�cio da Guerra da Crimeia em 1853, decide viajar para Inglaterra e oferecer-se como volunt�ria para integrar as equipas m�dicas, com o intuito de cuidado aos feridos e doentes da guerra, por�m, este pedido foi rejeitado, em virtude do preconceito existente na �poca, do direito �s mulheres em exercer medicina. Mais tarde em 1854, inscreve-se como volunt�ria, para integrar o destacamento de enfermeiras, a ser enviado para o hospital Barrack em Scutari, liderado por Florence Nightingale, por�m, tamb�m n�o foi aceite, apesar das cartas de recomenda��o dos governos da Jamaica e do Panam�. Este facto relacionou-se com preconceitos raciais da �poca. Inconformada, mas determinada a cuidar dos feridos e doentes da Guerra da Crimeia, resolveu com os seus pr�prios meios viajar para Scutari, onde fundou um hotel - British Hotel, perto de Balaclava (Figura 4), cujo objetivo era providenciar os cuidados de sa�de necess�rios aos soldados feridos ou doentes devido � desnutri��o e doen�as infeciosas a que estavam expostos (Nittle, 2019).

A bravura, caridade, dedica��o e compet�ncia de Mary Seacole captou a aten��o do jornalista brit�nico e correspondente do Times, William Howard Russell, que em 1857, numa das suas publica��es escreveu: “A mais tenra e h�bil m�o sobre uma ferida ou parte quebrada n�o podia ser encontrada entre os melhores cirurgi�es” (Anionwu, 2012, p. 248).

Embora tenha recebido alguma notoriedade no final da sua vida, Mary Seacole desvaneceu-se rapidamente da mem�ria p�blica. No entanto, fruto da sua capacidade de trabalho e determina��o durante a Guerra da Crimeia, � hoje considerada como uma das figuras precursoras na afirma��o da enfermagem, enquanto profiss�o, assim como um s�mbolo de atitudes anti raciais e da injusti�a social no Reino Unido durante o per�odo vitoriano (Nittle, 2019).

Mary faleceu em 14 de maio de 1881 e foi sepultada no cemit�rio cat�lico de St. Mary’s em Kensal Green. Entre as condecora��es recebidas, destaca-se a Medalha de Guerra da Crimeia e da Legi�o de Honra Francesa.

Sally Louisa Tompkins – Angel of the Confederacy

A Guerra Civil Americana, tamb�m conhecida como a Guerra da Secess�o (1860 a 1865), resultou no maior n�mero de baixas militares na hist�ria dos Estados Unidos. De acordo com os factos hist�ricos, mais de 600.000 mortos e parte do pa�s foi destru�do, situa��o que potenciou a afirma��o da enfermagem como profiss�o nos Estados Unidos (Hassler & Weber, n.d.).

Sally Louisa Tompkins, filha mais nova do Coronel Christopher Tompkins e de Maria Booth Patterson, nasceu na regi�o de Tidewater, no estado da Virg�nia em 1833. Fam�lia muito devota a Deus, Sally estudou entre 1849-1850 em Norfolk Female Institute, uma escola episcopal (Backus, 2019).

Durante a Guerra Civil Americana, o Governo Confederado, de Richmond, Virg�nia, devido � escassez de recursos humanos, pede assist�ncia � comunidade civil para acolher e cuidar do elevado n�mero de feridos e doentes provenientes da guerra (Figura 5), Sally Tompkins, acede ao pedido e fundou em 1861, conjuntamente com o Juiz Robertson, um hospital de campanha conhecido como o Robertson Hospital (Soodalter, 2019).

O estatuto de mulher com uma postura reivindicativa, com elevada capacidade organizativa e de gest�o, assente numa aptid�o apurada para a lideran�a, reconhecida a todos os n�veis, proporcionaram-lhe as bases fundamentais para idealizar e implementar as reformas hospitalares. De acordo com publica��es hist�ricas, Sally Tompkins revolucionou a pr�tica da enfermagem no cuidado e na preven��o nos Estados Unidos da Am�rica. Como enfermeira, cuidou de 1331 feridos e doentes, resultantes da guerra em m�s condi��es sanit�rias, conseguindo a mais baixa taxa de mortalidade dos hospitais da �poca (resultado pela sua defesa incondicional da qualidade dos cuidados prestados, o bem-estar dos feridos e o meio ambiente; Soodalter, 2019).

Em reconhecimento pelos seus servi�os e dedica��o � causa do ex�rcito dos Estados da Confedera��o, por ordem do Presidente Jefferson Davis, � promovida a 9 de setembro de 1861 a capit� da Cavalaria e, simultaneamente, nomeada respons�vel pela gest�o e coordena��o de todos os hospitais de campanha, sob a al�ada do ex�rcito dos Estados da Confedera��o.

Captain Sally ou Our Florence Nightingale of the Confederacy, como ficou conhecida, manteve em funcionamento o Robertson Hospital, at� final da Guerra Civil Americana minimizando o sofrimento dos soldados feridos e doentes. No entanto, a guerra, a exig�ncia do seu trabalho de caridade e generosidade, esgotaram por completo a fortuna da fam�lia. Em 1905, � acolhida pela Confederate Women’s Home em Richmond, Virg�nia, onde permanece, at� falecer em 1916. Sally Louisa Tompkins teve direito a um funeral com honras de estado e o seu nome encontra-se inscrito no Memorial Building of the United Daughters of the Confederacy (Soodalter, 2019).

Clarissa Harlowe Barton - The Angel of the Battlefield

Clarissa Harlowe Barton, professora, enfermeira e filantropa americana, � recordada por organizar de uma forma zelosa, devota e qualificada, assist�ncia humanit�ria e cuidados de sa�de aos soldados afetados pela Guerra Civil Americana, e concomitantemente fundar a Cruz Vermelha Americana (American Battlefield Trust, 2018).

Filha de Sarah Stone Barton e do Capit�o Stephen Barton, membro da mil�cia local e pol�tico respeitado pela comunidade, nasce em 1821, em Oxford, Massachusetts. De muito jovem expressou o seu desejo de dedicar-se � enfermagem, no entanto, por oposi��o dos pais, formou-se em 1838 na �rea da educa��o.

Em 19 de abril de 1861, a insurrei��o da popula��o em Baltimore contra as pol�ticas anti esclavagistas de Abraham Lincoln, despoletou o primeiro banho de sangue da Guerra Civil Americana. Com um desejo �vido para servir os mais necessitados, Clarissa voluntariou-se como enfermeira para cuidar dos soldados feridos (Figura 6). Com um desejo em almejar a qualidade em cada gesto realizado, demonstrou os seus dotes como administradora. Contudo, � semelhan�a de Florence Nightingale ou de Sally Tompkins, via-se constantemente impedida pelas autoridades militares, que resistiam a cada mudan�a que sugeria. Pareciam ressentir-se pelo facto de a sua autoridade ser independente da dos servi�os militares, de que fosse civil e, al�m disso, mulher.

No entanto, sobrepondo-se a estes obst�culos, Clarissa n�o desistiu e em agosto de 1862, � autorizada pelo Superintendente Daniel Rucker a cuidar dos feridos nas linhas de frente da guerra. Trabalhou incansavelmente para distribuir recursos de primeira necessidade, garantir que as condi��es de higiene dos hospitais de campanha (Chantilly, Harpers Ferry, South Mountain, Antietam, Fredericksburg, Charleston, Petersburg e Cold Harbor) e os cuidados de sa�de fossem cumpridos, assim como, pelo bem-estar f�sico, psicol�gico e social dos soldados (Figura 6), produzindo uma transforma��o na estima p�blica e nas altas patentes militares (American Battlefield Trust, 2018).

Em 1864, pelo reconhecimento dos seus servi�os prestados, foi nomeada pelo General da Uni�o, Benjamin Franklin Butler, respons�vel dos hospitais de campanha do Ex�rcito da Uni�o. Entre os soldados, como testemunho de gratid�o era conhecida heroicamente como o Anjo do Campo de Batalha.

Em 1868, ap�s a guerra, decide viajar para a Europa, e em 1869, em Genebra, na Su��a, integra a Cruz Vermelha Internacional. Durante os anos em que viveu na Europa, com os conhecimentos adquiridos durante a Guerra Civil Americana, auxilia Lu�sa de Mecklenburgo-Strelitz, Duquesa de Baden, da Pr�ssia e a Cruz Vermelha (1870), durante a Guerra Franco-Prussiana, a organizar hospitais militares. Posteriormente, em 1871, a pedido do governo alem�o, foi respons�vel pela distribui��o de bens alimentares de primeira necessidade, aos pobres em Estrasburgo (HISTORY Channel, n.d.).

Dada a sua dedica��o � causa, o Doutor Appia, Diretor da Cruz Vermelha na Su��a, estende um convite a Clarissa para fundar a Cruz Vermelha Americana (American Red Cross, n.d.).

Em 1881, Clarissa torna-se a primeira Presidente da Cruz Vermelha Americana onde, durante o seu mandato, participou e organizou in�meras miss�es de aux�lio humanit�rio e serviu como emiss�ria da Cruz Vermelha em v�rios eventos internacionais. Publicou uma autobiografia em 1907, intitulada The Story of My Childhood e faleceu em sua casa, a 12 de abril de 1912, aos 90 anos de idade.

Damas Enfermeiras da Cruz Vermelha Portuguesa - Maria Ant�nia Ferreira Pinto Basto

Passando agora para o panorama nacional, em Portugal, muito antes do in�cio da Primeira Grande Guerra, a forma��o de enfermeiras profissionais era j� defendida, sobretudo por feministas que advogavam ser necess�rio retirar � Igreja Cat�lica um pelouro que esta dominava h� centenas de anos atrav�s de diversas ordens religiosas, denominadas As Irm�s de Caridade.

No entanto, � com a entrada de Portugal na Primeira Guerra Mundial (1916) que um grupo de enfermeiras, com o intuito de servirem a Cruzada das Mulheres Portuguesas (CMP) � formado por Sofia Quintino (m�dica e s�cia fundadora do CMP) e Elzira Dantas Machado (esposa de Bernardino Machado, Presidente da Rep�blica Portuguesa). O objetivo era juntar este grupo de enfermeiras ao Corpo Expedicion�rio Portugu�s na fronteira franco-belga, em Flandres (Monteiro, 2017), objetivo que de acordo com Maria L�cia de Brito Moura, na sua obra Nas trincheiras da Flandres: com Deus ou sem Deus, eis a quest�o (2010), n�o foi alcan�ado de imediato, por decis�o do governo, que receava o poder e a influ�ncia do movimento mon�rquico e cat�lico. No entanto, devido � permanente press�o da CMP, junto do Ministro do Interior, foi autorizado em 1917, a integra��o de enfermeiras no Corpo Expedicion�rio Portugu�s (CEP) na zona de Ambleteuse, em Fran�a com o objetivo de responder ao apelo para servir a p�tria (Monteiro, 2017). � incumbida Maria Ant�nia Ferreira Pinto Basto, pelos fortes la�os da fam�lia com a Associa��o Feminina, ligada � aristocracia mon�rquica, que se tinha constitu�do com o objetivo de prestar aux�lio aos militares portugueses.

Deste modo, em abril de 1917, sob a chefia de Maria Ant�nia, � enviado um comit� de 26 Damas-Enfermeiras para Boulogne-sur-Mer, o Hospital da Cruz Vermelha em Ambleteuse. Tinham por miss�o juntarem-se �s tropas brit�nicas que combatiam em Fran�a os pa�ses da Tr�plice Alian�a (Alemanha, �ustria-Hungria e It�lia). Por�m, como o hospital n�o estava conclu�do, Maria Ant�nia Ferreira Pinto Basto e o seu comit� de Damas-Enfermeiras, ofereceram-se para prestarem servi�o no Hospital da Base do CEP, junto � frente de batalha (Figura 7).

Qual a relação entre a Enfermagem moderna e o período de Florence?

Figura 7
Maria Ant�nia Pinto Basto

Nota. Adaptado de “Maria Ant�nia Ferreira Pinto, aristocrata e tenente do ex�rcito portugu�s na I Guerra Mundial” por Monteiro, N., 2017, Faces de Eva. Estudos sobre a Mulher, (38), p. 189-194.(https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Maria_Ant%C3%B3nia_Ferreira_Pinto_Basto.png). Em dom�nio p�blico.

Ali, Maria Ant�nia confrontou-se com soldados gaseados, feridos, amputados e passou a lidar no seu quotidiano com a morte. Todavia, apesar das dificuldades, priva��es e prova��es, de acordo com Monteiro (2017), Maria Ant�nia foi exemplar no desempenho da profiss�o e supervis�o da sua equipa de enfermeiras. Fruto da sua dedica��o, empenho e compet�ncia, e elogiada pela sua educa��o e cultura, foi capaz de confortar soldados em sofrimento, em revolta perante a mutila��o e carnificina vivida nas trincheiras. Segundo Monteiro (2017, p. 193), estas enfermeiras sob a chefia de Maria Ant�nia “foram modelares, merecendo a prefer�ncia e o elogio dos militares e civis ali tratados”.

No fim, algumas destas enfermeiras foram condecoradas. Maria Ant�nia Pinto Basto, por exemplo, foi homenageada com a medalha de Benemer�ncia da Cruz Vermelha Portuguesa e o Minist�rio da Guerra a medalha da Vit�ria (Monteiro, 2017). Faleceu em 1930.

Conclus�o

Florence Nightingale, como socialmente � a mais conhecida, teve uma importante participa��o na afirma��o socioprofissional da enfermagem. A sua contribui��o � ineg�vel, no entanto outras enfermeiras dedicaram a sua vida para o cuidado do outro e para a profissionaliza��o da enfermagem. Mary Seacole que apesar de ter vivido numa �poca racista e preconceituosa, soube desbravar as fronteiras do desconhecido e desafiar as implica��es normativas de que cuidar era uma atividade menor, reservada �s religiosas e a pessoas de categoria social inferior. Tamb�m Sally Louisa Tompkins e Clarissa Harlowe Barton no decurso da Guerra Civil Americana, foram determinantes na valoriza��o e reconhecimento social da identidade da profiss�o de enfermagem.

� atrav�s da honestidade, sobriedade, devo��o, humaniza��o no cuidar, abnega��o e perseveran�a na pr�tica do cuidar do pr�ximo, que fizeram com que estas enfermeiras fossem consideradas um modelo para a enfermagem moderna. Enfermeiras que em cen�rios de cat�strofes sociais foram louvadas, admiradas e a sua coragem sublinhada. Depreende-se que foi nos momentos de maior vulnerabilidade e de caos social que surgiram as condi��es necess�rias para se reinventar e evoluir. Como membros do maior grupo profissional na �rea da sa�de, os enfermeiros podem ter um enorme impacto na resili�ncia dos servi�os de sa�de.

� ineg�vel que os contextos de cat�strofes sociais permitiram um campo de atua��o que deu visibilidade � enfermagem moderna. A import�ncia do cuidar para al�m do senso comum, fez emergir resultados mensur�veis que contribu�ram para a melhoria dos cuidados e das condi��es de sa�de a n�vel mundial, um caminho de reconhecimento, respeito e visibilidade, no sentido de construir a enfermagem enquanto disciplina, impondo-se como uma profiss�o que constr�i uma hist�ria pr�pria.

Qual a importância da Florence para Enfermagem moderna?

Nascida em 1820 em Florença, na Itália, Florence Nightingale foi pioneira no tratamento de feridos em batalhas e é considerada a fundadora da Enfermagem moderna. Seus esforços e estudos são até hoje praticados na assistência aos pacientes em todo o mundo.

Qual foi o legado que Florence deixou para a Enfermagem moderna?

De volta à Inglaterra, Florence Nightingale trabalhou incansavelmente para promover as causas que lhes eram tão queridas: reformar o serviço médico do exército, mudar a estrutura hospitalar, desenvolver a medicina preventiva e melhorar o status e o treinamento dos enfermeiros.

Qual evento histórico combina com o surgimento da Enfermagem moderna de Florence?

Durante a Guerra da Criméia, em 1854, quando Inglaterra, França e Turquia enfrentaram a Rússia, Florence foi levada com uma equipe de enfermeiras ao campo de batalha para supervisionar os hospitais de assistência aos soldados ingleses.

O que é a Enfermagem moderna?

Destaco a enfermagem moderna como uma prática de cuidados que se profissionaliza e constrói um saber próprio que pretende assegurar independência profissional. Descritores: Enfermagem; História da enfermagem; Conhecimento.