Chamado de ‘pai das águas do Brasil’, o bioma Cerrado é conhecido por sua enorme biodiversidade e por ser o berço dos grandes rios brasileiros. Apesar do estereótipo da vegetação aberta e savânica com árvores retorcidas realmente fazerem parte de sua ambientação, é preciso reconhecer que suas características vão além desta paisagem. Hoje, segundo a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Emprapa), o Cerrado brasileiro abarca 78% das águas da Bacia do rio Araguaia, 70% das do rio São Francisco e 48% das do Rio Paraná – que tem origem dentro deste bioma. Show
Predominante na parte mais centralizada do país, o Cerrado pode ser encontrado em 13 estados brasileiros, marcando maior presença em Goiás, Tocantins, Maranhão, Piauí, Bahia, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, São Paulo e Distrito Federal. No entanto, mesmo que em pequenas porções, o bioma ainda aparece em estados do Sul do Brasil, como o Paraná, e ao Norte, no Amapá, Pará, Roraima, Rondônia e até Amazonas. Seus mais de 2 milhões de quilômetros quadrados que podem ser representados pelo tamanho de mais de 200 milhões de campos de futebol, ocupam quase 24% do território nacional e é habitado por mais de 320 mil espécies de seres vivos, entre plantas, animais e até vírus. Além da cena típica que, em uma tela, pode ser pintada com cores quentes, representando o campo limpo, o cerrado típico e o cerradão, esse bioma também abriga florestas, matas que seguem cursos d’água e até resquícios de florestas da Mata Atlântica. Apesar de sua grande riqueza natural – que pode ser ressaltada ao ser considerada a formação savânica mais biodiversa do mundo, de acordo com o Instituto Nacional e Pesquisas Espaciais (INPE) – sua história, especialmente após a segunda metade do século 20, foi marcada por atos de exploração que se intensificam a cada dia e causam maiores danos do que se há consciência em grande parte da população que compõe o país. Para o professor e diretor da Escola de Engenharia Civil e Ambiental da Universidade Federal de Goiás (UFG), Emiliano Lôbo de Godoi, o processo de degradação do bioma cerrado pode ser visto de forma mais efetiva a partir da inauguração de Brasília, no ano de 1960.
O professor ainda explica que a própria criação da Embrapa teve participação nessa ocupação, pelo grande avanço na agricultura que proporcionou, mas mostra que esse aspecto deve ser visto por dois lados.
Cerrado convertido em expansão agropecuáriaAo descrever traços do Cerrado, a bióloga, que também é doutora em Ecologia e Evolução pela Universidade Federal de Goiás (UFG), Nathalia Machado, chama atenção para os solos, que são profundos e, consequentemente, demandam uma vegetação de raízes longas, para que o lençol freático seja alcançado por elas.
Apesar disso, dados levantados pelo Projeto de Mapeamento Anual da Cobertura e Uso do Solo do Brasil (MapBiomas), que realizou uma evolução anual da cobertura e de uso da terra no Cerrado, entre os anos de 1985 e 2019, somente 53% do Cerrado brasileiro ainda é composto por vegetação nativa. Isso, porque por meio do Projeto de Mapeamento do Desmatamento do Cerrado com Imagens de Satélite (PRODES), o Instituto Nacional e Pesquisas Espaciais (INPE) mostra que entre 2000 e 2017, mais de 253.726,2 km² – número que pode ser convertido a 14 mil km² por ano – de vegetação do bioma foram desmatados por conversão do solo à usos como a pastagem e a agricultura. Ainda pelos dados disponibilizados pelo Mapbiomas, 43,8% do Cerrado é utilizado para agropecuária, o que é resultado do aumento de 61 milhões para 86 milhões de hectares registrado entre 1985 e 2019.
Falta de água, perda de biodivesidade e mudanças climáticasCom o aumento da quantidade de área natural convertida a uso humano, consequências que já estão presentes no cotidiano da população goiana – e até brasileira, de modo geral. Para a bióloga Nathália Machado, já não se é mais possível falar sobre efeitos a médio e longo prazo, ao passo que “esse prazo já chegou”. “Quando pensamos em um colapso, pensamos que haverá um dia específico para começar. Mas a degradação vem aos poucos e vai se intensificando. Já estamos em colapso”, pontua O biólogo Fernando Resende assinala o fato de o Cerrado ter se tornado o bioma brasileiro que mais emite carbono devido a mudanças no uso dos solos como uma das principais causas da qualidade e da disponibilidade dos recursos hídricos. Um estudo experimental do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) que avalia condição da água nos biomas brasileiros, por exemplo, descreve o panorama dos recursos hídricos presentes no Cerrado.
Os dados levantados pelo IBGE, de 2010 a 2017, houve aumento de 27% na captação direta de água no Cerrado. Além disso, durante este período de sete anos, também foi detectado um processo de intensificação do uso da terra, sobretudo em termos de incremento em área agrícola nesta região. Essa demanda hídrica está concentrada nos setores de agricultura irrigada e abastecimento urbano.
LEIA TAMBÉM: ESTUDO EXPERIMENTAL ESTIMA VALOR DOS CORPOS HÍDRICOS NA CAPTAÇÃO, TRATAMENTO E DISTRIBUIÇÃO DE ÁGUAProfessor da Escola de Engenharia Civil e Ambiental da Universidade Federal de Goiás (UFG), Emiliano Lôbo de Godoi relembra as dificuldades já enfrentadas anualmente pela capital goiana e por outros municípios, como Anápolis e Cristalina, com a disponibilidade da água.
Emiliano ainda destaca a degradação do Cerrado como fator determinante à perda da biodiversidade do bioma, que acaba por aumentar a intensidade de pragas nas lavouras e de zoonoses, que são doenças que afetam seres humanos. Em abril de 2017, a revista científica Nature Ecology and Evolution publicou um estudo feito por um grupo de pesquisadores brasileiros que alertou que caso a conversão da vegetação em prol da expansão agropecuária se mantiver como está, cerca de 480 espécies endêmicas do Cerrado – que são as típicas do bioma – serão extintas até o ano de 2050. Essa seria a maior extinção de plantas do mundo desde o ano de 1500, que representa a chegada dos europeus no Brasil e o início da colonização e expansão pelo território. As mudanças climáticas também são citadas como grandes e importantes consequências de todo esse processo.
Para o superintendente de Proteção Ambiental e Desenvolvimento Sustentável da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) do Estado de Goiás, Robson Disarz, ao comparar a falta de recursos hídricos com as mudanças climáticas – no que tange às consequências da degradação do bioma –, a falta de água, por afetar mais diretamente à população, é capaz de causar maior conscientização social que a própria alteração do clima.
Políticas de fiscalização e as tecnologias como aliadasAs principais formas de se preservar um bioma, mas especialmente, conforme o superintendente da Semad, Robson Disarz, são relacionadas às ações individuais e às políticas de fiscalização. Ele explica que, no estado de Goiás, entre 2019 e 2020, as autuações de desmatamento irregular aumentaram em 1500%. Com a grande pulverização da degradação – que é realizada em grandes áreas – e a pouca quantidade de fiscais para inspecionar, a tecnologia se torna a principal aliada para que este trabalho seja feito. É utilizado, portanto, é utilizado o sistema de monitoramento por satélite do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), que faz parte do Projeto de Monitoramento do Desmatamento no Cerrado Brasileiro por Satélite. Com objetivo de evitar o desmatamento ilegal, Robson ainda menciona a mudança no processo de licenciamento ambiental que ocorreu com o objetivo de agilizar os processos burocráticos. “Hoje, a análise de um processo que demoraria anos, leva semanas para ocorrer”, completa Robson. Para o biólogo e doutor em Ecologia e Evolução pela Universidade Federal de Goiás (UFG), Fernando Resende, entretanto, a falta de incentivos quando se trata da preservação do Cerrado, e de biomas savânicos como um todo, ainda é predominante. “Historicamente, tanto no Brasil quanto no exterior, existe uma preocupação muito maior para a conservação de biomas florestais. Há uma pressão internacional muito forte para a conservação da Amazonia, por exemplo. Enquanto isso, ecossistemas campestes ou savânicos, como o Cerrado, são deixados um pouco de lado. Não tem uma pressão nacional e internacional tão grande por sua conservação”, opina. Quanto à falta de recursos financeiros à preservação do Cerrado por parte de organizações internacionais, Robson concorda, mas pontua que uma mudança gradual vem ocorrendo nesse aspecto e a importância do Cerrado vem se fazendo mais clara a cada dia que passa.
O consenso entre os profissionais da área de preservação ambiental, portanto, é de que, apesar de existirem políticas que permitam a redução do impacto desses processos de utilização e de conversão do bioma, nem sempre estas são aplicadas – e quando são, entram em conflito com às que prejudicam a conservação.
Como proteger o Cerrado?Quando se fala de reverter a degradação ambiental, a bióloga Nathália Machado é crítica quanto às ações já adotadas até o momento e explica a necessidade de se envolver a sociedade como um todo e não se manter dependente das novas tecnologias.
Para Emiliano, o indivíduo faz tanto parte do problema, quanto da solução. Portanto, a partir do momento em que o consumidor, que ‘faz o mercado’, adotar ações de consumo responsável, se preocupando com o processo produtivo e evitando o desperdício, mudanças poderão ocorrer.
A educação e a conscientização ambiental, para o superintendente da Semad, Robson Disarz, são cruciais para que todo a busca pela preservação seja realmente eficaz, ao passo que promove o desenvolvimento do senso crítico e a conectividade entre a produção e a conservação.
Fonte: Jornal Opção. ÚLTIMAS NOTÍCIAS: VÍDEO MOSTRA PROTEÍNA CAPAZ DE IMPEDIR INFECÇÃO DO VÍRUS DA COVIDÚLTIMAS NOTÍCIAS: FRANCA/SP ALERTA PARA RISCO DE FALTA D’ÁGUA COM CHUVAS 66% ABAIXO DA MÉDIA E QUEDA EM VAZÃO DE RIOSQual a importância do Cerrado para os recursos hídricos do território brasileiro?O Cerrado possui seu maior potencial hídrico nos lençóis freáticos, contribuindo para o abastecimento de importantes aquíferos subterrâneos. Os recursos hídricos do Cerrados geram empregos, geram riquezas, sendo que grande parte da produção agropecuária brasileira advém das atividades desenvolvidas nesse Bioma.
Qual é a importância do Cerrado para as bacias hidrográficas brasileiras?O Cerrado também fornece água, seja pelas suas águas subterrâneas, seja pelas nascentes de diversos rios que contribuem para importantes bacias hidrográficas do país. Muitos são os valores deste bioma e dos serviços ambientais (ou ecossistêmicos) de extrema importância econômica e social por ele prestados.
Qual a importância da água no Cerrado?A contribuição hídrica do Cerrado para a vazão da bacia do Paraná, por exemplo, chega a 50%; à bacia do Tocantins a 62%; e a 94% da bacia do São Francisco. O bioma Pantanal é totalmente dependente das águas do Cerrado e cerca de 50% da energia consumida no Brasil é gerada com as águas do Bioma.
Qual a importância da conservação do bioma Cerrado?Esse bioma possui grande importância social, para comunidades indígenas, quilombolas, geraizeiros, ribeirinhos, babaçueiras, vazanteiros, que extraem do Cerrado a sobrevivência de suas famílias, com uso do conhecimento tradicional.
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