Uma barbatana amea�adora veio � tona, cortando o mar em nossa dire��o. Um grande tubar�o-azul � 3 metros de comprimento � vinha como um torpedo atr�s do cheiro de sangue. Minha esposa Melanie e eu vimos tr�s grandes tubar�es rodearem nossa baleeira de 7 metros. De repente, um focinho azul-prateado atravessou um buraco quadrado, no conv�s do barco. �Cuidado!�, gritou Melanie. Recuamos instintivamente, mas n�o corr�amos perigo real. O tubar�o exibiu seu �sorriso� e
deslizou de volta ao mar. Atra�mos os tubar�es despejando sangue no oceano, mas o que nos interessava n�o era sua conhecida paix�o pela subst�ncia, mas seu misterioso �sexto sentido�. Pesquisas em laborat�rio demonstraram que os tubar�es conseguem sentir campos el�tricos extremamente fracos � como os produzidos pelas c�lulas animais em contato com a �gua do mar. Mas como eles usam esse sentido singular precisa, ainda, ser provado. Est�vamos no barco para tentar descobrir. At� os anos
70, os cientistas nem mesmo suspeitavam que tubar�es fossem capazes de perceber campos el�tricos fracos. Hoje sabemos que essa eletrorrecep��o os ajuda a encontrar alimento e pode funcionar mesmo quando as condi��es ambientais tornam os cinco sentidos comuns praticamente in�teis. Ela funciona em �gua turva, escurid�o total e mesmo quando a presa se esconde sob a areia. Meus colegas e eu agora estamos investigando a base molecular dessa habilidade, enquanto outros buscam descobrir como o
�rg�o sensorial se forma durante o desenvolvimento, e se nossos pr�prios ancestrais vertebrados eram capazes de detectar campos el�tricos antes de deixar o mar. Mas todo esse trabalho ainda � preliminar. Aqui descrevo como os pesquisadores descobriram a eletrorrecep��o nos tubar�es e sua import�ncia para uma ca�ada bem-sucedida. Sentido Oculto A hist�ria come�a em 1678, quando o anatomista italiano Stefano Lorenzini descreveu poros que pontilham a parte dianteira da
cabe�a de tubar�es e arraias, dando aos peixes a apar�ncia de barba mal feita. Ele notou que os poros se concentravam ao redor da boca do tubar�o e, ao remover a pele vizinha, que cada poro levava a um longo tubo transparente, cheio de um gel cristalino. Alguns dos tubos eram pequenos e delicados, mas outros tinham quase o di�metro de um fio de espaguete e v�rios cent�metros de comprimento. Na regi�o mais profunda da cabe�a, os tubos se congregavam em grandes massas de gelatina transparente. Ele
considerou e ent�o rejeitou a possibilidade de que esses poros fossem a fonte da subst�ncia viscosa do corpo do peixe. Posteriormente, especulou que poderiam ter uma �fun��o mais oculta�, mas seu verdadeiro prop�sito permaneceu sem explica��o. As coisas come�aram a se esclarecer em meados do s�culo XIX, com a descoberta da fun��o da linha lateral dos peixes, um �rg�o que partilha algumas semelhan�as com o sistema de poros e tubos de Lorenzini. A linha lateral, que se estende pelo lado de
muitos peixes e anf�bios, das guelras � cauda, detecta o deslocamento de �gua. Nos peixes, ela consiste em uma fileira especializada de escamas perfuradas, cada uma com abertura para um tubo longitudinal logo abaixo da pele. Em protuber�ncias ao longo de seu comprimento, c�lulas sensoriais especializadas chamadas ciliares estendem proje��es esguias, parecidas com escovas (ou c�lios), no tubo. Movimentos ligeiros na �gua, como os causados por peixes nadando a uma curta dist�ncia, dobram as massas
ciliares microsc�picas como um vento causa ondas em uma planta��o. Essa rea��o estimula os nervos, cujos impulsos informam o c�rebro sobre a for�a e a dire��o do deslocamento de �gua. N�s, humanos, herdamos uma habilidade descendente dessa linha lateral na c�clea de nosso ouvido. No final do s�culo XIX, o microsc�pio revelou que os poros no focinho do tubar�o e as estruturas incomuns sob eles, atualmente chamadas ampolas de Lorenzini, deviam ser �rg�os sensoriais. Cada tubo terminava em
uma bolsa bulbosa, ou ampola. Um nervo fino emergia da ampola e se juntava a ramifica��es do nervo da linha lateral anterior. Os cientistas rastrearam essas fibras nervosas da base do cr�nio, onde elas entram no c�rebro pela superf�cie dorsal da medula, um destino caracter�stico de nervos que levam informa��o sensorial ao c�rebro. Os observadores discerniram uma �nica c�lula ciliar min�scula, semelhante �s do ouvido interno humano e do sistema da linha lateral do peixe, dentro de cada ampola.
Mas o tipo de est�mulo que elas poderiam detectar permanecia desconhecido. Eletrorrecep��o Confirmada Os pesquisadores se viram diante de um dilema: como poderiam determinar a fun��o desse �rg�o sensorial? Em 1909, o bi�logo G. H. Parker, da Harvard University, removeu a pele ao redor das aberturas ampolares de um ca��o para eliminar quaisquer receptores t�teis na �rea. Ent�o, observou que o peixe ainda assim reagia quando os tubos expostos eram tocados suavemente. Essa
resposta sugeriu que os �rg�os poderiam responder ao movimento da �gua ou talvez � sua press�o, mas ele n�o sabia ao certo. Afinal, uma rea��o de reflexo a um cutuc�o no olho n�o significa necessariamente que os olhos evolu�ram para perceber golpes repentinos. Em 1938, Alexander Sand, da Marine Biological Association em Plymouth, Inglaterra, com a ajuda do amplificador a v�lvula, teve sucesso em ampliar e registrar os pulsos nervosos que iam das ampolas de Lorenzini ao c�rebro.
Ele viu que os impulsos eram disparados pelo nervo em uma corrente constante, mas que certos est�mulos faziam a taxa aumentar ou diminuir repentinamente. Sand percebeu, como Parker, que os �rg�os respondiam ao toque ou press�o, mas descobriu que a taxa de est�mulo tamb�m crescia quando eram resfriados. De fato, as ampolas eram t�o sens�veis � temperatura que podiam detectar mudan�as externas t�o pequenas quanto 0,2�C. Essa percep��o, juntamente com a import�ncia da temperatura da �gua para a
migra��o e outros comportamentos dos peixes, parecia ser uma forte evid�ncia de que os �rg�os eram receptores de temperatura. No in�cio dos anos 60, o bi�logo R. W. Murray, da University of Birmingham, Inglaterra, repetiu as experi�ncias de Sand com instrumentos eletrofisiol�gicos modernos e confirmou a resposta a mudan�as de temperatura e diferen�as de press�o e toque, mas tamb�m observou que os �rg�os eram sens�veis a ligeiras varia��es de salinidade. Al�m disso, quando ele ativou por
acaso um campo el�trico perto da abertura de um tubo ligado a uma ampola, o padr�o de ativa��o mudou. E mais: o padr�o se alterava de acordo com a intensidade e a polaridade do campo. Quando o p�lo positivo do campo se aproximava da abertura de uma ampola, a taxa de est�mulo diminu�a; quando o p�lo negativo se aproximava, o est�mulo aumentava. Murray determinou que os �rg�os podiam responder a campos t�o fracos quanto 1 milion�simo de volt aplicado � dist�ncia de 1 cm na �gua do mar. Esse efeito equivale � tens�o gradiente produzida por uma pilha AA de 1,5 volt com um p�lo mergulhado no estu�-rio de Long Island Sound, no nordeste dos EUA, e o outro nas �guas al�m da costa de Jacksonville, Fl�rida, ao sul. Teoricamente, um tubar�o nadando entre esses pontos poderia facilmente dizer quando a pilha foi ligada ou desligada. (Medi��es posteriores da resposta do c�rebro indicaram que os tubar�es podem discernir 15 bilion�simos de 1 volt.) Nenhum outro tecido, �rg�o ou animal exibe essa sensibilidade extrema � eletricidade. Em Busca de uma Fun��o O que um peixe ganha com a capacidade de detectar campos el�tricos fracos? Ind�cios da resposta vieram de estudos anteriores de �bioeletricidade� � emiss�es de campo el�trico � por outros peixes. As enguias el�tricas, por exemplo, podem atordoar suas presas com fortes choques gerados por um �rg�o especializado. Outros peixes, entretanto, parecem produzir intencionalmente campos el�tricos menores, fracos demais para servir como armas. A evolu��o desses �rg�os aparentemente in�teis confundiu at� mesmo Charles Darwin. Na busca de uma fun��o para essa bioeletricidade fraca, o zo�logo H. W. Lissmann, da University of Cambridge, e outros nos anos 50 descobriram que o peixe que a produzia era capaz de detectar seu pr�prio campo el�trico. Seus sensores, os receptores tuberosos, s�o muito diferentes das ampolas de Lorenzini: n�o t�m os tubos compridos e n�o s�o nem de perto t�o sens�veis aos campos el�tricos. No entanto, na �poca, a descoberta deles acrescentou a eletrorrecep��o � lista dos sentidos conhecidos. Juntos, �rg�os de baixa eletricidade e eletrorreceptores tuberosos formam um par emissor e receptor de um sistema parecido com o do radar, extremamente �til para tarefas como orientar-se no lamacento rio Amazonas ou se alimentar � noite. � medida que os objetos distorcem a forma do campo el�trico emitido, os receptores tuberosos detectam a mudan�a, revelando assim a sua localiza��o. Tubar�es e arraias, entretanto, n�o possuem �rg�os exclusivos para a emiss�o de campos. Pesquisadores j� especularam que as ampolas de Lorenzini, altamente sens�veis, poderiam trabalhar como um sistema de �radar� passivo, detectando campos el�tricos fracos que ocorrem naturalmente no ambiente. Ent�o o que esses animais estavam detectando? Possivelmente sentiam formas breves e fracas de bioeletricidade, como as do potencial el�trico das ondas cerebrais e contra��es do m�sculo card�aco. Mas parecia improv�vel que tubar�es pudessem usar suas ampolas de Lorenzini para detectar pulsos de um campo el�trico que dura apenas poucos mil�simos de segundo. Pelo contr�rio, esses �rg�os est�o ajustados para sentir apenas os campos el�tricos que mudam mais lentamente, como os gerados por baterias eletroqu�micas. 5-Essa capacidade de detec��o faria sentido porque todas as c�lulas biol�gicas no corpo funcionam como baterias em decorr�ncia de sua estrutura. Uma bateria comum produz tens�o quando duas solu��es salinas com cargas el�tricas l�quidas diferentes s�o separadas dentro de uma c�lula eletroqu�mica. Cargas opostas se atraem, e o movimento resultante da carga cria uma corrente el�trica. Da mesma forma, as c�lulas vivas cont�m uma solu��o salina que difere da �gua do mar, causando o surgimento de uma tens�o na interface. Conseq�entemente, o corpo do peixe na �gua do mar opera como uma bateria fraca, emitindo um campo el�trico ao seu redor. O campo produzido por essa bateria muda lentamente � medida que o peixe bombeia �gua por suas guelras. Usando um amplificador eletr�nico, nos anos 70 o bi�logo Adrianus Kalmijn, na �poca da Universidade de Utrecht, Holanda (e hoje do Scripps Institution of Oceanography), demonstrou que os animais produziam campos bioel�tricos na �gua do mar. Esses campos bastante fracos mudavam pouco (ou nada) ao longo do tempo, exatamente o tipo de caracter�stica el�trica que as ampolas de Lorenzini s�o equipadas para detectar. Kalmijn tamb�m demonstrou que um tubar�o de cativeiro localizava e atacava os eletrodos que ele enterrou na areia de um aqu�rio se os eletrodos emitissem campos imitando os produzidos pelas presas t�picas do tubar�o. (Meu trabalho inicial foi paralelo � pesquisa de Kalmijn, mas me concentrei na quimera (ver quadro na p�g. anterior)). Eletrorrecep��o no Ambiente Natural Demonstrar que peixes com ampolas de Lorenzini respondem a campos el�tricos nas condi��es controladas de um laborat�rio � uma coisa; determinar isso em campo, no ambiente da esp�cie, � outra. Essa tarefa provou ser desafiadora em parte porque os sinais el�tricos fracos da presa podem ser acompanhados pelo ru�do el�trico gerado por outros fen�menos naturais � salinidade, temperatura, movimento da �gua, acidez e assim por diante. No oceano, mesmo um fio de metal cria uma tens�o que qualquer tubar�o pode perceber facilmente. Para testar como os peixes usam esse sentido na natureza para ca�ar, tivemos de observ�-los no mar � o motivo de estarmos em um pequeno barco com uma abertura quadrada no conv�s. Em 1981, na esperan�a de verificar se grandes tubar�es oce�nicos usavam efetiva e rotineiramente a eletrorrecep��o para se alimentar, Melanie e eu, assim como Kalmijn e sua associada, Gail Heyer, da Woods Hole Oceanographic Institution, desenvolvemos um aparato em forma de T, com conjuntos de eletrodos posicionados em cada extremidade. Descemos o dispositivo pela abertura no conv�s e bombeamos peixe mo�do por uma porta localizada na jun��o entre os eletrodos. Ent�o energizamos os eletrodos para produzir campos el�tricos que imitam aqueles emitidos por peixes que s�o presas t�picas dos tubar�es. Uma pessoa ativava um eletrodo de cada vez em uma seq��ncia aleat�ria, enquanto outra (que n�o sabia qual eletrodo estava sendo ativado) observava o efeito sobre os tubar�es. Se os animais atacassem preferencialmente um eletrodo ativado, saber�amos que eles usaram o sentido el�trico para pegar sua presa. Agachados no conv�s do barco durante a primeira noite do experimento, espiamos pelo buraco enquanto um grande tubar�o-azul circulava. Num dado momento ele sentiu o cheiro de peixe mo�do proveniente do equipamento e nadou diretamente na dire��o do odor. Mas no �ltimo instante deu uma guinada acentuada para a direita, partindo a perna direita do T com as mand�bulas. O animal se sobressaltou, sacudiu e ent�o soltou abruptamente o equipamento. No momento final do ataque, o predador ignorara a fonte do odor, optando por morder o eletrodo ativado. Ao longo do ver�o, nossa equipe testemunhou muitos ataques semelhantes, nos quais os animais exibiram prefer�ncia acentuada pelo eletrodo ativado em vez do inativo e da fonte de odor de alimento. A conclus�o de que a eletrorrecep��o pode superar at� mesmo fortes instintos sensoriais como sabor e cheiro nos momentos finais do ataque explicaria relatos enigm�ticos de ataques de tubar�o a seres humanos. Casos nos quais a v�tima foi repetidamente atacada enquanto era conduzida para um lugar seguro por outro nadador, este ignorado pelo tubar�o durante o resgate. Apesar de o tubar�o talvez perder de vista sua presa quando o sangue obscurece a vis�o e oblitera o olfato, parece que o sentido de eletrorrecep��o permite que localize o forte campo el�trico gerado pelo contato da �gua com os sais sang��neos nos ferimentos da presa. Os tubar�es usam todos os sentidos quando ca�am � cada um tem vantagens espec�ficas e sensibilidade diferente (ver quadro na p�g. oposta). O olfato e a audi��o seriam mais �teis para localizar a presa a longa dist�ncia. Os sentidos vis�o, linha lateral e paladar, mais importantes a curto alcance. Mas durante a fase final do ataque, quando o tubar�o est� a 1 metro da presa, a eletrorrecep��o se torna a melhor forma de localiz�-la precisamente e orientar corretamente as mand�bulas. Talvez um dia essa compreens�o venha a servir de base para o desenvolvimento de um dispositivo capaz de repelir os animais, afastando-os dos banhistas. Temos nos concentrado no comportamento alimentar, relativamente f�cil de induzir nos tubar�es, mas esses peixes sem d�vida tamb�m empregam seu sentido el�trico para outras finalidades. Podemos s� imaginar como � ver o mundo por meio desse sentido estranho e nada familiar.
Qual função da linha lateral onde e quais receptores estão localizados?A linha lateral, que se estende pelo lado de muitos peixes e anfíbios, das guelras à cauda, detecta o deslocamento de água. Nos peixes, ela consiste em uma fileira especializada de escamas perfuradas, cada uma com abertura para um tubo longitudinal logo abaixo da pele.
Qual a função de linha lateral?A linha lateral é uma linha que se estende ao longo da lateral do corpo do peixe, contendo poros ou tubos conectados com um longo canal tubular, abrigando órgãos sensoriais (neuromastos). Eles são sensíveis às mudanças de pressão e temperatura e , também respondem às correntes de água.
O que é linha lateral e em qual classe ela está presente?A linha lateral pode ser facilmente identificada em alguns peixes por estar posicionada nos flancos laterais e é formada por escamas com poros, ou aberturas na pele, que expõem os neuromastos para o meio exterior. Este órgão está presente, exclusivamente, em peixes e anfíbios na fase larval.
Como funciona a linha lateral em um cardume de peixes?A linha lateral consiste em um sistema de canais sob as escamas, que se estende da cabeça – onde circunda vários ossos – até a cauda do peixe, de ambos os lados. Esses canais contam com dezenas de pequenos orifícios. À medida que o peixe nada, a água entra pelos furinhos e percorre toda sua extensão antes de sair.
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