Show See other formatsHistoria de Portugai Luis Augusto REBELLO DA SILVA Google J Digitized by Google Digitized by Google Digitized by Google Digitized by Google HISTORIA DE PORTUGAL Google HISTORIA PORTUGAL NOS SÉCULOS XVII E XYUI POR LUIZ AUGUSTO REBfiLLO DA SILVA Smío tSttim úi academia rt«l úts iM&im TOMO V LlSitOÁ IMPRENSA NACIONAL. M UGCG LXXI A SUA MAGESTADE O SEIOR DOM FEDRO DE mmU IMPERADOS DO filUZIL Digitized by Google Digitized by Google LIVRO YH PÀRTE YII Digitizeu by <jOOgle Digitized by Google A monarchia portugueza nasceu em um campo de ba- laliia. Suas dilatadas costas, abertas ás aggrcssues raai i- limas, e sua extensa raia, sem barreiras naturaes, facili- tavam a entrada aos invasores. O reino sempre embalado no conílicto das armas robnsteceu-se lutando desde o primeiro dia contra a conquista sarracena, que lhe dis- putava a posse do território e contra as lanças leonezas, que não lhe queriam perdoar o arrojo da emancipação. Fadado a ser a primeira na$ão navegadora do xv século» fimíliarísou-se muito cedo com os terrores do oceano, e» combatido desde o berço, aprendeu na severa escola das provações a só contar comsigo, fiando unicamente a de- feza do próprio valor. Estreita orla de terra occidental, cingida de um lado pelo braço colossal da Hespanba, e do outro banhada jidas ondas do oceano Atlanticu, Portuí?al soube sempre moslrar-se grande nos espiiilos e no amor da liberdade. £m todas as occasiões extremas o peito de seus habi- tantes foi a muralha, aonde vieram quebrar-se os esfor- ços contrários. Em mais de uma crise perigosa, supe- rando o numero e a fortuna, lograram elles recoí dai aos mais soberbos, que a leineridade iieioica dos indómitos monlanhezes do Hermínio revivia no coração dos des- cendentes. Proezas admiradas, sacrifícios maiores do o as for- , ^as, e o odio da sujeição estraiiiia, realçado pelo despre- go da morte, forçaram a Victoria a sanccionai^ a sua resis- tência. Resolução audaz, unida a uma rara paciência nos revezes, e ao mais ardente affecto patriótico, Inflammando € retemperando o caracter nacional, obraram o prodígio de conseiTar iniactn e respeitada a independência tantas vezes arriscada e sempre triumpiíante. Se os terços do duque de Alba o subjugaram foi porque a politica de Fi- lippe II aproveitou habilmente a catastrophe de Alcácer, e poi'qiie a corrupção Uie aplanou os caminhos. Mas os iiespaiilioes só conquistaram o corpo do paiz desmaiado pela descrença e pelo desalento. Quando a grande alma de outras epochas, despertando, volveu a anima-lo, o dia I.** de dezembro respondeu â funesta data de 1581, e no- vas paginas de gloria lembrar am Valverde e Aljubarrota. Estas feições acceutuadas desde os primeiros períodos da vida nacional, se denunciam grande vigor na indole e nas aspirações, &zem suppor também uma organísação adequada ao desenvolvimento das qualidades, que em to- dos os tempos distinguiram os filhos d este pequeno Es- tado. O feito arrojado da desmembraçâo, que o separou da corôa leoneza, a restauração lenta e perseverante de siías províncias do jugo musulmano, a constância inven- cível nas hitas da independência, e por ultiniu a ousadia revelada nos descobrimentos do xv século, e nas conquis- tas do XVI, attestam que uma serie de príncipes iliustres dirigiu com acerto os destinos da nação, e que esta, da sua parte, não se negou nunca a acompanha-los, tirando de si mesma alentos e estímulos, sem nunca Ibe faltarem Digitized by Google I capitães para as emprezas mais atrevidas, firmeza para os lances mais aperladus, e ânimos intrépidos para as aven- turas mais desproporcionadas. . O impossível recuou vencido. A espada retalhou im- périos, e obscuros soldados levantaram e destruíram rei- nos. A bandeira de um pequeno paiz a milhares de léguas da metrópole foi o assombro e o açoute dos mais orgu- lhosos potentados* Portugal, inveja e maravilha dos po- vos cultos da £uropa, gravou então na historia do mundo * uma das datas mais notáveis da cívílísação moderna. Quando a epopeia indica soluçava o derradeiro canto nos dias de Filippe 11 ainda se avivavam ii aqiiella admirável tela nomes e feitos, que a posteridade saudou a par dai> grandes acções immortalisadas no poema de Camões. £sta gloria, que veiu dourar o occaso, foi como que o sudário l.inçado pela Providencia sobre a monarcbia pros- trada. Depois, não podendo já viver de si no presente, voltou-se para o passado, e suas recordações serviram- Ibe ao mesmo tempo de herança e de consolação. O caracter dos soberanos e o dos súbditos na meia idade portugueza explicam-nos em parte os prodígios, que encerraram o xv século, e illuminaram o alvorecer e -a primeira metade do xvi. Convém advertir, comtudo» que os marinheiros e soldados, que por laiigo espaço fi- guraram na grande scena das navegações e conquistas, não surgiram de iim dia para o outro capitães feitos. As insti- tuições que habilitaram D. João I, AilonsoY, D. João li e D. Manuel a ostentarem poderes, que pareciam incom- patíveis com a estreiteza do território, haviam sido con- cebidas e traçadas necessariamente com profundo conhe- cimento da Índole, dos costumes, e das tendências da nação. iSão se fundem monumentos com operários iner- tes, ou inexpertos, nem os navegadores de vulto, como Digitized by Google Oil Eannes, Nuno Tristão, Diogo Cam, João Affonso de Aveiro e Bartliolomeu Dias, se revelam de repente. As tentativas do infante D. líonuque não teriam sido possíveis sem os reinados de Affonso IV e de D. Fernando. As victorias de D. João I» ao cabo de looga serie de dis- córdias e infelicidades, inculcam uma organisa^ão militar e social assas vigorosa, porque sem ella o entliusiasmo do povo pouco pôde sempre na realidade. Os soldados de Affonso V aprenderam em Ceuta mm os vencedores de Aljubarrota. Os navegadores de D. Manuel formaram-so na austera escola de D. João 1!. Todos os progressos se li* LMi!!. A cultura introduzida pela dynastia de Aviz deveu Ian Lo pelo menos aos exemplos de fora, como á vocação natural dos vassallos e ao impulso illustrado dos monar- chas. Entre a milicía do século xii e os cavalleiros, que no cerco de Goria, ou no assalto de Ceuta rodeavam o fi- lho de El-Rei D. Pedro, medeiava immensa distancia. Cumpre-nos discriminar com acerto estas differenças para avaliarmos com exactidão relativa as forças defensi- vas de Portugal oo século xvi e na primeira metade do século XVII. A grandeza e a decadência, igualmente rapi^ das, ficariam inintelligivcis, se não penetrássemos as ra- sões da superioridade dos exércitos e das armadas, e de- pois o segredo da fraqueza» que tão depressa os attenuou* O reino de certo não se fez tão poderoso, nem declinou com tanta brevidade sem motivos suflicientes. Na histo- ria de suas instituições militares encontraremos um ca- pitulo instructivo acerca do estado politico e social, e em parte a revelação das verdadeiras causas da grandeza e da mina da sua milicía. Sem elle as apreciações seriam falsas, ou injustas. Digitized by LIVRO VII y ESIAIIO SOCIAL Di lOSiBCHU FORÇAS OFFENSIVÂS £ DEFENSIVAS CAPITULO I milícia D£ WM. Aitiga organisafSo militar do paiz. — Soas epochas notáveis. — Ordenanças crcadas |Mr B. Silnstato «m tilTOi— Ropugnancias, qae mmánmn, e eaosu d*ella«.— ' Bicola muciil dos portQgii6Mt.<— Sapenoiidade das amas hsipaiiholas • soa Íb- iMDflta*'— Formação do terço de infanteria como miidade táctica. — Primeiros terços da coroa de Porlu^';il — As patentes na milícia do scculo xvii. — Armas di» Tirsas dc que eUa se compunha.— Cavallaria pesada e cavallaria ligeira. — Arca- biKeiros montados.— Dragões.— Os postos e svas preemineodas.» ArtQheria.— Mamiisio do Nassaa e Gnstavo Adolfilio.— Adminístnflo mOitar.— Ordens do htn- ttUA mais usadas.--PnwiofSNH.«-IMNBWttt08.— Disc;plina.~ Estado do fri- quexi do paiz.— Profidendas |Mm o sea armaffloalo o defesa.— Soldos.— Encar> gos d» BúUcia. Quatro epochas distiiictas abraçam as instituições mili- tares de Portugal até aos reinados do cardeal D. Henrique e de Filippa n. Na primeira, decorrida desde a fiuida^^o 4a monarchia até ao governo de Affonso III, as leis ge- raes e as cartas de foral organisam as forças do paiz ap- plicadas á deíeza do território. Na segunda» em que sao já sensíveis 9S progressos, opera D. Diniz reformas im- portantes, muldadas pelo typo das ParUdat de Affonso o Sabio de Castella. Na terceira D. Fernando e D. João I, •advertidos pela experiência, renovam, ou modiiicam os Digitized by Google 8 HISTORIA DE PORTCGAL Milícia antigos elementos, imitando os exemplos das nações mais ^ adiantadas. Na quarta» finalmente, D. ManaeK seguindo de perto os traços de Fernando e de Izabel depois do cerco de Granada, que foi a grande escola guerreira da [)eiiin- sula ibérica n'aquelle século, assenta as bases do novo systema» que seu âliio e seu neto completaram, procu- rando conciliar o pensamento da meia idade com as no- vas circumstancías creadas pela renascença. Na primeira metade do século xv (de 1401 a 1438) a organisagão militar do reino podia dizer-se quasi perfei- ta. Alem das iaúças, com que as ordens de cavallaria re* lígiosa, os senhores ecclesiasticos, e os fidalgos eram obrigados a servir, o rei podia em curto csparo convocar em volta da sua bandoií a os homens de armas dos conce- lhos recenseados na classe dos aquantiados, as compa- nhias dos bésteiros do conto, ou do numero, tirados d)S grémios fabris e industriaes, os bésteiros de pé e de Ca- vallo, e os homens de lança e escudo, que as cidadfs e villas tinham obrigação de pôr cm cnm[)0 <i i)i-iiTieira voz. Só os besteiros do conto, á sua parte, formavam utc cor- po de cinco mil soldados práticos e adestrados, cióa ar» ma, a bésta, equivalia quasi na táctica da epocha pdos ef- feitos destruidores á acção da espingarda moderna Desde os moços de dezoito annos até aos homens de stssenta e de sessenta e nove annos a todos cumpria acud rempela honra « pela segurança da pátria. Âo primeiro rebate d^ viam ter os cavallos apparelhados, as armas prcmptas e os •cabos na frente. D. Manuel conservou os lineamentos capi- tães doeste plano, e, abolindo os bésteiros do conto já quasi inúteis, creou as companhias de piques e de arcii- buzeiros municípaes. D. Jo^o III na lei das ^ntias apro- priou ás condições de riqueza do seu tempoo antigo censo. D. Sebastião, por ultimo, generaiisando aiíida mais o priiv kjui^L-u Google DOS SECDLOS IVH E XVIU 9 dpío, intentou realísar com a instituição da Ordenança a MiUda idéa de um povo de soldados sem o ónus e os inconve- ^ nientes dos exércitos permanentes. A Ordenança decretada em 1570 nasceu doeste pensa- mento, mas as inclinações bellicosas do principe exagera- ram a sua applicação a ponto de excitar as repugnancias geraes, e da lei, por excessivamente symetríca e oppres- siva, lutar desde o começo com a má vontade dos súb- ditos. A rede de encargos e de responsabilidades, em que apertava os hoiiiens válidos, e a obrigação imposta a todos de concorrerem com as pessoas e os bens ainda seriam toleráveis na opinião de muitos, se o soberano li* mtlasse os esforços á defeza do território, e n3o inquie- tasse um paiz já amigo da paz e do socego com os [íroje- ctos temerários da conquista africana. Não admira, por- tanto, que as Ordenanças, sempre mal acceitas, ficassem letra morta apenas o rei desappareceu. Uma das suppli- cas das Côrtes de Thomar a Filippe II foi a sua extincção, e o astucioso monarcha annuiu sem diíliculdade. Su qua- renta e cinco annos depois, em 16:^3, é que a instituição renasceu mutilada em muitos preceitos essenciaes. O alvará de 1570, íilbo da generosa idèa de continuar as tradições das grandes epochas da monarchia foi sem- pre vencido pelos obstáculos. As guerras distantes da Asia e o desfallecimento gei al tomavam pesada e vexato* na de mais a satisfação de deveres, cuja utilidade imme- diata os povos já não attinglam nos dias de D. João III, e muito menos depois de unida á Hespanha a coi òa d* Vov- tugal. O gabinete de Madrid por motivos óbvios não de- sejava espertar o zélo marcial. Sempre duvidoso da obe- diência do paiz, preferia conservado inerme a vé-lo ar- mado. Foram estas as ras5es por 4ue depois da morte de D. Sebastião tu^io esmoi eceu e afrouxou. Mais ao diante. Digitized by Google 10 UISTOMA. DE PORTUGAL másL quando o governo de Fiiippe IV, coagido pela necessidade, quiz restaurar o systema, não colheu d^elle a menor van- tagem. Faltou-lhe a condição principal» o apoio da Debalde a mesa do desembargo do paço, instada pelas ordens do conselho de Portugal em Bladrid, mandou em 1623, que o regimento de 10 de dezembro de 1570 sobre os capitães móres e os capitães e ofíiciaes das companhias de Cavallo e de pé da Ordenança fosse reimpressos posto em vigor, e que as milícias locaes se adestrassem com os exercícios recommendados n'elle. Em vão segundo as prescrípções da organisação de 1570 os alcaides móres e os donatários ficaram sendo os chefes militares das ter- ras, e os commandantes das forças recenseadas. Os mo- radores das cidades, villas, aldeias e casaes, de dezoito a sessenta annos de idade, deviam ser obrigados segundo o rendimento dos bens moveis e de raiz ao serviço da milícia local» comprando á sua custa as armas offensivas e defensivas. Os mais ricos haviam de ter cavallo próprio e de marca, lança, espada, morrião e peito de aço, ou coura de laminas. Os menos abastados haviam de alistar- se nas companhias de pè com espada, arcabuz, ou pique, armadwa do tronco, oa còssolete. Os mais pobres, por fim, serviam nas fileiras só armados de lanças compridas. As coiiipaiihias compunliani-se de %)() liuinens repartidos por dez esquadras, e cada mna tinha ca])itão, alferes, bandeira, sargento, dez cabos, e um tambor. Todos os annos peio S. Miguel competia aos capitães móres passa- rem revista á ordenança dos seus districtos, e todos os mezes a gente de pé e de cavallo era obi iif nla a t xorci- tar-se no campo e nas barreiras, manobrando, atirando ao alvo, e ensaiando as evoluções próprias da soa arma K t * Regimento dos capitaens riiéres e oficiae$ das companhi» 4k « Diyiiizeo by Google DOS SÉCULOS xvn E XVIU ii D. Sebastião, promulgando esta lei, imaginara conver- ter o paiz eiii um vasto acampamento. Não era íacil, po- rém, violentar a vocação dos povos. As epochas de ardor gaerreiro estavam extinctas, e querer transformar lavra- dores, ofliciaes mechanícos, mercadores, e até chatíns em milicianos, e força-los ao nso e á fadipfa das armas, era uma illusão, que a realidade desnienlm depressa. Maior Alusão ainda foi a do conde de Olivares» quando» receioso das hostilidades dos inimigos contra o nosso território, suppoz possível acordar as populações do somno de tan- tos annos para as sujeitar de novo á disciplina da lei de 1570. O tardio esforço do ministVo serviu só de provar €om evidencia quio impotentes são os meios artifíciaes em- pregados para substituir o patriotismo ausente. As ordens da corte não reanimaram os brios amortecidos, nem po- deram reanimar a organisação repellida pela indifferença publica. Os capitães móres e os capitães das companhias locaes existiram, os outros postos foram providos, mas M- taram sempre os soldados, as armas, e tudo o que só a von- tade enérgica da nação sabe prestar ás instituições, quan- do, perfiihaiido-as, quer fazel-as verdadeiramente suas. A pobreza geral, a aversão ao serviço, o odio do jugo estranho, e a emigrado para o ultramar e para o estran- geiro reduziram nos dezesete aanos, que durou ainda o governo liespanhol, os ( juadi^os das compaiiliias a núcleos iasigoilicantes. As camaias cruzavam os braços, os cor- MffenÊB de ^ooaffo ê de pé $ da ordan que ierâo em w wíreUarm, «igm ncmunânte oídenado pera todo o soldado (er e pera saber «leger-se e aproreitar dos privilégios e de tudo o mais contendo «ndle.» Em casa de Belchior de Faria, cavalleiro da casa de Elrey Nosso Senhor e sen livrehu A portaria da mesa do desembargo do paço é datada de 26 de novembro de 16S3 e assignada por Y . CSal* dsta, Ibmiz, Araujo^ J. Peneira e D. de UaUo. i% HISTORIA DE POUTLGAL .miteu regedores e juízes de fóra, compadecidos da miséria pu- blica, e temendo concitar resistências, não apertavam pelo cumprimento da lei, e as moslias aiiiiuaes e os exercícios mensaes, adiados, ou esquecidos, não se rea- lisavam, ou, se por necessidade extrema se faziam, eram ^ómente um arremedo quasi brutesco do primitivo dese- nho da milícia creada polo onlhusiasmo pouco feliz do ul- timo rei cavalleiro. No seio da profunda paz interna e da apathia geral as prevenções de guerra pareciam violen- tas e inúteis, e atè mesmo os rebates do perigo já não despertavam os brios. Mais de uma vez os saltos dos pi- ratas barbarescos e dos corsários inglezes e hollandezes infamaram as praias portuguezas, e as vigias faltavam nos seus postos, ou repetiam em vão os signaes. Âs -ga- lés e navios da guarda da costa apodreciam nos lodos do Tejo e nos outros portos, e, embora os fachos e as colum- nas de fumo avisassem as povoações da eminência do peri- go, os moradores deixavam nos cabides as lanças e as es- padas, e não despregavam da parede o arcabuz desarmada. Quando o arrojo dos contrários, crescendo com a cer- teza da iiiipLinidade, devassou na índia e na America os mares c os territórios foi preciso arrastar á força solda- dos e marinheiros para as armadas de soccorro, e, quan- do a cArte de Madrid, infringindo as immunidades jura» das em Thomar, ousou arrancar os portuguézes da terra natal para os enviar aos campos de batalha da Itália, de Flandres e da Alleiíianha, perdidas as esperanças de alis- tar voluntários, teve de aliançar grossos prémios aos re- cmtadores, que iam buscar ás aldeias a gente bisonha para reforçarem os terços. Âcabára de todo com a indepen- dência o fervor guerreiro já bastante attenuado na segun- da metade do século xvi, e á sède de gloria e de renome, que iliustrára com tantos varões distinctos a monarchia. Digitized by Google DOS SÉCULOS XVil £ XVIU 13 succcdèra a apagada tristeza, que pifcede a iioito das na- míiící» yões, e prepara o seu suicídio Desde o ultimo quar- ^ tel do XT século os presídios de Africa e as expedições da índia foram a única escola militar aonde os portugue- zes se exercitaram, e n3o admira, que, em paz com a Eu- ropa, não podes^eni acompariliar os pi'ogressos da arte da guerra. Em Ceuta, em Arzilla e em Tanger as lutas dos fronteiros quasí (pie só reproduziam a táctica peninsular dos séculos xii e xm, modificada pelo uso das armas de fogo, c liimliula á dereza das praças, a algumas correrias pelos campos, e ás arramadas contra os aduares. No oriente, aonde só as esquadras turcas offereciam inimigos instmidos, feriam-se os combates na máxima parte con- tra multid^s mais, ou menos valorosas individualmente, mas ignorantes dos aptrlViçoamentos modernos, e eram decididas em nosso favor pela superioridade da ai tillieria e da arcabuzcria. Depois das surriadas dos pelouros as espadas e os piques acabavam de romper as fileiras pou- co firmes, investindo-as em Ímpetos furiosos e desorde- nados. Ooaiidv) a iiiiiau a (laslella trouxe como consequên- cia inevitável a invasão das nossas colónias de Africa, do Brazil, e da Asia pelos inglezes e oshoUandezes, estes no- vos adversários, amestrados na disciplina das nações mi- litares, obrigai aiii os portnguezes em mais de um recon- tro a deplorarem o esqueciuK^nto das regras usuaes e os inconvenientes do arrojo temerário ^. D. Sebastião tinha mandado vir de Itália e de Flandres capitães e soldados práticos para instrucção das milícias * D. Francisco Maiiut I de Mello, Epanaphora Trágica. Na^ifragio da Armada. Lisboa, iG7G. - Ibidem. — Luiz Mendes de Vasconcellos, Arte }íUitar, dividida < m tres pnrtes, impressa no temio dc Alernquer, na quinta de Mas- cote. Anno 1612. Part. passim. L iyui<_L;d by Google 14 HISTORIA DE POIll UÚAL mku creadas pela lei de 4570. Mas a lição dos mestres apnn 1^ veitou pouco. So alguns dos nossos ainda se lembravam da auliga inclinagâo pelas armas, o maior numero n5o queria aprender, embora Lisboa em maio de 1578, se- gundo aflirma uma testemunha ocular, parecesse inteira- mente transformada n'outra cidade. Custava a romper nas ruas por entre o concurso de gente militar, nacional e es- trangeira, e a cada minuto se ouviam rufar os tambores, e se escutava o som beliicoso dos clarins e das trombetas. Rodavam pesadas carretas de artilhería, e todos os dias saíam ao campo muitas companhias a fazerem exercicio, enti ando peias barreiras as fumaradas da pólvora e os re- bombos das descargas. Este grande arruido de nada va- leu. No doloroso episodio decorrido até á coroação de Filippo II, os troços de tropa, rodeados de turmas infre- nes, com que o prior do Crato cuidou arremedar a for- mação de uni exercito, desfizeram-se logo no primeiro recontro derrotados pelos veteranos do duque de Alva. Seguiu-se o silencio da occupação, momentaneamente perturbado pdo desembarque em Gascaes de D. Antonio e dos inpflezes. Dilatou-se depois a paz por hvgos annos, e os portuguezes, não combatendo na Eui opa desde o reinado de Alfonso V, quasi quo olvidaram até o manejo das armas. Alguns assaltos repeilidos, alguns cercos, e poucas pelejas de cavallaria contra os mouros de Fez e de Marrocos, a continuação da guerra ila índia, e a defeza do Brazil constituíam apenas a sua habilitação guerreira n'uma epocha, em que a arte militar abria um de seus capítulos mais instructivos K No ultimo quartel do século xm devemos, segundo jú 1 D. FnncisGO Manuel de Usiúo, Eptaui^^hmi I^ragiea, Naufra* gio da Armada. Edif de 1676, pag. 179, 183. Digitized by Google DOS SÉCULOS XVU E xvin 18 r notámos, as innovações introduzidas por D. Diniz á Par- mikii^. tida II de AíTonso o Sabio, inaiidada trasladai' por el-rei ^ em portuguez. No tempo dc D. Fernando e do Mestre de Aviz apr^demos dos inglezes qaanto eUes podiam ensi- nar. Nos ultimos annos do século xy, finalmente, D. Ma* nuel pautou quasi todas as reformas militares pelas de Fernando e Izabal. Nos séculos xvi e xvii a Ilespanha continuou a servlr-nos de mestra e de modelo, não só por ser uma das primeiras, sexão a primeira potencia gner- reirai da epocha, mas porque os vínculos de estreito pa- rentesco no reinado de I). Joau III, c depois a união pes- soal das coroas lhe asseguravam inconteslavei niílaencia. A infanteria hespanhola ufanava-se com a grande repu- tação conquistada por suas victorías, e podia citar o lou- vor dos melhores capitães. Os arcabuzeiros de pé e de Cavallo tinham illustrado as bandeiras em innitos lan- ces, os homens de armas haviam medido com vantagem seus pesados esquadrões com os mais luzidos esquadrões francezes» emflm, a cavallaria ligeira, destra e infatigável, malisava com a italiana, e offiiscava a alleml. N3o era para estranhar, portanto, que os portuguezes tomassem para typos de imitação estes soldados afamados, e cur- sassem a escola pratica de suas campanhas, desejosos de Iransportarem para a pátria as bases de uma oiganísa- ção quotidianamente aperfeiçoada por generaes illustres e experimentados K 0 terço, ou «coronelia» era a unidade táctica da Hes- panha no século xvn. Formado á imitação das legiões ro- manas, mas inferior em forças, mesmo na Allemanha, aonde já se chamava «regimento», nunca chegara a ex- ceder o numero de três mil homens. D. Francisco Ma- 1 D. Francisco Maimél de HeUo, Ejpanu^pkora JHgiea, Digitizea by <jOO^it: HISTOBU DE POBTVGAL Maida nuel de Mello affirma» que os terços em 1627 nunca pas^ saram de mil soldados, e cuida que d 'este numero se llies derivou o nome. A Ordenança, anies de 1GÍ2, prescre\ia que elles não contassem menos de tres mil praças, divi- didas em companhias de trezentos homens, preceito di* ctado por cálculos de economia, mas pôde dizer-se, que a transgressão nasceu logo com a lei. Os i)oríuguezes, na trahquillidade profunda de suas fronteiras, e na longa neutralidade assegurada nas contendas europeas desde o reinado de D. João II até ao de D. Sebastião» atraza- ram-se tanto das outras nações, que, se não foram os ul- tliiiijs a adoptar a mais perfeita organisaçãu da infanteria, ainda no derradeiro quartel do século xvi a não liaviam completamente abraçado. Oppunham-se os costumes» e invocava-se como rasão, que, limitada a guerra á con- quista da Asia e aos presidios africanos, não parecia con- veniente mudar a primeira f('>ima. D. Sebastião creou terços nacionaes e estran^^oiros para a sua desditosa ex- pedição. Foram as armas inglezas e holiandezas» que tor- nando, senão inútil, pelo menos assás perigoso o valor desordenado da antiga nulicia, forçaram os capitães por- tuguezes a approximarem-se das regras geralmente se- guidas K Desde o começo do século xtii até â acclama(ão de D. João IV formaram-se alguns terços regulares, espe- cialiiieiite na ultima década do governo de Castelia. Mas nunca existiu o que na linguagem da epocha se chamava cpé firme de exercito»» e hoje dizemos cexercitQ perma- nente». Recrutavam-se as companhias, e compunham-se as «coronelias», conforme as necessidades e as occasiues, poi èm os costumes, os apuros da fazenda, e, mais que tu- i D. Francisco ISamuA de Mello, Bpampkora Trastea. Digitized by Gopgle DOS SÉCULOS XYll £ XViU 17 do, o ciúme da curte deMadrid, nuiica adiniltiram acreação MUd» de corpos em separado das ordenanças locaes. Suppõe-se, ^ qm Gaspar de Sousa e D. Jorge Mascarenhas» marquez de M ontalvãOy foram os mestres de campo dos primeiros terços formados em Portogal. Depois, o archiduque Al- berto, lembi ado da nação, que tinha governado cinco an- nos, pediu a Filippe 111 um corpo de soldados purlugue- 2eSy tão util, asseverava elle, á defeza dos^Estados, como á gioria do reino. D. João de Menezes commandou o ter- ço, que se organlsou então, e fallecen em Flandres, sue- cedendo-lhe no posto Diogo Luiz do Oliveira, que seus merecimentos elevaram do posto de mestre de campo aos altos cargos de conselheiro de guerra e de capitão general dos exércitos hespaidioes. Este exercicio assas restricto nas lutas dos Paizes Bai- xos, não era sufficiente, comludu, j[)ara crear gente ades- trada, que nas esquadras da índia e do Brazii podesse oppor-se aos hoUandezes, e cada dia era mais notada a íidta de boas tropas. D. Antonio de Atiiaide, provido no cargo vilalicio de general da armada portugueza, propoz- se occorrer sem demora a este mal, e, alcançada ordem para recrutar um terço permanente de infanteria, desti- nado a qualquer lance repentino do mar, ou das posses- sões ultramarinas, apressou a sua organisação. Esta força, •capitaneada por D. Francisco de Almeida, existiu até á perda da Bahia; mas exigindo a recuperação da capital do Brazil maior esforço, o governo decidiu reforçar o an- tigo corpo denominado da «Armada», ou antes substi- tui-lo por outro novo denominado «Terço de Soccorro», de que nomeou mestre de campo Antonio Moniz Bar- reto. Terminada a empreza, logo^esqueceram com os cui- dados as prevenções, e o mesmo desleixo, talvez calcu- lado, que deixava aí)odrecer os navios nos portos, tam- 1010 T a Digitized by Google 18 HISTORIA DE PORTUGiU* niiicu bem deixou cair as amas das m3o$ aos soldados. Na sua volta da America as companliias foram aquarteladas cora outras tropas na tVn taleza de Cascaes, e ja/,eiaiii <juasá desprezadas e sem commandantes d^âde IG^O. As de- serções e as licenças desMcaram-as por modo tal, que em I6i7 poucos soldados contavam já ^ A Ordenanra determinava, que o effectivo de cada ter- <;o fosse de tres mil liomons, entrando no seu quadro mil piques, mil e oitocentos arcabuzeiros, e duzentos mos- queteiros. Mas, conforme observámos, a regra nUo se /cumpria, e os terços nunca excederam mil e duzentas pra- ças, ou, no máximo, ikias mil. Cada < uuip aiihia tinha cento e cincoenta, ou duzentos soldados, e segundo a antiga ordem de guerra, seguida até aos fins do século xvi, de^ via ser composta de cm arcabuzeiros, de cincoenta pi- ques, e de cincoenta besteiros, em corpos quasi separa- dos, que manobravam e podi im cornhalei iiidependentes uus dos outros. Quando as descargas dos arcabuzeií-os uão conseguiam suster o inimigo, os bésteiros encurva* vam os arcos e arremessavam contra elle uma chuva de virotes. Rotos os arcabuzeiros e os bésteiros ainda fi- cavam os piques constituindo o núcleo mais forte. Os olli- ciaes das companhias eram o capitão, o alfereSi e o sar- gento, com oito, ou dez cabos de esquadra, um capellão, um barbeiro, um pifano, e dois tambores. A formatura mais usaLla tazia-se por lilás de tres, de cinco, de sete, do novee de onze soldados. Os capitães recebiam as urdens dos mestres de campo, e o saigento múr communicav» directamente as suas aos sargentos das companhias, dan- do o santo ás patrulhas e sentínellas, e collocando-as nos postos. Em paiada os capitães, completamente aima- 1 D. Fianciflco Manuel de Mello, Epanaj^ara Trágica, Digitized by Gopgle nos SECOU» xm E xvm 19 dos, marchavam todos em umia linha na frente do corpo com as ginetas (insígnias do mando) nas mãos» a cabeça descoberta, e as manoplas calçadas. Os pagens levavam- Ihes o morrião. Em batalha, em vez da gineta, em[)unha- vam a espada, ou o espontão, e embraçavam rodeUas de aço. Os mestres de campo e os sargentos môres andavam a Cavallo. Os ofDdaes portuguezes podiam usar bandas roxas, preeminência da iMÍciiiteria hespanhola. Os toques mihtares mais repetidos eram o de «passeio j> , o de «bate* na», o de tretirada», o de «escaramuça», e o de «faxina» ^ Na infanteria os postos sob diversas denominações re- produziam pouco mais, ou menos as attribuiçOes dos actuaes. O mestre de carn[)0 correspondia ao moderno coronel, e o sargento mór quasi ao major. Ao terço com- pleto cabiam dez eapitSes, dez alferes, dez sargentos, e quarenta cabos de esquadra. A proporçlo das dififerentes armas entrava nas companhias nas seguintes propor- ções: cem cossoletes, cento e oitenta arcabuzeiros, e vinte mosqueteiros. Os cossoletes eram tidos na conta dos soldados mais estimados. Pelejavam firmes no campo, e defendiam as inmalhas, as trincheiras, e as baterias. As outras tropas de pé e de cavalio lòrmavam no seu flanco, ou na sua re- taguarda. Usavam piques, ou lanças muito compridas, es^ pada, e adaga, e cobrlam-se com peitos e espaldares de aço, escarcellas, braçaes, morrião, e manoplas. A sua ordem de marcha era a mais larga de todo u batalhão para terem espaço de arvorar, calar, e tornear os piques s.em em- baraço. Carregados de armas ofensivas e defensivas, * Luiz Mendes áe YaseonceWos, Arte MUUar. — Curiosidades de Gontalo de Souta, Manuscripto da bibliotheca real da Ajuda. Part. iv e seguintes. 20 HISTOBU BE PORTUGAL Jliucia todos OS seus movimentos eram lentos e pesados, ma- nobrando ao som dos tambores. Os piqaes chamados secos, mais ligeiramente armados, [)orque apenas lhes resguardava a cal)('('a uma espécie de elmo, [todiam ope- rar com maior promptidão do (pe os acobertados^ mas só combatiam no centro d'elles ^ Os arcabuzeiros reputavam-se os soldados mais uteis depois dos [liijues. A sua missão principal consistia em sustentarem os passos ásperos e diíllceis, occupando o primeiro iogar no serviço do campo» e guarnecendo em batalha as alas dos terços» oa das companhias. Soldados de tropa ligeira não vestiam couraça, e as armas defenr sivas, que usavam, r» duziam-se ao morrião. Cingiam es- pada e adaga» e, aiem do arcabuz» deviam sempre andar prevenidos com pólvora» balas» murrSes» e frasco de es* sorvas a tiracoUo. Consideravam-se os mosqueteiros como os menos no- bres de todos os soldados de infanteria. O peso do mos- quete não lhes consentia escaramuçarem e correrem o campo» e só podiam prestar auxilio efficaz em posições protegidas pela cavallaría» d'onde offendessem o inimiga €om o grande alcance dos pelouros, e seu effeito destrui- dor, porque nenhuma peça de armadura lhes resistia. Nâo traziam amez» ou coura» mas» alem da forquilha» em que assestavam o mosquete» deviam trazer espada» e uma adaga capaz de cortar estacas para reparos. Escolhiam-se sempre para esta arma homens membrudos e forçosos, aptos para carregarem e dispararem com a possível pres- teza» parados» ou marchando K 1 Luiz Meodes de YasconceUos, Arte MilUarj pag. v. a 127 V. 2 Ibidem» ibidenu Digitized by Google DOS SÉCULOS XVU E XYIII A cavallaria dividia-se cm companhias de cem solda- dos, e compuoiía-se de «homens de armas», de «cavai- ios ligeiros», de «arcabuzeiros», e de «dragões». Cada eompanhia repartía-se em quatro esquadrões pequenos de vinte e cinco praças. Os oirií ines das companhias eram o capitão, o tenente, o alferes, o furriel, e os raporaes, ou cabos de esquadra. Suas attribuições correspondiam ás que hoje exercem os militares investidos nos mesmos postos. Os «homens de armas», também chamados «cou- raças», formavam a cavalLu la [u ^ad.i, e a patente de ca- pitão prezava-se por mais nobre, que a de capitão de «cavallos ligeiros», ou de «arcabuzeiros», porque nin- guém se alistava nas Aleiras dos couraceiros sem pri- meiro satisfazer a rigorosas provas de fidalguia. Suas aiw mas defensivas consistiam em um corpo de aço inteiro, meios braçacs, meios coxotes c fraldilha, ou tonelete, es- pécie de abas de laminas, que desciam até ao joelho. O peito devia ser de fina tempera á prova de bala de mosquete, e as outras peças lí prova de bala de pistola, assim como a cellada. Cingiam espadas largas, agudas na ponta, próprias para talho c estocada, e traziam duas pistolas enormes nas fundas, ou coldres. Montavam caval- los acobertados de ferro, robustos e possantes, em seilas de brida com grandes arções de aço. Na peleja o seu logar equivalia ao dos piques na infanteria. Serviam de núcleo às forças da mesma arma, e só carregavam nas occasiões decisivas. Empregados na Allemanha, na Fran- ça, na Itália, e na Hespanha, suas companhias de noventa e cinco homens combatiam de ordinário em dois esqua- drões commandados pelo capitão e pelo tenente, sustenda o Ímpeto dos contrários, rompendo-os, cobrindo e pro- tegendo os terços. Davam usuahneitf e as cargas a trote, disparando uma após outra as duas pistolas. Faziam de* 22 UISTOHU DE POBTUGAL jiiucia pois meia volta, mettiam mão à espada, e vinham topar jjj^ em cheio com os inimigos*. A cavallaria ligeira, quasi tão estimada, era preferida pelos moços nobres e cobiçosos de gloria por ser a arma, que mais lances lhes proporcionava para ostentarem o sea valor. Busca vam-se para ella homens njbustos, nias de pou- ca corpulência. O serviço activo, que iiies competia em campanha, justificava a necessidade d estas qualidades. Os «cavalíos ligeiros» entravam nas descobertas, nos ataques parciaes de vanguarda, ou de retaguarda, nas cargas de flanco, e escoltavam os coaibuius e os parques de artiihe- ria. Auxiliares dos «homens de armas», e munidos de lanças de riste, e de espadas, adagas, e estoques penden- tes do arçSo da sella, usavam peitos de aço com espalda- res mui leves, e celladas bn[ i.^unhezas com saios vaíjuci- ros de mangas compi idas c estreitas. Corriam em seus ginetes velozes e soíli edores, e timbravam em supportar quasi insensíveis as fadigas e as inclemências das estaç5es. Em batalha investiam os ccavallos ligeiros» oppostos e os arcabuzeiros. Suas bandeiras dc seda quarteadas das cores, que os capitães designavam, só podiam trazer bor- dadas as armas reaes, ou alguma empreza commemorar tiva de feitos honrosos. Os arcabuzeiros montados mereciam o conceito de se- rem US soldados la.iis uu-is. Empregavam-sc cm correr o campo, escaramuçar nas primeiras linhas da vanguarda, romper o fogo, e ameaçar constantemente os flancos e a retaguarda dos inimigos. O arcabuz de pederneira, ou 1 ArUUSitar, pag. 127 e 128^ — Umu^ ãm CaoíàÊBria, pdú ctm- de GélittÇtí GwÃào com m mmotaçõ» do mndê dê Sahugal, D. Mo MoãemiAiiu, do ammAo de guerra de el-rfl D. Afanão VL Ma* nuscripto meu, pag. i22 a iS9. Digitized by Google DOS SÉCULOS xvn E xvin 23 àe roda, uma espada, e uma adaga eram as suas armas. Usavam a pólvora dividida em cargas no cinto, e monta- vam em cavallos ligeiros e de pouco preço. Vieram as <»i:lavinas» substitui-los, porém muilo depois. Os mos- quetes, que apenas sc diilerençavam das «clavinas» em o cano da arma ser mais curto e grosso e de maior cali- bre, carregado de bala, ou de cinco zagalotes, pouco se general isaram em Portugal. Nas annotações ao tratado do Manejo da CamUaria, do conde Gallcaro Giioldo, o conde de Sabugal, D. João Mascarenhas, escrevendo já no reinado de Afibnso VI, diz que nunca vira mosqueteiros nas guerras de Flandres e de Itália, qualifíca-osde muito dispendiosos, e entendei que os airabuzeiros podiam des- empeniiar exactamente ein campanha o serviço d'elles Os «dragões», fmalmente, que encontraremos em 1642 nas planicies do Alemtejo, eram arcabuzeiros montados, <|ue, todavia, pelejavam quasi sempre, ou as mais das ve- zes a pê. Introduzidos para aconipaiihar a cavallaria nas emboscadas e assaltos dos quartéis, mais aproveitavam DOS terrenos planos e pouco accidentados, do que nos aspe^ ros e montanhosos. Os «homens de armas» costumavam antes levar os mosqueteiros á gampa, mas o peso, can- Síindo os cavallos, tor^nava quasi impossíveis as retiradas. Os «di-agões» na Uespanha e Portugal formavam compa- nhias soltas, e marchavam em tropas com bandeiras e caixas, poupando á infanteria grandes perigos e trabalho^ \à cavallaria o posto de capitão, apreciado por muito honroso, só se provia em pessoas de alta nobreza, ou em oiliciaes práticos e distinctos. Os capitães em campa- 1 ArU MilUm*, fl. i28 a 130.— Jíai^/o da Cavallaria, pâg. i22 2 ttúdem, fL idã— Ibidem, pag. 193, id5 e i9& HIBTOBIA DB PORTUGAL noida oha votavana ik>3 conselhos de guerra, quando não con- corriam os mestres de campo, e da sua firmeza e Uberali- dade dependia a satisfação e a boa vontade dos soldados. A conservação da disciplina tocava mais de perto aos tenen- tes, aos quaes competia especialmente expenmentarem os cabos» 6 manterem a ordem no esquadrão. O tenente ao- primeiro signal devia apparecer na praça de armas, ea instrucção, tanto do manejo do eavallo, como das armas» constituía a parte mais pesada de suas obrigações. Nas companhias de «atx^abuzeiros» os tenentes dirigiam ^ partidas soltas todas as entradas em paiz inimigo» e rom- piam as escaramuças. O posto de commissarío da ccavaK laiia ligeira» só era conferido a oHiciaes arili<i[os e consum- mados, porque exigia grande conliecimento e experiência da arma. Não [)arece que atéao íimda primeira metade do seeulo XVII existissem regimentos nacionaes de cavallaria. As companhias reunidas formavam corpos denominados «troços», cominaiidados pelos coinmissarios superiores aos capitães. Cada «troço» tiniia um capeilão e um cirur- gião. Os commissarios nomeavam dois ajudantes appro^ vados pelo general^. Foi depois adoptada a organisação regimental estran- geira para a cavallaria, e aos commissarios succede- rain os coronéis investidos na jurisdicção civil e cri^ minai de todos os pleitos e delictos militares com recurso* para o mestre de campo general e para o auditor gmd do exercito. O tenente general da cavallaria occupava o logar mais elevado na escala hierarchica da arma, capi- taneando todas as forças reunidas» e tendo no conselho 1 Regimento do que deve observar o que tervir na cavaUaría, etc, dividido em quatorze capítulos, inculcando ser composto entre e 1645. Hmuaciipto meu» fl. i29» m e i36. Digitized by Google DOS SRCULOS Xm E XVÍtt x gradoa^So e voto Igaal ao dos mestres de campo. Em ba- talha os Gommissarios geraes mettiam os esquadrões na fórma, e o general passava-llu's rovistn, e collocava-se á sua frente. O furriel mór acudia a tudo o que respeitava ao alojamento dos soldados» e ao reconhecimento dos lo- garesapropriados para quartel, ou acampamento. Sobre os símpllces furríets recaiam as príncipaes responsabilidades da administrarão «las coiupaiiliia^, a expedição das livran-' ças aos assentistas para os fomecjmeutos, a verificação ef- iâctiva dos homens da sua esquadra, e a vigilância activa sobre os commodos e bom tratamento dos soldados ^ A artilheria desde os fins do século xvi tinha-se aper- feiçoado bastante, especialmente do})ais que Gustavo Adolfo soubera attrahir a victoria, operando na arte da guerra uina verdadeira revolução* As novas regras de aecesso, dictadas por elle, e fundadas no principio da enmlação, a organisação de columnas de inian teria com- postas de dois regimentos do duas mil piaras com mil e cem mosquetes e novecentos piques, e a subdivisão d'estes corpos em companhias de noventa e seis até du- zentos e vinte oito homens realisaram nas condias das tropas de pé uma profunda alterarão. Na artilheria fo- ram ainda mais importantes as reformas. O rei da Suécia mandou construir canhões e carretas, quepodessem trans- portar-se com facilidade de um para outro ponto, e acabou c»m as peças aDemSs, que o próprio peso ímmobilisavanas posições, aonde uma vez se assestavam. As inauvações de 1 Regimento do qvr (frve observar o que senur na cavallaria. ctc. Manuscripto meu, íl 143, 146, i36 e i41. Este regimento é pre- cedido do parecer e respostas de Joanne Mendes de Vasconcellos á(!erca das Ordenanças Militares, que de novo se intentava intio* dozir. 96 nsToniA m portdgal Hiiku GustavOy melhorando as que Maurício de Nassau já in- 1^ troduura, abriram nova epocha, e serviram de luz aos generaes do século de Luiz XIV. Banuiei* e Weimar coii^ tiiiuaraiii na ^xmrix dos trinta aniius a escola do rei da Suécia, e Tureune» Coudé e Montecuculí sobresairam^ ampliando-lbe os príncipios K No período, que descre- vemos, ainda se dividiam muito as opiniões ácerca de pontos esseiiciaos. Atra\essava-sc a li .iiisição diííicil de conciliar os progiessos realisados com a theoria e a pratica dos mais insignes capitães da antiguidade. Luiz Mendes de Vasconceltos acompanha, por isso, cada pre- ceito da sua Arte Militar de extensas citações da his- toria guorreira da Grécia e de Roma, e depois d'elle . um auctor distincto não duvidou propor a formatura em columnas como a ordem fundamental e quasi eii- clusiva. Por pouco se nlo viu toda a infantería crespa de piques renovando a phatange' macedonica. A cavallaría continu(ju ainda por muito tempo, a ligeira a combater parte em debandada, parte em massa, e a outra a ma- nobrar com incerteza sem distinguir se a sua força devia consistir no peso, ou na rapidez dos movimentos K A artilheria dividia-se em peças de campanha e em peças de bater. Os calibres das primeiras não passavam de 1 a i± O emprego de tiros de cavallos em vez de jun- tas de bois, junto á superioridade adquirida por uma fun- dição mais perfeita, permittía aos canhões certa celeridade de movimentos mui distante, comtudo, da que posterior- iiiente alcançai am. Nas baterias de cerco os calibres va- ^ Schiller, Historia da Guerra dos Trinta amm, liv. n. — IVa- tado de Taaiea por Luiz de Oiiveira da Gosta. Uàm, i787, pag> 111 a 118. 2 n)idem, ibidem. Digitized by Google DOS S£CULOS XVU £ XVXU 27 riavam de 20 e 30 até 50 e 60, sem contar outros me- Miuete iioros. Cada canhão de 50 era servido por uin bombar- Jj^ deiro, dois ajudantes, e vinte gastadores. As colubrinas de 60 disparavam por dia quarenta tiros» as refoTçadas entre vinte e cinco e sessenta, os canhões entre sessenta e oitenta, e os sacras, ou falcões dc 6 cento e vinte. Quan- do a artilheria se movia marcliavam os gastadores adiante para concertarem as pontes e as estradas. Os trens muito complicados eram pesadíssimos. Os carros de munições seguiam atrás de cada secção de tres peças. Mas as con* ducções corriam sempre lentas o embaraçadas. As baga- gens, e com ellas os moços» creados» almocreves, reco- veiros» e mercadores vinham na retaguarda» assim como es auditores, os municíonaríos, os feridos e os doentes» os médicos e os cirurgiões, protegidos por uma guarda de «arcabuzeiros» e uma força de «cavallos ligeiros». As escoitas das bagagens e da artilheria eram muitas ve- zes também compostas de mosqueteiros» mas os mosque- tes pesavam tanto, que os soldados em marcha não podiam supporta-los. O general da artilheria tinha a seu cargo todo o serviço da arma, e expedia» e fiscalisava todas as ordens que lhe eram relativas . A administração militar ainda nSo saíra dos rudimentos. Os vivandeiros eram, e por bastantes annos foram ainda» os fornecedores quasi exclusivos das tropas. Para occorrer aos abusos os tenentes do mestre de campo presidiam á policia dos mercados» taxando os preços» e nomeando os * soldados incumbidos da visita e inspecção dos vivandei^» ros do terço» ou da companhia de pé, ou do troço» ou es- 1 Luiz Mendes de Vaseoneenos» ArU MUitar, fl. SM v. a SS7» e HtlS T. a tíSk^BegimBHto do que deve (jòservar todo o mU^, He, liamneripto meu, pag. 141 e 151 Digitized by Google 28 HISTOiUA DL PUhlUGAL wua quadrSo de cavaUos. Estes soldados, conhecidos pela de- ^ signação de «capitães borracheis >^ , acciiiim lavam com esse encargo as fuiicções desagratlaveis de bater as estradas a fim de prenderem os desertores, ou os que sc ausenta- vam do quartel sem licença, de iígarem os soldados apo- leados, de atarem as mios e vendarem os olhos aos arca- buzados, e de expulsarem do campo as mulheres de má vida. Crearam-sc depois os logares de provedores geraes de viveres, coadjuvados por commissarios menores» e commetteu-se-lhes o fornecimento dos arraiaes, a dlreo- 03o das conductas e comhoios, e a organisação dos depó- sitos na proximidade das linhas de operações. Nuvens de íomeiros, de magarefes, de moleiros, e de regatões forma- vam o cortejo doestes predecessores dos modernos com- missariados^ Na táctica das ordens de batalha mais recommendadas pouco, ou nada se tinha inno\tUÍn. Os aucloi e.^ apontam diversas combinações, mas na realidade todas se redu- ziam quasí exclusivamente a duas: ordem de grande frente, ou parallela, quando o terreno se rasgava largo & espaçoso, e ordem de grande fundo, ou perpendicular, quando por sua estreiteza, oii por muito accidentado, elle não consentia o desenvolvimento das linhas, oucolumnas. As denominações então usadas de batalha de tquadra de gente», e de «quadra de terreno», de «grande frentei» ou de «graiide fundo», dobrada, ou redobrada, pouco dif- feriam no essencial das duas formas modernas, em que para maior clareza as classificámos. Os generaes portu- gaezes da primeira metade do século xvii mostravam-se muito inclmados â ordem parallela, allegando que os exér- citos, seguindo-a, só podiam ser vigorosamente aggredi- 1 Arte mUUar, fL n6 t. e e fL SI8 y. a m kjui^L-u Google DOS SBGULOS XVU E XVm . 39 dos por um dos flancos, porque o inimigo, se dividisse as míuoí* forças para investir por duas partes» necessariamente se bavia de enfraquecer em ambas. De feito, n'esta oMem, formando os piques o centro, cobertos por grandes alas áf" arcabuzeiros, e apoiados [)or coriH S «lo cuvaliaria pesa- da e ligeira nos ângulos, e ijur coiupaotuas de arcabuzei- ros montados, as columnas inimigas, varridas por fogos cmzados, á menor hesitação, ou fraqueza seriam logo ar- rojadas nas pontas dos ferros dos cavallos ligeiros. O maior incouveiuenLe d'esta ordem consistia no seu pouco fundo. Diante de adversários mal armados, ou contra cavaiiaria pouco solida, como a asiática, ou a africana das nossas conquistas, n^o era de receiar, que um ataque bem dirigido a rompesse, mas não succederia o mesmo, sendo acommettida por cabos e soldados aguerridos, e não basta- riam as grossas miangas de arcabuzeiros e os corpos de cavaiiaria para a proteger. A ordem perpendicular em- pregãva-se para cortar e destruir as linhas contrarias. Flanqueando as columnas de piques com íllas também profundas de arcabuzeiros, sustentadas por esquadrões aomerosos, o seu ataque devia ser decisivo, quando as tropas unissem á firmeza o arrojo necessário K Em marclia, ou em combate repartiam-se os exércitos em tres divisões, vanguarda, centro e retaguarda. A ca- vaiiaria em uns casos compunha um só corpo, e em ou- tros era distribuída, segundo as drcumstancias aconse- lhavam. Acontecia o mesmo com a artilheria. Mas a des- peito dos seus aperfeiçoamentos a conducção das peças, e mais que tudo a dos parques de sitio, constituía uma ope- ração diíTicii 6 trabalhosa. Para puxar um ^basilisco» de 3:290 kiiogrammas de peso mettíam-se dez tiros de caval- 1 Arte militar, fl. iol a iõS e fl. 217. 30 . HISTOniA D£ PORTUGAL los, e um trem completo de canhões pesados não exigia menos de mil e oitocentos K Os soldados, quando a urgen* eia do tempo o permittia, confessavam-se, e communga- vam â missa da alva no dia aprasado para o combate. De< pois as reservas distanciavam-se, as posições giiarneciam- se, e os geiíeraes destacavam as forças destinadas a in- quietar os flancos e a retaguarda do inimigo. Apenas este se avistava saíam logo as tropas em passo cheio a encontra-lo, e um grande silencio reinava nas fileiras. De súbito trombetas, tambores, e clarins, resoando de todos os lados, davam o sigaai de acommelter. As colum» nas e ós quadrados abalavam-se. O tiroteio estrepitava nas partidas soltas dos arcabuzeiros montados. Estendia-se após, pela frente dos arcabuzeiros de pé, uma longa fila de fogo tortuosa, seguida do trovão das descargas, e grossas nuvens de fumo enrolâvam-se, sulcadas de relâm- pagos incessantes. Logo depois um estrondo soturno» ro- lando como rebombo de explosão subterrânea, crescia» avivava- se, e estalava com fragor. O chão tremia. Era a carga dns pesados esquadrões cmU n os piques, ou da cavallaria contra a cavaliaria. A luta generalisava-se, luta de gigantes* rosto a rosto, peito a peito» em que o terço arcava contra o terço, e a companhia com a companhia até um dos contendores cair prostrado ^. 0 modo por que os postos eram conferidos não con- cordava, em geral, com nenhuma base detlnida e perman nente. Em regra, o rei provia as companhias de ofilciaes» ouvindo o conselho de guerra sobre proposta dos mes- tres de campo, mas em caniiianlia os commissarios, os tenentes generaes de cavaliaria, e os generaes nomeavam 1 Arte Milita)', fl. 2o7 a 2C0. * Ibitiein. Digitized by Google H» SÉCULOS XVn E \Wl at os officiaes para os postos vagos, e os preceitos regula- dores da promoção eram assás latos para coneederem grande extensão ao arbítrio. Os commissaríos geraes de cavallaria podiam escolher para o seu troço oíTiciaes de confiança, preenchendo os loirares de furriéis móres, de capitães» de cirurgião e de capellão. Consideravam-se provisórias estas nomeações, emquanto o mestre de cam- po general, oa o rei as não conOrmava, ou não dependiam pela maior parte da sua approvação? Ineliiiàmo-nos á pri- jueira liypoliiese. Os ajudantes não podiam ser tirados senão da classe dos tenentes» e os furriéis móres das dos alferes, e sempre com a clausula do respeito da antigui- dade, ou do merito'*e da experiência. Os capitães em suas companhias designav.iia os cabos, o furriel, o alferes, e o tenente, e o regimento militar prohibia-Uies colloca- rem n'estes postos creados seus» ou pessoas incapazes, cedendo a empenhos de fidalgos e de freiras, e restrín- gia-lhes as escolhas, ordenando (pie os iilferes fossem tirados do numero dos furriéis mais nntigos e com me- lhor nota, e os furriéis do numero dos cabos em condi* ç5es iguaes K Os alferes de cavallaria subiam a tenentes por antigui- dade e por distincção. Os commissai ios geraes eram pro- movidos d'entre os capitães mais práticos, qm houvessem commandado corpos, ou figurado em acção honrosa. I^a inbnteria observavam-se os mesmos principies, pouca mais, ou menos. D. João da Costa, depois conde de Sou- re, em 1641 passou de capitão a mestre de campo pelo* seu valor. André de Albuquerque elevou-se também de capitão ao mesmo posto por actos de intrepidez. Para o 1 Regimento de CavaUm-ia, manuscripto, pag. 122, 129, 132, i34>, m e 141. HISTOBIA DS PORTUGAL Jfilieia commaiido das diiferentes armas não se requeria espe- ^ ^ cialidade de habilitações. André de Albuquerque» mestre de campo de íofaoteria, foi nomeado general da artilhe- ria, e occupou depois o cargo de general da cavallaria. Em menos de dois annos 1). João da Costa de capitão as- cendéra ao generaiato, e em menos de quatro André de Albuquerque alcançára uma posição análoga. Eram am- bos dignos d'esta recompensa, mas é inquestionável que o systema abria ampla carreira ao merecimento ^ ^ Os fardamentos uniformes não estavam introduzidos, e os corpos ainda não se separavam pela diversidade das co- res e das divisas. Se as armas offensii^s e defensivas eram similhantes, os trajos dos soldados não o eram, e a vista buscai ia em vão iriim terro, ou em uma compauliia, a regularidade, que tanto aformoseia os regimentos boje. As casacas militares, as botas, as calças, os calções, e os chapéus não reproduziam nenhum padrão commum. Se este, ou aquelle fidalgo, á maneira do duque de Bragança, D. Jaime, queria levar o primor ao ponto de vestir de cores iguaes os homens, que recrutava, a milicia no seu todo offerecia a maior variedade, sobresaíndo em uns os apuros e as galas, emquanto outros aíHigíam os olhos com o triste espectáculo de sua mais que iiobie appa- rencia. Os aventureiros, ou, como diriamos agora, os vo- luntários, servindo por amor da gloria e por patriotismo puro, esmeravam-se de ordinário em ostentarem mais do que podiam. Os homens arrastados ás fileiras pela vio- lência, ou alistados por cul)iça, consumidas «as paí?as» em disperdicíos, dir-se-ía, que timbravam em exagerar a miséria, alardeando quasi andrajos mais próprios de men* digos, do que uniformes de soldados^ 1 Portugal Restaurado, part. i, liv. vr, pag. 364, 370 e 420. 2 O duque D. Jaime levou á conquiâU de Azamor 4:000 vassal- Digitized by Google BOS SÉCULOS XTn E XTHI 33 No século xvn o recrutamento significava um dos maio- wm, res ílagellos, com que os governos podiam atormentar as |^ populações, e mais que tudo as ruraes. Faziam-?e duas espécies de levas. Na primeira entravam os mancebos e os homens em estado de servir, que o desejo de mudar de vida, ou o bom nome do capitão attrahiam. Na se- gunda fiiriiravam os presos c violentados, os campone- zes, e os moradores obscuros, que os ageutes subalternos colhiam por força, ou por artifício em suas redes» e ar- rastavam depois acorrentados, como escravos, ou crimi- nosos, ás praças de armas, aonde os corpos se organisa- vam. Muitas vezes as famdias inconsoláveis seguiam as viaimas» cortando o coração mais duro com suas lasti- mas e prantos. Outras vezes a dor e o resentimento ar- mavam braços destemidos, e as assuadas e os apupos re- bentavam contra os auctores dos maiores abusos. Nos últimos annos do domínio castelhano houve exemplos frequentes de ambos os factos. D. João IV, modificando as instituições militares, se n^o atalhou de todo, conse- guiu sna^dsar em grande parte estas desigualdades e in- justiças*. A disciplina, vinculo hoje tão apertado e essencial da organisação dos corpos, na segunda metade do século XVI e na primeira do século xvn era infringida e desaca- tada a cada momento por attentados collectivos e indivl- duaes. As compauliias, compostas quasi inteiramente de mercenários convidados pela avidez do premio, e presos Jq8 seiífl ibrdados á costa d'elto (Mxm gibOes e gonas de paim^ enms vennelhas no peito e eoalíM,^C^romca de El-RH D,Mam^, por DamISo de Goe% parL m, cap. xlvi e ZLvn . 1 D. Fiandsco Ibimel de MéDo, Epanaphara vr, pag. 451— Curto regia dei^de setembro de 1631 e Livro da correspondência desembargo dopaço^ fl. 9S. tom Y 3 34 msTORiA de; portugal «uicia aos estantiartos por laços mais do qut* frouxos, vinga- ^ vam-se nas populações ineraoes» saqueando-as, das ph- vaçSes causadas pelo atrazo dos soldos» negavwu-se t marchar e a combater, e, seguras da impunidade, tSo hesitavaiii alé em voltâr as annas contra os officiaes. Os chefes, temendo a ociosidade, procuravam traze-las sem- pre occupadas» renotando por turnos as marchas, as ma* nobras, e os exercícios* Mas o perigo níSo estava só nos soldados. Os officiaes, sujeitos a grandes tentações, por- que os pagamentos e as despezas corriam por sua^ mãos, provocavam a desobediência e o odio, retido com pre- textos fúteis parte do dinheiro das praças, e enganando o rei com listas íictteias, qae simulavam um effeetivo de forças que só cvislia nas folhas, c que debalde se busca* ria fúra d elias. £m 1624, segundo affirma um escriptor, testemimha insuspeita dos fáctos, viviam os militares, como turcos, ferindo, acutilando, e matando por peitas, ou para rovlMir. Alardeavam mancebias publicas, e quasi se vangloria- vam de serem tidos por devassos e traidores. Aquart&* lados em Lisboa sem mais serviço, do que as grârdas, sem real pelo atrazo flos soldos e soeeorros, pediam es- mola setn pejo pelas ruas e portarias 4os conventos. O govei no da sua [larte aggravava o escândalo, vendendo as ginetas de capitão e as alabardas de sargeuto aos cpie mais davam por «Hás, e âesprezaiMlo os Aâlos e as de»^ trizes dos que as Haham merecMo. NSb admínhra pior isso ver as fileiras cheias de officiaes sem capacidade e sem brios. Os SdIda(!os pervertidos salteavam os próprios bemfeítores, e, ^^ustados com os ladrões do pn)ííS6lo« aconmettíam as 4maA^o mio 4or 4iau Jiigos» Matphe- ms, e^«rfwd(tteiiiliètmliMis«M^t»fM pelos pesbuuos costumes, se por desgraça dos hâbitautes Digitized by Google DOS «EOTtos xvn E xm ' 35 alguns se aboletavam em soas moradas, recompensavas)- Hns a lienevoleiíeia, deshoiiranâO'^h6s as filhas, as irmls, m as mrtlieres, e s^Mmtaiido^ftes depois as adagas aos peitos coiu ameaças de morte coegiíim-os a calarem-se^ Homens soltos assim de todos os laços moraes e de taéos os re^iellos, pouco, ou nada podiam prestar como soHados. Apesar ã*islo nem esta mesma escoria militar qua^ qae existia já em 1639. As nr^ncias politicas ha- viam obrigado o condo duque a embarcar para o Braxil, Ott a e&corporar nos terços da coroa as uitimas compa- líhias. 0» arsenaes, qae do reinado de D. Sebastião ainda mmawM fraude copia de armamento, aohavam-se teirameETte Tasios. Mais de sete mil peças de artilheria tiaham sido transportadas para llespanlia, e só os depó- sitos de âoYilba arrecadavam mais de iioveoentas bòcas de fogo com as armas portuguezas lavradas. A guarnição castelhana do castcSlo de lisboa subia em 1638 a mit e oitocentas praças, mas Olivares em 1640 mandára sair mil e trezentas para a Catalunlia. Os amiazons da torre de*8.'J8Íiã0 lia barra guardavam seis mil piques e mos- fMtos'B'imiitosb«rns'de p€ih^ora.'<0 gabinete de<Madrid, wMomfim IMf^^'iimainvas9o'!hKBceza,9Dandára|»re* ce^er ae ■trrol;nnento das espingardas, cpie houvesse no pâTz, flistribmr pelas camarás municipaes arcabuzes e aiosqiieieSy^e-remiir^ adestrar a -gente de cavafllo. Re-^ mémmt eâla*qpprelienSio em >I6S7« Asniilioias kNsaes^^peeflmamitirAein ^ repelirem os exepeieios maíícíeSj ^e o-govBmo cuidou- ocwi algema vigilância em prover de armas os togares mais expostos. mama ^^emiSk^ se 'adeplaran' providencias para Ltiir-Mendes dè^ascoiicellos, Arte Militar, í1. 207 v.— Mai"tim AfEoQso de Miranda, Tmpo de Agora, part. ii, diaiog. i. 3. 36 HISTORIA D£ PORTUGAL Milícia acudir á defeza das costas do Alí?an'e e do outros pontos, ^ reorganisando as companluas de ai'cabuzeiros montados, ereadas em Í6I8| e facilitando a venda das munições de gaerra. Mas o ministro, menos assustado em 1638 com aprobaljilidade de um insulto das forças estranízeiras, re- dobrou as diligencias para sangrar a população do reino já exliausta com os successivos recrutamentos. Se nos derradeiros dias de D. Sebastião os maiores esforços e violências só tinham alcançado ajmitar doze mil homens para a ultima jornada de Africa, não é para espantar, que em 1639, depois de tantas causas de enfraquecimento, o paiz ainda sentisse mais a saída de poucos milhares de ha- bitantes, do que lhe custava antes a emígraçlo constante para a índia e para a Africa. O reino em 1578 estava já tSo despovoado, que Luiz de Camões exclamava: Deixas crear ás portas o inimigo Por ires l)uscar outro tão longo Com que se despovoe o reino antigo... A princeza Margarida, instada pelos avisos da côrte, que imaginava fazer das pedras soldados» ordenára em 1639 a resenha da gente apta para pegar em armas» e só encontroa duz^tos mil homais de vmte a sessenta an- nos de idade em condições de serviço mais, ou menos activo! Haviam sido tão fortes as levas dos últimos tem- pos» que depois da acclamaçSo de D. João lY subiu a quatro mil só o numero dos soldados, que se recolheram de Flandres e da Catalunha, desertando das íileiraá cas- telhanas Os soldos dos oflOiciaes e os prets dos soldados toraa- ^ Menioria da disposição das armas castelhanas, por Manuel Ho- mem, cap. XXXIX. u kjui^L-u Google DOS SÉCULOS XVII C XYIII 37 vam a guerra onerosa n^aquella epoclia até para os esta- dos ricos. Se ei-rei D. Manuel em lol i offerecia800 leaes ao melhor soldado dos presídios de Africa» Filippo iV ém 1624 maDdaya abonar 1 :600 reaes mensaes a cada um dos da guarnição de Lisboa, e em iiVòS pagava 1:800 a rasão de 60 réis por dia. Era costume, quando se alistava gente para uma companhia, adiantar a cada bomem seis, e oito prets completos» chamados cpagas», equivalentes a 10:800 e a 14:400 reaes. O governo hespanhol prefe- ria, por isso, recrutar os terços nos Açores, cujos Iiabi- tantes se contentavam cuni metade dos adiantamentos, e com 30 reaes diários em vez de 60. Cm 1621 os soldos do cterço da armada», de que D. Francisco de Almeida era mestre de campo, foram: para o mestre de campo, 4U;000 reaes mensaes, para cada um dus capitães iá:00O, para cada um dos aííercs 6:000, para os sargentos 3:200, para cada soldado i :%00, e para ada tambor 2:000. 0 ar- mamento custava muito caro. Um homem de armas das companhias de ccouraças», armado e prompto, importava iiu 40:000 reaes, não incluindo prets e pagas. No exer- cito liespaniioi os capitães de cavallaria recebiinii [ior mez 44:000 reaes, os tenentes 20:000, os alferes 10:000, e os soldados 4:000. Aos mestres de campo pagavam-se men- salmente 53:000 reaes, aos sargentos mores 26:000 e aos ajudantes do terço 10:000. O mestre de campo general arrecadava por anno 4.800:000 reaes, e os generaes de cavallaria e de artilheria 2.400:000. £m 1644 D. João IV mandou pagar 50 reaes diários a cada homem da orde- nança, que se apresentasse para servir no exercito, e con- cedeu aos generaes, capitães, e alcaides mores o quinto das presas feitas aos castelhanos, quinto que por antigo direito pertencia á corôa. O soldo dos capitães de cavai- Urbi flxou-se em lOKXW reaes por mez» Ao govemadcNr 98 HISTOKIA DE POiilLGÀL DOS SÉCULOS XMl £ XVIII das armas do Âlemtejo estabeleceram-se 200:000 reaas mensaes, ao mestre de caniijo general 160:000, e aos te- nentes generaes da cavallaria e artilhena 80:000. Exce^ {guando os oâidaes subalternos, estes soldos eqpiivaliam a metade do que Tenciam os officiaes gmieraes castelhar nos*. Eis o estado, em que o novo monaicha acliava a milicia, e não é para admirar, que D. João lY e o cousâr lho de guerra, tendo o inimigo ás portas, e «piaii nada apercebido para o rebater, cedessem mais de uma vez em segredo a dolorosas apprehensões. Lev^antaram, poréin, os ânimos acima das difliciildades, e os maiores obstácu- los recuaram. Portugal não esmoreceu, e a sua confian^ em Deus e na justiça da cansa, que defendia, salvoiM. A Victoria segue muitas vezes os temerários. 1 Tempo dv Aijora, part. ir, dialog. i. — Carta Bãgta de %7 de marro de i638, Curiosidades de Gonçalo de Souta, maauscripto da bihliotbeca real da Ajuda, pag. ÍSO e seguintes íVor?sí7o de 25 dp aqosto e Decreto de 7 de mtembro de 1641. — Carta RegfaéBÈlè dê jamêin^ d» iUl e Mtará de tô d^ mtenàm ée á64S. Digitized by Google CAPITULO U MáSINHA D£ 6DEBBA Itogressos TTiririnha portugncza até AITonso V. Passagom do cabo ila Roa Esperan» ça. — Grandezas navacs dos reinados de D. Manuel e D. JoSo 111. Esquadras dl guarda coála. Cúov<»ção de 1553. — Perdas sea^iveU. Goveruo de D. Sebastião.— QAo ãb Portugal. fWppe U. EsparaaçM ilhididiit. A invmdvél amiAda. D«di*, Btção rápida nos reinados de Filippe III e Filippe IV. Bbstflidadcs dos holland»> les e iflglezes. Superioridade marilima das duas naçScs. Rasão d'tílla. — S4»rviço da nobrczn nns nrn.ndas. tx)nimando*5. Systenia errado da côrtc de Madiid na dl- ncçio das iorça$ uavai)ã de Portugal. Otltsusa^ aos brios nacionaes. — Expeàiçio fcBiMi IiMifagk>d>Maad»6ia4Mg>Dflm>todocoiid»d»Tor^ AlMlnieBlo eoniArto da tmm^V e do commercio. Cauni priidpaeB. Mau estado dM coa- strncçCes navaes. Ppjamcnto dos navios. Armampnto naval. Naus, cirracas, ga- Ip!5p5, f Inales. Opinii^es de Thoraé (^no. — Soldos c pagas. Decadência viaivol d> inarintia u !>uâ uderiondade. Deíexa das praças do litoral. Aconfigiuraçâo geograpbica, a índole dos habitantes» e ag comHç^s da luta contra o$ sarracenos tendiam a at* trahii os portuguezes para a vasta extensão do oceano, qiie lhi3 banha as pi aias. Ameaçados pelas galés dos ara- bds coegiiH)s a necessidade a pelejarem no mar em de^ ftta das costas e dos portos. Os seus galeotes e mari- nheiros eram tirados das vintenas, em que se dividiam as populações maritimas. Esta uiganisação, aperfeiçoada no governo de D. João I, datava provavelmente do mesmo seculOt viu a desmentbmçâo do novo reino da corQa 40 HISTORIA PE PORTUGAL uariaba leoneza. Os progressos navaes mais notáveis íuraiii pro- movidos por D. Diniz, ao qual largos arnios de paz propor- cionaram occasião propicia para assignalar as qualidades praticas do sea espirito. O rei, creando o caiigo de almi* rante, e chamando para o exercer o genovcz Manuel Pe- çanlia, propoz-se elevar ao maior praii de perfeição, com- pativel com a epocha, a armada porlugueza, tanlo em re- ferencia ao numero e força dos vasos, como em relação á manobra e disciplina das tripulações. A i)lantaçSo do pinhal de Leiria, se foi d elle, nasceu do mesmo pensa- mento. Sem arvoredos seria quasi impossivel então e de- pois a construcção em larga escala de naus e navios *. Os descobrimentos do infante D. Henrique e os esfor- ços menos activos do reinado de Alfonso Y, acharam em D. Joàu II liia digno eoiiliiiuadoi , tanto na aptidão, como na vontade enei ^^ica de colher os resultados, que a em- preza proinettia; mas a fortuna, severa com elle, esco- lheu D. Manuel para lhe entregar o premio dos trabalhos de três geraçQes. Antes dos coromettímentos, que imr mortalisararn a primeira metade do século xvi, a ousa- dia dos nossos navegadores já era elogiada. No tempo de Affonso IV e de D. Fernando, o nosso poder naval lutava sem inferioridade com o de Castetia, emquanto um im- menso revez o nSo veiu attenuar. Mas o verdadeiro pe- ríodo de florescência da marinha de í?uerra de Portugal na meia idade começou nos dias de D. João 1. A esquadra, com que saiu de Lisboa para a conquista de Ceuta, ex- cedeu o que todos os outros reis haviam tentado antes. Affonso Y, seu neto, reunindo para a facção de Alcácer * 1 D. PiincÍMO de & Laii^ 06r»t cmflêtmê, tom. l Ihtíeia JO- hn os progretM da Marinha Pwrtugf/na até prineipitm do ãecMh tYi, pag. 453 e 451.— MarÍE, dialog. nt, cap. i. Digitized by Google DOS SÉCULOS XVll E XVIU 41 duzentas vélas, e para a de Arzilla trezentas vinte e oito, Mariola mostrou que a coròa dispunha de pessoal e de arseuaes copiosamente providos'. Depois que Vasco da Gama montou o €abo da Boa Es- perança, as prosperidades corri l aiu Ião rápidas, que passa- ram ainda alem do que afiançavam as illusões mais auda- zes. D. Manuel não se poupou a diligencias para corres- ponder ao que o presente annunciava« e o porvir mal encobria. Conhecendo que a grandeza actual e futura de- pendiam do augmentu <las forças navaes applicou toda a attençao a proporciona-las aos largos commettimeutos» que traçava. A experiência das navegações anteriores en- sínâra os constructores a melhorarem o casco e a arma- ção dos navios de guerra e dos vasos mercantes. As feitorias creail-is em Santarém, Coimbra, e Moncorvo, aperfeiçoaiidú a labncação, produziram amarras de qua- lidade superior ás dos outros paizes. Os arsenaes e as officínas particulares todos os annos apuravam grande copia de armas In ancas e de fogo, espadas, lanças, mos- quetes, e arcabuzes. A fabi ica real de Barcarena, susten- tada por conta da fazenda real» e dirigida por mestres biscainhos» trabalhava com engenhos movidos por forças hydraulicas. As naus construiam-se nos dois arsenaes de Lisboa e nos estaleiros do i^oilo e de S. Martinho, e as madeiras cor tavam-se no pinhal de Leiria e nas matas da coroa. Nas duas capitães (Lisboa e Porto), em Aveiro, e em Vianna todos os mezes se lançavam ao mar muitos navios de commercio. Toda a artílheria de bronze, quasi a única usada então, saía das fundições do rei e dos partícula- * Duarte Nunes de LeSo, Chrm\ka$ dos Reis D. Feimanda, D. AffonsolV, eD. Affomq V. — Severim de Faria, iSoticiag de Por- tugal, parL i, disc. ii, | 15.» Digitized by Google 41 HISTORIA DE PORTDGÁL Unte res* Eram tio aboDdantes os provimentos de mar e de terra, que cm 1508, passando o rei a Tavira para soccor- rer o castello de Ai^illa, cercado pelo rei de Fez, juntou em cmco dias um exercito de viate mi l^meiis e ê^mk- barcacQes precisas para o seu transporte ^ Alem das facções repentinas, e das frotas envttdas i índia, I). Manuel sempre couservou três esquadras acti- vas contra os corsários e piratas» a do estreito, composta de fiistas e caravelas para cruzar nas aguas de Baiiíeria e do Algarve» a das costas do norte do reino, formada de navios maiores, e a dos Açores, que a necessidade o obri- gou depois a reforçar. Os amplos privilégios concedidos aos pilotos» carpinteiros de macliado e calafates» aljonam o zôk) com que protegia os oílicios que podiam coadjur vzt o desenvolvimento naval. A fúndação em Í5IB de uma cadeira dc astronomia na universidade de Couubra, regida pelo medico Filippe, prova igualmente que a sua iniciativa era illustrada» e aspirava a introduzir todos os progressos» Applicadas com acerto providencias tio iMm couecbídas» nlo admira que o poder marítimo de Portu- gal triplicasse em poucos annos, o que só para a Índia, sepmdo o calculo de um escriptor nosso, partissem no seu reinado ââO velas» das quaes se perderam.9 á ida e U na vtdta.. As naus da carreira oriental raras vexes excediam qua- trocentas toneladas, mas no ultimo periodo do seu go- verno já principiavam a íabricar-se galeões de mil. A ca- pituea da frota» que em acompanhou a inianla 1 Severiiii de Faria, Notícm d» hnivgd, díac i, { 14.«» eu» | IL— Ckwlo» Memmoã miUtarei, tom. f, pag. lB7.---]|aiiUMripto dlado por Qpiatella^ JMwi^a JMirMa Forf^^iMur» pag. fM, no- ta.— Goea, Chrtmiea de &»Bn D. Jfomtcl» parL d, eap. ihk. Digitized by Google DOS âKCDLOS XVn £ Will 43 D. Beatriz a Saboya, o galeio Sãnta Catharma, era does- ta lotcirão. Suppõe um indagador raiDUCioso em investi- gações históricas, que nos vinte e seis annos do reinado de D. Manael passaram de 97i os mym de guerra por- togueaes^ que sokaram os mares da Europa, da Africa» da Asia e da America. Só para a conquista de AzamiN*, em se armaram em (juati u uiezes mais de 400, en- trando os transportes. A frota com que o conde de Ta- rouca em ilSOl foi mandado em soccorro dos veneziaiiqs contava 30, e a infeliz e:q>eâiç9o de Mamora, em 1510» fliris de 200, dos quaes cem deram á costa com perda de quatro mil homens *. M governo de D. João III subiram as forças navaes ao maior grau de desenvolvimento. O commercio marítimo com a AÍHca e a Asía floresceu mais activo, e o da Ame- rica principiou a en<,Tossar depois ila povoação do Brazil. Computa\a-se, tenno médio, em um njilhrid de cruzados o valor dos carregamentos de cada uma das naus da In^ dia á volta do oriente, e Joio Hogo Linschot afiOrma, que aigomas se recollnam ainda mais ricas. A noticia dos grandes thesouros transportados todos os annos a Lisbua ac^endeu a cubiça das nações estranhas, e aventureiros ou- rados começarson a infestar os mares e as possessões mm foceis de acommetter. Os conflictos e as negociap 4tea entre a nossa cMe e as de Londrese Paris repeti- ram-se, mas quasi sem resultado. A sede do lucro podia Duys, do que o receio da repressão, e a audácia dos picar ^ Scverím de Faría,.JVolteúu de Portugal, àkc u, % IS.** Stockr ler, Ensaio sobre a origem âat matíiemaika$ em Portugal^ pag. tte V^-^VmAfAnaportugnezaJoin. m, m /!ne.— Jornal O Pa- norama, Yol. IV, anno 1840, n.« 175, pag. 2S8.-*-Goe8» Chrcmca ée EUMei B<, Mnmd, pirt ni, oip. xxnvi e xxxzvn.— Goes, 44 HISTORIA DE PORTUGAL Varinha tas 6 corsarios cresceu de modo, que Kl-Rei e o impera- dor Carlos \ ajustaram em 1552 para defeza da Ilespa- nha, de Portugal, e dos Açores uma convenção pela qual D. João III se obrigou a armar vinte navios latinos (fiis- tas e caravelas), de 25 a 30 toneladas, para gaarda da nossa costa. Tres dev!;iiu ci uzar na alUira de Cascaes, quatro na da Atouguia (porto ainda não entulhado), qua- tro na de Caminha^ quatro na de Lagos, dois na de Villa Nova de Portimão, e tres na de Gezimbra, ou Sines» por • serem os logares que os inimigos insultavam com mais frequência, e que os vasos portuguezes c hespanhoes for- çadamente demandavam. Obrigou-se também El-Rei a mandar quatro naus, ou galeões a correrem a costa do reino mais ao* mar, devendo os vinte navios latinos re- unir-se em frotas, quando cumprisse. Alem d*estas duas esquadras prometteu o governo de Lisboa formar mais outra de quatix» vasos de remo e de tres caravelas para reforçar os navios latinos no seu cruzeiro se fosse neces- sário. Todas estas embarcações haviam de conservar-se no mar de verão e de inverno, não entrando nos portos senão em casos urgentes. A armada de guarda co>ta dos Açores devia sair do Tejo todos os annos a 10 de abril com tres naus e sete caravelas. Os navios, que seguis- sem a derrota de Gabo Verde, iGuinè, da Malagueta, da Mina, de S. Thomé, e do Brazil, só podiam partir ereco- Iher-se nas tres monções, de janeiro, de março, e de se- tembro Esta distribuição das forças navaes, alem de mui dis^ pendiosa, peccava pelo defeito de querer guardar os pon- tos de uma iiniia demasiado extensa, e pela certeza de i Fflineisco de Andnda, Chrtmiea âe El^Rei D. João Hl, pari iv.^Severim de Paria, NoUcku dê Boriugal, díse. ii, | DOS SÉCULOS XVII £ XVIII 45 íicar muito fraca em todos elles. Carlos Y lomuu soI)re si Maruii iiccupar o estreito segundo o pedissem as noticias dos Iraocezes e dos turcos» e euviar annualmente no mez d6 abril dez navios bem armados aos Açores, ter todo o an^ no mna esquadra nas aguas do cabo de S. Vicente, ponto ^ aonde tocavam os vasos das Aritillias o do Perú, e sus- tentar na costa de Galliza quatro, ou cinco naus de guerra para segurança e protecção dos portos ^ O tratado de 1652 mostra o poder marítimo da corôa portogiieza, po- der superior ao da Hespanha, e que excitava o ciúme dâs potencias, depois elevadas sobre as nossas ruínas. Calcula-se que desde 15^2 até 1557 (reinado de D. João III), sairam de Lisboa para o oriente duzentas e vinte e oi* 'te naus e vinte* caravelas. Todas as naus levavam a bor- do, alem dos petrechos usuaes, soldados de terra e mu- nições, e não descia cada uma de 50 contos de valia, Cttstando-nos portanto o domínio da índia só n'esta l arta DOS trinta e cinco annos de governo de £1-Rei D. João 11:400 contos réis, somma enorme para a epocha. As perdas eni naufrágios e tormentas eram jii j-s;ís pesadas. A ida desappareceram espedaçadas, ou soçobradas vinte e oito naus e tres caravelas» e á volta dezenove, incluindo onze» tragadas pelo mar com suas guarnições K No reinado seguinte a decadência, encoberta nos nl- limos annos de D. João III, principiou a manifestar-se. Entretanto a marinha na apparencia ainda se mos- trava forte e poderosa. A regente D. Gatharina de Áus- tria soccorren o BrazQ com forças snfBcientes para ^ Ftancifloo de Aadiada^ OwmuMâêEl-BnD, Mo JU, part nr.— SeraimdeFaria^ifolMfdtiVirfif^a/, disc. n, g IS.» i Qaintellay Jbmm ãa Marinha P(yrtitgu$xa, roem. m, tom. j, pag. 9f^^ O Panorama, vol. iv, n.« 161, pag. 171 e 172. Digitizea by <jOOgle 46 HISTORIA B£ PORTUGAL Marinha pmrcp^er 3 colonisííção e o commercio, e parn r^peUir os estrangeiros. Mendo de Sá conseguiu reunir uma esqua- dra de tres galeOes e de oito navios, e, saindo da Bailia, expTdsoii os franceses do Rio de laneiro. Nos mares império dc Marrocos a nossa baiiiicira tremulou por ve- zes nos to]H's (los mastros de numerosas frotas. A deEl- Rei, quando partiu em i578 para a desastrosa expedt{lo de Alcácer, contava oitocentas e trinta vélas. Koventa^ sete naus montaram o cabo de Boa Esperança nos vinte e um annos da menoridade c do e^ovci nn de D. Seba^liào, perdendo-se doze nas viagens de ida e volta, e sommando 4:090 contos de réis pelo menosa despeza do sett anmh mento K Os dois annos do cardeal B. flenríqiie mais se assimilfiaram a um interregno inquieto c infeliz, do que ' ao governo ordinário de mu soberano legitimo e respei- tado. £m 1579 e 1580 saíram de Lisboa para o onenie nove naus e doas caravelas, força insigmftcante para'a5 dfiffienldades da Mia. Paraseformarexadaidéa, emnCtk do, tfo que era ainda o nosso donimio n^afqnellas regiões, bastará notarmos, que cm 1*557 o governador TPranciscc^ Barreto aprestára contra o Acbem ainaisfioâeros»«s^ qnaAra qne tinha' visto a Hidia, portioe se cwnpnMia' de vinte e cinco gâle^ies e caravelas, ^e dez gtãès, e d© mais de setenta fustas e píeotas, sem tsontar mttitaí^ em- barcações ligeiras. A chegada de D. Constantino úe %rêr gança em modon a itirecçio itoieada,'eaiiMiO'fle Goa para Danflto com eem^vélas e perto ãel3iOWhomeBfir de armas * BarfMOsa, Memorias ãe El-flei ^D. S^n.^tião, tom. », 1ÍT. íi, cap. III, e tuiii. IV em diversos ipgares.— O Fanorama/fàí, iv,n.'»*l6^, pag.t8»el89. 2 Aidem, ibidem. u kjui^L-u Google * DOS SÉCULOS XVII £ XVIU S7 FIHppe 11 cmgm a coroa da península liisiiantca em MariniMi IS80. Não foram só os velhos terços do duque de Alba e 08 galedes do marqnez de Saata €niz os que deddlram M sen ttvor o pleito da snccessio. As negociações ee- creias de D. Christo\*lo de Moura, ilo ilnque de Ossuna, e de outros agentes tmiiam cravado de oiro as armas áDs qoe podiam resistir. ^ outra parte» nmítos portu^ goens^ceros» ymáo a monarchia á beira de sua oon- pleta mina, abraçaram de boa fè a causa do pi^etensor castelhano, sem arrcditarem na sua legitimidade, imagi- nando que Portugal e a lles[>antia, unidos, foimarim nm tepem, qoe o seiâioríoabsdalo dos mares havia de tor^ , mr ivmielvvd. Esta iHoáSo vateo quasí tanto como oa exércitos, as armadas, e a corrupção para assegurar o throno a D. Filippe, e a Enropa, q^ie o tewie^r S!tspen<ièr2t BO caminho da intervenção, só tarde aendiu, e com au^ dios ineffiea»» 'ao piior do Grato» refiresentante pcmeo flÒrtMêo do pmôpio daMCioiíaHãade; O rei oathoiíco, reaKsado o sonho de seu pae, sif[)|inz taitfbcm aberta a e^da da nionaíchia tmrvei^sal ; mas a união, íjue nos Iinmeiros «momentos eomo que petríficéra as potencias, mas Mnrias, se aBnnon o domínio mais vasto, que mu íÊíbeÊêm •poftaríiesejar, encerrafva por isso «mesmo peri- gos e fraquezas, qut^ nma Índole f«5»encialmente praticav como a de D. M^pe, logo devia prever e receiar *. Aiè aqoell&^âia FertogaA esCivefa m, pas wia » EHiro-' AnMMo pelo 'vínedlo pessoal a tomar patteiiaas gfnerras da Wespanhn, justamente na epoclia. em quety mj commercio peirt deína?iada extenso carecia de maio- res ldr$as loaiitímas» vin^ coi)àft>âtido pelas mais beMí^ 1 Vid. Historia ãe Portugal nos séculos x\ii e xviir, tom. i, ii e m, pasiim. Diyiiized by Google 48 • HISTORIA DE PORTUGAL VttUhâ cosas nações em um e outra hemlspherío. A nossa corôa, " iom ^^^^^ ^'p'*^ '^"^ destinos próprios com os do reino vizi- nho, assevera o testemunho insuspeito de um iioiiieni lia- bilitado para observar os factos, trazia no mar sem esforço mais de quatrocentos navios de alto bordo e de mil e qui- nhentas caravelas e caravelões, e D. Sebastião, juntan- do oitocentas e trinta vélas a fun de passar a Alcácer, nlo tinha deixado desamparadas as navegações da índia, de S. Tbomé, do firazii, de Guiné, de Cabo Verde, da Terra Nova e de outras partes K Fili[)pe II resolveu converter em utilidade da monar- chia ibérica este poder, e serviu-se sem escrúpulo dos navios, da artilharia, das munições, e dos armamentos dos arsenaes de Lisboa para a defeza das possessões hespa- nbolas, ou em proveito de suas idéas de dominado. Um dos primeiros actos do rei depois da recepção, com que a capital o festejou, foi convocar um grande conselho em 1581 a que assistiram o duque de Alba, o marquez de SantaCmz, Sancho d'AviIa, D. Lopo de Figueiroa, D. Fran- cisco Zapata, D. Aflfonso de Vargas, o prior mór D. Fer- iiâíido de Toledo, o allemão JeronymoLandron. e outros officiaes distinctos, castelhanos e portuguezes, e encarre- ga-lo de estudar e propor as providencias opportunas para afiançar a Portugal e á Hespanha a segurança dos portos e das costas, e a conservação dos dominios ultrama- rinos. A resposta foi, que a base do systema militar mais adequado devia ser a preferencia das armadas sobre os exércitos, porque d*esta maneira ficaria Ei-Rei senhor do mar e da terra, dominando com suas esquadras o canal de aterra e o estreito de Gibraltar, e enfreando todas as ousadias dos inimigos. Prevaleceu por pouco tempo esta 1 Tbomé Cano, eapitSo Iraspanhol qae eserevea em laii. Diyiiizeo by Google DOS SÉCULOS XVII £ XYIXl 49 opinião attiibuida á experiência do duque de Alba, e sem- pre contraí iiK la |)(ios acorilecimcntos, mas provavolmen- íe D. Filippo iembrou-se d'ella sete annos depois, quando concebeu a empreza da íovasão de Inglaterra K O governo hespanhol, embora não podesse seguir ri- fforosamente em tuclos o^ pontos o voto de V)S\, não (iei\ou por isso de reforçai u seu poder naval, aprovei- tando as vantagens e commodidades do porto de Lis- boa e de seus arsenaes« Foi da babía do Tejo, que saiu em 1581, aprestada em vinte e dois dias, a esquadra de vinte c sete vólas grossas, capitaneadas polo marquez de Santa Cruz, para desbaratar Stiozzl, e aniquilar as es- peranças do prior do Grato. Foi d elia, que partiu tam- bém em julho de 158i a esquadra de cento e dez vélas» com que o marquez conquistou a ilha Terceira. Foi ain- da nas aguas de Lisboa, que Filij jM; li juntou as iorças eiiiadas contra Izabei de Inglaterra. Compuuiia-sô a imncivel armada de dez esquadras distinctas» e entra- vam n'ella sessenta e cinco galeões, ou naus grossas, vin- te e cinco urcas de 300 a 700 toneladas, e dezenove pa- taoiius de 70 a 100 toneladas. Alguns escriptores, talvez fiOtt eiageraçãOi elevam a cento e quarenta o numero de vasos de guerra. Na esquadra de Portugal figuravam treze zavras e ga- leões, quatro galés, quatro galeaças, dez caravelas gran- des, e dez faluas. Sobresaíam entre os nossos galeões o & ãiartinh», aiyUana do duqae de Itfedina Sidónia^ ge- Beral da «pediQia^ o S. Mo Bapiisiaj ahmraiite» o o S. Matheus j levando o primeiro 1:000 homens de pele- ja» o segundo 800, e o ultimo 700. Guarneciam a armada * Jbkoi ào Cm^ tom. i, cap. xvu—DUeunoi <06r« lo» commiof dê ín hOoM, por Solis, tom. i, pag. ilO. 50 HISTORIA DE PORTUGAL vniniui 2:400 peças, 1:500 de bronze, mas a gente de mar das tripulações não passava de 8:051 marinheiros e grume- tes. A chusma das galés orçava por 2:400. Entre as tro- pas de desembarqae iam dois terços portugaezes de 1:000 soldados cada um ^ Apesar dos esforços empregados para aprestar e for- necer este immenso poder, o maior de que houve noti- cia DOS tempos modernos, os preços dos géneros não su- biram nos mercados da capital, nem faltaram carpinteiros, calafates, e homens do mar para tantos navios, trípulan- do-se as cinco naus da carreira da índia e as embarca- ções dpstiiiãdas ás oulias conquistas, que todos os an- nos partiam de Lisboa, e se calculavam em 150 pelo menos. Nos armã^ns e arsenaes ainda ficaram 2:300 pe- ças de ai tilberia, e nas tres sal;is de armas do deposito da Kiijeira inlinito numero de cossuletes, piques, lanças, arcabuzes e mosquetes. A armada saiu do Tejo em 27 de maio de 1588. A gue Izabel Tudor lhe oppoz não excedia trinta e quatro vasos de guerra da coròa, subindo no to- do com os navios offerecidos pelos pai ticulares e corpo- rações a cento e setenta, na maior parte vasos peque- nos, e por isso mui próprios para inquietar os hespanhoes em um canal estreito, cheio de baixios, e sujeito a cor- rentes variáveis, grandes marés, e súbitas mudanças de vento. Todos sal em como os temporaes, o receio das embarcações carregadas de matérias inflamáveis, e a falta de disciplina e de conhecimentos náuticos aniquilaram 1 Conestagio, l^too de J^itpol.— Hérrara, Gim» Ubm dê Ia Bit- torta dê PúHugaL—Atim do Ceu, cap^ xzxv.--Qi]intél]a, Annaes da Manidia Poríuguega, tom, n, mem. iv.— O Pamrama, voL i da X* serie, n.* 39, pag. 306^ Digitized by Google DOS SÉCULOS XTII E XVm 81 O armamento collossal com que a Uespanlia, nâo só in- M&rmhs^ tentava opprímir a Gran-Bretanha, mas assoberbar a Eu- ^^^^ ropa. De tantas vélas e esquadras salvaram-se apenas cincoenta e trcs navios! A decadência damonarchia da- tou (i'aqueHe dia. Filippe II e os seus successores, obri- gados desde enlâo a porem de lado os conselhos do duque de Alba» em vez de envidarem todas as diligencias para crear uma poderosa marinha, capaz de proteger as coló- nias e o commercio, e de iuiai ivim vantagem com a dos inglezes e hollandezcs, concentraram os cuidados nas guerras de Flandres» e depois nas de Itália, da Allema- nha, e de França» aonde só colheram revezes» ou victo- rias estéreis K A declinação da mariaha portugueza seguiu r ipida- mente a bespanhola, se não a precedeu. Em e em 1595 as forças da Gran>Bretanha e das províncias uni- das romperam as hostilidades contra as nossas conquis- tas. Seus navios, mais bem construidos e aparelhados, le- vavam decidida vantagem ás nossas pesadas naus, e a iMuencia de ofOiciaes e marinheiros piaticos concorriam para lhes assegurar a superioridade. Os soldados e os mados nunca serviam como marinheiros, e os capitães, aproveitando as qualidades dos navios e das tnpulaçues, procuravam decidir os combates a tiro de canhão. As presas maritimas enriqueceram-os tanto» e a pirataria saíu-lhes tão rendosa» que os inglezes» se dependesse d'énes, desistiriam de bom grado de formarem estabele- cimentos permanentes, contentando-se com os lucros das ^ Conostagio, Vmão de PortiujaL — Herrera, Cinco l>hriu de la His~ torta de Portnqal. — Avisos do Cexi, cap. xxxv.— tiuiiiíelia, -4/i«a€« da Marinha Port ugueza, toru. ii, mem. iv. — O Panorama, voJ. i da 2.* serie, n.* 39, pag. 306. Digitized by Google 52 ilISTOaiA DE PORTUGAL ibrioitt caraças apresadas, equivalentes aos mais grossos interes- pjjj^ ses 1'uiiHiiLMCiaes*. Filippe lU instado pelos apuros da fazenda, julgara mais económico unir em um contrato o monopólio da pimenta 6 as construcçues uavaes, e arrenda-los a uma compa- nhia de netrocianles. Os resultados provaiam depressa os iiicuinviiiiMiles (.leste env.tio calculo. Os^ coiiUaclado- res íabiicavam maU faziam navios demasiado grandes, e mettiam-lhes maior carga. Empregaram nos fabricos ma- deiras péssimas, e introduziram a carena á italiana, isto é, o luelliodo de lombar os navios sobre barcaças eiu vez de os carenar em secco ^. 0 atrazo tornou-se sensível. A antiga vocação mariti- ma esmorecida, e o abatimento do commercío desviavam da carreira naval os homens, que podiam honra-la. O cos- mugi'iipiii) múr iiàu tinha discípulos, e d.t aiamada escola dos nossos pilotos apenas se apontava um, ou outro ca- paz de continuar as tradições de dias mais felizes. As per- das em naufrágios e presas eram immensas. Nas viagens da Asía no reinado de D. João III tinham-se perdido vio- le e oitu naus á ida e dezenove á volta, nu valor de 8:000 contos, e no de i>. Sebastião tres á ida e nove á volta, que não representavam menos de 5:100 contos. No de Filip- pe II os desastres duplicaram^se. Sobre oitenta e sete naus naufragaram liinta e duas, calculadas em 12:000 contos. No de Filippe líí, em ^^nte e seis annos, sp^ruiram a car- reira da Índia cento vinte e quatro naus e galeões, tre- ze urcas e seis caravelas, elevaodo-se o numero dos va- 1 QuíntelU, Aman da Mttimha Partmgueza, tom. v, rnsm. vr*— Hitíoire ie$ Voyagei^ tom. m, pag. Panorama, voL ir, anno 1840. 2 Ibidem, ibidem. u kjui^L-u Google DOS SÉCULOS XVII E XVIII SOS píM-(ii(los 011 apresados a trinta dois, no \ ;!!(ir ih; Marinha 10:800 contos. No governo de f ilippe IV, finalmente, de quarenta e uma naus e dnco urcas naufragaram, ou ca^ ram em poder dos inimigos, dezesete, orçadas em 3:250 contos de réis * ! A successão do tantos i t vezes por tal niodo tinha esmo- recido os portujLíuezrs, ([iio ninguém queria coinprarna- vios, ou ouvir faUar n'eties. As marinhas ingleza e hollan- deza coalhavam os mares de corsários, e insultavam sem receio os portos do reino e das conquistas. A Jíespanha ainda contava em 1586 mais de mil embnrr.ímes de alto l)ordo pertencentes a particulares. Km Biscaya havia 200 empregados nos bancos da Terra Nova nas pescarias da bsMz e do bacalhau. Em I6H não existia d'e]Ies quasi um uni CO. Na Galli za e nas Astúrias mais de 200 pata- chos carregavam mercadorias para Flandres, Fi ança, In- glaterra e Andaluzia. Em 1811 tinham desapparecido também quasi todos. Em Portugal, de tantos vasos mer- cantes que seguiam as carreiras da Asia e da AfHca, ]â n3o havia no primeiro qnartel do secnlo xvii nma só nau. e súmente algumas caravelíns pequenas sulca^ am o oct^i- no. Os prejuízos dos armadores e negociantes, causados pdas hostilidades dos estrangeiros, que percorriam U- TOmente os mares de Hespanha e os do mundo, e pelos embargos o vexames fiscaes, haviam acabado de destruir tudo. A corôa portugueza, desfaliecida, não podia já com 08 encargos da união. As annadas de Gastella quasi sem- pre ftmdeadas no Tejo^proviam*se â custa do paiz, rece- bendo viveres, artflheria e munições. Os sessenta annos de occupação da casa de Áustria custaram ao reino em * Qaintella, Annae$ da Matinha Pcrtttguezas tom. r, mem. in, e tom. n, mem. iv.— O Panorama, vol. iv, J69. Digitized by Google 54 mSTORU DE PORTUGAL ««riniiâ navios perdidos e fazendas tomadas mais de 75 milhões gttlwa cruzados, somma enorme, que até enfraqueceria uma nação dn.is vezes mais poderosa. Os vasos mercantes não se atreviam a sair dos portos seuão escoltados por naus de guerra» e, estas vencidas» ou maltratadas» mal os pro- tegiam contra os inimigos. O golpe mais cruel, que pade- ceu a iiossa mariiilia, fui-llie descarregado pelo naiilVapo da anilada dos cinco galeões e uma urca cuiimiaudada em i6!^6 por D. Manuel de Menezes. Esta serie constan* te de infortúnios fez com que deixássemos de ter na ín- dia as forças indispensáveis para assegurar o respeito da nossa bandeira, e a defeza diminuiu exactamente, quando a aggressão se declarou mais activa K A uniSo das duas corôas, longe de realisar» portanto» as esperanças dos que a haviam saudado como precur- sora de uma era de gloria, justiiicára as appreheosôes dos ifiie em 1581 já viam n'c!la, alem da negação da in- dependência» a origem de immensas desgraças e oppres- s5es. A perda da invencível armada abriu o desastroso período da decadência, e esta, aggravada durante o rei- nado de Filippe II, precipitou-se nos de Filippe 111 e de Filippe IV com extrema rapidez. A cubiça intensa, que matava os brios, a par do desalento e da incúria, foram as causas príndpaes do mal. A còrte de Madrid queria de certo vence-lo, mas a íhiqoeza própria tão lhe con- seutia iniciativas enérgicas. Em 1598 a armada de D. Je- ronymo Coutinho não tinha ousado sair, senão doze me- zes depois da epocha aprazada, detida pelo receio das vélas inglezas» que andavam cruzando diante da barra. 1 QnintéUa, Aimaet da Marinha Púrtvffvexa, tom. i, mem. m, e tom. n, mem. iv.— O Panorama, toI. iv» il* 169.— Tbomó Cano, pag. 44 e 4S. Digitized by Google DOS SÉCULOS XYII £ XVIU 55 Em 1606 ò mesmo D. Jeronymo, seinpre pouco afortu- hhuui nado, era constrangido a suspender a viagem, retido pelas ^Jjj^^ ameaças dasmusbollandezas diante do porlo de Lisboa ^ Em 1600 a d^itana da esquadra do vice-rei da índia» Àyres de SáLdauha» foi apresada na sua volta ao reino i vista de Cezimbra pelos corsários. A relaxaçSo das tripula- ções, e anegligencia escandalosa dos capitães, haviam che- gado ao ponto dos navios largarem sem esperar pelos com- mandantes, succedendo a Francisco Lopes Carrasco não alcançar senão em Portugal o seu galeão. João Pereira Corte Real, mais severo, para reprimir as sublevações dos marinheiros, teve de mandar pendurar n is \ i Tgas dois amotinados, matando o terceiro ás estocadas. Em Í6i8 uma írota de cinco vélas, de que \inha por capitão mòr D. Quistovão de Noronha, commetteu a covardia no ca- bo da Boa Esperança de remir por dinheiro o dever de pelejar com os inglezes, e em 1620 nas aguas da Ericei- ra a nau Comeição, cercada por dezeseis navios turcos» TOOU abrazada quasi na presença da armada da costa mandada por D. Antonio de Âlhaíde ' f Os hollandezes aguardavam os nossos navios nos Aço- res, ou á entrada dos portos, insultavam as fortalezas, combatiam e apresavam as naus de guerra» e locupleta- vam-se com os despojos das praças de Lisboa e do norte do reino. Os piratas do Riff, de Tunís e de Argel conti- nuavam os saltos nas costas do paiz, saqueando as vlllas iiieriíies, e recolhendo-se carregados de captivos e de ri- quezas. Em 1618 um troço de turcos levou a audácia ao extimo de desembarcar perto de Peniche! A rivalidade * Faria e Sousa, Memoría de todas las Armadas, etc, m Ana portuguezãj tom. iii, pag. 548 e seguinles.— Luiz de Figueiredo Fal- cão, lÃvro da faxmda de Fartugal, p«g. 194. ^ IbideiD. Diyiiized by Google 56 HISTOaiÀ DC PORTUGAL a dos siiIkIííos (las duas coroas estendia-se aos marinheiros e oíiiciaes, e o orgulho nacional em muitas occasiões le- yantou obstáculos á eiecução das ordens da cdrte. Os portuguezes preferiam render-se opprímidos pelo mi- mero a reconhecerem a superioridade dos castelhanos, aceitando d^elles escolta, ou protecção. Os hespanl ioos não perdiam também lanço de lhes maguar o amor próprio, arrogando-se o direito de visita a bordo, e exigindo parai a sua bandeira honras, qae humilhavam a nossa. Doesta mutua indisposição nasciam conflictos e discórdias, e o gabinete de Madrid, em logar de as atalhar, parecia apos- tado a exacerba-las, ollendendo, como por calculo, o de* eoro da marinha portuguesa K A organisação e a disciplina marítimas padeciam com estas rivalidades, e ainda mais com a indifferença do go- verno hespanhol em remunerar os serviços valiosos. No primeiro, e mesmo no segundo quartel do século xvn, a marinhagem embarcava, parte violentada, parte attrahida pelos prémios, e era toda composta de gente collecticiae alistada para as occasiões, dispersando-se apenas as via- gens tei minavam. Sem pratica do mar, sem esiiirito de cor- poração, e sem verdadeiros brios, aquelles homens não po* diam lutar com as equipagens experimentadas dos navios hollandezes. Os oíOciaes, sem habilitações especiaes, com- mandavam iiidistinctamente no mar, ou iia terra, correndo a responsabilidade das manobras e do governo náutico por conta dos pilotos e dos mestres das naus. Um elemento que, bem aproveitado, deveria influir muito para o melhor ramento doestas péssimas condições, seria o serviço da mo- cidade nobre a bordo dos navios do Estado. Costumava 1 Fâria 6 Sousá, Mmoría de toda$ ku Armadas, ete., na Âtié portvgwza. Um. in, pag. 548 e seguintes. D. Francisco Mannel, Bpanafíujra n. Naufrágio da armada. Digitized by Google DOS SÉCULOS XV» E XVUl exercitar-se antes nas guerras de Africa, austera escola do Marinha valor e das fadigas, e passava depois para as armadas da ^jj^ corôa» cujo tiroeíDio habilitou distíDctos homens do mar. IQo subsistia, porém, muito este uso lonvaTel, ou, mais exacto, pouco sobreviveu á perda de D. SebastiSo em Alcá- cer. No século XV nenhum filho de casa ilhistre cingia a es- pada dentro da côrte sciii primeiro estrear as armas, ao modo da antiga cavallaría, em Ceuta, Arziila, ou Tanger, e sem aprender os inrecettos da milícia na lição quotidiana dos grandes capitães. No século xvii o interesse politico tinha miulado a fóriua d'este noviciado, que muitos haviam tor- , nado glorioso. Os reis, coagidos pelas necesstdaães das conquitas, ti- nham transferido as cartas chamadas de commenda para as . denominadas da costa com o visivel intento de encami- nliarem o esforço dos cavalleiros das ordens militares, (piasi empregado exclusivamente em Fez e Marrocos, para as emprezas navaes da Asia e da Africa K As idéas da e^KH cha favoreciam esta Méa, e dos fidalgos, que se propunham concorrer ao provimento das (niiiiiii iHlíis vagas, nenhum dsvidava prestar-se ao serviço continuado de cinco verãos nas armadas, trocando por elles os tres aonos de resi- dência obrigatória nas praças de Africa, exigida pela an- tiga lei. Lucravam na transferencia. Se os incommodos e o risco da navegação eram graiides, ficava-lhes livre em conq>ensação a maior parte do anno para descansarem, enquanto nos presídios o desterro era longo e completo, e 08 trsd)a1hos eram permanentes e perigosos ^ O comiuando das armadas concedia-se de ordinário a ^ Faria e Sousa, Memoria dê iodai las Armadas, etc, na Atia P»tugMêMa, tom. nr, pag. 548 e seguintes.— D. Francisco Manuel, Epanaphara ii, pag. 190 e seguintes. ^ Ibidem. Digitized by Google 88 HISTORIA Diu 1'0RT0GAL MtfUia fidalgos, qm as governavam por nomeado vitalícia, ou por commissão aiimial. I). Diuiz estal>i;lecêra o cargo de almirante, cujas aUribuieões o código affonsiiio con- íirmoii, prcscrevt iído as ceremoDias e formalidades dá posse* D. Fernando depois separou em dois commandos navaes a direcção superior da marinha com a creaçSo do lugar de capitão mói dn mar, provido a primeira vez em Gonçalo Tenreiro. Parece que o governo das galés conti- nuou a competir ao almirante» e que o dos navios de alto bordo passou ppra o novo general do mar, cujos suoces- sores immediatos no reinado de D. João I foram Affonso Furtado de Meiídoiíra e depois Alvaro Vaz de Ahiiada, conde de Avrancbes, conservando-se o cargo na casa dos Almadas até ao tempo de Filippo IL No de Filippe III ser- viu o logar de capitão do mar D. Monso de Noronha atè justificados melindres o levarem a pedii' a demissão. Succedeu-Ihe João Rodrigues lioxo, inarjiilieiro pratico e valente, mas já idoso, substituído por D. Jeronyino de Ataíde, mais denodado do que venturoso. D. Jeronymo occupou internamente o posto, cujo provimento perpe* tuo recaiu na pessoa de D. Antonio de Ataíde, l^rocessado perante o juizo dos cavalleiros e o tribunal das ordens por não haver soccorrido a nau Canceiçôo no seu combate de tres dias contra os turcos» D. Antonio alcançou a absol- vição e o titulo de conde, como reparação, mas perdeu o cargo, conferido pui 1 ilii»pe IV em 1622 a D.-Manuel de Menezes, o qual em 1623 e 1624 acompanhou D. Fradique de Toledo á Bahia na esquadra das duas corôas. Era en- tão ahnirante D. Francisco de Afaneída, antes mestre de campo do terço de infanteria denominada da armada ^ ' 1 J). Fiiincísco Manuel, Bpampkúra n, pag. 161 e seguintes. — QuinteUa, Amae$ da Marinha PortiÊ^um, tom. i e n. Digitized by Google DOS SÉCULOS XVII E XVIII 59 As forças navaes da monarchía hespanhola divídiam-se ifMinbft desde o reinado de Carlos Y cin esquadras diversas, que tomavam o nome dos reinos e províncias, que as susten- tavam, ou dos vasos de guerra que as compunham. No armaméiito colossal de i588 figuravam as armadas de Castália, de Biscava, de Andaluzia, de Guiposcoa, de Le- vante, de Nápoles, das Uracs, das Zavi as c Pataclios, e das duas de Portugal das galés e galeões. No governo de Filippe III e de Fiiippe 1 Y o reino nunca teve esquadra pro- priamente sua por se reputar esta despeza desnecessária, m para evitar conflíctos no mar entre o seu chefe e o da armada real de Castella, introduzindo-se, ou antes confir- mando-se o costume das frotas hespanholas assistirem qoasi sempre no porto de Lisboa ás ordens do general do oceano. Portugal» quando as faeç^^es de guerra o reque- riam, encorporava alguns navios bem armados na es- quadra castelhana, e essas vélas eram caf itaneadas por fidalgos de elevada quahdadee merecimento. Resultaram inconv^entes d'este errado 3ystema, que o desleixo tor- nou irremediáveis. As armas navaesdo paiz,n9ó tendo ge- neral que as governasse, corriam quasi entregues ao aca- so, e as na LIS, as galés, a artilheria, e os petrechos da coroa, desviados de seus destinos, eram distrahidos pelas ordens de Castella, que sem escrúpulo se locupletava com ellas, como se nlSo pertencessem a um Estado independente. Não contente com as guarnições das fortalezas, todas hes- panholas, o gabinete deMadi id lançava-iios o freio da es- tação permanente de suas armadas no Tejo, e, violando os privilégios jurados em Thomar, arrancava aos por- tnguezes para o confiar de castelhanos o governo das nossas galés, acabando por unir esta armada com a de Hespanha sob pretexto de suppostas economias. Olivares resuscitou alguns annos depois a dignidade vasiado titulo 60 UISTORIA D£ PORTUGAL de <ícnpral das gnlés, e roeomperisou com elln a D. Jorçe de Castro, filho do vice-rei da índia, D. Mai liiii AHoriso de Castro» em 16â5. Por morte d'elle em 16i5 nomeou D. Affonso de Lencastre, filho do duqae de Âveiro» mas sem navios, porque a instituiçKo iHo nobre e ntíl das ga- lés de guarda costa continuou reduzida a um nome vão*. A estas rasões de desconfiança e desgosto juntou-se outra ainda mais grare. Um alvará de Filippe III, expe- dido no governo do marquez de Alemquer, ordenára, que a armada de Portugal usasse da sua antiga bandeira, mas com a condirão de a tomar visivelmente distincta da hespanhola. Sendo ambas i llas brancas, sem mais adorno, timbre, ou folhagem, e diíferindo só nos escudos das ar- mas, podiam confundír-se facilmente no mar. Obedeces o maniiii z de Alemquer, e, lembrado do seu aj)pellido, mandou lanrai* com poucn modéstia uma silva verde no campo branco do estandarte portuguez. A innovaçâo fe* riu o amor próprio nacional, e acabou de o oíTender o alvará que regulou as preeminências navaes, mandando que as esquadra^ da nossa coroa trouxessem nos ralcezes estandartes quadrados azues, vermelhos, ou de qualquer c6r, menos branca, por esta ser privativa da capitana do maih oceano, prohibindo que as nossas naus içassem ban- deira á popa, estabelecendo que a capitana de Portugal abatesse a bandeira á de Caslella, iiitilulada por superio- ridade sobre todas as outras capitanas «real de Castella», e que nas salvas, pharoes, e ordens a armada de Portu- gal cedesse o primeiro logar á de Hespanha, semi i c que 1 D. Fianeitto Manuel, Epanaphora it, pag. i61 a 164 o pag. 167 e 168. — Sobre a creaçâo e attribuiç^g dos cargos militares de almirante e capitão mór do mar veja-se a ordenação aflbnsina, liv. r, tiU Liv e Lv. Digitized by Google DOS SÉCULOS XVU h XVUl 61 se encontrasse com ella, ou que navegassem de conserva, UêMU Este acto urúm todas as classes, e D. AíTonso de Noro- nha, capitão mòv do mar, rcputando-o uma negação formal da independência da nossa bandeira^ julgou mais digno exonerar-se do cargo» do que servir de executor a simi- Ihante disposição. As capitanias da armada da índia» tanto nas aguas do oriente, como nas da Eur()i>a, conservaram comtudo a antiga preeminência sobre a capitania e a al- mirante da esquadra de Portugal, apesar do cargo de ge- neral do mar ser ramto mais elevado que o de capitlo mór da viagem da índia, passando D. AlTonso de Noro- nha e o conde xViiloiiio Telles do commando da armada para o vice-reinado da Asia. D. Francisco Manuel de Mello» indagando os motivos d'esta singularidade, attribue o uso recebido â circumstancia das naus da índia navega- rem os maiores cahedaes e interesses do reino e da sua principal conquista, cuja guarda era tão imiiortanle, que Aão devia admirar haver-se-lhes concedido a prerogativa de accenderem pharol de noite, e das capitanias da índia se mandarem seguir pelas capitanias e almirantes reaes de Pui Lugal *. Alem d'(*stas causas, que tanto concorriam para enve- Aenar as antipathias entre os súbditos das duas coroas, IS i]pieixa3 todos os annos se exaltavam contra a indolen- da do governo, provocadas peio espectáculo do abati- mento da marinha e pela repetição dos desastres. A ex- pedição da Bahia sacudiu o turpor por um momento, mas, victoriosas as armas da mon^rdiia, como se os trabalhos d'aqueUa corta campanha as Uvessem desfallecído, ou como se não podesse haver nova occasião de as exercitar, 1 B. Frandsco Mainiel de JSpanofhora Ti^agica ii, pag. lMaie7epag.tS3e294. 62 HISTORIA DE PORTUGAL Mtóniu a administração iiiiliLar deixou-se adormecer profiinda- mente, e largou das mãos todos os fios da vigilância c da prevenção. Filippe IV para occorrer á defeza das costas de CasteUa e de Portugal e atalhar o perigo das invasões contentott-se com uma providencia, que, em vez de au- gmentar as forças navaes do reino, temlia a desfalca-las, dispondo que o general dos galeões da prata, Thomas de La Respur, biscainho e soldado pratico, assistisse no porto de Lisboa, e juntasse n*eUe alguns navios de varias esqua- dras. Chegou D. Thomás, e de aecordo com o marquez de Inojosa, capitão general dos presídios hespanhoes, de- terminou a fortificação da capital, obra mal traçada no plano e mais do que infeliz na execução: Era opinião dos portuguezes que Lisboa» á similbança de Atbenas, só po- dia ser defendida com muralhas de pau, estribando a sua conliança no valor e numero dos vasos de guerra. D. Thomás e o marquez no principio mostraram-se in- clinados a seguir este voto, e por suas ordens tinham sido construídos dois galeões alterosos, o S. FUippe e o S. Thiago, cujos capitães, Ascenso de Sequeira Vasconcel- los, e João de Sousa Falcão, conceituados de experientes, foram logo aggregados com suas naus, guarnecidas de pouca gente e bisonha, á armada de Respur, que a córte simulava considerar separada da esquadra do oceano, só com a idéa de obrigar a nossa corôa a sustenLa-la Quando D. Manuel de Menezes saiu em 1626 de Lis- boa para escoltar as £rotas da índia e da America toda a força dos navios de guerra, fundeados no Tejo, apenas constava de poucos e desbaratados vasos, dos quaes o ^ D. Francisco Manuel de Mello, Epanaphora Trágica n, pag. 172 a 174.— Alvará de 18 de junho de 16ia—lftdt<^ dawdogii», tom. n, pag. S99. Digitized by Google DOS SÉCULOS XVII E XVilI 63 melhor era a capitaria da armada, que voltai a da lialaa em Mariaha 14 de outubro de 1025. Seguiam-se a nau Chagas e o galeão S. João, de ruim fabrica e péssimo de marear, chegados no anuo anterior da índia, o galeio Santo in* tonio, muito defeituoso e incapaz de viaji^em longa, o {^fa- leão S. José, que recolhêra destroçado do Rrazil, os dois galeões novos S. TMago e S. Filippe, e a urca Sanla Izor M, pequena embarcação mal reputada dos mareantes. A estes oito vasos, escassamente providos de artilheria e de tripulações, se reduzia então o poder de Portugal. O las- timoso naufrágio, que o aniquilou, a perda do galeão Santa Therezãs fabricado pelo afamado constructor Bento Fran- cisco» que por sua fortaleza fizera a admiração de quan- tos o examinaram, e no qual pereceram abrasados seis- centos poriuguezes na batalha do Canal, e por ultimo o revés padecido pela esquadra do conde da Torre nas aguas do Brazil acabaram de consummar a ruina da marinha por- togneza, tão diversa já do que fôra em melhores dias K Ao mesmo tempo declinava o commercio de dia para dia destruído pelas presas dos corsários. ISckj era novo o insulto, porque datava dos reinados de D. João 111 e D. Sebastião, mas a certeza da impunidade espertou a ou- sadia dos mímigos. O desleixo das auctoridades, como que indifferentes ás perdas enormes, que arruinavam as casas mais poderosas, parecia jusiiiicar a espécie de cum- Iilic&dade tacita, que a voz publica imputava aos ministros hespanhoes, na realidade só culpados de incúria e de inca- pacidade. Filippe n em 1503 tinha lançado o imposto deno- minado do ^consulado» com ain opriação especial á sus- tentação dos navios incumbidos da guarda da costa> e este * D. Francisco Manuel de Mello, Ejjanaj^hora bellica iv, ConfUdo é) Candj pag. 495 e 569 a o70. Digitized by Google 64 HISTOBU DE PORTUGAL ibríDha imposto^ desviado pelos seus successores, produzia em 1607, arrendado a Manuel Gomes da Costa por oito an- nos, 5r):000??i000 réis, alem de o:OOOáíOOO réis cobrados de cada nau, (jue voltíiva da índia. Em 1020 achava-se or- çado em 80:000<SíOOO róis. Esta contribuição pesava toda sobre o corpo do commercio, elevando-se a 3 porcento, e ningiiein se qui ixaria de a pagar se o gabinete de Ma- drid iielo alvará de 13 de fínoreiio de 1(>02 uão sup- primisse o tribunal, que, cm virtude do regimento de 16 de junho de 1593, íiscalisava a rigorosa applicação das receitas ás despezas marítimas. Dipois d*eHe o tributo arrancado sem garantias e distraimlu tiui *;aslos diversos conNerteu-se em veidadeira oppressão, aggiavada pela ironia palpável dos contribuintes verem desarmados e podres nos lodos do Tejo os cascos subsidiados p^a de- feza dos seus cabedaes M Amiiulavam-se, entretanto, os estragos, e cresceraia os clamores de fórma que a violência dos males forçou 0% ministros a saírem da apathia, publicando a carta r^a de 7 de março de 1617, pela qual mandaram observar as leis promulgadas por D. Sebastião acerca do armamento dos navios mercantes^. Em virtude d elias as embarcações de commercio não podiam navegar sem montaram o lui- 1 Alvará de 1593 e regimento de 16 de junho do mesmo ânuo, areando e refilando o noTo tributo do consolado. — Ahaifi de IS ícrereiro de 1602, que 8ii|^riBiia o lribun<'U e juizo do oarm^ JadOw;— *%topM ehronologica, tom. n, pag. ^9. — Livro de Toim « > Fasenda e Real Património, por Luiz de Figueiredo FalcSo^ pag. 21.— Fr. Nicolau de OliTeira, Grandexoi de ÍÁthoa, trat. n, pag. 330, ediç. de 1804. 2 Alvará de 7 de março de 1617.— Leis de 15 de dezembro de id57, regimento de 3 de noyembro de IS7Í e alvará de I de outn* bro de 1577. Digitized by Google DOS SÉCULOS XVII £ XYIU 65 mero de íjecas roqueiras correspondente ao numero de MarMía toneladas da sua arqueação» e sem levarem os piques, ar- cabozes, e lanças, de qae pela mesma proporção deviam carecer para resistirem a qualquer assalto. Filíppe III, re- novando estes preceitos, ordenou que o provedor dos ar- mazéns e das armadas visitasse em Lisboa os navios antes da partida, e que os juizes das alfandegas os visitassem BOS outros portos» e não lhes concedessem licença de le- vantar ferro, senão encontrando-os em estado de poderem defender-se. Regulou igualmente «i ordem das esquadras mercantes, determinando as eporhas das viagens de ida e volta, e prohibindo a saída dos portos do reino, ou das C(mqaistas a qaalqaer vâa, qae intentasse partir separada das ontras e fóra dos prasos prescriptos. Estas regras, que impunliam ao movimento naval e mercante restricções onerosas, quasi nunca eximiam os navios dos perigos. Os inimigos, mais l>em armados, e também reunidos em fro- tas, lônham espera-los na altura dos Açores, ou nas agaas das costas africanas e do Brazil, e trimnphavam sem dif- ficuldade da sua resistência. Estas disposições, suscitadas de novo quatro annos de- pois, o qae prova a MU de execução, peccavam pela base. As peças roqawas, os berços, e os passamuros, com qae o rei mandava artilhar os navios, exigiam bons officiaes de bombardeiros e tripulações afeitas ao trato das armas, e quando as naus e os galeões do estado fugiam de pele- jar, como vimos, ou pelejando ardiam até ao lume de agua, ou se aivmdavam rotas de balas, não era de crer, que vélas mercantes e marinheiros bisonhos se mostras- sem mais intrépidos, e lutassem com menos infelicidade. O que podia attenuar o mal seriam arrojados feitos marí- tímos, que restaurassem o prestigio da bandeira; mas as epochas dos grandes lances tinham acabado, e a fortuna, «HO T 6 1 Digitized by Google mSTOIlIA DE PORfUGAL Mârinto daiido-nos as costas, seguia os adversaiios mais iiâi>eis e aguerridos *. Os maiiDheiros e soldados, mal pagos e TiolentiAoSt fligiam das embar6aç?i6S e das companhias, e o rei ^ia^ae coiisliangido a renovar contra elles as [n^nus da ordena- ção, aggravando-as coiiíbrme os lugares e as occasiões. As armadas de Gastetta e de Portugal deviatt escoltar re* dprocamente os nams dasdmscoròas, «ioereeoihesaem carregados das conquistas^ mas o orgulho dos portugue^ zes, mais forte do que u iíiLei esse. fazia com que prefe- rissem o encontro dos inimigos á protecção muitas vezes minosa dos hespanhoes. A Mesa da Consciência» dese- jando avíTar o costume salvlar dos cavaleiros das oirdaDi imlitares preencheran embnt^Mlos os autos de serviço da sua aabiiitarão, pi < iu>z em 1622 um regulamento, mas Flkppe I Y nâo o approvou. As nossas mais e galeões» a nossa artilheiia» e o nosso amamento, empregados naa eaapreE» de Gastefia, feltavam para aondir i defeia do paiz e das possessões. Ern 103^ a chusma da ultima galé, qut' ainda existia no porto de Lisboa, foi mandada re- mar nas de Hespanha, e as tninutaes recebiam ordem de seirteneiarem qnasí snmmriamaiiAe os ajmes para ^ povoarem de forçades os bancos das gstfscasléttieiMS» Pilippe IV, em vez d estas [iro\idencias vexatórias e ím* leis, determinasse, que o producto das sisas maiitimas e do subsidio do consulado tosem applieadosi rastau» ra^ da antiga annada^ costa» aloançaría de carto ma» Ikores resiidtados. É duvidoso, comtodo, que os apurosdo erário consen^ssm> qoe esta ordem passasse do paj^ei^. 1 Álvara ác 17 de novembro de 1621. 2 Ordenação, li v. v, tit. xcvn.— Cartas regias de 26 de maio de f 621 e de 25 dc abril de 1622.— ^Cartas regias de 21 de maio de 1614, 3 de outubro de 1615^ 6^ e 20 de junho de 1617 a de março de iS38. Digitized by Google DQS SBGOM» XVU £ XVUl 67 As presas feitas pelos coi iái los e polas armadas iiii- Mai-w^ migas liãu constituiam sós a causa do grande desfalleci- ^jjj^ moto da Uiarúiha e do coawoôrcio. Os nauírj^gios não omorrim menos do que as armas para nos atteauarem as forças. Sendo as naus da carreira da índia as embar- cações, cm que Portu^:il iiielLia os maiores cubedaes em dialieiro, amas» e gcule para receber em retorao as mer- eadorias 4o anente» as perdas» que todos os aouos assi- goalavam eslas vitigeiís, necessariamente haviam de que* brantar o reino. Attribuem os escriptores a frequência das desastres a motivos diversos, mas iodos concoi dam mnfimííài' €^tre os priuclpaes a demasiada grandeza das ttmsje o £iiBu mau eoucerto, de <pe resultava não aguen- tmm o jnar, fazarem agua quasi á saída dos portos, e ti ciLadas o occaao, sunôudo-se com ellas muitos milhões m valores. Hío r^ÁuadiO 4e JD. Maouel pôde mais a prudência, do qpe acubisa, e a3 naus da carreira nâo passaram em ge- lalde iMIoieladas. No governo, porém* de D. João III a sede de oiro e a avidez de acrescentar o volume das im- portações do^ pioductós asiáticos levou o priocipe a fe- Cbar os oUios aos perigos, auctorisando a construcção de de dOO» e de^mniajtQiiQladas. Queáa-seidupU- oar a carga da pimenta « transportar mais soldados sem âi^gífteuiar o íjwmero dos vasos. Os inconveni^utes (reste Qliifadado alviji;e senUram*S(ô logo. Abamotaram-se os M9m 4í^{^/^^à0 mwii^ a ponto do convez Utteral- mente atulhado ficar mais alto, do que o Castello de pôpa, e subia-se pelas rumas de caixas como por um monte aci- naa. Os cascos, assiiii caii egados, mal construidos de si, e tomados quasi mossiços com o recheio, não obedeciam ao Iwe. Ao ip^fM* temipon^l as naus aliavam as fazendas ao mar e as mais felizes quasi só por milagre abocavam Digitized by Goo^^Ic 68 aiSTOlUA DE POBTUGAL Marinha a bam de Lisboa. Nos annos de 1591 e 1592 de dezesete navios de alto bordo, dois galeões, duas naus novas e uma caravela partidas da índia, ao todo vinte e duas embarcações, só entraram no Tejo as naus S. Christovão e S. Pantaleão, quo vinham descarrepfadas por serem ve- lhas. Em 1600 navegaram para o oriente quatorze naus, galeões e navios, e á volta perderam-se quasi todos, ren- • dendo um íilippebote inimigo um gale3o com metade da tripulação e da artilheria, que elle montava M 0 abuso de tMubarcar geníe de mais a bordo das naus não era menos funesto. Os presídios da Asia não cessa- vam de pedir soldados, e o governo, para os soccorr^, aceomulâra 700 a 8Ó0 homens nas cobertas e toldas dos galeões sem aitender á variedade dos climas, c ao iacom- modo, á immundicie do aperto em jornada longa e arris- cada, e á eventualidade qaasi certa das doenças e epide* mias. Os effeitos correspondiam. Nem dois terços dos soldados assim transportados chegavam a ver a índia. Caíam tantos enfermos sem ser possível trata-los, que houve dia de duzentos, e de maisl Estas perdas, por con- tinuadas e excessivas, sangravam por tal fórma o paiz, que a attençSo adormecida dos poderes públicos despertou por fim. O consoliiu dc D. Sebastião discutiu o modo op- porluno de atalhar o damno, porqiie nao se perdiam só as naus, mas com elias as riquezas, os iidaigos, os solda- dos, os marinheiros, e a artilheria. Resolveu el*rei orde- nar, que nenhuma nau da índia fosse de mais de 300 até 1 S''V''rirn de Faria, Noticias de Portugal Cansas dos naufrágios das naus da carreira da índia, tom. u, disc. vin. — Allegadon en favor dr \a compania de la índia oriental y comermos tdtrama- rinos, dc.j por Duarte Gomes Sollis. Anuo de id28, pag. 7 e se- guintes. Digitized by Gopgle f DOS SÉCULOS XVll £ XVilI 69 450 toneladas. A experiência tinha mostrado a vaiitiigem Marrnh* de se construírem de menor porte, porque mais íacilmen- te podiam apparelhar-se e carregar*se» requerendo me- nos gente para a marcação, e despendendo menos quando invernavam. Os íaclos coníiiiuaí am esta sabia provisão, observada emquanto viveu o soberano, que a dictára. Mas apenas elle desappareceu tomou a cubiça a prevalecer, e apodou de falsos os fondamentos da lei. O arbítrio abraçado por Filippo II de contratar a fabrica e o concerto dos navios do estado, e de arrendar n laonopolio da pi- menta a particulares sob prelcxlo de saber com verdade qual era o rendimento liquido da casa da índia» avivando- o interesse e a fraude, acabou de supprimlr as prevenções do reinado antecedente. Os contratadores acrescentaram a grandeza dns naos a fim de carregarem maiores quan- tidades de pimenta, e como o concerto e os aprestos dos navios corriam por conta d elies, e saiam muito dispen- diosos, introduziram a carena á italiana, mais barata, pq- rém muito defeituosa Repetirani-se os antigos abusos, tanto na lonelagehi das naus e no excessivo pejamento da carga, como na pouca segurança dos íabricos. Desde o governo do rei catholico até o de Filippo IV multiplicaram-se os naufrágios \m for- ma, que de tres eaibarcações vindas da índia raras ve- zes aportavam duas a salvamento* Este doloroso especta- 1 Begimmío para a ea$a da índia, impresso no anno de 1570, ÍL 217. — Severím de Faria, Noticias de Portvgal, tom. ir, disc. * Relação do naufrágio da nau Santo Âlherto n») periedo das Fontes, 1893; do galeSo 8, Mo na tertxt do Natal em 1552 ; das naus Águia e Garça em 1589; da batalha e successo da nau Chagas em 1591; entre as ilhas dos Açores; do galeão S, Jhiago em Santa Mena em IfiOS; da nau S, João Bajttista no cabo da Boa Esperança em 1622; e da nau Senhora de Belém, também no cabo em 1633. Digitized by Google # 70 HISTORIA DE PORTUGAL Maxmhà culo éxaltou as queixas, e os liomens competentes prova- ram, que não era ás tormentas do cabo da Boa Esperança, mas ao erro da carena e da sobrecarga, á má escolha das madeiras, e aos fabricos descuidados, que se deviam \Wr putar os desastres, não existindo nau enlao, que podesse com mais de duas viagens da carreira da Asia, quando as antigas não cansavam com dez e doze. Por ultimo Duarte Gomes Sollis, escrevendo em favor da companhia da In* dia oriental, creada pelo conde duque, demonstrou em duas allegações, que a causa pnncii»al das perdas inces- santes procedia das dimensões exageradas dos vasos e da cubiça de os abarrotar. O conselho de Portugal em Ma* drid tomou conhecimento do assumpto, e convencido da evidencia propoz, que se executasse a lei de D. SebastiSo, construindo-se navios mais pequenos. O surcesso justificou o acerto da consulta, porque as naus feitas em 1633 con- cluíram a viagem de ida em quatro mezes e meio, e a de volta em cinco mezes, cousa que nenhum dos grandes vasos alcançara. Apesar d'isto os officiaes do mar conse- guiram logo, que se pozesso do parte a reforma, illudindo os ministros, e até alcançaram auctorisação para levanta- rem ainda uma terceira coberta tão alterosa, que enfra- quecia o navio só com o fim de converterem os camarotes em can)ara>, e dc disporem de mais largo espaço para o negociarem. O governo advertido pelos revezes intentou oppor-se ainda a parte do mal, reprimindo o excesso das cargas e a má arrumarão d'ellas. Ponderou o embaraço dos hr' dos e caixas para os movimentos de ataque e deíeza na- val, e os obstáculos, que o pejamenlo suscitava á marcação nos temporaes, e conheceu que d elies nascia abrii em-sc os cascos, ou soçobrarem com o peso. Mas as disposições do alvará de 20 de fevereiro de 1604 encontraram a mes- Digiíized by Cov.^v.!^ DOS SÉCULOS XVU K XVIU 7i ma resisLencia, que as clausulas do regimento de 1570Biaiiifcii tinham achado. A il< speito da prohibição terminante os ooQtramestres contmuuram a empachar á ida e á volta o eonvez, a tolda do capitão» o casteUo de pr6a« e a calca* ^va dos bombardeiros á pòpai , sem deixarem mesmo a praça indispensável para a artilheri.i j ni,^ar. Os capitães in- sistiram em vender os seus «gasalhadus» (logares de que podiam dispor) aos mercadores, arrumando as fazendas e as matalotageDS pelo corpo do navio» e até as pipas da aguada pelas mesas da guarDíçHo, e pelo chapitéa e Cas- tello de proa. Os pilotos, mestres, e officiaes faziam o mesmo, rsào foram menos desprezados os preceitos do alvará em relação á segurança das naus e ás commodida- des das equipagens. A cublça zombava d'elles* Era pro* bibido consentir pessoa alguma na coberta da ponte deS" tinada aos agasalhados» dos marinln ii os e grumetes, e os particulares compravam sempre para seus fardos a(juelie espaço. Mandava-se dar pendores ás naus apenas cbegask sem á índia, e que se lín^)assem, e calafetassem por den- tro e por fóra» e ntò se fazia o menor caso da prevenção K A sciencia das construcçôes navaes não estava tão atra- zada como em geral se cuida. Tso lim do século xvi fabrí- cavam-se navios, que já deixavam longe as modestas di- mensões das naus, com que Vasco da Gama tinha montado o cabo da Boa Esperança. De feito a nau S. Gabriel apenas media 1 20 toneladas, a S. Rafael 100, a Berrio 50, e a nau dos mantimentos 200. Desde o tempo de D. João U tinham principiado a íazer-se navios mais fortes, com mastreação mais bem entendida, e maior porão para viveres e aguada^ Sabmos, entretanto, que uma nau de 1:000 toneladas construída por este rei foi reputada uma verdadeira ma- 1 AlvBiá de âO de íeveieiK) de ifiOi. Digitized by Google I 72 HISTORIA D£ POBTCGAL Marinha ravilbn, c que não c«iusou menor admii ação a idéa de guarnecer as caravelas de peças de grande calibre para I disparar tiros razantes ensaiados primeiro nas aguas de Setúbal. D. João suppunha com motivo, que as carave- las, pequenas e ligeiras, resistiriam com vantagem aos vasos de nito Ijordo. A balas de pequeno calibre das naus, porque no mar ainda se nuo usava de artilheria gros- sa, passavam por alto, e as dos pequenos baixeis feriam pelo contrario ao lume de agua os grandes cascos, met- tendo-osapique*. A astúcia, com que o rei fez divulfrar, que os navios re- dondos não podiam resistir na volta ás correntes dos,ma- res da Mina, a íim de não ser inquietado pelos estrangei- ros nas conquistas africanas, fundava-se no conhecimento da marinha da epocha, c na certeza de que nenhum piloto de fúra ousari:; navegar para aquellas paragens em navios latinos, ou semi-latinos. As galés e caravelas, por peque- nas, não podiam carregar grandes pesos, nem metter a bordo tropas, machinas de guerra, ou materíaes de con- strucrão. Os navios redondos, carraças, nrcas, maônas, marrilianas, e galeões tinham pelo contrario multo maior capacidade, e por isso se consideravam os únicos va- sos aptos para transportes volumosos, motivo por que D. João II procurava desvia-los da navegação da Guiné, espalliai;'}() a fabula, de que as correntes fortíssimas e ra* pidas não se deixavam vencer de vasos tão sujeitos a des- ^ cair, ou a garrarem. De feito os navios redondos, de casco corto, largos de fundo, arredondados na pôpa e na prôa, quasi semi-cylíndrícos por baixo, e com pouca quilha na agua eram ronceiros, pesados, e lentos na manobra, lu- t Castanheda, Hktmia da índia, liv. i, cap. pag. Se7.— Quín- iella, Aimaeê da ifonnAa Portugueza, Una. i. Digitized by Google BOS SÉCULOS XYII £ XYUI 73 tóvam diílicilmentt' com o mar, e mal podiam chegár-se Manniia ao vento, lluctuaado quasi como bolas inertes á tona de agua de um rio*. Pelos íínts do remado de D. Manuel» e em todo o tempo de D. Joio ni è que as scíencias náuticas e as artes de conslriicção e de apparelho toiiiaiaui mimi incremento. Âugmentoií-se a grandeza dos navios, clevnndo-se de 400 a 800 e a 900 toneladas, e depois a muito mais de 1:000, sem a força e a estabilidade dos cascos, e sem o panno e a mastreação corresponderem ás dimensões, ficando pelo contrario os navios mais fracos e em peiores condições de resistii-em aos golpes do mar e aos tem]:)oraes. Entre os vasos redondos, ikbncados n'esta epocba e nas immedia- tas, toinavan[t*se notáveis as carraças, immensas naus que lidboa enviava ás índias orientaes e ao Brazil. Reputam-se hoje obras portentosas os soLei bos vasos inglezes e fran- cezes de 3:000 e 4:000 toneladas, e não queremos recor- dar-nos, de que os nossos estaleiros lançavam ao mar as carraças, que eram navios de guerra de sete e oito cober* tas, com alojamento para dois mil homens, carregando 9(8:000 kilogranmias, montando trinta c duas pecas de bionze, e não podendo navegar em menos de dez braças de agua de fundo. Por baixo das cobertas passeíava um homem corpulento sem tocar nos tectos com a cabeça. A pòpa e a proa, muito mais altas do que o convez, for- mavam dois castellos erguidos nas extremidades da em- barcação, correndo entre eiles um bailéu, ou varanda vo- lante de dois andares. Alem dos canhões grossos, alguns 1 Beiende, Chromca dêEl-ReiD.JoãoU, cap. xxiv, fl. 13 v.-— Nota XXXV de Mr. Jal, na olira do Mecído Tlsoonde de Santarém, intitahda Bedureha tur tet déeimvertit de» fNiyf sUué» ftc r h cóle mdeníaJe ^Afriqw au*d^à du cap Bojador ou siède xv. Digitized by Google 74 HISTORIA DK POBIUGAL dos quaes pesavam 48:300 e 22:950 kilogrammas, asses- tavam-se nas gáveas, tão grandes que podiam caber nos cestos dez e doze Iiomens, varias peças pequenas. As car- raças pelo calculo deJIir. Jai mediam da carlinga ao con- vez quasi 10 metros de altura, e de âvante e a ré nio menos de lô"/) por causa do acastellameiilo Não eram só as carraças os únicos vasos de grandes proporções. Gonstniiram-se também galeõs enormes, e ficou memorável entre os navios redondos da nossa ma- rinha o famoso galeão S. João, appeilidado «bota-fogo» pela quantidade dos canliões, que o armavam. Tinha cinco cobertas altas, largas, e tão compridas, que tomavam a ex- tensão de quasi duas vezes uma das maiores naus da ín- dia, as quaes tinham quatro andares. Na esquadra, com que Cados V invesliii Tuiiis em V^^XS, figurava u;i divisão de André Doria um navio redondo anmenso considerado O mais gigantesco da Itália, mas o nosso excedia-o, e as suas dimensões eram taes, que batia por dma de toda a armada.  tradíçlío dava-lhe trezentas e sessenta pecas de bronze de todos os calibres, numero de certo exage- rado pelos auctores. Tinha quatro baterias, a do lume de agua de peças reforçadas, a de colubrinas, a de meios ca- nhões, e a de esperas e meias colubrinas. Na prôa e na popa le\ aiiLavam-se dois enormes castellos cora tantas pe- ças, que pareciam dois vulcões, quando os camelos, os pedreiros, as meias esperas, as águias, os sacres, os fal- cões, e os berços, vomitavam torrentes de fogo. Guarne- cido por 600 mosqueteiros, 400 soldados de. espada e rodella, e 300 artilheií^os, levava pelo laliiamai da prôa 1 Amuuí (2a MmvHka FwíiÊgmxa, tom. t, pag. 373.-^AiMtlaiiim> toi aos Quaàn$ Nwm pelo sr. Celestino Soaiea, tom. iv, pag. 21$ Digitized by Google DOS SÉCULOS XinH E XYIII 78 um esporão, oa serra de aço linissimo, com que rompeu a forte cadeia, qae fechava a entrada da Goieta K As va- randas, espécie de andaimes, chamados bailéus, toman- do ainda mais alterosas as naus e ^^alés, servinin [lara os soldados pelejarem de cima e os remeiros se ampararem debaixo. Faziam<se também arrombadas de tábuas para abrigar os combatentes dos tiros e arremessos. A parte mais elevada dos castellos denomin»va-se tchapitéu», e chamavam-se «xarelas» as redes de corda, (jue defendiam 08 bordos dos navios do assalto dos inimigos ^. Entre os navios pequenos mais usados figuravam as liíistas, baixeis de pouco bordo, que navegavam á véla e a remo, e as caravelas, que içavam tres vélas lateraes, havendo-as de cinco mastros, aunadas de canhões pedrei- ros. Os caravelões dos Açores encontravam-se com fre- quência nas aguas d^aqueile archipelago. O varínel, ou barínel, de que talvez o nome sobreviva nos modernos varinos, foi a embarcação de r emo, que mais empregou o infante D. Henrique nos primei rus dt'í>cobi iim nlos. As caraças parece terem sido originariamente fabricadas em Génova, d'onde as adoptámos. As charruas de pôpa fe» chada introduzidas pelos hollandezes eram vasos de guer- ra, muito pesados, e só úteis para ti ansportes. No século x?Ti chamavam-se «bichas» os pontões, ou grandes bar- m razas, fortíssimas, e capazes de montar seis bôcas de f<«o de grosso calibre, o aproveitavam-se bastante na de- feza dos portos. As cfragatas Singelas», bastante ligeiras, 1 Francisco de Andrade, Chromcti deEI-Reí D. Jo«/) ///. pari. ni, cap. XV, fl. 22, col. ±* — Memma das Armas Castelhanas, cap. xvi, pag. 97 e 98. ' Gaspar Kstacio do Amaral, Relações, (.'itado por Moraes. — Cas" lello Branco, Memorias Militares, tom. i, traí. xxiv. — D. Francisco Manuel de Mello^ Epanaphoras, pag. 55S e 219. 76 HISTORIA D£ PORTUGAL Marinha com (Icz pcças de artillicria somente, acompanhavam as gj^. armadas como «avisos». Finalmente os Rumbergs,íkd^'ios inglezes de grande poder e assás veleiros» inspiravam aos hespanhoes grande receio pela superioridade das tripula- ções e das manobras ^ As galés, as galootas, e as galeaças na segunda metade do século XVI e na primeira do xyii, ainda não haviam perdido de todo a importância, e só desappareceram in- , teiramente no principio do xvui século. Movidas a remo e com vélas triangulares, ou latinas, antes da invenção da pólvora, e mesmo depois, formavam a força principal das esquadras, o dependia d'ellas essencialmente o êxito das batalhas. Os remeiros trabalhavam descobertos. Imagina-» ram-se os castellos depôpa e de prôa guarnecidos de sol- dados para os i»roteger. Na construcçâo das galés a prôa constituía a parte mais forte. O beque terminava por um talhamar, ou esporão muito rijo de metal. Tinham dois mastros, que se abatiam, e uma vèla latina em cada um denominada bastardo. De ordinário oilereciani capacidade para vinte e cinco e trinta liancos cada um com dois, ou tres remos, c dois e tres liomens por cabo de remo. Me- diam 44 e 45 metros de comprido as maiores com 6,6 de bôcae2,â de pontal. Montavam cinco p( as, emaís, como logo veremos. Aappellaràu dos remus dava-se também o nome de «palamenta». Os da parte da pôpa diziam-se de voga, e os da prôa de sota-voga. As equipagens, compostas de soldados, e de poucos marinheiros consistiam mais que tudo nas chusmas dos 1 Gaspar Estácio do Amaral, Rètaçôes, citado por Moraes. — Caá- iello Branco, Memoríat Militarei, tom. i, trat xxiv.— -D. Fhuidsco Msmuel de Mello, Epant^phoras, pag. tSSè e 219.--Qointe]la, AntiMi da JfortnAa Partugnixa, tom. I. Digitized by Google ' DOS SÉCULOS XYII E XVni 77 remos, até ao reinado de D. Affonso Y, e talvez até ao de umz D. João II tirados das classes dos pescadores c barquei- ros, cujas vintenas forneciam as frutas de galeotes, dando de cada vinte um homem para o serviço do mar. Do go- yemo de D. Manuel em diante foram empregados nas dracmas os captivos moaros e os presos sentenciados a trabalhos públicos. A galé seguia muito e com violência iiicrivel a cada remadura. Os forçados iam acorrentados aos baacos» pelo.meio dos quaes circulava uma coxia, por onde o comitre passeava, castigando-os com aspereza, e até acutílando os que desmaiavam na peleja. A offieiali- dade reduzia-se ao capitão, ao comitre, e ao sota-comitre, que exerciam fuiicções análogas ás do mestre c contra- mestre das naus» O posto do capitão era na pôpa. Os sol- dos ás vezes gnamedam os bordos, mas o grosso da forca, denominado «taife», coUocava-se á prôa para as borda- gens. As galeotas tinham um só mastro com dezeseis ban- cos. As gaieaças distmguiam-se das galés por levantarem tres mastros, que não se podiam abater, e contarem trinta e dois bancos com í 92 e ââ4 forçados de remo, e tres ba- terias á prôa, sendo a mais baixa de canh?ies de 32, alem de outras tres por banda armadas de peças de 18. No comprimento e na largura igualavam os maiores navios, e podiam levar mil, e mil e duzentos homens entre sol- dados e romeiros. Assimilhavam-se a fortalezas boiantes. As de Veneza, sempre capitaneadas por um nobre, de- viam acceitar o combate, aindaque as provocassem mais de vinte galés turcas ^ No século xm as fastas navegavam com vinte e cinco remos, trinta soldados, trinta remeiros, e tres, ou quatro peças pequenas, usualmente falcões. As galés e gsdeotas A QunteUa, A»nm da Marinha Pcrttisitma, Um> u Digitized by Google « 78 HBTOBU m PMTOGAL jtfarinha ordíoaiiis eram do porto de UOO tooeladas» e es v«m Jl^ dMumados barcagas trawarn castelk» de madeira com da» colubrinas reforçadas. O armamento dos navios variava muito, segundo mo&traiii os livros da Ârle Militar, de Qi- rolamo CaUiueu Novarese. Os caubDos mais grossos mmr tavam-fieápôpa, ápFòa« e do meio da coeladodaMiiiiwa diaote. Nas baterias de bembardo e eslibonk) jogaiWQi pegas de 20, debaixo da primeira coberta doi^ [ícdi cuoò de 100, um dt; cada iadu, ^obre o Castello de ré um câr nhão de 20 oom sacres de li. P«èas varandas (bakonaíftj do cMello moc^etos áe aMga» e oa 3, Ott de 6 oomalguBs eanhões de dO. No Castello de firAa faiconetes de 3, ou de G, e mn de 12. Nas {^avias pelo menos quatro mosquetes aa grande e dois Jia pequena, por guardas-lemes dois pedreiros de AOO, e poi^ baiMto outros dois. Finataieiiite à prAa sobre a «canMwa ^iis^ioii» nbões de 20, oa duas aeíAS ooloMBas. PreforâHie a nv^ tilheiia grossa. As colubrinas da pròa aiu pai a ttlcançar o inimigo, e as da pòpa assestavam-se para cobrii^ as reli^ radas. As do meio da AAUibatett a iWo os cxioinari^s. Ite gaUs iiMManranae áprftamacaDbio deâQ^4aasiQ0<' InbrÍBas por b^da, e ao cabpesÉaatetOutuasdaas por lado com falconeles de 3. Nas pequenas amuras ima passaVrO- lanle de i6, e um liodroíro de 3iQ por iionda* JNa <\^aKi^Ad^ da pâiia (múim) um&kii» 4e ^ «{mm* h9m umeam de 12» e mm dois«siHdfis.pafla as sdiws^ X6omé€aDo, capitão ordinário e ,conaelbeii'o d3gU6i>ra 1 Curiosidadeiít de Gonçalo de Saim, manuscripto da bilOíotht ca ' de Ajuda. — Girolamo Gataneo Novarese, DeU u\He Militar e lihri cin- que. T3rescia 1534, liv. v. íl. 16 e 17 e 12 o 13.-0 alvará de 20 de fevereiro de 1604, providenciando sobre o annamento naval, dis- poz que as naus levnssorn 10 peças grossas, 5 por Landa do mas- tro de amn^j .duas múa&^ ««peca» m caatelb 4e pr<^» um por Digitized by Google DOS SÉCULOS XVil E X?III 79 4e Fiippe Hl, tratsado das conslrucções navaes do sea Mêm^ lampo, accusava os mesti^es hespanhoes, italianos e por- tqguezes, de arrarem as dim^^isôes, motivo por que os OMfios ficavam Bialfi largos^ oa estreito» de pôpa» oa de prda do qoe devian ser, mais curtos» ou compryos de quilha, mais altos, o« mais baixos de pontal, mais aper- tados, nu abei tus de boca, coiiipoi laiido-se por i^^u muito mal imas veaes» aão daiido outras pelo leme e véla» 6 damBdndo aeaifro nuiito fu&de, o que os eipuuha a psm rim na entrada das barras e dos portos. Uns joga- vam muito, outros afocinliavam, e em quasi todos se no- tavam grandes defeitos na mastreação e nas ver gas entre- gHss aAS caifiÉtfeiros, e labricadas fóra de medida e de pnfivQio. àí/mt dflBlo os neesos oonstmctores erames- tiniirr, e ftomraonsie klrodiuBiido aperfdçoamentos, (|ae as outras nações depois receberam apesar de os es- iFanhai^em no prinàpio. Foi um d eiles lançarem os vasos do estaleiro pela pòpae nâo pela prôa, como quenaouso gml, pm já íiiíbmm m oosaes mestnas» que o navio ftndeie enlra mais facilmi^e na agua com os delgadas do cadaste e de ré, do que com a bochecha da prôa. Deveu- sstáhee aindaadivisik) des cestos de gavia em dois quar« leis, a éwma^ das wandas» eu jardins das pôpas das MB, «Iam 4o6 ostttades sebre gaiagala, e as podas da artãttMfúa quadradas, em vez de circulares ^ Os pre$os idas cojusirucçêes tinham augmentado ao pas- Uni^ âlUaOM pot «fana do «latoHo. Do niartro de ré 8 ipa^as plmm^Ai§m hmà/^M itmm do capitfa Ko cluipitóo do cas- trilo éòité t Ukík» padrôro^ e oufroa 2 sob» a xarata eem baixo na aleaçora dos lioiiibaidein» como guardas-Iemes 8 peças de gran- de «dibre. AanUet com Uu regUa de ardmtUmg PQ' Thooié Cano Sevilla» Digitized by Google 80 HISTORIA DE PORTUGAL uarâM so que a segurança e a perfeito diminuíra. No tempo de CaiiosV valia apenas 4:000 ducadusumanaii, que em 1611 custava 1 3:000. Um calafate no reiiiadu de Filippe III, ou um carpinteiro, que no tempo de seu avô se conten- tava com 2 reales e meio de jornal pedia e 14. Uma peça de lona de Pondavi, que em 4566 se vendia por 33 reales, não se cuiiiprava em 1611 por 12 ducados. O quin- tal de enxárcia de Flandres subira de 2 a 8 ducados. O? fretes também iiaviam quasi quadruplicado. No governo do imperador pagava-se por tonelada i% ducados de transporte e 2 de premio de avarias. Em 1611 40 du- cados de frete e 12 de avarias. Em 1512 mandava el-rei . D. Manuel satisfazer a Lopo lioiz, mercador de Aveiro, 300:000 reaes por uma nau de 250 toneladas construí- da a raâSo de 3:000 reaes a tonelada, e em 1615 Blanuel Gallego e Manuel Moreno Chaves contratavam as naus S. Julião e Nossa Senhora do Vemimento, postas á véla, por 25:500^^000 réis. Em 1626 o casco de um galeão de 500 toneladas com mastros de traquete, mastro grande de mesena, contra- mesena, e cevadeira, leme, canoa, e quatro ancoras custa- va 900^^000 réis, e apparelhado de tudo, vergas, enxárcia, velame, sol)resalentes com vinte peças de artilheria, com munições e mantimentos para 110 homens de mar e 160 de guerra, providos para seis mezes, e pagos de soldo pelo mesmo praso, valia :31:800í5ÍOOO réis. O custo de uma nau de três cobertas, prompta, com 24 peças de bronze, munições, e viveres para 1 50 marinheiros e 300 soldados, era orçado em 48:530^00 réis* O soldo do mestre e do piloto era de réis, o do contramestre e do sota 1611, fl. 15 e iò,-^Additamento8 aos Quadros Novaes, pelo sr. Ge* ' lestíno Soares, tom. iy, pag. 2S0 e 221. Digitized by Google DM SBGOLOS XYH £ XVIll 81 piloto réis, e o do guardião 20^1000 réis. O escri- nwiatafe vau, o (li^penseiro e o barbeiro venciam S^JOGO réis, o ca- pellão I80OOO réis, o cirurgião 18(^000 róis, os carpiu- leiros iléOúQ réis cada lun» os calafates 1741000 réis, e o limoeiro i£MH)00 réíB. O condestavel da artiUiería tiiÁa 1^80 réis mensaes, e cada bomhardeiro Í^OOO réis. Dos marinheiros recebia cada um 14^800 réis por toda a viagem, 0^730 réis cada grumete, e 4^^456 réis cada pagem. O capiíão vencia de soldo lOOvVQOO réis» e cada flokhdo de infòntería 44KHH) réis. O soldo do ataxurante em IQ^i não excedia 100 escudos. Calculava-se em réis Í2Í00O o preço de cada raçKo*. Em 1027 a enxárcia encommendava-se nas comarcas de Saatarem, de Coimbra, e de Moncorvo» mas a colheila tío diegava. O panno das vélas lavrava-ee na terra da Maia, mas era pouco para duas naus. As tres iuodições da coròa não podiam ajíromptar as peças de bronze pre- cisas para doze galeões e quatro naus» e os armazéns adiar m-se vasios de munições» qoe iam C(miprar-se a Hs* caia.  pólvora 'vínlia* tambm de fóra. Eram necessários 4:920 marinheiros e 3:!20 soldados, e n5o se esperava recruta-los em seis mezes, nem se contava apurar o di- ofaeiíio mdi^pensavel para as ajudas de casto» soldos, e nmdias. Esta dedlaaQio nio era nova. Em 1906» saãido o conde da Feira para a lndla«com uma armada, perdêra quaBi todos us iimn íos por mal apparelhados v tripulados. Mlimm marinbsiros e artiUieiros práticos» e no aperto tançomkwndtei dl^primeim que apparadam. Em cfih ^ Thomé Cano» ÂrU para fatriear y apartar nauSj eU., pag. 43 • Ui.— Bibeiío» Dkiertoffiú Gknmohgiea, tom. v» pig. ZUL-^-^Cu* nimãÊdmdê^ót^éMoma, ptg. W « iei;*H>M«Us» íImmm dd Marinha Portugmza, tom. 11, part i, pag, M e M. ffOM T 6 9È UISTOBU DE POBTUGAL iMate tras epochas uma nau portugaeza defendia-se de tres e de quatro naus inimigas pelo valor do capitSo e das guariiivues. Desde que a gente costumada á vida mari- tima e capaz de ai&'ontai' trabalhos e tormentas escas- seou, a honra da nossa bandeira padeceu opprobrios* Os doentes, sem camas» sem remédios, sem Ihnpeza, e sem consolações, raras vezes escapavam á morte. Embarcan- do creanras e caniiioiíezes boçaes, á forra, e amarrados, não era para admirar, que o medo os paralysasse aos primeiros tiros. PromeUeu-se soldo por inteiro e maior que o antigo aos bons marinheiros, mas nem assim con- correram. Em 1638 as pagas corriam tão alrazadas, que o governo nào achava capitães, nem homens do mar ex- perimentados K Na luta prolongada contra os hoUandezes os effeitos d'estas causas de inferioridade cada dia se tornaram mai^ sensíveis. A medida que elles progrediam enriquecidos com os nossos despojos, atrazavam-se e decaíam em Por- tugal as artes navaes privadas de estimulo e como cpie desamparadas. Os navios dos Estados Geraes, mais bem construídos e appareUiados, mais razos e ligeiros, melho» res de bolina e com mais panno, qaasi seiíiiu e alcança- ' vam supplantar os poi iuguezes, que em 1633 não tinham ainda mastaréus de joanetes, nem vélas de estáes. A ar- tilhería neerlandeza, de maior calibre, e servida por bom- bardeiros hábeis, e as suas equipagens compostas de mari» niieiros excellentes, lutavam com vantagem contra as nos- sas naus, que não podiam corresponder com igualdade á certeza dos thros, nem á rapidez e perfeição das mano- 1 Curí09idade$ de Gonçalo de Sousa, pag. 32, 35, i98 e 160. — Megacion en favot* de la cmpama de la índia ormUU por 0uarta Gomes SoUia^ pag* 7 t. Digitized by Google DOS SÉCULOS XVil £ XVllI 83 bras, e í|ue sobresaiam sómente nas abordagens travadas umm corpo a corpo*. Jj^ As perdas padecidas nos sessenta auiios da dunuuavào hespanhola, calculadas cm mais de oitenta e seis embar- cações e em mais de 30:000 contos da moeda da epocha, diminuíram o poder naval da coròa portugueza em todos os mares, que antes a sua bandeira assobet hava. As for- midáveis forças marítimas, que sustentavam na índia um kq^erio tão desproporcionado para os nossos meios, de* dinaram rapidamente, ao passo que os holiandezes só no espaço de nove annos (de 4598 a 4607), mandaram ao oriente cento e treze navios, numero muito superior ao que podiamos oppor-lhes. Os vice-reis e governadores envidaram esforços quasi heróicos para susterem o col- losso na quéda, mas tudo se declarava contra nós, e as proezas de Ruy Freire de Andrade e de outros capitães, dignos continuadores dos grandes feitos das primeiras epochas, foram os últimos clarões degloria, que viu aqueiie período de tristezas. Depois seguíu*se a noite da deca- dência. As naus dos neerlandezes senhorearam o commer- cio da Asia e do Brazil, e, vencedoras nos combates, en- grossaram as riquezas à custa lia ruiiia de Portugal'. A táctica naval pouco havia progredido também, con- eorrendo para a atrazar as mesmas causas, que tinham enfraquecido a nossa marinha desde 4585* As esquadras navegavam em uma, ou em muitas columnas, segundo o numero dos vasos. O logar do general, ou do almirante era no centro da linha de marcha, ou de batalha. A capi- tania trazia de dia bandeira larga e de noite pharol á pô- 1 QuiDteUa, Mnaes da Marinha Portu^za, tom. i, mem. i.— O Panorama^ vol. iv. 2 Uiidem, ibidem. Digitized by Google 81 HlâlOBl D£ POUTUGÂL Marinha pa. Os coml)(>ios niivegavain ;i sotavento, on a barlavento jjj^ da esquadra, cuiiíoime as ciicumstancias. O principio fundamental da estratégia consistia no ataque em cortar mna parte da Unha contraria, rodeando-a de forças supe- riores» e na defeza em tomar posições, que inutílisassan aquella manobra sabida, voltando-a contra o inimigo. Na expedição do mai*qucz dc Santa Q*uz aos Açores em 1582 a Victoria da armada castelhana nas aguas de Villa Franca do Campo foi devida â habíl applícação, que elle deu a estas n as enlSo communs. Strozzi e os francezes acha- vani-s(^ a barlavento, e vinham arribando ciii pupa soijre os liespanhoes. Estes, seguindo o bordo fechados á boli- na, transpozeram a Imba contraria, de modo que, virando ajudados do vento, ficaram a barlavento. Santa Cruz pele- java no centro a bordo do galeão S. Martinho^ que monta- va sessenta peças e oitocentos arcabuzeiros, e tinha as ga- vias guarnecidas de soldados e de pequenos canhões. Nos extremos da linha combatiam algumas das suas melho- res naus. Um pouco a sotavento estavam quatro navios de reserva, e ainda mais a sotavento as em])arcações me- nores. A esquadra de Filippe II, muito supt i loi em arti- llieria, soube aproveitar-se da vantagem. As baias das ba- terias e o fogo mergulhante das gavias arrasaram os cas- cos, a mastreação, e as guarnições contrarias*. Nas pelejas, em que entravani gales, estas offereciam sempre a prôa a fim de cobriiuMii os remeiros, traziam as velas carregadas para prevenir incêndios, e para inves- th* de perto o inimigo mesmo contra o vento. N^aquellas occasiões os forçados remavam com extremo vigor, espe^ cialmente quando se operavam moviuientos decisivos. A 1 Qnintella, Ánnae$ âa Marinha Pofiugueza, tom. t, mem. K— O Panorama, voL iv. Digitized by Google DOS SfiCOLOS XVII fi tVlII 86 grande dextreza couâistia em abalroar os conti arios em MamiMi lioba obliqua, oa perpendicular ao meio do costado, a fim de lhe quebrar os remos e dizimar as chamas descoher^ tas aos tiros dos castellos, e para lanç^-ír golpes de gente no convez. O choque (lo esporão ui^rombava o casco das galés, se as não metiiam a pique. Tornavam-se fáceis para das as manobras, que os navios de vela não ousavam arriscar em presença do inimigo. Movidas a remos podiam chegar-se ao vento, e loiiiai a direcção mais favorável. Os navios redondos, ou as naus, galeões, urcas, e cai ícK as pela âua construcçâo torpe e defeituosa moviam-se e vi- ravam com grande trabalho. Pesadas» como verdadeiras Gidadellas boiantes, e carrepdos de artilheria desde as gavias até á tolda e ás cobertas, se acaso similhavaui vol- còes em irupção, perdiam, quando accommettldos por vasos mais leves e veleiros» todas as vantagens, e oífe* reeiam um alvo quasi immovel aos tiros dos contrários. Aquelles cascos curtos e alterosos com o tombadilho e o Castello de proa muito elev.idos, com n mastro de mezeiía pouco maior que o de uma lanclia, aonde a[)erias se en- funava uma velinha triangular, com os mastros grande e de traquete sem mastaréus de gavia» e o^upez quasi tSo alto como o mastro do traquete, é daro que nio po- diam ter a velocidade precisa para nianobrarein diante de vasos muito mais ligeiros, mesmo depois de introduzidos os aperfeiçoamentos, que no século xvn melhoraram um pouco assuas condições ^ •Resta-nos apontar succintamente o estado, em que se achava a defeza maritioia do reino. Até aos fins do sécu- lo XIV a enti ada do Tejo conservou-sc aberta, e D. Fer- nando em IdSI teve de mandar recolher em Sacavém 1 Quiiitella, Antuies, tom. i, ukein. i. Digitized by Google I 86 HISTORIA DE PORTUGAL HariDbA todos OS iiavíos com as p6pas voltadas ao rio guameci- guen a ^ engenhos usados no seu tempo, e de fechar a entrada com duas grossas cadeias de ferro para impedir a nrmada castelhana de rorl ir os soccorros a Lisboa. O mestre de Aviz, advertido pela experiência, es- colheu o sitio, aonde as duas margens do Tejo se aper* tavam mais, e levantou na do sul uma bateria ao lume de agua. É provável que o seu plano fosse construir outra na margem do norte, mas não chegou a realisa-lo,eD. Duarte e D. AiTonso V, não se occuparam doesta obra. D. João II, mais cuidadoso, augmentou o forte de D. João I com uma bateria alta, e determinou erguer na ponta fronteira de Belém a torre de S. Vicente, cuja planta riscara o chro- nista Garcia de Rezende, a fim de cruzar- com os d'ella os fogos da Torre Velha de Caparica. A morte veiu atailia-io, mas D. Manuel executou o risco, e o seu successor con- cluindo. D. JoKo III convencido da necessidade de fortifi- car tnmbem a barra, traçou um mesquinho forte sobre as rochas na parte do norte da foz do Tejo. O desenho pareceu acanhado á regência da menoridade de D. Sebas- tião, desenvolveu-o niais, e fez a torre de S. Julião. Em 1578 lançaram os governadores do reino os alicerces da de S. Lourenço, então chamada da «Cabeça Secca», e hoje do «Bugio», e Filippe II acabou-a. D. João lY em 1641 niandou-a aperfeiçoar, coníiando ao benedictino João Torriano os trabalhos mais importantes K Quando a esquadra do marquez de Santa Chiz, com* binada com as tropas do duque de Alva, investiu a barra em 1580, a deíeza dos partidários do prior do Crato con* 1 Fernão Lopes, Chrontm de EJ-Boi D, Pedro, cap.xxvi. — Árchivo Pittoresco, vol. v, anao de 1862, 50, pag. 233 e 234. — Memoria das Armas Castelhanas, cap. lu, pag. 16 e 22, e cap. iv, pag. 23* Digitized by Google BOS SÉCULOS XVll £ IVIII 87 sistin em uma linha de navios muito juntos, cstondiíla por Maruua um e outro lado da torre de Belém com a fortaleza no centro, e alcançando de uma á coitra ponta da terra, A torre jogava com tres baterias, e as embarcações tinham os canhões assestados á proa em andares e v.u arulas de madeira. Na frente de todos os vasos destacava-se o im- meoso vulto do galeão Bota Fogo, Herrera, louvando esta ordem de batalha, que a venalidade, e nio a força tomou inútil, acrescenta, que os portuguezes se mostraram com ella \t rdadeiros homens de guerra. Nos sessenta anims do governo hespanhol algumas pro- videncias se adoptaram para acudir á defeza marítima. Ordenou £L-Rei, que se reparassem as fortificações da ilha de Santa Maria, da villa de Caminha, e da de Buar* cos, p que se provesse ;i segurança dos togares da costa mais expostos com gente, anuas e capitães, mas o me- lhor e mais forte escudo de nossas praias tinham sido sempre as amadas de guarda costa, e essas estavam re- duzidas a um, ou dois cascos de galés podres e desarmar das, emquanto os hollandezes insultavam os portos, e ameaçavam a barra, e os chavecos dos piratas barbares- cos repetiam os saltos e os roubos, matando e captivando os moradores  este grau de fraqueza e de declinação haixára o poder naval portuguez, t2o opulento e invejado ainda em li>78, como provara a frota com que D. Sebas- tião passou a Africai Km menos de sessenta ânuos tudo se esvaeceu, e do passado do grande século vivia sóm^te a memoria como accusação viva e tremenda dos erros e misérias do presente. i Cartas regias de 26 de feTeieíro e 8 de maio de 1818^ de 7 de maio de 1620, de 2& de maio de 1622 e de 5 de agosto de 1623w^ Carta legia de 6 de julho de 1629. Digitized by Gopgle ■uiyiii^ed by Google CAPITULO in POSSESSÕES ULTR.ÍMARIXAS DA AFiilCA £ DA ÀMmOA t Importância dos descobnBoeatos dos porUigaezes no século iv. O iulaiile D. íicori* RaiAei tu ]Mnefcnui(a. Oj^nHleB dos geographot antigoi ê da meia ida* de Mbre a navigafio do AUanlieo. ^ 60 Eanncs. — Sagres. Nom prapwioi m dias do infante n nos rpínado» d(í AflTonso V e D. JoSo 11. — Pensamento religioMi politico e coiuinercial das navegações porfii?Tiezas. Systema dr rol.-mi^rií "ío reral- mente seguido. — As ilhas da Madeira c Porto Sanlo. — O arctapelogo de Cabo fmàt.^àà tmt de Gitad.— O mpto da Mídb.— Ae ilhaa deS. TiMMé e Pite- dpe. — DescobiiaMBto do Congo. Occupaçfio da costa de Annoia e Bengiulla. — > Hostilidades o conquistas dos hollandpzrs. Estado decadente c precário das pos* • se&sOes da Africi nrcidfntal. — O Brazil e <tias npít.nnia-i. HeseovolvimeoliO da li> qaen de aiguma». Atrazo de outras. Uau^ geracj» úc joraJjsação. A accfio "verdadeiram^e europea do reino de FortiF gal principia com as primeiras expedições e conquistas africanas. O pequeno paiz occidental desde esse iM iiodo todos os dias m&creve o nome no livro dos progressos hninaiios, ergoendo*se do berço guerreiro, e saindo a cnutar os mares. Se até aquelle dia fôra só Portugal, isto é, uma provim la emancipada da Hespauha por longa se* rie de lutas lieroicas, depois da sua participação decisiva DOS acontecimentos, que transformaram a sociedade, con» Tertethse em mu dos mais gloriosos obreiros da eiviiisa* ção, predominando pela intellígencia e com o exemplo 90 HISTOBIA DE POHTCGAL para o êxito da mais audaciosa empreza a que podia atre- ver*se o génio de uma nação, e gravou com o punho de seus navegadores talvez a mais fonnosa pagina dos an- iiaes do mundo. - Ropresontnnie do porvir, d»M*xnii-s»» ç^imr pela fé, e, apesar de tuo resumido em território e população, cou- be-lhe na historia o feito insigne de réalísar com seus pro(figiosos commettímentos a hypotbese^ de que, devas- sadas as solidões desconhecidas do Atlântico, poderia pa- tentear á Em opa o caminho marítimo das regiões orien- taes, hypothese quasi geralmente comhatida. Portugal, o executor predestinado dos successos, que iniciaram a grande revolução começada pelos descobri- mentos, deveu os seus meios de acção ao poder naval, aperfeiçoado por D. Diniz, e á dilatação das relações com- merciaes, todos os annos ampliadas, que famiUahsaram os seus habitantes com os progressos náuticos e com as temeridades felizes. A frequência das nossas viagens ás costas africanas .ilcm do estreito na primeira iiiclade do século XIV é um facto lioje averiguado. Antes do aimo de i636 já as expedições haviam transposto o cabo de «Nun», reputado a extrema baliza dos navegadores. As vélas de Affonso IV descobriram e conheceram as Canárias quasf um stíciiló ;mtes do reinado de D. João 1, cortando as aguas, que a opinião dos sábios e a tradição vulgar suppu- nham o sepulchro de quantos se arriscassem a suica4as^. 1 Memoria do académico Costa de Macedo sobre as navegações dos portuguezes, tom. vi, part. i das Memorias da Academia Real das Sdeneias de Lisboa.— t)ocumenios extrahidos dos inanuscriptos au- tographos de Bocácio, descobertos por Ciampi na Bibliotheca Maglia- bectiiana de Florenra, citados pelo mesmo académico nos seus aJ- ditamentos publicados eui 1835 no tom. xi, part. ii das Memorias da Academia, — Re} naldo, ^nn., tom.iv, pag. 211, col. 2.* Digitized by Google 1 DOS SÉCULOS X\1I K XVIII 9i Mas tentativas sem piano, embora afortunadas, pas- PosMssses sam despercebidas, e quasi nunca deixam vestígios. O grande vulto do infknte D. Henrique domina a epo- cha ennobrecida pelos seus commettimcníos, porque a idéa 6 a prosecuçao foram exclusivamente d'elle. Gil Ean- nes» sem a fé e a firmeza, mantidas em tantos annos do esforços mallc^dos, nunca teria dobrado o cabo Boja- dor, e o oceano talvez continuasse a esconder por mui- to tempo os segredos du íuturolo iiilaiite lutou com fortes opposiçôes, e venceu obstáculos, que teriam des- animado outro menos convencido, ou menos resoluto. O risco e todos os sacríficios carregaram sobre eile. Ne- nhum soberano, nenhum particular poderoso o coadju- vou, e nuiica pensamento mais alto nasceu flf» pi^incipios tão modestos. As diligencias vâs de muitos aimos pare- ciam justificar as censuras e as murmurações, que accu- savam de inútil e de perigosa a carreira mandada rom* per por elle aos seus navios. Os ignorantes diziam que tentava a Deus. Os doutos sorriam-se compadecidos da Chimera das navegações intentadas. 'D. Henrique permaneceu inabalável. Tudo o contraria- va, até a estreiteza dos meios pecuniários, desproporcio- nados para a vastidão de lacs planos. Quando os encetou eia senhor da Covilhã e oitavo governador e administra- dor da ordem de Gbrii»to, e para os subsidiar nâo pos- suía mais» do que as rendas do ducado e do mestrado. Depois as ilhas povoadas pelos donatários e o commer- cio das costas africanas soccorreram-o bastante. Dispondo no começo de recursos relativamente acanhados para um feito colossal, não admira que os compatriotas condem- nassem quasi como delírio a ousadia de o mpreben- der. Raras vezes escapam á nota de loucos os homens» que se antecipam ao século e ás idéas communs. A luz d by Google M BlSTOaiA D£ POBTUGAL foftSMsões que o esclarecia, era muiií) viva, porém, para se apagar jidiiiiiiuih n ^ sopro do orguliio scieiíUlico, ou dos «cepticismo bo- çal» e» íasistiodo, foi ak> longe na senda rasgada, que deixou o caminho aberto aos navegadores de D. Mo D, como estes deixaram entrecerradas também as portas do oriente a Vasco da Gama c a D. Maijuel. Querem alguns que os resultados obtidos por D. Hen- nque fossem casaaes, e unicamente derivados de uma snccessão de lances ditosos. Òutros, citando escriptos e vagas tradições de antigos auclores, não duvidaram ames- quinhar-llie os esforços. Damião de Goes refuta a le- viandade fios primeiros, altribuindo com motivo a um pensamento altumiado pelo estudo a iniciativa e a conti> . nuação das navegações *, A admirado geral e o applauso dos homens notáveis dos séculos xv e xvi aLtestam a prioridade dos nossos descobrimentos, e respondem vi- ctoriosamente aos segundos^. O infante» mandando seus melhores capitães» nlio se conflava do acaso» e» sabendo o que buscava, dirigia sempre em eq)iríto a derrota até ao termo desejado. Duas opiniões dividiram a anliguidade e os doutos nos séculos seguintes^ A menos seguida, invocando a aucto- ridade de historiadores e de geographos gregos e ronuh nos, n3o só reputava exequível, mas assás curta a cir» cumnavegaçHO da Africa. Pedro de Ailly, pui cxrmplo, fondado em um ti ecUo de Slrabão, suppuuba a eiUremi- 1 Damiio de Goes, Chrmiia do Príncipe JD» Mo, cap. vii» * Atem do testemunlio dos capellSes de Bettencourt, do de Ga- dainosto, de Fra Mauro, de Martin Behaim, de Poggio, de Manar- di, Bernardo SOvanus, Toacanelli, e Comines, temos ainda o de Bb- dró Marlyr de Anghiera na ava carta a PompeoioLoBtasemselsin- tapo de 1497, e o de Vivés, na aua obva intttitlada Be JCtmiKfÊk jlfflíftiit, dedieada a D. Joio m em julho de 1531. Digitized by Google DO» SÉCULOS XVII B JIVIII 93 dade da península ibérica separada apenas das índias p ^^^f^^T^et oríentaes por uma pequena distancia */Rogero Bacon, abraçando o voto de Aristoteíes e de Séneca, também cuidava que o mar intci posto entre a costa occidental da Hespanha e o orienta i)0(lei ia ser atravessado com vento favorável em ;il«nins )lias/A!ferf?any, astrónomo do sécu- lo XI, e Averroes no século xu afiançaram o mesmo ^. Mas as idéas scientificas mais approvadas asseguravam, pelo contrario, que ninguém alcançaria montar o cabo Bdador, acabando n'elle os limites da navegarão possi- ver«Alem (exclamavam até os pilotos mais ousados), nío existe srente, nem povoariln, e a terra nreiíos.i, cumo os desertos da I.ibia, descobre-st* nua do liervas c arvoredos e requeimada de séde. O mar é tão baixo, que uma légua distante das praias n3o mede uma braça de fundo, e as correntes precipitam-se tão fortes, que arrastam e tragam os naviosi». Os árabes tinham posto o nome de «mar te- nebroso >xa esta parte do Atlântico, e Edresi ha\ia-a de- scripto com as cores de uma imaginação assustada. O na- vio, que o navegasse, colhido na escuridão (dizia elle), seria afundado por vagas enormes encapelladas pelos fu- racões e tempestades. Para maior espanto, milhares de t Estes andores enomeiaâos por Goes na Qmmua do Prina^ D» João, cap. vn, estSO longe de representaram na iniciativa dos descobrimentos o papel, que elle lhes attribue, mas forani de certo as fontes da opinião a que alludimos. Alem da viagem de Menotan desde o estreito de Gibraltar até ao mar Roxo, e do périplo da na* ▼e§açáo do cartaginez Hanon, citado por Polybio, Heródoto apon- ta a qup Nero, rei do Egj-pto, commett^ra aos phenicios desde o mar Roxo até a Hespanha, e a de Sataspe ordenada por Xentes desdn n Mediterrâneo até pelo Oceano ir tocar o promontório, ou. cabo de Africa. 2 Roger Bacon, Opus Majus^^g-àg. i 83.— Aristóteles, De Coelo ei Mundo. Séneca, Liv. v. De Natur. Qttestion. Digitized by Google 94 llISTOAIA DE PORTUGAL ^PoàMiiòei moiislios líiaiiiilios tí)rna\.iíii uiais liorridas aíjUfilas so- litiucs. Ibn-S;n'd, j ei)ctiiido os mesmos traços, citava as fabulosas estatuas das ilhas de Khalidat, e a letra que mandava volver atrás os baixeis Os navegantes encareciam na primeira metade do se* culo XT os perigos da passagem do Bojador, repetindo as exagerações dos geographos árabes/ Gomes Eannes de .\zurara, na Cluonica da Conquista de Guiné, oííci ece- nosum lestemuiilio insuspeito eni favor do que acatj;imos de expor. O infante D. lleDrique, obrigado a esforçar os seus capitães e a combater a incredulidade geral, dictan- do em 1434 a Gil Eannes as ínstraccões da sua viagem^ dizia-lbe «que o maravilhava o temor notado em todos» 1 Deprehende*» d'e8tas opiniGes, qm os árabes nonca naviQga- ram o Anantioo alem do Bojador. Todo attesla a sua ignorância re- latíTameiite a estes mares arados pelos navios portugueses nos sé- culos xnr e xv. Goiriam ácerca d'elles as fiabulas mais absurdas. No maDUserípto intitulado Aíduw'as*2eman, diz-se, que no Atlântico esdslia a ilha de SalomSo com o corpo do rei cneerrado dentro de um Castello maravilhoso. Descrcvcm-se volc^ de cem eovados de altura, peixes de dimensões monstruosas, animaes de formas e co- res sinj^nilaros., f cidades fluctuantes. Era ali que se viam os três Ídolos feitos por Abraham, o antigo rei dos arab'^> !iymiarilas, um amarello, outro verde, e o terceiro preto. Assevera igualmente o auctor árabe, que appireciam n'aquelle mar muita.s figuras e cas- tellos, que, emergindo de repente das aguas, tornavam depois a abvsuiar-stí n'ellas. Traduc. de Mr. Sloane. liecherches sur la dé- converte deg pnys sur la c^é occidentale d* Afrique par le vicomta dc Santarém, l^ans, 1842, introducçao, pa^. ci e cn nota. A hypo* these da communicaçSo do Atlântico com o mar das índias lifin admittida, porém, alem de outros, por Ládoro de Sevilba no Ti ae- cuto, o no ZT por Pedro de Ailly. Mas tuíos esoiplorof^iiuwa^ zados do que Eratosthenes, Hipparco, e StiabSo suppmdiam o lí« mito das tenras habitadas muito áquem do i/t ao norte do equador. Digitized by Google DOS SÉCULOS XVil E XVIII 95 temor unicamente filho das asserções de alguns mari- i nbdFOS, que, fóra da carreira de Flandres ,e de outros portos frequentados, não sabiam usar da carta, nem da agulha.» Mas lutar contra a tonento das apprehensões era diílicilimo, e multo mais quando escriptores insignes de todos os paizes concordavam com ellas» e alguns as encareciam até em suas obras. Em verdade nenhum tinha Doções positivas do prolongamento e dos contornos da parte occidental do continente africano alem do Bojador, e suspeita-se mesmo» que os cosmographos árabes nem as Canárias conheceram K A maior gloria do infante consistiu, pois, em oppor uma ioalteravel constância sempre a tantas causas de desaten- to. Estava .t rasão do seu lado, mas na espessa treva que a todos encubria a realidade, o querer e o voto de um só homem tentavam quasi o impossível, arcando corpo a corpo com os erros e preconceitos de muitos séculos, e com os obstáculos suscitados pela imperfeição, ou pela deficiência dos meios práticos. O iiifante não ignorava fiada do que a sua epocha e a antiguidade sabiam, mas o que concorreu mais de certo para lhe arreigar o convenci- mento foram as informações dos habitantes dos reinos de Fez e de Marrocos. A conquista de Ceuta, prologo da gran- de epocha dos descobrimentos, começara logo em 141.) a íaciiitar-lhes o caminho. D* Henrique, investido por seu paa no governo supmor da cidade, alcançou novas e co- piosas noções ácerca da disposição das costas e do inte- ^ Azurara, Chronica da Conquista de Guitw, rap. vii, viii e ix.— Edresi, traduccSo de mr. Jaubert, tom. i, pag. 10. * Joaquim José da Costa de Macedo, Memoria em que se preten- de promr que os árabes imo conheceram as Canárias antes dos por- tuguezeãj Memorias da Academia Real das Sciencias de Lisboa, 2.» se- rie, tooL I, pait u. 96 HISTORIA DB POUTUGAL Postessõei rioF da Africa. Ceuta, rica e mercante, liavia de attrahir, iitramarinas ^ ^^j^j^j^ f^^Q alguRias das caravaDas, que atravessu- vam o Sahará, e as noticias dos mouros viajantes sobre as zonas habitadas do interior, nSo só desmentiam em muitos pontos a versSo commnm, como desterravam para o limbo dos phantasmas os terrores gerados na phaatasia dos geofírniilios *. Esta luz, embora vaga e pouco intensa, era suíliciente para esclarecer os primeiros passos, e para aíTirmar a um espírito naturalmente intrépido e emprehendedor o bom resultado de seus desejos. Devemos suppor até, que o in- fante se adiantasse mesmo, acreditando com os auetores inclinados' á opinião da circumnavegação da Africa, que ella, não só era possível, mas relativamente curla, wiici- dos os receios que a tinham atalhado até então. De outro modo a confiança e a tenacidade do príncipe mal se expli- cam. Para negar as conclusões dos cosmographos mus conceituados, e arrostar com as repugnancias geraes, por força deviam preponderar no seu animo argumentos va* llosos, e não instinctos cegos, ou suppostas revelações di- vinas. Alem das paginas d(?sconheci<las do vulgo dos sa- bedores, D. Henrique colheu seguramente os maiores estímulos nas idéas religiosas, tão ardentes n'aqueUe pe^ ríodo, e nas Idéas de engrandecinkonto beMdas com o leite da infância no seio de uma epocha beroíca. Dilatar a fé, avassallar os mares, e alargar até ás índias do Pwfr te João o cuimii» rcio portnguez, eis de certo os pensa*- mentos, que mais deviam influir n aqueiia grande alma, > Barros, DefifJns, liv. i, cap. ir. Obras eompletus dtí cardeal Sa' raivãj tom. i. Meuioria áeerca do infante D. Henrique e do» dHOO* hrinwitos de que cUe foi nuctor no século XV. — DamiíU) de fiW^ Chronica do Pi mcipe D. João, cap. vn. Digitized by Google DOS SÉCULOS xvii E xvm 97 iilomlnaDdo-lbe de esperanças, realísadas em parte, a es- trada que rasgou. I O li\TO das viagens de Marco Paulo andava nas mãos dos eruditos portuguezes, e o tratado De Fim, de Aay- anmdo LuUio, composto pelos fios do século xiv, grau^ geára acceitaçlío europea.  primeira obra pintava as ma- raviilias do orieiite, e, exallauilo os thesouros do Cathay, 6 as opulências de Gipango, espertava a cubiça e a ambi- ção dos homens aventorososíV^a segunda o sábio malhor- quino, reprovando como estéril e ruinoso o systema das ' cruzadas maritimas, propunha contra os sarracenos um plano mais hábil e rasoavel. Aconselliava que as armas ^'chhstãs a pouco e pouco os fossem rechassando de suas conquistas até os ^rçarem a recolher-se desbaratados ao ponto d^onde haviam [)artido. Raymundo LuUio lembrava para a realisação (feste projecto a tomada de Granada, a conquista de Ceuta, e a occupaçãu da Aírica sej)tentrional até ao £g>pto. D. João I rendeu Ceuta, Izabel a Catho- lica apoderoa*se de Granada mais tarde, e D. Henrique, combatendo o islamismo nas posições mais avançadas, em Ceuta, em Taiiger e em Alcácer, apontava ao mesmo tempo a seus navios os mares e costas da Africa occiden- tal na idéa de abrir por elies a p^issagem da Europa para as r^ões descriptas por Márco Paulo, dotando Portugal com o tracto commerciàl, então monopolisado pela Itália, cujas reijublicas eram a inveja das nações maritimas. A fortuna auxiliou-o. Gil Kannes dobrou o cabo Boja- dor, e, desde esse feito appiaudido pela Europa quasi com admirado igual á que depois celebrou a navegação de Vasco de Gama, uma serie de descobrimentos veiu pro- var, que o luíantc pelo seu arrojo e firmeza soubera ele- var um pequeno paiz ao maior grau de iulluencia.|Os vo- tos do príncipe cumpríram-se na melhor parte. Dilatou TOMO V . ' 7 mmau de mitugal nuétóOM a fé e aogmentoa o esplendor da terra natal. Tudo o que ^^^''""^ descobriu, conquistou, ou ajudou a conquistar, foi por elle generosamente doado á ordem de Ghrídto, não reservaii- do para si senão o direito de não descansar, e a gloria de haver feito da sua pátria o berço da mais profunda revo- lução, que o mundo contemplára desde a queda do im- pério romano. O successo confundiu os incrédulos e emu- deceu os detractores. Os que mais haviam deprimido a eínpreza converteram'4e em apologistas d*ella. Os que se tinham afastado nos dias de incerteza proi)ozeram a sua cooperação. Rasgadas pelo desengcUio as m^voas qiit' iol- davam havia tantos séculos os horisontes, a temeridade substituiu os receios. Os projectos mais ousados deram- ' se por fáceis desde que um lancé feliz venceu o impossi* vel imaginário. Datam d'esta epoclia os proí^re^sos mais firmes, e, por assim dizer, aorganisação sK^Lcmalica dus descobrimen- tos. Fomiou-se uma companliia em Lagos sob a direcção de D. Henrique para armar navios á sua custa, pagando ao príncipe díireitos fiscaes pelas riquezas adquiridas.^ treitaram-se as relações com os catalães e os malhorquí-^ nos, os melhores marinheiros da epocha. Seria n'estG período, que o famoso mestre Jaques de Maioica, tão versado na arte da navegação e na do fabrico dos instru- mentos e projecção das cartas marítimas passou a Sa- gres, chamado pelo m£uite, ou convidado pela esperança de largos prémios^? * Azurara, Chronica de Guiné , cap. xviii. — Goes, Chronica do frmeipe D. JoãOj cap. viit— Barros, Década i, liv. i, cap.vm. — Duarte âilYCoattrihne ao livio de Uaroo Paulo o engenhoso úo, que sgudou iaSná» a deMnredâr-w do labyrínto da i^nonmeia gúaL D. Hsh ií%ue appUcoii»M» oom etíxmo fervor ao estudo da eoamosraphia 6 da aalnuuHDia» a aUEÍÍHie-fle*tti0 o invento das cartas marítimas DOS 8EC0L0S XVH È XtfUl lloina sanccionou o fiicto, concedendo á corôa portu- gueza a possp perpetua de tudo o que desoiibrisse alem do cabo Bojador ^ Sagres transformou-se cm verdadei- ro empório mercantil, e os portos do Algarve foram visi- tados pm* navios genovezes, malhorqninos, catalleseve* nesíanos. As viagens prosegulram e adiantaram*se. As télas portnguezas tinham entrado na baliia de Ar^mim, e passado alem do Hio Grande e da tcn-a d^ Gambia bus- cada por ordem expressa de D. Hearlque.H)s estrangei- ros acudiram a indagar noticias doestas novidades, que faziam o assombro de todos, e carregavam suas embar- cares de assucar fabricado na ilha da Madeira (povoada pelo infante), de sangue de drago, e de outras mercadorias daf? conquistas,^ Castello de Arguim cresceu acima dos alicerctís, e tornou-se a séde da feitoria creada pat a o coii- Iralo dos dez annos syustado com os árabes, contrato que fechava a todos, menos aos portugueses, a commutacão dos productds d^aquellas regiões. V(o pensamento do m\* eiador a eolonisaçSo devia acompanhar o descobrimento, e a ají^ricnUnra e o coírunercio deviam animar o trabalho 'los Giin ipciis transplaiitados para os novos climas. Quando fiUleceu D. iienrique em 3 de dezembro de i460/acha- Vam-se descobertas as ilhas de Porto Santo e da Madeira, dnco ilhas no arch^elago dos Açores, quatro no de Ga- bo Verde, e muitas léguas de costano continente africano^ planas. Jaques de Maiorca parece ter passado a Sagres pdoft aimot de 1437 ou 1438. — Vide Stocklcr, Ensaio Hútorieo íobre a origem e progressos das mathematicaa em Portuyal. 1 Bulla de Eugénio IV couíirniada pela do Nicolau V, de 8 dc janeiro de 1450, e pelas dc Calixto III, df^ 43 do marro de 1455, e dp Xisto rv do 2í dc julho de i48i. ArchiTo nacional, maç. 35, n." % da coiieeção de bulias. * Barros, Demãa i, liv. i. — Qogs, Chromca do Príncipe D, João, cap. vn, Tiu e dl — Azuraia, Cmquista de Guiné, v y. ■ \ iOO HI8T0IIIA DE POBTUGAL PteMttses Não cabe no assumpto qiie nos j iropozemos, nem mes- mo a noticia abreviada dos progressos leaiisados des- de 1434 até á data memorável assigDalada peia viagem de Vasco da Gama* Se nos demorámos a esboçar os exor- dios da grande empresa foi para tomar bem claros e de- finidos os seus mntivos e a sua indole. As outras pagi- nas, não meiius iiii>lructivas, que revelaram á Europa a existência de um mondo e as novas sendas dacívilísação» excedem as estreitas proporções do nosso quadro. O infante, cerrando para sempre os ollios em novem- bro de 14G0, ao cabo de quarenta aniKJò tle iadi^^as inces- isantes^ não só levara ^uas navegações até á Serra Leoa, mas deixava marcado o roteiro para a continuação d'ellas^ Affonso Y, distrahido pelas discórdias civis, pelas suas ex- pedições aus reinos de Fez e de Marrocos, e i)ela «guer- ra de Castella, mostrou-se menos activo na t;xpluia(;ão dos mares e costas do continente africano* Apesar d'isso a viagem de Pedro de Cintra» e o arrendamento do com- mercío das terras de Guiné por cinco annos (em i469;, ' a Fernão Gomes coin a clausula expressa de descobrir em cada um com léguas, adiaularam os descobruaeatos até ao cabo de Santa Catharinal D. João ^ foi mais longe do que seu pae./Politico avisado e adjnmístrador hábil concebeu a utilidade pratica e a grandeza^ dás idéas de D. llenricpie, e não iiniipou diligencias, nem despezas para apressar a sua t xccuçào, e colher desde logo todas as van- tagens. Filho da grande escola naval d'aquella epocha e da anterior» Diogo Cam na primeira viagem achou o rio Zaire e o Congo ,je na segunda levantou os padrões da 'corôa portugueza junto do cabo Negro. João Afionso de Aveiro, subiu o rio Formoso, e viu as terras de Benin. Bartholomeu Dias, finahnente, o mais feliz dos tres» pas- sando alem do cabo Tormentoso, chegou 90 rio do In- Digitized by Google DOS SÉCULOS XYII E XVUl lOi fante. O mais díílicil estava feito. Restava o ultimo passo, poimusm e para esse não faltaram homens intrépidos, nem auxi- lios valiosos ^ Enviára £1-Rei ao mesmo tempo outros descobridores ineumbidos de \isitarem por terra a índia e os estados do Preste João, de indagarem as probabilidades da na- vedação pelo Atlântico para aquellas regíQes, de exami- nareiii os itinerários seguidos pelas drogas e Mercadorias asiáticas encaminhadas aos inercndos do Mediterrâneo, e de tomarem miúda informação de qualquer passagem conhecida dos naturaes da Africa para a costa oriental K Foi por estes meios que D. João adquiriu o conheci- mento do interior da Africa e dos paizes banhados pelo Ganges, e logrou dehcar traçada e aberta a estrada, que franqueou ao seu successor o caniiiiíio da India.j Uma 1 Barros, Década i, Iít. ii» cap. i e ii, Itv. ni,cap. m e iv. — Da- mião de Goes, Chronica do Principê D, João Til, cap. vni.— • Garcia de Rezende, Chrcmea doê Valcromt e Intigtus Feitot de M^Rei D. João JI, cap. xxiii, Lxiv o cliv. 2 Resende» Cbroniea de El-Rei D. João lí, cap. ul^ Informado de (fue o Senegal corria por Tonibuctu e Mombarce, feiras principaes dos sertões africnnos, el-rei mandou como f^ous emissários a Tombu- (\\\ (' Tiií-urol Pero de Evorn c Gonrnio Eannes. Despachou depois ftoilngo Uebello, Pero Keynel, c Joúo Collaro a Maudi-Mansa um dos mais poderosos príncipes de Mandinga, e expediu por ultimo pai"a o rnesino lim Mem Rodrigues para Tombuche e Pedro de An- luniga para Toinalla no paiz dos Fullos. Rodrigo Rebello, João Lou- renço, Vicente Annes, e João Bispo, versados no uso das línguas indiarenas, partiram por sua orilem para outras terms. Ei-Uei escre- veu ao senhor dos Mosés, que suppmiha vizinho, ou vassallo do Preste, e enviou da Mina mensageiros a Mohamed-beu-Manzugul, neto de Muçi, rei deSongo.— Yide Barros, D^eacllto da Íttdta.—Ma^ ríz, dialog. iv, cap. D.»Fr. Luiz de Sousa, KitUnia de S. Domingo*, part. u, liv. TI, cap. TL — A missSo de JoSo Peres da GoTÍlhS e de Aflonso de Paiva liga-se cod^ este plano de infonnaçOes. ■I :i I Digitized by Google I • ! m mrOBIA Di: P0RTU64l< pMWHBes junta coinposta de afttronomo8e(M>siiK)graplio8di8tíiie^ atrtnurtDM (.Qujp.|j ^^y^^ noticias, e&Uidava os aporfeiç^yamentos dos instruiiieiitos náuticos, o propunha os inventos mais ade* quados aos progre&so^ áà Dav^agãcàD. iolo U, quando a morte veiu interrompe-lo, começava a dispor tudo para vencer as ultimas difficuldades. Affirma-se, que até o re* gimentu que a aimatia liavia de seguir no descubriaieato da lodia estava formado, e cré-se que Vasco da Gama era o capitão designado para a eommandar^ O pensamrato das navegações de D. Henrique i&ra re* ligioso e politico, segundo notámos. Meditara alargar os domínios da fé, levando a sua luz ao seio dos povos bár- baros, e ao mesmo tempo buscava pelo oceano o caminho mais curto para alcançar a fobulosa Cypcmgo retratada com tintas tio risonhas por Marco Panio, tomando dire- cto e exclusivo para Pui tuíjal o commercio da Asia, fonte da riqueza das principacs republicas italianaS4A alliança imaginada com o Preste João, senhor de mn reino pode- roso 6 diristSo, devia afiançar auxiliares importantes aos inimigos do islamismo. As terras do continente africano na sua idea eram outras tantas escalas para a communi- cação da Europa com as bidias, outros tantos passos aa estrada trilhada recentemente, estrada, que, desfeitas as trevas, que a tinham encoberto, promettia Muros novos a todas as nações, e a coroa do maior império, que a am- bição podia sonhar, ao pequeno paiz, cuja sorte, e cujas aspirações quasi l epentinamente iam mudar. 0 infante e D. João n, confiados nas grandes esperaor ças da empreza, que o primeiro iniciára, e o segundo pro- seguia com zelo infatigável, assentaram as liases do sys- , tema colonial mais accommodadas a estes fins. 1 Reiend«, Ckromea de Bl^Bri D. Mo U, esp. ccv. Digitized by Google i A povoação (las ilhas com europeus, a creação de feb Powi)«$õei tonas fortificadas á beiramar nas terras africanas, e o es- tal>eleeimeQto e snccessiva ampliação das relações com* merciaes com os sens habitantes, foram os meios empre- gados nos noventa e cinco annos decoií idos desde 1425 até i520, epocha em que prevaleceram absolutamente as idéas suscitadas pela immensa extensão tomada pela conquista oríentâl^ eooperaçlo do elemento religioso acompanhou desde o principio todos os esforços, e in- fluiu muito no seu êxito. As igrejas, as missões e as so- lemnidades do culto catholico, íallando ao coração e aos sentidos de raças rudes e ignorantes» valeram tanto» ou mais, do que o terror das armas, para estender pelo ser* tão a nossa anctoridade, fazendo o nosso poder respei- tado, e tornando a obediência mais seguia. Se depois das primeiras décadas do governo da índia esquecemos, ou desprezámos os princípios, que tanto favoreceram a colo- da AíHca, n3o devem deduzir-se conclusões pre- cipitadas contra a capacidade do paiz. Os reinados de Af- fonso e de D. João II, e ainda mesmo o de D. Manuel respondem com os factos, e provam que soubemos admi* Distrar, como soubemos descobrir. O systema de colonisação e de exploração das novas possessões seguido pelo infniite, e abraçado por Aífonso Y e D. João ti, íoi simples e apropriado ás circumstancias. D. Henrique dividiu as terras descobertas em capitanias, e doou-as aos primeiros que as haviam achado, assegu- l ando-lhes por meio de privilégios importantes uma i)osse lucrativa, e íiicilitando-lhes o modo de altrahirem cultiva- dores, que fizessem valer o solo repartido por todos. As clausulas d'esta distribuição eram pouco onerosas, toman* do qnasi sempre extensivas aos colonos, principalmente aos du aichipelago de Cabo Verde, os preceitos da an- L/iyiii^ed by Google * 104 HISTOBIA D£ POBTUGAL Pos*es8õ€á tiga legislação sobre as sesmarias. A Madeira e Porto Santo iitmiiaríiiaf aij^ípam O exemplo. O príncipe foniiou na primeira duas ca- pitanias, e concedeu a do Funchal a João Goncalves Zarco da Camara, e a de Machico, a Tristão Vaz. Mediaram seis aÓDOS (desde 1419 a 1425) entre a epocha do descobri- mento e o começo dos trabalhos niraes. Os escrJptores attribuem a demora ao incêndio ateado nos bosques pelas ' queimadas dos arroteadores. Esta versão parece-nos in- exacta. O intervallo decorrido explica-se por causas menos extraordinárias. Era preciso tempo para organisar os ele- mentos essendaes da povoação. Não se inventam hoje vil- las e aldeias, e muito menos se inventavam no xv século . O Funchal só foi elevado á categoria de villa em 1451, e á de cidade em 1508, e a Ponta do Sol não alcançou os fóros de villa senão em loOi. ' A cultura depressa prosperou na Madeira. O infante conseguiu aclímar a preciosa cepa da Malvasia de Candia e a canna sacharina da Sicilia, contratando mestres para ensinarem os processos do fabrico do assucar. A ilha, quando Luiz de Cadamosto a visitou em 1455, contava já quatro povoações princif)aes: Machico. Santa Cruz. Fun- chal eCamaT-n de Luti os, cumi oitocento.s Immens capazes de pegar em armas. Era fertilissima, apesar de muito mon- 1 Os âU€t(:>rps, que referimos, pintaFii a ilha toda como uma fio- resta pegada, e affirmam que o fogo posto durára sete aniios. Esta immensa ronfla!;'rnrSo, se existisse, consumiria arvoredos m\iito mais extensos, e seria impo^sivel, que setenta e dois nniKJS depois os ha- bitantes da ilha pedii^sein a D. João II a coníinnae-iio da mercê ou- torgada i)or D. JoSo I de poderem cortar lenhas e niadeiras nos bosques para s*:mi uso com a reserva sónienle dos cedros e teixas. (larta escripta em Turres Vedras em 7 de março de 1493. D. Francis- co Manuel de Mello na sua Epanaphora Amoj-o&a, tirada da relação de Aleofotado, duvida também do longo espaço attribuido ao inceodiop Digitized by Google DOS SÉCULOS xvu E xvni 10^ fanhosa, e colhia mais âe S!:4S4 hectolitros de trígo, su- bindo a producção do assucar a á3:970 kiln^i ammas, e satisfazendo a do vinho a mais do que ao consumo, por- que se exportavam sobras valiosas. Achavam-se estat>e- lecidos na terra muitos homens ricos. As plantações de csnna doce alargaram-se, os vinhedos cresceram, e a fa- bricaçân do assurar augmentou a ponto de no século se- guinte renderem os du eitos do quinto jiagos ao mestrado da ordem de Ghristo mais de 881:280 kilogrammas, o que snppSe uma produc(9o total de mais de 4*400:000 ^ Porto Santo, povoada por Bartbolomeu Perestrello, ca* minhou mais davagar, concorrendo muito para isso a es- cassez das aguas. No archipelago dos Açores as capitanias também fo- ram dadas aos descobridores, e o plano da povoação se- guiu os mesmos passos. Repartidas as terras por casaes de colonos transpm hidos do Algarve e de outras provin- cias» não faltaram esli angeiros abastados, ou industriosos, que se quizessem associar á empreza. A agricultura prin- cipiou a florescer, os baldios romperam-se em diversas partes, e as relações mercantis ligaram-se com a metró- pole. Entre os primeiros introductores da civilisação n'aquellas ilhas íiguram por seus serviços o intrépido Gon- çalo Velho Cabral, os flamengos Guilherme Van de Gar, Jacome de Bruges, Vasco ijril Sodré, Duarte Barreto, Pe. dro Barreto da Cunha, e alguns outros. As diligencias d'es- les aventureiros audazes, e das famílias convocadas para os coadjuvarem, adiantaram t:mto a obra da colonisação» que as ilhas dos Açores no reinado de D. Manuel já se re^ 1 Navegações de Luiz de Cadamotiú, Ramusio, tom. I., Cordeiro.— Hitktria ifutt/ona, part. i, liv. m» cap. x a xnr. ^ Barros, Década, i» IVt. 1, cap. m. iOl hmm^ putavsm um dos mais hellos florões da corôa do sobei*a- Jínumfm podia iiititiilar-se com v<'rrlade senhor da roiiquis» ta, navegação e cuauuâmo da £Uiiopia> Arábia, Pérsia ejiulia^ . A$ primeiras» Ubafl couhaddas no archipelago de Cabo ' Varda foram doadaa por D. Affonso V, asam como aa da Madeira e Porto Santo, e as dos Açores ao infante D. Fer- imiido, mi 3 de dezembro de 14G0, comv oxcliisivo do frafico e resgato na terra de Africa frouteira. Paret e liaNer Biúú seu descobridor o genovez Antonio de Noile» porqua em U6i o vemos nomeado capitão donatário, e incum* bido de povoar S* Thiago e S. Filippe (depois chamada do Fo^o). levando comsigo vários creados do Infante e aU guraas íaiuilius do Algarve. D. João II, decapitado o du- que de Bragança em Évora, fez doação ao íIikiiií' <h' Beja de todas as íllias de Cabo Verde, e D. Manuel, quando subiu ao tbrono em 1495 encorporou-as nos próprios da t CondeirOb Hittoria bwilma, part i, liv. iv e v, e part. n, liT« VI» Ytt, ym, e dl O primeiro províia^to da capitania da Ilha Tmeiía, denomi- nada de Jenu ainda em 1460 na doação de Affonso Y, é datado de 1480, e recain em Jncome dn Uruge;;. A de S. Miguel havia sido descoberta em i444 por Gonralo Velho Cabral, commnndndor do Aiiiiourol, o mesmo que em 1492 achara a ilha de Santa Maria. 1). Heiunque recompensou -o concedendo-lbe a capitania de ambas. O mais antigo povoador da ilha de S. Jorge parece ter sido o íla- íiiengo Guilhernif A''andogara (Van der Gar?...) e o da riraciosn. Vasco Gil Sodi L^. Os primeiros colonisadorcs da ilha das Flores, fo- ram os castelhanos Antíío Vaz e Lopo Vaz, muito auxiliados por Van der Gar. As ilhas do Faial e do Pico, na opinião duvidosa de al- gmis escriptores, foram aehadas. a primeira pelo commendador de Almouroi, Velho Cabral, e a segunda peio iilustre Juz de Elira, do* natario do Faial. Náo reina menor incerteza áeerea das verdadeiras datas dos descobrimentos nos Ayores. Cordeiro, Histona Insulana^ pari. II, liv. VI, VII, vm e ix. luirúir Km 1497 dividiu o mmo rei a mttam em duas capitanias, do norte e do sul, doando a primeira a Uiugo Affonso, cuntador da Madeira, e a Beguuda a Jor* ge Correia» casado com a íiiiia e herdeira de Antooio de NoUe. Mas em i505 só existia a capitania do sul» oa da Ri» beira Grande, eomeçando as terras do norte a ser distri'' buidas em sesmarias e capellas. Eramnmitos e valiosos os privilégios dus capitães donatários. Alem do exclusivo do sal e do monopólio dos moinhos arrecadavam para si o duEimo de todas as vendas» e tinham o direito de conce*. der as terras em sesmaria por cinco annos, e de as pas« sarem a outros possnidot es no caso de não estarem i )- veitadas dentro d aquelie praso. Apesar de tão largas concessões os docmnentos provam» que no século xvi, emquanto a povoado correu por conta dos donatários, que as disfructavam por uma vida em premio de serviços, ou pur conlialu, ^unlenle principiaram a colonisai-se a ilha de S. Thíago e a do Fogo, cujas rendas o tisco arre- matava. As outras apenas se utiiisavam on pastagens para o gado bravo As providencias dictadas em Ki^iO por D. João IIÍ apressaram a povoação daí> lUia^ de S. Nicolau, da Roa Vista, de Maio e de Santo Antão. A carta regia de 20 de setembro d'aquelle anno» promulgada para activar o des- envolvimento da populaçKo e da agricultura» mandou re- partir as terras incultas pelos po\naílures assás abastados para as poderem romper e lavrar. Gs resultados não se demoraram. £m i532 tinha engrossado bastante o nu- * A doação das ilhas de Cabo Verde a D. Manuel encontra-se na ciuiuseUftnft de D. Joio II, liv. xxvi, í1. 7 e ia. Os privilegies dos 6»pitfiM donalaríi» conitMn do livro das Ilhas, fl. 69 v. e de ou* iras docmnentos. i08 HISTORIA DE PORTUGAL % PosMssões mero dos colonos, cresciam e avultavam as plantações, e atniMiiiias ^ prosperidade relativa já era tal, que o rei impetrou da Santa Sé a erecção do bispado de Gabo Verde. A impor- tância do trato de algumas das ilhas, portos de escalenas derrotas das armadas da índia e da America, convídára muitos mercadores e cavalleiros honrados do reino aes- tabelecorpm-se n'ellas, a Rihf ii a tii aiidê, elevada a ci- dade, todos os dias se ennol)recia com «'dificios novos. A tendência para a (Mni^n ação tornou-se Ião poderosa, que D. Manuel em Í5i5 prohibiu a residência na cidade aos fidalgos e judeus sem prévia auctorísaolo da coròa. Filippe II, consummada a uni3o pessoal das duas coròas, declarou em 1592 a ilha de S. Thlago séde e capital de todo o archipelago; mas esta mercê foi como o ultimo raio de sol antes do occaso. As guerras da monarchia hespanhola com as potencias marítimas europeas cedo determinaram a longa serie de revezes, que forçaram os portuguezes domiciliados em Gabo Verde a recolherem- se á pátria arruinados, e os colonos pretos a Aigirem pa- ra os pontos do interior, ou a dispersarem-se pelas ribei- ras Nos domínios de Guiné, aonde a cólon i sacão e a con- quista directas não eram possíveis, o infante D. Henrique adoptou o systema de occupar com feitorm os logares mais apropriados á communicaç^o dos POIVr^ interior. A fortaleza começada em Arguim e o cd^ffilo por dez annus com os seus hal>itantes revelam claramente esta intenção. As bases, em que decidm assentar a ex])loração das costas africanas, fundavam-se em dois pontos capi- * Lopes Lima, Ensaios sobre a Estatística duí; Po.s.st.s.sõc5 Portii- Qupzax, part. ii, liv. i, cap. x, e part. ii, cap. i a ix. O bispado úe Cabo Verde foi t reado em 3i de janeiro de ioò'ò por Clemente Vil. Digitized by Google DOS ncuLOS ivii £ xvni laes. Exclusi\u do IraOco para os seus navios, e paga- Possessõc* mento de dii^ítos assás devados de importaçio por parte "'^^'""'^"^ dos indivíduos aactorisados a seguirem a mesma carrei- ra. A convenção celebrada com os árabes de Argfuim af- lirmava a primeira clausula, disi nudo que sú p uh ssem navegar no goUb de Guiné e fazer negocio embarcações do principe, ou as das pessoas a quem elle auctorisasse com esse privilegio, e declarando exduldos absolutamente quaesquer outros intermediários europeus *. As condi- ções imiiuslas á compaiiliia de< Lagos, creada em 1444 para associar a iniciativa cullecliva aos riscos e eventua- lidades da empreza individual» mostram o preço por que 0$ particulares podiam obter o favor de ser admittidos a participar das \aiilagcns d aquelle commercio. O arma- dor que punha no mar uma ou mais caravelas á sua cus- ta, carregadas de mercadorias, pagava na volta por cento do valor total da carga. Sendo a caravela do infan- te e a cai^ do negociante, metade do retomo pertencia ao principe. Os lucros eram enormes. Pessoas competen- tes aliançaram em Sagi es a Cadamosto, que excediam m e dez por um K £m Arguim todo o resgate passava pela feitoria portugueza. Os árabes vinham trocar escra* vos pretos e oiro fino de Tiber por tecidos, prata, alqui- cés e trigo. Em 1 45») orçava por 700 e 800 annualmente 0 numero dos negros vendidos. Antes do traíico ser as- sim regulado as nossas caravelas entravam no golfo e as tripulações, desembarcando de noite, assaltavam as al- deias marítimas, e levavam captivos os seus moradores. í CoUecrão de 2soticias para a historia e geographia das nações uUramarinaSj que vivem ms domínios po riuyuezes, iom. li, n.® 1.— Navegações de Luiz de Cadamosto, cap. x. ^bidem, iom, u, n.** 1. — Navegações de Luiz de CadamstOj cap. 1 e X. Digitized by Google vn..^«-r< Depois alongaram estes saltos por toda a costa situada iitianwfiaas ^ cabo Braoco e o Seoegal^ D. Alfonso V, apesar de t9o occnpado com a €<H)((uista das praças de Foz e de Marrocos, mmca abrhi uião de todo dos descobrimentos, que aicançaram nu seu reinado até ao cabo de Santa Gatharina. O contrato feito em no- vembro de 1469 com o negociante de Lisboa FemUo Go* mes, docunieuto imporlaute [itia luz que lança sobre este periodo cortado de incertezas, mostra-nos as verdadei- ras proporções attingidas p^ las rolacões de Portugal cora os povos africanos na segunda metade do século xv. Vé* se por elle, rpie o commercio de Guiné se reputava )â se- guro e desassombrado das hostilidades dos primeiros annos, e que, pelo menos, appareucias amigáveis tinham substituído as aggressões» com que no principio as raças barbaras haviam repellido de suas praias os europeus. ^ tempo e a frequência haviam amansado a rebeldia dos ânimos, e o amoi du lucio api»i«*xnn;íi"a os mais esqui- vos. As tribus do sertão» longe de fugirem da nossa bau- deira, acudiam aos portos, aonde ella tremulava, prestan- do«se á convivência mercantil. O movimento crescéra, si actividade triplicâra, e a acção governativa sentia-se já fraca e insufllciente para o reger e muito mais para o monopolisar* Carecia de meios para o grangear por sua conta, e atê para o fiscalísar com a precisa vigilância» tforanl estas ás rásões, qiie determinaram Èl-Rei a ar» l^endar imi' ciiuui annos a Fernão Gomes todo O coiiiiit^^f- eid, mèuus o resgate do marlim, autenurmeute contrata- i Collecçãò de Hotídat para a kistoriá e giograpim das naçõe$ úUrmnaHnas, qile vivem nos dominios poi-tugwsefs lom. n, n.* 1. — Àrarara^ ChroniM dá Conquitía d$ Chuné, cap. xtix e l. Azurara aáMgtira que o numero dos n^groB transportados a Portugai até ao anuo de á44S fAra de 9St7. Gap. lxvi, pag. 454. Digitized by Google Bó§ msúíM vm c tm 111 do com Maitim Annes Boaviagem, e menos o tracto da pomcss»» terra frontejra a Cabo Verde, privilegiado para os mora- dores das ilhas, e o do castello de Atigniin, propriedade do príncipe herdeiro D. Joàu. luUre as condições dieta* das ao contratador figurava a clausula, lielíD.ente cum- pida por elle^ de descobrir cem legaas de costa em cada um dos cinco annos. FemSo Gomes foi zeloso, e dois annos depois enriquecia-se a si e ao pai/,, assentan- do por via de seus navegadores o primeiro resgate do oiro na aldeia de Summá, da qual passou para o iogar da tMina», aonde D. João II passados annos levantou a fortaleza de S. Jorge *. Segundo assegura o cbrontsta Azul ara as rcluctancias (1<ks naluraes de Guiné tinham co- meçado a abrandar desde 1448. A verdade é, que em 1455 Gadamosto encontrou já acceito e estabelecido o commercio dos portagaezes no rio Senegal e nas terras do Budumel, senhor da terra firme de Cabo Verde. Mas estas relações só depois é que se estenderam pai-a o sul, aonde os mandingas do rio Gambia resistiram mais. Em 1460 todas as contrariedades estavam desfeitas, aplanando a boa vontade dos negros os caminhos aos portuguezes K Os primeiros povoadores das ilhas de Gabo Verde, co* ^ Barros, Década i, liv. ir,cap. ii. — Garcia de Rpzfind*.', Chroni* ca dê El-Rci D. João U. O preço d'esle contrato eram 200:000 reaes, quantia que hoje parece pequena, mas que O não era para a epocha, mais que tudo correndo todas as despezas de exploração t de navegando por conta do contratador. FernSo Gomes arrendou depois ao príncipe D. João o commerciò de Argiiim por 100:000 mes. Ò reflgatb do biro foi dèacoberto por João de Santarém b Pedro Escovar, cujos i^ildtoà eraill Martins Fi^mande^» de Lisboa, é AlTaro Esteres, de Lagos. 2 Azurara, ChríMká i$ Gmnê, cap. lxxxth e xciT^Baitos» Década i^liv. cap. n. 1 112 HISTORIA DE PORTUGAL Po«Msa5ei mo eni natural, fandaram a$ suas colónias nos portos de """^^ mar, aonde negociavam, c d'onde enviavam as carave- las á costa de Guiné para transportarem as turmas de escravos, que vinham arrotear-lhes as terras. O resgate de todos os rios desde o Senegal até ao Metombo em Serra Leoa pertencia exclusivamente desde 1 400 aos mo- radores de S. Thiago, excepto a casa forte de Arguim, com a obrigação única de armarem os navios na ilha e nunca em outra parte, de só trocarem géneros de producção pró- pria, e de voltarem com os retornos á ilha. a fim de pa- garem n'ella os direitos ao íisco *. Engrossou muilo e^le commercio no Senegal, e já rendia avultados ganhos em 1488, quando o príncipe jolofo Behomim veiu a Portu- ' gal supplicar o auxilio de D. João II. Quiz o rei aprovei- tar o ensejo, e mandou armar uma frota para o restituir ao throno, ordenando ao capitão Pedro Vaz da Cunha que levantasse na entrada do rio uma íeiLoria fortificada, a qual teria assegurado o tracto d'aquella região, se a pouca lealdade de Cunha, assassinando Behomhu, não cor- tasse pela raiz os planos do soberano K Destruídas suas esperanças no Senegal os habitantes de S. Thiago no co- meço do século XVI voltaram-separa os portos do reino de Budumel, e frequentaram especialmente a angia de Be- siguiche, trocando [lor escravos, courama, cera, marfim, gomma, âmbar e oiro grossas carregações de cavalios, de mUho e de legumes. £spalharam-se muitos d'abi pelos rios de Gambia, de S. Domingos, de Gasamansa e de Geba, e pelo Rio ^ Archivo naeioiml. Imo das iUias. fl. % v. > Ruy de Pina, Cknniea âe Et^RH D. João II, cap. zxxyii.^ Rezende, Viãae Feito» de El-Rei D, João IT, cap. uexviil— Bam», Deeada i, lir. m, cap. vi. bigiiized by Google DOS SÉCULOS Wil K XVili ^ 113 Grande. FamíUarísados com a língua e com os costumes posimism dos negios entranharam-se ousadamente {)el() sertão, e fi- zeram-se us intermediários únicos de todas as transacções. Esquecidos do Deus de seus paes, e eugolphados nos vi- dos e superstições dos cafres» a cubiça apagou-lhes do coraçiSo até a memoria da pátria. Quando, por meados do século XVI, os corsários francezes e inglezes principiaram a visitar furtivamente aquelias costas foram estes liomens, sempre dispostos a vender os serviços, os que em tudo os guiaram K A união a GasteUa ainda aggravou os ma- les, e os moradores de S. Thiago, não podendo contras- tar o poder dos estrangfciros, deixaram a pouco e pouco o commercio do Sencgambia, concentrando todos as suas especulações ao sul do cabo de Santa Maria. Em 1617 já osfrancezes possuíam uma fortaleza no Senegal, e os fla- mengos duas no ilhéu de Beseguiche, depois denominado a iliia de Gorée, e uma feitoria no porto Gaspar junto do Rio Fresco, d'onde expediam para o Recife, Portudalle, e Joalla naus de mil toneladas K 0 descobrimento do resgate da Mina pelas caravelas de João de Santarém e Pedro Escobar deslumbrou os navegadores do reinado de Affonso V. Nenhum cuidou de achar mais terras dentro do golfo de Guiné. Fernão Gmnes contentou-se com alcançar até fóra do cabo de Santa Catbarina, aonde acabaram as quinhentas léguas 1 Dava-w a estes homenB o nome de Lançados, Tanto eUea, co- mo seus desceDdentes, eram os corretores exclusivos de todo o coni- mercio com o sertSo. O padre Guerreiro descreve sua vida solta como it.'ual, ou peior, que a dos negros e gentios. 2 André Alvarez de Almada, Tratado Brtfoe dos Rios de Guiné e Cabo Verde, escripto em 1594. — Francisco de Azevedo Coelho, De$- eripçãú Inédita da Costa de Guiné até Serra Leoa, composta em I6á7. Mannseripto da bíbliotheca luusioiíal de Lisboa, E-d-57. DONO v 8 Digitized by Google il4 HISTQUà HK POrnSAL po««e»9«i do sen contrato, e qIú> prestou mesmo attao^o i nova ^' ^ ilha de S. lliomé, que apparecôra alta e vestida de viçoso arvoredo a seus navios, nem á pequena ilha de Anno Bom avistada por elles no i.^ de janeiro de 1471, ou á de Santo Autãa, depoiâ chamada do Príncipe, descoberta m mesmo mei e anuo K Apesar de ser tão visitada aqueUa costa pelas vèlas portugueiasestas ilhas ainda que bastante próximas d elia jazeram quasi esquecidas, e £l-Rei D. Af- fonso em tão pequena conta parecia tê-las, que no tratado de paz celebrado comFemando e Izabel, mencionando ex- pressamente a Madeira e Porto Santo, os Açores e Gabo * Verde, nem ao menos as citou pelos seus nomes, iodom^ do-as na desiiornação geral das possessões ultramarinas da sua corôa D. João conhecedor da importância dos tratos de Gomè e dos da Mma, cfuis em tndo continuar as grandio* sas idèas do iiifaate D. Henrique. Seus capitães descobri- ram os reinos do Congo e de Benin, e iiiu d elles, Bar- tholomeu Dias, passou alem do cabo da Boa Esperança. Ao mesmo tempo lançava os fondamentoa da povoação de S. Thomé, outorgando aos colonos de loKo de Paiva o primen o íoral datado de 16 de dezembro de i48ò. Me- draram, comtudo, muito pouco a população e a agricultu- ra até 1493, em que a capitania da iiba foi dada a Alvaro de Caminha; masauxihado estepelos filhos dosjudeua vio- lentamente arrancados a sèuspaes, e por alguns degrada- dos, conseguiu mudar inteiramente o aspecto da terra. Decorridos vinte e nove amios, em já S. Thomé possuía seiscentos, ou setecentos fogoa alem dos indivi- 1 Barros, Deeada i, Ht. n, oap. u. ^ Quêán doBUiifor éã$ v^iãfiâà pqHííí$ê # diplowMtifín jRMr* Digitized by Google DOS SÉCULOS xvu £ xvm il5 duos reâdentes em mais de sessenta engenlios. A pro- vunm%u ducçlío do assiicar niYava aarmalmente por 5.852:800 ki- logrammas, e a dizima por 585:^, apesar de ser indnito o numero dos qoe Dão a pagavam por inteiro. O com- merdo attrahira muitos negociantes portagaeies» caste- Ihfflios, franceses e genovezes A ilha do Principe tambeiii íloresceu pela prosperidade de suas plantações de canna doce, cuja dizima pertencia ao filho primogénito do rei ; mas a ilha de Anno Bom per- manecea deserta, servindo s6 de ponto de renniSo para as pescarias dos moradores de S. Thomé. Jorge de Mello, seu doiiatariu, tinha-a vendido no tempo de D. Sebastião a Luiz de Almeida, liahitante de S. Thomé, que a man- dára povoar por esenivos pobrissimos e indómitos. A de F^3o do Pó era populosa, porém só em negros do contt- nente vizinho, todos valorosos, mas alguns ferozes e mes- mo aiiUiropophagos 2. Aopuíencia de S. Thomé, mantida em todo o governo de D. João 111, apesar das hostilida- des dos piratas estrangeiros só principiott a attenuar-se no reinado de sen neto, quando a ilha, assaltada e saquea- da pelos corsários francezes em 1567, teve de reprimir sete annos depois a rebellião dos angolares unidos aos escravos fugkliços. Muitas plantações caíram em ruinas. Seus proprietários passaram ao Brasil para salvarem o 1 ArchÍTO nacional, livro das ilhas, fl. 109, v., 111 e 112.— Rezen- de, cap. XXV. — Ruy de Pina, cap. lxviti. S. Thomé foi elevarta a pídarlf» pela cnrta regia de 2Í de abril de 1535. — Chanceitaria dê Ei- Hei D. João III, liv. X, 1. 124 v^ e erigida em biapado pelo breve da PeuIo IU de 3 de novembro de 1534. — Collecçio de AÍB(ima< para a historia e geographia das nações íUiramarinas, tom, n. — fiagem de um fièoto pariuguês^ cap. x e xi. * As ilhas de Anno Bom e Fernando Fé foram eedidas á Héspa- nluk pela aflijo ia« tratado de ife de maiço de 1778. s. Digitized by Google 116 HISTORIA DE PORTUGAL FoiMMBct resto das ríqaezas. Renovaram-se os desastres com a do- amaarinu mi^ação castelhana. A capital devastada ficou nas mSos du almirante iiollandez Van der Don no momento em que priocipiava a respirar dos estragos do incêndio de 1585, qae reduzira a cinzas a maior parte dos edifícios, e da insurreição do negro Amador» que em semeára o terror e o espanto por toda a terra. Os hollandezes, senho- res do mar, desde os princípios do século xvn, tinham-se apoderado successivamente das nossas feitorias de Ga- bão, do cabo de Lopo Gonçalves, de Fernão do Pó, do. Bio de El-Rei, do Galabar, do Rio Real, e de outros pon- tos importantes até rematarem seus triumphos em 1637 com a conquista da fortaleza de S. Jorge da Mina. Au- gmentou com estes desastres a emigração dos moradores brancos, e a decadência correu mais rápida. O mesmo aconteceu no archipelago de Gabo Verde epor causas idên- ticas. Em S. Thomé existiam apenas em 1641 uma cida- de meia erma, engeniios desamparados e campos incultos, quando em outubro os neerlandezes a invadiram. O jugo estranho acabou o que tantos annos de infortúnio haviam preparado K Diogo Cam, em iadi) como descobridor por l). João II, achara em 14b5 a bòca do rio Zaire, e, submdo por elle, iigára communicações com os habitantes das margens, súbditos do rei do Gongo. Em 1586 repetiu a viagem, e, adiantando-se pelo mar, vratoda a costa de Angola e de Beiiguella até ao cabo Negro. Bartiiolomeu Dias, Yasco da Gama, Pedro Alvares Cabral, e os outros capitães das armadas, postos os cuidados e a ambição no grande império da Ásia, não qnizeram distrahir-se com a explo- 1 Rezende, cap. xxv. Archivo nacionai livro das ilhas, fl. 84, 86, 87 e — Ckorographia Histórica das ilhas de S. IMné, Príncipe^ An» no Bom e FimandoPà,^ Raymando da Canha Matou, Porto, 1842. Digitized by Google DOS SÉCULOS XVU E XVUl 117 ração de uma das mais bellas regiões da Afi ic.i occiden- FtaseMOtat tal. João AiioDSD de Aveiro (Uíscobriu em 1486 as terras de Benin, situadas entre o Gongo e a Mina, e iogq El-Rei * resolveu assentar em Gató, que era um dos portos , uma fei- toria para o resgate do oiro e dos escravos. Ainsalubri* dade do cilma obrigou-o a suspende-la, mas nem por isso deixou de aíiluir o rendoso trafico para a Mina quasi tor- nada o empório das relações d'aquellas partes. Aniiiiíidos pelas vantaí?ens, que offerecia o Congo, os moradores de S. Thome c do Prmcipe no século xvi estenderam o trato mercantil até Loanda, e tanto o avultaram» que o rei do Gongo> vendo seus portos quasi desamparados, mandou . tirar em 1S(48 uma Inquirição dos navios expedidos sem licença pelo feitor e oflSciaes das duas ilhas, e queixou-se á nossa côrte dos prejuízos. Seguiram-se as prohibições d'este connuercio clandestino, a embaixada do rei de An- gola para obter a sua continuação, e amorto de D. João 111. Nos fins do anno de 1599 ordenou a regente D. Catbari- na a Paulo Dias de Novaes, neto do grande navegador Bar- tholomeu Dias, que partisse para Angola com instrucçSes de não Jirmar as bases de um tratado, mas de sondar os ânimos c de estudar a riqueza e as forças do pai^ O ca- pitão correspondeu ao encargo, e em 1574 [saía outra vez para a barra do Coanza incumbido da conquista d'aqueUes vastos territórios. Desembarcado em Loanda, fundou povoações, construiu fortalezas, e lutando sem re- pouso, levou até ao interior o respeito de suas armas. ^ Occupadas as minas de prata de Cambambe, a victoria decisiva do anno dt' itiò^i alíirmou o dominio e a posse da corôa portugueza i Beaende, cap. cuy.>-Ruy dePiín, Cftrontea dfe JBI*J?et D. João II AtchÍTO naeional, Corpo cbronologico, pari. maç. 80, doe. 106, e maço IM, doe. 3. Inquirição linda pelo rei de Gongo. Gaita do Digitizeci by Google 118 HI3T(miA DE POBTUGAL Imitaram-0 os outros governadores com roais, ou tne- nos felicidade. No primeiro qunrtol do século xvii/Ma- • nuel de Cerveira Pereira juntou (em íiHO) ao senhorio de Angola a conquista de Benguella até ao sertão de Ga- conda. As traições de Anna de Sousa (a rainha Ginga), e as rebelliões dos sovas não lograram, apesar de violentas, abalar o nosso poâerjiEm 1634 a província obedecia tran- quilla, e não receiava, que nenhum regulo, ou vassalio ousasse oppor a mais leve resistência á auctoridade real *. Os perigos, que a ameaçavam, não procediam da opposição dos indígenas, vinham do oceanojàsulcado degrossasnaus hollandezas, cpie umas vezes apresavam os navios á entrada dos portos, outras, approximando-se muito das praias, lan- çavam em terra companhias de soldados aguerridos, como os que nos tinham despojado de parte das conquistas de Guiné, e todos os dias palmo n palmo nos disputavam as outras. "^N'aquella epocha de aiiciedade e de continuadas apprehensões a paz era quasi tao inquieta e atribulada como a guerra. Os governadores de Angola e os habitan- tes, sempre sobresaltados, não tiravam os olhos do mar, receiosos de verem repentinamente sobre si o Inimigo a cada hora. Appareceu elle por fim, e na occasião menos esperada. No dia 24 de agosto de 164Í , no momento em que Loanda festejava, cheia de regosijo, a boa nova da restauração da independência, foi avistada sobre a barra uma frota neerlandeza de vinte vélas guarnecida de tropas de des- embarque. O gov^ador, Pedro Cesar de Menezes, os bispo de S. Thomé a El-Rei D. Joflo. — Cattàogo dút Govemadoret de Angola, tom. m da$ Natídas para a kiUoría diu nações idíramariiias. ^ Lopes Lima, J^motM dêEtiaiistíea dat PonmSesPwrhigwxat no IMramar, liy. m, íntroducçao.— Feo Cardoso, UmoHat, pag. M el71 Digitized by Google DOB UDOOUMI XVD B Xm 119 capitães, e o povo, cortados de terror, desampararam a pos defeza, despejaram a cidade e as fortalezas, e recolhe- ram-se is margens do Bengo» d'onde alcançaram com trabalho os muros de Massangano. Reanimados com o apoio dos neeii-iiiílezes a rainha Ginga, o rei do Congo, e muitos sovas impacientes e ofíendidos romperam contra nós as hostiUdades em diversas partes K x Em 1641 a decadência era pois completa, tanto nas ilhas de Cabo Verde, como nas de S. Thomé e Príncipe, e nas terras de Guiné e de Angola. Nos fins da primeira metade do século x\u havíamos pmiido, ou viamos já nnminente a perda das mais ricas possessões da Africa Occidental. Do commercio, que nos primeiros annos de 1). João JII enriquecêra a coroa, o paiz e as colónias, com- mercio (jue João de Barros considerava mais rendoso do que as jugadas» dizimas, ma& e reguengos dos campos de Santarém, sobreviviam apenas restos dispersos e assim mesno contestados. Áqnella posse tio pacifica que elle encarecia, fundada na obediência e no respeito, fonte co- piosa de tliesouio.N anfendus sem ser preciso ([ueimar uma escorva, ou jogar uma lançada, sucoedéra o mais ar- riscado de todos os domínios, sujeito ás incertezas e even- tualidades de mna luta desigual K A coionisaçâo do Brazil, intentada por D. João III, e o estabelecimento das primeiras feitorias, tinham começa- do a aproveitar para a cultura e para a civilisação os vas- tos tmitorios de Santa Cruz. O tempo, auxiliado pela li* herdade do solo e por activos e pacientes esforços, re» * Lopes Lima, Ensaios de Estatística das Possessões Portuguezas no VUramar, liv. iii, introducçfio. — Feo (^àoso, Memorias, pag. 163 el7í. * Barros, Década i, liv. i. Digitized by Google HISTORIA DE PORTUGAL foÊíM» compensara com fructos copiosos o zêlo do Irabalho nas iiinnariDM capitanias, e a côrte, aininada pnr (ao espe- rançosa estreia, determinara creai' iia Baliia a séde do jço- vemo central, e encarregara 1 homè de Sousa de lançar os fundamentos d'elIe.'*Mem de Sá, irmão do poeta Sá de Miranda, succedendo a D. Duarte da Gosta> cuja adminis* traído Í6ra pouco feliz, repelliu os francezes, povoou o Rio de Janeiro e outros districtos, e coadjuvou com es- clarecido impulso as missões religiosas, j)ro\ ando em to- do o decurso da sua gerência qualidades disLinctas como capitão e como organisador. O desastre de Alcácer e a unito das duas coròas interromperam a prosperidade da provindal^s francezes em 1612 occuparam o Maranhão, e só ires annos d^ois poderam ser expulsos d^elle. Os hollandezes apoderaram-se da Bahia em 4624, e, oijriga- dos a capitulai", acomnietleram [^^'iiaiiiljuco em 1630, fortiíicaiidt»-sc no Uecife. A perícia e a moderarão de Mauricio de Nassau consolidaram a conquista, e as armas neerlandezas, tendo ameaçado se|p[unda vez a Bahia, en- traram victoriosas em novembro de 1641 no MaranhSo.  success3o ilas guerras e a insistência dos revezes pa- ralysaram o desenvolvimento da agricultura e da riqueza lias localidades taladas pelos inimigos. Mas ii;is oulias, distantes do lheali o da luta, os progiessos continuaram, e o firazil promcttiaem futuros próximos um engrandeci- mento por tal modo notável, que, segundo se affirma, houve quem aconselhasse a D. João IV em momentos de crise o sacríácio de Portugal, apontando-lhe a America como base inabalável do seu thron(K e como penhor de segurança pai a os destinos da sua di nastia K ^ Vitoria GmA do Brazil por um soeío do instituto histórico do Brazil, tom. i, secç. in, secç. xi, secç. xt, seeç. xvm e xtx, secç. xxT, XVI, xxvn, xxvni e xxix. Digitized by Google DOS SBCULOS xvii E xvm Um rápido relancear de olhos sobre as capítaniás prin- vmmt»n cipaes e sobre o seu estado iio*s íins do século xvi e no pí jiiií iro qnnrtel do xvii nos iiaí>ilitará para darmos uma idóa, approximadamente exacta, do grau de riqueza rela- tiva, que attiiigira cada uma d elias. A de Paraiba, de re- cente ftindação» apenas possoia ainda um engenho de as- sacar, construído por conta da fazenda real. O contrato do pau brazíl, cortado nas suas matas, rendia quarenta mil cruzados. Na ilha de Itamai acá liniiclpiava a avultar a [íoqueiia viila da Conceição, moendo ties engenlios a caima nos rios e córregos próximos d'ella. As tres capi- tanias dos Ilhéus, de Porto Seguro» e do Espirito Santo, apesar da fecundidade do torrão e da abundância das correntes nativas, pouco tinham progredido, facto com motivo attribuido á falta de povoação simultânea e aos aN>iilios das tribus selvaí^ens, quasi certas da impunida- de. A capitania dos lilieus, reduzida á vlUa de S. .Toi"ge, em vez de quati-ocentos, ou quinhentos colonos que re- censeára, já não contava mais de cinco^ta, e conservava - somente tres engenhos dos nove ipe tmha possuído. As fazendas n?ío se estendiam a mais de tres léguas pela or- la da costa e de meia légua para o sertão. Adiante esten- diam-se as florestas, asylo da barijarie. Poito Seguro, alem da villa capital com cincocnta famílias, abrangia a villa de Santa Cruz com duas aldeias de indios, e as villas de S. Matheus e de Santo André. Trabalhava ahi um só engenho, o gado vaccum nlo era muito, mas creava boas manadas de egu as, cavallos e jumentos. Fresca e embalsa- mai ia poi ^raadcs pomares de espinho exportava muita agua de flor de laranja. A capitania do Espirito Santo, final- mente, a mais rica das tres, sustentava cento e cincoenta vizinhos, seis engenhos de assucar, e bastante gado, e co- meçava a recommendar-se pelas suas colheitas de algo- Digitized by Googl I Possessões dào. A lâvoura era quasi toda feita por gentios mansos, e iitramannas ^ ^^yuXím afiicaoa Diál existía *. A capitania do Rio de Janeiro, povoada por Mem de Sá, não excedia em 4587 cento e cincoenta colonos com Ires engenhos laborados principalmente por Índios, mas depressa cresceu e se al ti i:ou a área da sua cultura com o augmento da população. A de S. Vicente declinava, fim yet de aeis engenhos ede seiscentos vizinhosapenaseraha- bitada por oitenta colonos, tendo sido allraluda parte dos moradores [)ela povoação do liiu de Janeiro, e bavendo-a despojado de muita da sua riqueza a cui^iça dos últimos pi- ^ ratas. Poucos iiabitantes mais encerrava Santoâ, e maUo menor nnmero a villa da Gonceiç9o de Itanhaem. Em ambas escasseiavam os brarof?, e ambas se queixa vain dus estragos causados pelas excursões dos selvagens. Santo Amaro devia achar-se ainda mais pobre e deserta. S. Paulo de Piratininga, a teira mais povoada do districto, continha ella só qnasi mais de metade do numero de habitantes, que existia em Santos e S. Vicente. Os seus moradores já n aquelie tempo prezavam os exercidos de equitação, correndo e escaramuçando a cavallo. Vestiam á moda an- tiga pelotes de burel pardo e azul, e usavam petrínas compridas, roupdes ou bemeos sem capa. Ceavam mui- tos gados, e plantavam muitas vinhas e arvores fnictileras*. Pernambuco n^aqueila epocha consíderava-se a capita- nia mais rendosa e adiantada, e em todo o Brazil era de certo a única em que se notavam o luxo e o trato oorte- zio: Contava mais de dois mil colonos e de dois mil es- 1 Historia Geral do Brazil, por um sócio do instituto histórico, tom. I, secç. xxiii. — FerniiO Cardim, Cartas, ediç. de 1847, pag. 21. 2 Historia Geral do BrazU, tom. i, secç. xxiii.— Cai dim, Cartas, pag. i07. Digitized by Google 9 DM «DLOs vm % vm its cravos, e entre os seus habitantes havia mais de cem com Po8s«sâsõ6» cíDco, eito e dez mil cruzados de renda, laas tão prodi- "^^'^'"^ gos» que, sendo avultadissimo este rendimento» assim mesmo se viam crivados de dívidas por causa do grande numero de escravos de Guiné, que morriam nas roças e nas casasj|fi& festas e os banquetes de muitas cobei tas e de mimosas tgfoarías repetiam-se. Os homens não traja- vam senSo veliudos, damascos e sedas» e gastavam grossas quantias na compra de bellos cavailos e em os ajaezar ri- camente. Alem dos cavailos, as pessoas abastadas transpor- tavam-se em cadeirinhas, em palanquiQS,eemserpeutiaas ou liteiras feitas de rede e carregadas por dois homens. Só de vinhos do remo consumia a terra todos os annos muitos mil cruzados. Os moradores mais opulentos, na- turaes, ou oriundos da villa de Viaiiiia do Minho, vívímiu e^l^íididamente. O padre Fernão Cardim, test^unha ocular, cita com admiração os leitos de damasco carme^ sim franjados de oiro com bellas colchas da índia, em que dormiu, e as visitas, convites e brindes com que o regala- ram. Trabalhavam si ssinta p seis engenhos, lavi ando aa- nualmente duzentas mil airobas de assucar, e empregan- do na sua conducção quarenta navios e mais. Olinda, a capital, apontava com orgulho para a igreja matriz e para o coUegio da companhia de Jesus, aonde os mance- bos podiam aprender latim e humanidades. As senliui as não ostentavam menor pompa, e distrabiam-se mais com as recreações profanas, do que em exercícios devotos. No Recife principiava a brotar a povoação, e já se levan- tavam alguiis armazéns. O pau brazil corria arrendado por quatro contos de réis por anno, e o dizimo dos en- genhos por tres contos e seiscentos mil réis ^ ^ EisUyna Geral do Brasal, tom. i, secç. xxiu. Digitized by Google HISTCMUA DE PORTUOAL PoM«ssõe$ A Bahia, capitania da coròa, não contava em i587 me- duamarinas ^ vlziohos, dd Quatro mil escTavos africanos, e de seis mil índios» e seus trinta e seis engenhos fabrica- vam para cima de 1 7.551] :600 kiIogramiiia.> de assiicar, lodo para exportação. Inc liiia dezeseis parochias, e mais de quarenta igrejas e capellas. A cidade de S. Salvador ergoia-se já aformoseada por bons edificios, sobresaindo a sè e o collegio da companhia de Jesus com accommo- daçííes para sessenta discípul os c aulas de primeiras le- tras, de humanidades e de thepiogia. Os moradores tra- tavam-se com abundância» porém com menos luxo, do que os pernambucanos. Às casas enceiravam, comtudo, lK)m recheio de prata de serviço, e as mulheres enfeltavam- se com jóias custosas, vestindo vasquiuhas e saias de da- masco e de selim *. Em geral as riquezas eram bastante desiguaes» especiabnente em Pemanibuco, na Bahia e no Rio, terras que já negociavam em escravaria africana, as- sociando-se alguns senhores de engenhos, e enviando navios por sua couta ás locahdades aonde ella se ven- dia mais barata. 0 assucar formava a producçSo principal. A totalida- de dos engenhos ainda n3o excedia cento e vinte, repre- sentando cada um muitos Ijraços e extensas plantações de cannaviaes, de pastos, de matos e de hortados. Esles engenhos fabricavam por anno setenta mil caixas, ou 41.126:400 kilogranunas de assucar. O consumo an- nual de géneros estrangeiros, expedidos do reino, calcu* lava-se eiu 160 contos, e montava por isso a 32 contos o que lucravam as alfandegas de Portugal fechando os por- tos da America ao commercio das outras nações. O Era- zil, portanto, no ultimo quartel do século xvi já constituía 1 Hitíoria Gerai do BrazUj tom. i, secç. xxiu. Digitized by Google DOS SÉCULOS xvn E xvm ii5 uma das possessões mais importantes da nossa corAa, e pmmmmi na primeira metade do século xvii era reputado como su- perior em utilidade aos domínios da Asia, porque não eiigia os sacrifícios que elles custavam» acbava-se mais perto dos soceorros da metrópole» e nlo pareciam ameaça- lo perigos tão próximos. N'esta parte erravam os melho- res cálculos. As armas hoilandezas ainda o acommelte- ram com mais vigor, do que aos presídios da índia, mas a fortuna favoreceu-as menos, e ao cabo de longos esfor- ços, Portugal conservoa intacta esta bella possessão. Digitized by Google Digitized by Googl > CAPITULO IV P08SBSSQES ULTRAHABINAS PA ASU Cau&as K iuolas da declinação do Esi ado da Índia. Uades da conqubla. Krroj e cor» nipção logo aos primeiros anãos d'eUa.— Syatemade occapaçàu. D. Frauci^co de Almaida e Aibino de Albuquerque.— DefeMncto doa cuMterei • dea ttMit» aottimao coerreiros. Eofraqaecunenlo da nilieia de mar e terr». Saas rasSw.'- Lmo e avidez da magistratara. Vtvwl idade e delapidações das oatras classes.— Os ^e&idios de Airica desami^uradoâ por O. JfoSo lU.— Estado das praças do Hto- wJ d> Ba»fcawft ■> teoalo nm^-^tsOttti^ 4o» ufilãm én ii^Nliiit m ImS^ Soltm de costuinus. IneeitM» roabos, rixas ehomicidios. — Martim AfEniâo de s<?u« 1 Antooio de HtU e Dioso Soma. impaaidade doe ttímMn Mímb.— De* cadeocia de QeA. Explicámos em outra parto detidamento a» eaiiaaa do npdo eclipse da nossa influenoía na Asia. O oriente aem- pro se vingou dos oonqnistadores, eoTenenando^tties os costumes, e quebrando-llies os brios. Suas delicias sem- pre poderam mais, do que as anuas. Atouteceu aos por- tuguezes o mesmo, que oâo souberam evitar os capitães de Ale&aodre e os proeonauies romauo^i^ Não os cortou ' o fem>, praatmam-os os Yicktt contraiu^ diosó da própria domíDação. Foram vencidos pela mór- bida odosidade e pelo torpor do luxo asiático. Desvane- ceu-se até a sonibra das antigas virtudes, e a memoria dos grandes vultos, que tioi^am iUusíi4rado a co^bíiQi^Ub Digitized by Google « 118 HISIOIII DB P0ETU6AL Possessões atésd tomou importuna. A espada era já pesada de mais >uraiDarioas mtmosas de seus descendeutes. As balanças, mal aferidas, eafé púnica dos chatinssubstitoíramahom^a tímbrosa dos avós. Tudo se comprava e tudo se vendia. As audácias só appareciam iia ('xpuliaçrio calculada e para a fraude. Dos perigos, dus postos, aond« podia receber- se a mortê, fugiam quasi todos sem pejo, e, se algumas excepções se notavam ainda no apagado crepúsculo d'es- tes dias, essas eram como que um protesto eloquente das almas viris em nome do passado. Mas os delírios e as devassidões do presente, ou as calaram, ou passavam por elias rmdo. A consciência, em geral^ nem conhecia já o remorso*. Não foram, pois, só os erros económicos, apesar de grandes e funestos, os causadores do aniquilamento, qqe tão depressa sumiu na índia os esplendores sauda- dos pela admiração da £uropa. Concorreram ainda para isso muito mais os abusos e os excessos gerados da acção corrosiva da conquista. Tudo se esgotou desde os mais reíiiiados alvitres da prepotência e da intolerância até á paciência dos vencidos. As glorias e os prodigios, que na primeira metade do século xvi e nas duas primeiras dé- cadas do reinado de D. Joio III tinham dourado aquella epopeia admirável, encobriam em seu brilho a nódoa, que no futuro havia de esteiider-se e offusca-las. Entre as pal- mas d'aquelles triumplius já se escondiam o.> vermes, que desde o principio haviam começado a obra da destruição. Emquanto os homens foram superiores ás cousas a fortuna correu-nos risonha e iisoujeira, dilatámos o nosso poder, ■ 1 Veja-se o que extensamente exporemos sobre este assíiimpto no toiíi. 111, liv. II, cap. iv, e no tom. iv, iiv. vi, cap. v da Hiítoiia de ForiMgai nos Mcuk» xvu e xvui. bigiiized by Google DOS SfiCULOS XV1[ £ XVUl avassallámos os mares e (luíiiiiiaiiins pt lo ipiiior. (juaíido Poí^^sòc» os heroes baixaram á estatura ile homens oi diiiarios, e a ""™'*"™* inspiração das grandes epodias deixou de animar as em- prezas» baixaram os acontecimentos também, e a hora da expiação fui aiiriiinciada por estrundosus revezes. Portugal, repartido i)ara taatas partes remotas, não ti- nha braços para as abrarar a todas. Só o império da Ín- dia bastaria para desfailecer tres nações maiores, como provou a experiência depois. A victoria cansou-se de nos seguir. A sede do oiro, o amor do fausto e dos deleites, a saciedade da gloria, e uma confiança temerária, a par da proíunda alteração dos costumes» tintiam transforma- do os netos dos antigos soldados em mercadores, e os presidies em antros de usuras e de rapinas. Uma serie não interrompida de prosperidades gangrenara os cora- ções, a facilidade da oppressâo gerara a lotcura do or- gulho, e a impunidade levantára quasi altares ao crime feliz. A vontade despótica fazia lei, e a venalidade cobria os maiores culpados. Ao mesmo passo o vigor marcial altenuava-se, e a religião do dever esmorecia. O enthu- siasmo, a abnegação e o sacrifício voluntário, as li es po- derosas forças, que nos haviam tomado temidos e res- peitados, se ainda esmaltavam alguns caracteres, já fu- giam da seena, em que tantas vezes obraram prodígios. Quando os inglezes e os hollandezes avivaram a lula, o livro do maravilhoso poema estava encerrado, e a bisto- ria mscrevia apenas um ou outro nome illustre na ultima pagina taijada de luto. N3o exagerámos as tintas do qua- dro, reproduzimos as suas fei0es como os factos as re- tratam. Quatro idades distinctas contou o estado da Índia em sua existência. Na primeira, a da infância, occupámos Goa, Malaca e Ormuz, ameaçámos Adem, e assoberbámos toda TOMO ▼ 9 Digitized by Google 190 HISTORIA D£ PORTUGAL a costa lio Indo até ao Ganges, dosharatanílo as armadas turcas, varrendo os mares, e senhoreando os portos mais importantes da fitbiopia, da Pérsia e da Arábia. Na seguní- da, a da addescencia, novos territórios e novas cidades conquisladas, ou cedidas, alaigaranios nossos doniliiios. A bandeira portugueza tremula em Ceylão na costa áo nor- te, no litoral do Malabar, e no de Cambaya. Capitães fadados pela Victoria vencem os reis mais orgulhosos, o Çamorim, o Saltão de Gambaya, o Hydelkal e o Achem. Os Rumes re- tiram-se desbaratados. Os lies|>aiilioes recuam das Molu- cas. Bintan, Mangalor, Adel, Paang, Repellim, Tidore e mmtas outras terras tremem assustadas debaixo do peso do seu braço* Os reb de Xael, Viantana, Adem, Gacdtem, Dolu^ e Sonda, o Sultão de €ambâya, e o Hydelkan humi- lhados reconhecem-se seus tributai ios. Dois reinados, o de D. Manuel e o de D. João Hl, ao periodo relativamente emto de sessenta annos^ viram com espanto do mundo ftmdar-se, crescer e prosperar por seus eoamiercios e thesouros este império colossal ao qual o escriptor bem iníoiiíiado, ([ue vamos seguindo, attribue oito mil legnas de superfície c(»n vinte e nove cidades, cabeças de pro- víncia, muitas povoações opulentas, e trinta e tres reis vassadlos K A minoridadc e o •jfoverno de D. Sebastião abrange- ram a idade perfeita da conquista. N estes vinte e uni an- nos já ella se mostra mais inclinada a conservar, do que a adquirir/ mas apesar d'issa ainda levanta fortalezas eain- se ergue para pelejar contra a liga dos priadpes con- jurados, lutando victoriosa contra o Hydelkan em (ioa, contra iSisam Moluk em Chans, contra o Çamorim em 1 Relação do Novo Caminho da Índia a Portugal^ pelo padre Mi-* nuel Godinho, liv. único, eap. i. Lisboa í6ô8l Digitized by D06 SEGOLOS XVH E XVin 131 Ghale, e contra o Achem em Malaca. Pate, Pemba» Qui- votmom lere e o Mcmomotapa jui am a paa e confessam-se sujei- tos. As nossas naus e fustas cobrem os mares, tomam ^ lotlos os |);issos, e nas Maldivns, nas costas do Malabar, | ou Jias aguas <la Arábia iiâo coiiccdein li tígwa aus inimi- gos da fé. O nome portuguez gela de terror i^s povos asiáticos. Os nossos navios voltam do Japão carregados \ de prata e da China pejados de seda, de aimiscar, e de ' oiro. O cravo das Molucas, a maça e a no!& de Sonda, a canella de Ceylão, as pérolas de Manar, os diamantes de Mussuipaiaii, os rubis do Pegíi, o bcjoini do Achem, a teca e os couros de Cochim, o gengibre e a pimenta do ; JMalabar, a camphora deBonieo, o anil, o lacre e as rou- pas de Cambaya, o incenso de Cachem, os cavatios da - Arábia, e mil outras drogas e precioaidadea ía^em de I^is- boa a primeira capital da epoch^ e povoanvo Tejode vé- las do todas as nações. Mas a fraqueza e a ladiga eram já visivri.<. A iicronlia do oi^iente circulava nas veias do Estado. As apparencias mcutiam. Debaixo da purpura in- vejada manavam das feridas occnltas o pns e o sangue. Sf* milhante a Augusto o imperró da Asia tingia as faces e enfei- tava os membros entrevados para disfarçar a agonia. NComeçou esta em 1600, ou pouco antes. Slo notáveis as phrases, em ([ue a descicve u padre Manoel Ciodinho. aí\M dru, diz elie, o estado da Índia de repente a vista das aimadas, soldados e capitães, que senhoreavam an- tes os mareSy perdeu o oovir que suas frotas pelejaram, que a conquista continuava, e que os inimigos fugiam... Perdeu o gosto das »rmas, da léma, e dos perigos. Esta- va tão velho, (|ue, se não acabava de expirar, era por não achar se[)ultura pcira sna grandeza. De gigante tor- nou-se pigmeu». De íeilo, se em 1064 o vice-reinado da Índia só comprehendia Goa, Macau, Chaul, Baçaim, Da- Digitized by 132 HISTORIA D£ POBTUGAL » mau, Diti, Moçambique e Moinljaça, relíquias bem peque- nas de tão grande corpo, as perdas em Í641 apesar de mui extensas e sensíveis, ainda não imham chegado tão longe.. Todo desabava, ou vadUava, porém, e não era pre- cisa grande penetração para conhecer, que D. JoSo.IY su- bira ao throno para assistir ás exéquias do antigo poder da sua corôa na Asia. Aproveitando-se do aperto das cir- comstandas, vendo Portugal a braços com a guerra de Gastella, e seguros de que não poderia soccorrer a tempo as possessões da índia, os hollandezes redobraram os es- forços, e de conquista em conquista, de região em região, expuisaram-nos dos presídios e íeitorias mais importan- tes, fazendo-se senhores exdusivos do commercio e dos mares, sobre os quaes havíamos reinado quasi por um sé- culo sem competidores europeus *. A successlo de tantos iníortunios ferira mortalmente todas as fontes de riqueza do paiz, riqueza artiiiciai, e iir- mada em bases falsas, como mostrámos em outra parte. Desde que as armadas estrangeiras romperam o bloqueio, com que fechávamos os mares e os mercados africanos e asiáticos a todas as nações, a prospei idade mercantil co- meçou a declinar. Cada nau rendida, abrasada ou nau- fragada, cada feitoria tomada, cada presidio arrancado ao domínio portugnez significava uma perda irreparável, em , força effectiva, e em capitães. A repetição dos desastres provocou o amquilamento. No caminho da ruina, desde que se escorrega pelo predpido, a perda accelera-se, e o mal toma-se irremediável. A entrega de Queixome e de Ormuz em 1622, a invasão das Molucas, e as inquietações 1 Rdação do Nàw Caminho âa Mêcl aPortugàl, liv. unico, eap. i. — Hiiímr» du Coameree de totdes lei naHms, par H. Seherer, tom. n.— Let HaUandois, Digitized by DOS fiE€fJLOS XVU E XVDl 133 de Ceylão foram os symptomas precursores da decadenci a , Possessõw que em pouco mais de quarenta annos deixou demolido ''^^'''''^ o vasto império de D. Manuel e de D. João IO. Vendo-nos recuar vencidos, os povos e os régulos, que a coacção dn t(ínior retinham submissos, vuUai am-separa .os Inglezes e para os hollandezes, e, alliados com elles» apressaram a destruição dos antigos dominadores. Apraça de Lisboa declinou. Deserdada do monopólio do grosso trato das mercadorias da Índia viu passar para as cidades maritimas da Ilollanda e da Inglaterra os lucros quasi fa- bulosos, que alimentavam a sua opulência. Desde o pri- meiro quartel do século xvu pôde dizer-se que Portugal não fez senão, prolongar a sua agonia\Nos últimos vinte annos da dominação castelhana as possessões ultramari- nas quasi que só represefitaram na sua existência encar- gos e sacrílicios muito superiores ás faculdades ^ Os rendimentos das colónias, íx)sto que avultados, já não cobriam nos últimos vinte annos anteriores á restaura- rão as sonnnas exigidas para a sua conservação e defeza. Os diíeitos arièmatados, segundo o systema da epocha, a contratadores particulares qrçavam em todas as posses- sões da Africa occidental por 94 contos*. O senborio de Portugal ainda contava no Estado da índia doze cidades e trinta e Ires viUas com fortalezas, ou baluartes guarne- cidos, alem de intinitas aldeias, e o producto de todas as alfandegas e feitorias não descia de d90 contos^ O Brazil * Historia de Portugal nos secuios xvii e xvui, tom. m, iiv. iii, cap. I a V, e tom. iv^ liv. v, cap. v. - As ilhas de Cabo Verde e parte de Guine andavam arrenda- das ein 1620 por Í 4 contos. A Miria rendia 40 contos termo mé- dio, a iilia de S. Thoiné fôra contratada por 14 contos, e o Congo, Adra e Angola por 20. ' É as.sás curiosa a nota do rendimento das aiíandega& e feito* . kj. i^cci by Google I íd(k HISTORIA OE POaXUGAL PesftMsoes rendiií, termo médio, iiiai ;)i cnnios, rdopois da conquista dtnmtnm* Maianlião e (lo Hio das Amazuiias devia valer muito mais^ A receita total, avaliada sem exageração, subia, pois^ a 538 contos, pouco menos de um terço da receita geral do reino, que em 1620 não excelia 4.744:OOO^ÍOOQ léis". Míis ns despezas l íMinrrid.is j/.ii .i . ni doiniiiiiK tão largos, diversos e remotos maiitei' a aucloridade e o res- peito da nossa coroa absorviam todos os ânuos quantias muito superiores. A administração civil, ècclesiastica e militar de Gabo Verde, S. Thomé e Angola custava anr ■ na» de alguns dos pontos mais importantes sujeitos n'aqueUe esta- do ao nomo domínio. Na Aiirica oriental a fortaleza de Sofala, a que estava annexa á de Moçambique, produzia para a corda 12 con- tos^ e a de Mombaça 3, ao. passo que os lucros dos capitães da pri- meira podiam produzir no tríennío 80 contos, e os dos capitães da segunda 12. A cidade de Goa com as rendas c fóros da ilha e das teiras de Salseto e Bardez calculava-se que valia 120. A alfandega de Ormuz rendia 70:6004000 réis e a de Diu 70:{i00|;000 réis. Dam<o rendia 18:600WX) réis, Baçaím 37:S0OilO0O réis, Ghaul 9:6OOi0OOO réis, Cochím 6 contos, Malaca 31:200|i000 réis,Ceylão 12 contos, as Molucas 15 contos, Mascate 12 contos, Meliapor 4:800JK)00 réis, Onor e O)ulâo 4:800^000 réis cada uma e Solor 4:5001000 réis.— Vide Livro dai Grandezas de Lisboa, por Nicolau de Oli- vera, trat. ix,,cap. nr. O Livro de Toda a Fazenda e Real Patrrrn- nto do Betno de Portugal, por Luiz de Figueiredo FalcSo, pag. 119 e 125, varia ]i'estes algarismos, porque nos dá o mesmo quadro, mas referido aos primeiros annos do século xvit. 1 Ibidem, ibidem. 2 Fr. Nicolau de Oliveira computa a receita total das colónias em 637:705^570 réis, comprehendendo os rendimentos dos' mestrados das tres ordens militares no reino, os da ilha da Madeira (26:621 ijíOOO réis), e os das ilhas dos Açores (27 contos). Deduzidas estas quantias a receita das possessões propriamente ditas nSo excedia 573:999i0IOOO réis, e avaliando em 35 contos as quebras de algumas rendas, cal- culo mais do que modesto, teremos os 538 contos, em que orçámos no tâáo toda a renda dos nossos domínios ultramarinos. i. kjui^uu oy Google vos tsiCDLOS xm B um m noalmente 29 contos*, as armadas e as fortalezas da índia Posscssses consumiam todos os rendimentos, e a guerra contra os hollandezes devorava no BrazU o dobro, ou mais. do que a possessão ))i ()(luzia^. Os encargos ordinários ariuuaes elevavam-se íi 473 contos, mas os extraordinários, con- stantes, e de dia para dia mais onerosos, muitas vezes du- plicai am e triplicai am estes algarismos. Combatidos por inimigos aguerridos e poderosos a um tempo na Ásia» na . Africa e na America> cada esforço mais violento para os repellir, ou o menor lapso de negligencia, que os deixasse adiantai , iiii[)ortava iim sacriíicio, com que não podíamos, ou uma perda, que nos diminuía os brios, e oiíuscava o prestigio. Notámos que as origens da corrupção, que tanto apres^ sou a mina do nosso poder no oriente» logo principiaram a manifestar a sua influencia nefasta desde os primeiros tempos. O vice-rel D. Francisco de Almeida, escrevendo a el-rei D. Manuel, traçava os lineamentos da physiono- mia (la índia portugueza com lajíis tãn sovoro. que só nos - devemos admirar, de que a dissolução caminhasse com menos rapidez, do que na realidade se adiantou. Os maus conselhos da côrte concorriam para isso.  gente do mar e parte dos soldados pelejavam qua^ nus e descobertos. Os soldos e as mercês promettidas corriam com grande alrazo, e a descuniiança de não serem pagos das dividas, 1 A adaúoistinçfio das ilhas de Cabo Verde custava i corôa an- nualmente 7 contos, a de S. Tbomó 5:400|000iéis, e ade Angok e Benguella 17:OG0|;t)65 réis. 2 As despezas do rslado n.i ilhadaMadeira subiam a Ds^OOi&OOO, o nos Açores a 15:(iií0iíKXK) k-ís. Os tres presídios de CfMila. T:uiger c Magazão exigiam annnalmeiitc 93 contos, a saber, Ceuta :á4, Tan- gn- o Mnzagíío A fnrtahv.a de Arguim doada ao conde de Atouguia oão pesava sobre a fazenda. Digitized by Google i36 HISTORIA m P0RTD6AL Po«MuQ6c OU remunerados dos serviços era geral em todos. O rei iiiramtiiBâs despachava em Lisboa para os melhores ofQcios homens novos, e deixa ui sem premiu us ([ue aleijados das feri- das mais careciam de descanso honroso. Estas injustiças ' relativas ulceravam os ânimos, e quebravam as vontades mais intrépidas a uns, em quanto excitavam em outros o desejo e o propósito de se indemiiisarem por suas mãos. Muitos capitães já se entregavam com tal cubica ao trato mercantil» comprando e vendendo, que desamparavam as naus» e esqueciam todas as obrigações. Os soldados» alem de poucos e descontentes, quasi desarmados, queixavam- se, porque viam dar aos recemchugados do reino o que elles tinham ganho á ponta das lanças*. Havia muitas bai- xas por doença, c os sãos, dizia D. Francisco de Almeida» andavam desfallecidos do sangue» da idade» da vida, e com o espirito cansado, mais que tudo da ingratidão, com que se viam des{)rczados. Era esta em 1508 a verdadeira ima- gem dos homens, e das cousas, desciipta pelo primeiro • vice-rei, caracter probo e cavalheiroso, que os erros do príncipe e a devassidão incipiente dos súbditos magoavam profundamente. Gincoenta annos depois, se D. Francisco de Almeida podesse resuscitar, e ver por>eus olhos os ter- ríveis estragos da gangrena social» é provável, que sua penna ainda corresse mais áspera» que a de D. João de Cas- tro» censor tão honrado e tão pouco attendido como elle*. ^ Lendas da índia, por Gaâpar Correia» tom. i, part ii, pag. 916. — D. Francisoo de Alaieida acrescentava, que taparia, se podesse, os buiacos por onde se nos ia mais o vento, e nota, que os militares da índia de aborrecidos desejavam passar a oatras terras, devendo- se-lhes já até janeiro de i508 cem mil cruzados. 2 Ibidem, ibidem, pag. 9i8 e 9i9. D. Jofio de Castro na sua cor- respondência soltava ainda censoras mais acres, do qae D. Fhmdaeo de Almeida. Digitized by Google DOS SÉCULOS xvn £ xvm i37 Nos conselhos celebrados em Lisboa discutiii-se repeti- lias vezes qual era o systema de cooquistamais accommo- dado ás forças do reino» e mais apto para conservarmos e dilatarmos o monopólio commerelal, e parece qne. se preferia o da fundação de presídios em todos os logares que na índia podessera ser occiipados como chaves da navegação, ou como empórios mercantis. Pelo menos é o que se deprehende das ordens dictadas por D. Manuel em 4505 a D. Francisco de Almeida, nomeado vice-rei, inani l/i lido, que, apenas chegado ao seu governo, elle pro- curasse construir com toda a diligencia fortalezas em Go- ciiim, Cananor, Quiloa e Angediva, nomeando logo os capitães, que as haviam de defender, e estabelecendo o soldo, que devia ser pago a mil e quinhentos homens de armas, duzentos ])uíiii)ardeiros, e quatrocentos homens do mar destinados a formarem a guarnição permanente dos novos dominios. Entre estes soldados quiz el-rei, que fossem quatrocentos indivíduos com moradia na sua casa e como taes inscríptos nos seus livros. Os vencimentos olierecidos mm avultados em relação á epocha, e con- sistiam em tres cruzados ^e soldo, e tres quintaes de pi- menta livres de direitos por um anno, e em um cruzado para rações por mez a cada lança. Os capitães das forta- lezas só podiam começar a vencer depois d'ellas concluí- das e cerradas. Partiram com os officiaes, que as haviam de guardar, os feitores, almoxarifes, e escrivães encarre- gados pela fazenda real do tracto e fiscalisaçâo das mer- cadorias^. D. Francisco de Almeida, avisado pela experiência, re- provava o systema, que as ordens da corte tanto recom- meudavam. Tratando da fortaleza, que D. Manuel queria ■ 1 Ltndoê da hêiã, toOL f, part. ii, pag. 530 e 531. 138 UISTQRIA DE PORTUOAL PoMMtgw sem demoi a levantada em Coiilâo em 1í)08, expunha sem * disfarce, el-rei (|u«iitus mais piesidios contasse mais íraco íicaria, {«orqae todaaibrça da coroa n aquellas par- tes devia consistir em armadas e em gente marítima. Se não formos poderosos no mar(dízia elle) tudo será logo con- tra ni'»s s(M>r<M de Cochim quizesse mostrar-se desleal seria dcbliuidu, ponjuc as guerras passadas erani cora Jjestas, e as qm} temos affora «ão com venezianos e tur- cos'». Âffonso de Albuquerque seguiu politica diversa e parecer contrario. O seu pensamento era ftandar um gran- de impriiít. e nsseiilar-lhe solKl.uiiciitt' os alicerces em padrastos, que ao mesmo tempo servissem de freio aos inimigos, de escala segura aos nossos navios, e de em- pórios ao nosso commercio. A escolha da cidade de Goa para cabeça do novo estado, e a tomada de Ormuz e de Malai a, [lontos essfiiciars para alinneza do senhoiio mer- caalile miiilar, allestani a sua elevada capacidade como ca- pitão 6 como conquistador. Os successores exageraram, porém, a idéa inicial, e multiplicaram sem vantagem as fortalezas, que, mal providas e exf)Ostas.ise tornavam, quasi venlndeirus fiirrars scni niais pivstiiiio, doijue exi- girem avultada despeza e grande peida de fama, quando alguma era rendida. Calculava-se em 4:000 pardáqso que se gastava em cada uma d^ellas sem proveito, e os votos mais auctorisados sustentavam a necessidade de airazar o maior numei o, concentrando as guarnições nas pi aças, que por sua posição mei'eciam e juslií içavam os sacrifí- cios, como eram Mombaça, Mascate, Moçambique^ Sofaia, Ormuz, Diu, Malaca, e algumas outras'. 1 ' íjmãm da índia, por Gaspar Correia, tom. part. ii, pag. 906. — Diogo do Couto, Saldado Pratico, dialog. i, pag. 144. ^ Ibidem, Ibidem. Digitized by Google 1 DOS SÉCULOS &VU E XVIII 189 D. Francisco de Almeida tinha rasHo. Era só nas arma- fnmmm das victoriosDs. i\m o nosso doininio pndi;! lii iiiar-se. Á boa dislribuioru) das loi ças navaos loraivi di viuos os maio- res progressos da conquista, e á superioridade das tripu- lações as victorias repetidas, que a dilataram. No governo de Nuno da Cunha ainda cruzava os mares da costa dò Malabar uma grossa esquadra, e outra assás forte todos os annos visitava o estreito. As nossas vélas nunca cessa- vam de guerrear as praias e as aguas de ( luuhaya. p'essa epocha os rendimentos d(^ todo o estado ( calnnlanos em mais de :á40 contos em dezembro de 1611 i)or Couto), n&o excediam iâ8 contos, c apesar disso todas as despe- zas eram pontualmente satisfeitas. Depois os gastos das armadas no mar subiram a sommas muito elevadas, e as- sim mesmo raras vezes saíam os navios a tempo, porque os estaleiros e os arsenaes se arliavani \asios, e indo vi- nha de fóra, mantimentos, veiame, inarÍnlieiro> o oj)('ra- rios. Os vasos apodreciam mezes e annos á espera de i'a- bríco, e entretanto os ofiiciaes venciam como se estivessem empregados em commis^o activa*. Outros ofiiciaes sem serviços pediam e obtinham commandos de galés, e se passavam um verão nas estações do norte no outro só queriam as da costa do Malabar. A obodípncia e a disciplina tnmavam-se por cousas vãs, e cada um íazia com plena impunidade o que o interesse lhe aconselhava. N esse meia tempo folgavam os piratas malaios, apresando-nos por anno vinte e trinta embarca- ções. A vida militar no antigo tempo era muito differente. Os soldados e os marinheiros sómentc descansavam nos tres mozes de inverno, e n>sses liilavaiii com a lonie. A bordo o seu regalo consistia em um prato de arroz compei- 1 Diogo áo Couto, Soiâado praUeo, dialog. ii, pag. 46, 47, 83 e 84. . ^ .d by Google 140 HISTORIA DB PORTUGAL pMaaaases xe salgado, doitmam DOS baocos dasftistas descobertos á iitramaiiDu ^jj^yg g g^j^ ^ bebiam agua dos tanques corrompida. Nos dias de (l(?c;idencia, o menor cavalleiro cobria-se de oiro (! de velludo, o rodoava-se pagens. Os peões hu- mildes aspiravam a tratar-se quasi á lei da nobreza, to- dos fugiam dos trabalhos, e todos se queixavam da menor contrariedade como de um vexame atroz*. Os chefes das famílias illustres ainda mandavam os fí* lhos e os irmãos para o serviço da índia, mas esta gente fidalga entregava-se mais aos deleites e jogos de cannas, do que aos exercicios militares. Cuidava muito em luzir pela pompa das calças imperiaes de seda, mersacotas e ca- pas de escarlata, e muito pouco pela escolha de boas armas defensivas e offensivas. Cada um ao sair de casa recebia para suas despezas 300 ou 400 cruzados, ajuda de custo que outí 'ora se nâo pagava senão a cavalleiros nobres e en- canecidos nas armas. Estes exemplos desanimavam.uns, e animavam esperanças atrevidas em outros, Quasi ninguém se queria embarcar como soldado, e os poucos, que iiavia, por todos os modos procuravam ficar em terra^. Em 1616, já existia grande falta de bombardeiros e de mari- nheiros, e para a supprir chamavam-se os naturaes da terra menos destros e valentes, do que exigiam os lances sempre proxmios e arriscai los dií pelejar com europeus. O governo promovia o alistamento de bons bombardeiros , e marinheiros portugaezes, attrahindo-os com favores, e ordenando aos vice-reis, que nos provimentos dos logares declarassem os serviços e qualidades dos nomeados, mas quasi nenhum se apresentava; e, não colhendo fructo das promessas, determinou em 1G20, que se recrutasse um 1. Soldado Pratíeo, dialog. i, pag. 135 e 141. * IKogo do Couto, Soldado Praiieo, dialog. u, pag. 38 e 39. DOS SÉCULOS XVU E XVUI 14i soldado em cada freguezia do reino, a fim de partir na Pwsesrtit monção seguinte para a Índia, correndo a sua conducção por conta das camarás municipaes. As violências pratica- das peies execatoresy tanto no alistamento forçado» como no transporte, foram todavia taes, que o clamor dos po- vos obrigou o soberano a abrir uma syndicancia áci^rca do numero da gente pedida, da embarcada, e da que lor- . nàra a ser reconduzida por inútil e incapaz para suas ter- ras*. A matrícula dos soldados para a índia, quando as fac- ções de guerra das mi niadas se interrompiam só nus me- zes de inverno, não inscrevia mais de á:GOO, ou 3:000 ho- mens. Km 1611 o numero dos soldados arrolados já subia a 15:000^ e depois elevou-se a . 17:000» repartidos por fortalezas, cidades, villas e castellos, levantados em toga- res inimigos, e muitos d^elles povoados pelos filhos e os netos dos primeu os íundadores. Esta disseminação im- prudente de forças era uma cansa constante de perigos e desfallecimentos. Parte d'esta gente com bens de raiz e grande rendimento vivia mais à maneira aàãitíca do que á eur« i] it'ia, e, recebendo soldo pelos livros do assenta- uiento militar, raras vezes se apresentava para entrar em campanha. El-rei D. Sebastião, no primeiro governo de D. Luiz de Athaide* intentou atalhar o mal, mandando que os soldados servissem em bandeiras, e que se lhes nomeassem capitães austeros e disciplinadores. Uma das rasões aliegadas em favor da contmuação d'aqueile estado * \ 1 Carta i^ia de 3 de oatobio de Í816. — Livro da Corrmpondm' cia do Desembarco âo Paço, fL 35S.— Carta regia de 8 de novembio de 1619^ Uv. I, das Protiedee e PrtoUegm da Camara de Coimbra, fl. 2770.— Carta regia de 20 de maio de 1620.— Livro da Corre*- INMidmeia âo Detembargo do Paço, ÍL 225. . Digitized by Google Hl mmau db poriogal wmmam de verdadeira anarcKia era, que as tropas unidas em eom- iUf«wnMf pguijjjig^ roubariam os povos, saqueariam as cidades, e lualicariaiii tuiia a espécie de violências, lísla rerm iiia mo prevaleceu, conitudo, e deiilro de poucu leuipo o desl^xo e a incúria tomaram proporções assustadoras^ Os herpes da corrupção estenderam-se a todos e a tudo. Se os soldados passeavam o Inverno em Goa, e, apenas cliei:n\.i o ViTãi», se eseoiítli.iiii p.iia nãu einhaiTar, não liaveiido quem pelejasse e soccurresse as fortalezas, os U- dalgos só punliam os olhos no interesse, e não cuidavam senlo em se enriquecer. As tentações sobravam. Os tíapitles de Ormuz nos tres annos n3o tiravam nunca dogovtjnio iiieíius de 300:000 mil [lardáos, os de Malaca iOOiUOO, os de Diu e Cliaul 70:000 e 80:000, o os de Mascate igual quantia. Uma viagem do Japão calculava- se que podia render entre 70:000 e 80:000 pardáos^. Na índia só o Estado era pobre. E, entretanto, como observa um esci iptor da epodia, com tantos tliesiMii-os i aiicailos por meios lícitos e ilUcitos» poucos medravam m vemo, sendo raro& os morgados e as casas feitas com elles 1 É por- que a prodigalidade se encarregava de desbaratar depressa o (|ut' a culiira ajuiiíáia ra[)idamente, aliopelando leis e devei es. Quando o império florescia os costumes não cor- riam tão soltos, e os homens entre<ravam-se menos aos prazeres e ás sensualidades. Nenhum fidalgo moço osten- tava de senhor poderoso, tendo casa e cavallo. Pelo con- • liario |)Ousa\aiii aos cinco e seis com um lidiiliío velho sem mais |)t)m[>a, do que um j>agem e um cieado. Os soldados moravam também aos cinco e seis em casas tér- reas de pequena renda, possuíam apenas duas capas» co- 1 Diogo do Couto, Soldado Pratico, dialog. ii, pag. 'S3. 2 Ibidem, dialog. i, p^g, i57, «a4» pirdào orçava por 'M^ reaes. Digitized by TM sficuLos xvn E xvin miam a ração, que lhes davam os capíties, e assim que se armava qudl([atír navio acudiam a gaamece-lo. Nos dias de decadência vesliam-se como ruíiães, trajando calções de velludo, espadas douradas, c trancas e pasâa- manes ricos» e zombando da severidade dos anftigos sol- dados, que nunca largavam os saios de ^aiingio pardo, os gibões da aiesnia leia, as couras golpeadas, as goi t as de Milão, e as espadas curtas em talabartes de anta^ A magistratura não d^clinára menos. Os juizes, nomea- dos por empenhos, eram na maior parte estudantes aca- bados de formar na universidade sem sciencia, sem au- ctun<la*le, e sem pralica dos negócios. Em vez dos trajos compusios, próprios do cargo, suas gaias feriam os olhos. Calças recamadas, capotes ornados de barras louçãs, es- padas douradas, cavallos guarnecidos de jaezes soberbos, muitos lacaios adiante, e muitos pagens atrás, mais os fa- ziam parecer embaixadores, do que juizes de iinia rela- ção. Os etTeitos correspondiam. £m terras conquistadas e rodeadas de inimigos, aonde era necessário trazer sem- pre a espada na mão, concorria maior affiuencía de gente aos pretórios e audiências, do que ás armadas. Os magis- trados, em vez de timbrarem na austeridade e rigor dos costumes» usavam e abusavam dos cargosr^Suas varas, que não deveriam torcer-se, andavam tão delgadas, que se dobravam com a peita de um rubim, ou de um dia- mante, e se inclinavam alé ao chão cuni o [leso de dadi- vas mais fíírtes como alcatifas, colchas, louras da Chiua, e outros brindes valiosos. A relação custava vinte mil cru- zados aonuaes, e a justiça admoiistrava-se muito peior, do que no tempo, em que um Ouvidor Geral, um Ghan* ccller, tí um Juiz dos Feitos coiriam com lodos os pro- 1 Dkgo do Couto, Soldado Pratm, duiq^ i» pag. á40 e i4«, 144 HISTORIA DE i^OBTUGÂL FMMiisas cessos. Âs demandas compravam-se, e um verdadeiro exercito de escrivães, e de procuradores sugava a sub- stancia dos iníelizcs coegidos a defenderem seus direitos perante os trlbunaes^ 0 deplorável alvitre adoptado em 1615 pelo governo de Filip[>e III de p6r quasi em hasta publica o provimento das capitanias e dos cargos triennaes acabou de accelerar a acção dissolvente da corrupção, que não carecia de novos estímulos para campear infrene e arrogante. Propozeram* se em toda a parte como licitadores os que estavam de posse dos iogares, mas os excessos e o escândalo brada- ram tão alto, que a côrte, decoí ridos pouco mais de dois annos, foi obrigada a deferir aos clamores e queixas ge- raes, revogando esta mais do que imprudente disposiç^ Dilatar a preço de contractos onerosos os poderes dos ca* pitães, tornando-os verdadeiros procônsules, e fechando de lodo as poi las ao mérito e á emulação, equivalia a ven- der os súbditos como rebanhos á avidez dos especulado- res. Quando o rei tinha de prohibir aos capitães, que tirassem das fortalezas a artílhería, as armas, e as mu- nições jiidi>j)eiisaveis para a sua defeza, porque mui- tas se acijavaui quasi desarmadas, era mais do que sin- gular vender-lhes quasi a perpetuidade dos caiigos, que serviam com tão pouco escrúpulo ^ Nos armazéns da ci- dade e da Ribeira de Goa nlo se respeitavam mais os di- reitos da corôa. Mastros, vergas, enxárcias, cadernaes, 1 IMogo do Goutp^ Soidado Pratieos dialog. i, pag. 97, iOO e lOi. 2 Antonio Bocarro, tom. i, Década i, cap. Lxxxvm, pag. 362 e 366. Edição da Academia Real das Sciencias de Lisboa. — Alvará de 5 de abril de 1818. — Arckko Nacional^ liv. in de leis, fl. 91 e 115 v. — Avião do 1.* de dezembro de 1621. u kjui^L-u Google DOS SEGUROS XV li E XViil 14ti vélas, lonas, e artilfaería de bronze e de ferro saíam sob pohi»««m pretexto de empréstimo, e nunca eram ifstituidos^ «ifa"»™»* NHo ei a para admirar no meio de taes dilapidações, que nos momentos de aperto tudo faltasse, homens, armamen- tos, navios e apparelbos! Já no tempo de D. João lU se deploravam factos quasi similhantes. O governo, apesar do recheio dos arsenaes do reino, teve de mandar vir em 1549 de Flandres-tres mil eossoletes com braçaes, escar- cellas, goijaes e celadas, e tres mil arcabuzes de Bolie- mia, talvez para acudir ás necessidades da índia. Foi em 24 de novembro d'este mesmo anno, justamente, que a còrte decidiu entregar Ârzilla ao rei de Belez, Muley Âbu-Aça» ordenando qae a guarnição da praça, composta de qui- nhentos soldados e de sessenta cavalleiros» se reunisse á de Tanger. Em 4550, ArziUa, a gloriosa conquista de AíTonso Y, já se achava evacuada e desmantelada . A ra- são doeste acto. se\ í i aniente esíianhado poi' todos os que ainda não haviam esquecido os sentimentos cavalbeirosos de outras epocbas, fôra a urgência de diminuir as despe- zas militares aggravadas pelos excessivos gastos da Asia e da colonisaçSo do Brazil, então principiada. Saflm e Aza- mor tinham sido também desamparadas e arrazadas. Al- cácer participara da mesma sorte*. O esladu das praças do litoi al da Barberia, que a corôa poriugueza ainda conservava no século xvii, assimilliava- se ao de muitas fortalezas nossas da Aftica oocidental e 1 Carto regia de aliríl de i6Í7.--.4fvfttt» IVactò^ il. m ^ QointeUa» Amuiet da MariiUia Portuguesaj tom. i, pag. 372^ — áfime» dê D. João IH, por Fr. Luiz de Sousa, Iíy. n, cap. ii, pag. 354 e 356.— Coita de EUR» D. João m a Lmrenço Pirtt dê Tmmra datada d$%dê junho de i550, liv. m de Lourenço Pires de Távora nas memorias e documentos juntos ao texto dos Ànnaes dê D. João Uf* IMO V 10 Digitized by Google I i46 IU3T0«U I^fi l»0«TUGAL vmmum da India\ Em Mazagão ateiou-se em novembro de 1623 iMnnftmti epidemia cruel, piuvocada pelo trigo podre en\ laiio de Lisboa, e seguiu-se uma fome aiuda mais assoladora. Não havia médicos, oem boticas. A moitaadade foi im- mensa. As quintas e hortas plantadas junto dqs muros da vil la e cercadas de altas paredes serviam «de abrigo aos mouros, qne viiiiiaiu acommette-la, e foi necessano um al- vará de âl*rei para o abuso terminar. Km Ceuta subleva* ram-ae os moradores, praticaram grandes desatinos, e ousaram attentar até contra a vida do governador D. Fra»» cisco (ití Almeida. Os religiosos entraram nos tumullos, e alguns d eiies foram apoutadus como dignos de castigo*. £m toda a parte lavrava a mesma corrupção inanifestaik por symptomas andogos. As leis ião eram temidas, nem respeitadas. Os deveres mais sagrados escameclam-se com irrisão, e o interesse pe^^ual em a verdadeira o única norma do procedimento de todos! Os direitos da corda não mereciam mais respeito aos capUSes das fortalezas, do que os dos particulares. Se filo duvidavam espoliar os mercadores, arrancando-lhes parte cias lazeiulas, encen aji< io-os em cárceres privados i)ara os obrigarem a resgatar-se, e mven4ando md vexames, zom- bavam com igual desassombro das leis e de suas prohibi- (ões, quando a cobiça os convidava a infrmgí-las. O com- mercio da canella de Ceylào constituia estanco real, e só o Estado a podia negociar. Em 1619 o capitão geral da ilha tomava para si e para seus protegidos mais de nove mil quintaes sem pagar nada por alies ao fisco.iNão con* im— Alvaii de 29 d» aelembro de I6S1, Mv. m de leis i. 117.— Qurfai de 31 de outnbfo de ie38.--iiiBro ds Cmretpfmãmím Digitized by Google DOS SÉCULOS xvn E xvm 147 tm^ com este abuso cobrava e mettia em si os impostos Possessões da fazenda, e coegia o vedor a levantar mSo d'elles. Em ^^^"""^ 1615 parte da seda do presente do rei da Pérsia sumiu- se nas mãos venaes dos que deviam responder por ella, e a de\ assa tirada contra os culpados serviu só de Loi iiar mais estrondíèso o escândalo. Os excessos tocai am um tal grau de desenfreamento» que o governo» em i627» para tíSo cruzar de todo os braços, mandou abrir um inquérito sobre os crimes e pecoados mais notáveis commettidos na índia, e encarregou o desembargador Paulo Rebello» ouvidor gcial, de o dirigir e continuar'. Se a devassa fosse mais, do que uma ameaça, Paulo Re- bello teria por certo laigo campo para exercer a severi- dade, e todas as cadeias e troncos não chegariam para en- carcerar os criminoso^. A avareza, a luxuria e a soberba campeavam desenfreadas, rindo-se dos tribunaes e da re- pressão. Os fsfrandes e poderosos roubavam, assolavam e' t\ I iiinisavam pobres e os iicquenos, tanto gentios e riiuuros, como chiislàos, reduzindo-os a tal excesso de miséria, que se vendiam- uns aos outros e aos illiios, e (pie muitos fugiam e renegavam a fé para não se verem nas masmorras, padecendo fones, a&oiitas e tormen- tos, ou por não poderem pagar os tributos e extorsões, com que os opprlmiam os senhores das aldeias e as au- ctoridades devor:i 1 1- de cubiça. Alem d'estas violeucias, os ricos e os prepotciites não pagavam o trabalho aos oííi- ciaes mecbanicos, os devedores ludibriavam os que lhes tinbam vendido, ou emprestado, e os fâmulos e captivos eram maltratados com tanta crueldade, que á menor falta, ou descuido correspondiam supplícios dolorosos e priva- ções barbaras. Os herdeiros não satisfaziam os legados 1 Oàrta re^ia de ti de jnarço de 16^7. 10. Digitized by Google 148 HISTORIA DE PORTUGAL Possessões pios (los parentes e <los amigos fallecidos, e gastavam lar^ramente com íeiticeiías e adivinhos, poiquf lhes li- sonjeavam a avidez com íalsos prognósticos. Finalmente o íateresse caooQisado e a perfídia applaudida inspiravam mil baixezas, que escureciam o nome, o credito e a glo- ria, que os anli^^os portuguezes haviam gi angcado^ A soltura doò cubluíaes corria sem temor de Deus, nem respeito das leis humanas. Casados, solteiros, velhos e mancebos, grandes e pequenos» lodos desbonravam sem pejo casadas, viuvas e donzellas, violentandoumas, e se- duzindo outras com tladivas e promessas. Os escândalos não paravam, nem se continham diante dos vínculos mais sagrados. Primas, irmàs, e até filhas eram todos os dias vlctímas da sensualidade bestial dos que deveriam ser os seus protectores. As excommunhões, os interdictos e as penas pecuniárias leriam debalde. Os culpados fugiam das igrejas e dos sacramentos, faziam gala dos viclos mais hediondos, e espantavam atè a devassidão asiática com seus excessos^À consciência endurecida desprezava aber- tamente os preceitos salutares, fundamento das socieda* des civilisadas. Os bandos, as rixas, e mesmo as guerras civis nasciam com lacilidade d este estado anarchico, e duravam dois, tres e quatro annos. As lutas pessoaes e os recontros entre os cabeças dos bandos e os homens de suas facções eram ifuasi quotidianas, morrendo muitos, e caindo com frequência varados das balas velhos, meni- n(js e mulheres estranhos ás contendas. A inquietação e a falta de segurança roubavam ás famílias o socego. Tre- 1 Relação da mais extraordinária, aãmxrax>d, e kattmota tor* menta de vento. . . « que snceedeu na hdia orienkd na cidade de Baeam e Prieto na era de 1618 aos i7 do mez de maio* lia- boa. anno 1619. Digrtized by Goo<?lc DOS SBGULOS XVII B IVIH 149 miam todos, porque a morte podia alcança-los de repente Possessões e momentaneamente. A justiça sem ac^^o e sem força ^^^'^ cruzava os braços. O fòro inviolável das casas mais vene- radas rompiã-se todos os dias sem a menor considera- ção*. Nem a idade, rifiii o sexo. iif^ni a jerarcliia podiam sal- \ ar qualquer pessoa de uma injuria publica. Osarruadores, tocando matracas e soltando apupos, vomitavam doestos, calumnias e blasphemías contra as reputações mais res- peitadas. As ruas e praças, convertidas em theatros de combates e varridas de pelouros, raras vezes deixavam de a])parecer ensanguentadas, e o terror era tanto, que os cadáveres e os corpos dos feridos jaziam muito tempo sem sepultura, ou sem soccorros. As igrejas e os t( mplos. nlo serviam de asylo, porque mesmo dentro d elles es- padanava o sangue e se disparavam espingardas. Em Bombaibi traVou-se uma briga dentro da igreja de S. Francisco no dia da festa do parlroeiro, em que pere- ceram quatro, ou cinco pessoas, íicaram feridas muitas, e as balas partiram imagens e romperam retábulos. Em Ca- lejanana, ilha de Salsete, succedeu o mesmo. Em Baçaim os assassinos emboscavam-se debaixo dos alpendres dos conventos e ameaçavam os frades. Os caminhos para os templos cobríram-se de herva, e os ministros de Deus eram tão mal tratados como os seculares. Não poucos sa- cerdotes e religiosos, chamados a falsa fé para confissões, acabavam na ponta dos ferros de uma espera por terem 1 RelafSo da nutii esiraordinaria, admirável e lastimosa tormenia de vento. . . . que tueeedeu na índia oriental na cidade de Baçaim e $pv districto na era de 1618 aos i7 do mez de maio. Lisboa, aimo i619. Esta curiosa noticia encerra miúdas particularidades sobre a corrupção e desenfreamento dos costumes dos portuguezes da índia na primeira metade do século xvii. . y 1. ^ . y Google 130 HISTORIA. DE POKTIT.AL Possessões estranhado os vícios e a ímmoralidade. Em S. Thomé de atrainatiiuis ji^iijpQj.^ quando saia o Sacramento um tiro prostrou o irmão que levava uma das varas do pallio, e o bispo es- capou milagrosamente a outro tiro. estando a rosar no seu oraloiio. Em No^^Mpatan caiu um homem tres[»assado de estocadas oo altar mór aos pés do prelado. Em Chaul entraram soldados amotinados na igreja da Madre de Deus para matarem o capitão da cidade e o vedor da fazenda, que ali ouviam a missa U ^ Este quadro tragado com tintas verdadeiras por teste- munhas bem informadns representa-nos a coirupção e o envilecimeíitií dos earaciei es, e retrata-nos as feições dos costumes soltos e desregrados d'aquelles dias de deca- dência e de miséria. As sementes venenosas haviam sido lançadas â terra e tinham germinado muito antes, e no se- > culo xvn as más paixões colhiam os fractos. A uma so- ciedade assim gangrenada não era para admirar que fal; lassem todos os brios e toda a acção enérgica. Incapaz de qualquer sentimento elevado, a necessidade de affirmar a própria existência a preço de sacriíicios devia exceder o seu esforço, e, G<MToida pelos vícios, havia de assusta-la imenos o suicídio do que a resistência. Os inimigos sou- beram aproveitar estas disposições funestas, e a ruína do império, precipitando-se, provou até onde podiam alcan- çar os resultados d elias. E entretanto o triste espectáculo, que descrevemos, datava de longe, como dissemos, e quasi desde o começo escurecéra as epochas mais gloriosas. O colosso teve sem- pre pés de barro. As correspondências de D. Francisco 1 Relação da mais exÊraordimria, admiravd e lastimosa tor- menta de vento quê entre as memoráveis succedeu na índia oriental, na cidade de Baçaim e sm difitrieto, na era de 1618, aos 17 do mez de maiio. Líaboa, aimo 1619. Digitized by Google D06 sffcoLos xvn c xvm 151 de Almeida, de Affonso de Âlbuqoerque, e de D. João de Po^^o..n,, Castro, dos treis maiores iiomens qae viu talvez a Ásia por- ^^"^'"^ tugueza no século xvi, provam assás com que magoa e com que dolorosos presenlimentos elles já apontavam os primeiros symptomas do mal, e os advertiam a D. Ma* nuel e a D. João IIK Em nm varão distincto, Mar- tini Alfonso de Sousa, no logar eminente de governador da índia, achava tão natural apropríar-se das riquezas ex- torquidas, que escrevia a el-rei desassombradamente, que não duvidára acceitar do Idal*Kan, em premio de uma de- cisão dada em favor d elle 20:000 pardans, dos quaes empreirára 10:000 em uma joia para sua iiiulher, e 10:0(K) em um hanquote. De?cobrindo-lhe um sorvo mouro do desditoso Meale o lhesouro de seu amo, que subia a 500:000 pardaus, Martim Affonso apossou-se d'elle, en- viou 300:000 pardaus a D. loão m t para ajuda do casa- mento da infanta», e tomou para si 30:000, mandados a sua esposa, «por ser justo (dizia ao soberano) ficar com ' parte quem podéra liaver o todo»*. Quaiulu o primeiro magistrado do estado se mostrava tão pouco escrupuloso, não era para espantar que os fidal- gos e cavalleiros seguissem os maus exemplos, talassem as capitanias, açoutassem os .mares como piratas, e oc- cupassem, e até conquistassem territórios e reinos para si, ou alistassem companhias numerosas de portuguezes i O pleito decidido por Martim Affonso era entre o Idal-Kan e Me)ile, e versava sobre o senhorio dèBalegate. O goveroadordA ín- dia confessa ter esperado para reaolver qoe om d'e]le8 levasse a me- lhor. O Idal-Kan comprou o voto a seu favc|pr pda cessSo das Ter- ras firmes de Goa e 20:000 pardaus para Martim Affonso! Dos fíOO:00{J do lhesouro áe Moale, 70.000 pagaram a traição do mouro, e 130:(XI0 as dividas de el-rei. Annaes de D. João Ul, Memoriai e DocumefUos, pag. 413 e Digitizeci by Google 152 H1:>TURU DE FOHTUGAL posàtesôes pai;i sí-r vinMii os rogiilos o os piiucipes da Asia como iiinnaiafts ;jijxiliares, vendendo-lliíís u saiif^^ue e a esf)a(la a peso de oiro. Antonio de Faria, o ousado aveiituieiro tantas ve- zes citado no livro das Peregrinações de Fernão Mendes Pinto, representa um dos typos mais acabados d'aqueUas existências animadas de ardor f(^nl, e devoradas de cubi- ca insaciável, tão insensíveis ás ameaças dos periiros o da morte, como aos melindres da li ura e aos viu iii )s do dever. Irmão do capitão da fortaleza de Malaca, e rouhadf) peio corsário Go^ja-Hacem, jurára segui-lo até o destruir, e cumprira a promessa depois de uma longa serie de com- bates, de expedições e de naufrágios. Recebido na coló- nia portugueza de Nmg-Pó (Liampó) (^m trínmphu, como ura heroe, não duvidára conceber e executar logo depois o projecto de despojar os sepulchros íins reis da China, o, submergido nas aguas da enseada de iNanquim, ahi vira terminada uma carreira, que suas qualidades teriam po- dido tomar utii e gloriosa, se melbor direcção Ibe hou- vera guiado os passos ^ Diogo Soares de Albergaria, outro aventureiro illus- tre, mas ávido, cruel e sensual, crescera tanto em hon- ras e [írosperidades no serviço dos asiáticos, que chegára a obter o titulo de irmão ( k el-rei, o maior que o Pegu po- dia conferir, com 200:0(MVcruzados de renda e o com- mando de 800:000 homens\eguiu-se uma quéda tão sú- bita e despenhada qfuanto íòra rápida e deslumbrante a elevação. O rapto de uma rapariga formosa, aggravado pela trágica morte do pae e do noivo, concitando um grande tu- multo, tomara proporções assustadoras. Despertou a jus- tiça, já menos parcial em seu favor, e por sentença do mo- narcha o criminoso foi entregue á vindicta popular. Diogo I FernSo Mendes Piíilo, Peregrinações, cap. m, ix e uaax. Digitized by Google DOS SÉCULOS XVII E XVIII 183 Soares expiou em poucos momentos as atrocidades de fmmhm muitos aiiíio> \ m™™! As façanhas de Salvador Ribeiro de Sousa e de Filippe de Brito Mcote no mar e em terra na fortaleza de Sinam contra o poder do rei de Arracan e de seus aliiados, e as victorias navaes de Sebastião Gonçalves Tibau teriam me- recido seguramente os louvores de Camões, se o grande poeta não houvesse fechado os olhos, qii^indo principiára a anoitecer sobre os destinos da pátria^. Estes e outros homens notáveis, que a séde de riquezas e a ambi^^o de honras levára ás mais remotas regiões, trocando a defeza (la baiideira de Portugal pelo serviço de príncipes estra- nhos e quasi sempre perMos, realisaram prodígios de valor, realçados por admiráveis rasgos de temeridade, mas de ordinário sempre maculados com violências e cruéis extorsões. Salva uma, ou outra excepção rara, a maior parte eram provas vivas do grau de insolência e de impunidade, que ousavam attingir os attentados felizes. Quando os membros do vasto império começavam a deslocar-se enfraquecidos, não era para admirar, que a cabeça também revelasse symptomas claros de desfalleci- cimeiilo. Goa, que Allonso de Albuquerque escolhera para séde do novo estado, desde 1510 até ao anno de 1571, Qão tinha cessado de se engrandecer. Principiou então a declinação a tomar*se visivel,\oncorrendo para isso a peste, (jue no anno antecedente ceifára grande numero de iuiLiilantes, e o cltco, em que logo depois a esti-eitou o exercito do Idai-Kan. Restaurada das maiores perdas, nunca mais reassumiu, comtudo, a antiga opulência, e no século xvn a sua população christã Hão excedia 150 mil ^ Fernão Mendes Pinto, Peregrinaçôe», cap. cxci e cxcn. 2 Antonio Bocano^ tom. i, Beeadas cap. xvna e xxx a xam» 6 c»p. icvn e xcvm. Digitized by Google i m fttstoKkk HE MrrvoAL pow«,5c« almas, podendo os estrangeiros f[ue a habitavam, indios, iitrmMnws mouros 6 baoíanes, subir a 30:000. As casas (»rincipaes eram vastas, mas nlo altas, e todas rodeadas de jardins espaçosos. O governo consentia aos indivíduos, que nSo prolcssavam o cwWi) f;i(h()lico a i csidíMicia na ridade. com prohihifâo fxpresiia, porém, do exorcicin pui>li( o da sua i-eiigião. Estas restricções limitaram muito a frequência, e Goa estava longe de poder equiparar-se a qualquer das grandes cidades mercantis da índia. O bloqueio, em que os hoUandezes em 1603 a apertaram, acabou de determi» nar a decadência, que todavia só se fez sensível verda- deiramente bastantes annos depois,, quando os inimi}Tos, qiiasi ^efitiorcs do mar, altrahiram a si o coiiiniciciu em l)rojuizo dos i>orluguezes. Desde p>se dia, a pobreza es- tendeu-se eom tanta rapidez a todas as ciasses, que as pes- soas, que seis annos antes possuíam rendimentos no valor dç 2KX)0 coròas, víram-se reduzidas a mendigar secreta- mente. Os edifícios mais notados pelos escriptores dos seculo> XVI e xvii, como monumentos, eram a cathedral. o palácio do arcebispo, que llie ficava conliguo, o paço dos vice-reis, iiojc um montão de ruínas, a casa do se- nado, o palácio da inquisição^ e o hospital. Sob a domina- Clo mussulmana ostentára a cidade mesquitas e paços, cujos vestígios existiam ainda em 1583. A tristeza entrou de mãos dadas com a miséria, e despovoou as sete pa- rochias, em cfue Goa se dividia, convertendo em luto e desconforto as pompas e os thesouros, (pic poi' tanto tempo symbolisarim as páreas de todas as regiões do oriente ^ t Bnsqvejo Histórico de Goa, pelo j-everendo r>ot1inrau dc Kln- guen, trailu/ifío o ndditado pnio sr. Manuel Vict^nte de Abreu. Nova Goa, i8o8, 18 c 13. — Quadros Históricos dê Goa, pclo ar. Cae- tano Barreto Miranda. Margão, 1863, caderneta t.* . y i.u . l y Google -j I DOS SÉCULOS XVn E XVHI 15o Chegadas as cousas a estes termos» e assignalada por Possessões larga serie de perdas e revezes a declinação, o império da Asia tornnu-stí um encapfío oneroso muito superior aos recursos de Portugal, suscitando-se já n'essa eporlm duvidas acerca da conveniência de insistirmos em guer- ras e sacriâcios, qae nos esgotavam. A velha (piestâo da prefereDCia da conquista de Africa volveu á téia dos de- bates. Diogo do Couto e Luiz Mendes deVasconcellos, o primeiro em i611, e o segundo em 1608, discutiram os dois pontos, cada qual [nn- seu aspecto, com grande co- pin de rasões e de noticias, combati mio (^outo em favor da Índia, e provando Vasconcellos que elia nos desfalle- cia^ Ambos discorriam com acerto. Minados os mono- pólios, que nos tinham enriquecido, e devassadas pelos estrangeiros as aguas e os territórios, aonde fòra quasi por um século exclusivo o nosso dominio, as condições haviam mudado, e era evidente, que nos faltavam osmeiòs necessários para o sustentar! Por outro Indo a exiiedição mallograda em 1578 mostrara claramente o que devía- mos esperar da luta com os mouros de Fez e de Marro- cos, luta em que o sangue vertido nunca podia alcançar compensação. Mas podíamos largar os presídios africa- nos e muitos dos asiáticos, sem acabarmos de aniqui- lar a reputarão das mi mas da monarchia, e sem oilus- carmos a sn i gluna ? A necessidade, mais do que os brios, impunha, pois, a obrigação dolorosa de defender a herança do passado, e de a defender com a àpprehen- slKo da inutilidade do esforço. Os resultados não podiam ' ser outros do que foram. O nosso tempo acabava, e a hora de cedermos o passo a obreiros mais activos tinha soado. 1 Couto, Soldado Pratico^ dialog. r, pag. 152 e 161.— Vas- concdlofi, Sitío de lÀsboa, ediç. de 17S6, pag. 19, dO, 64 e 7d. . y 1. ^ . y Google LIVRO m PARTE Vm I Digitized by Google Digitized by Google LIVRO VIII FOSCAS MOAAES « CAPITULO I A idéa religiosa uma das causas dos descobrímeolos. introducção do chrisliaaisnio no «diiiMUso • tami ira* de GiteT«rd» • «i iH» de S. fhon*. Oi ninos d» , COD^ e de Angola. S«rvi(Oft e ambição d» conpftahia d« Josus. — Africa ortealal. Jp^uilas. Missionarioí da ordmi do S. Domingos. — O Bnizil. Entiuila dos primei* ros iiààvei n\ armada de Tliomé do Soasa. GoUegio da Bahia. Missões. Catechese • oi|[amsa(ão dai tíêÊÚ» ds índiM.— QMalOei itbr» a. VÊmâfáH dos geotiot. Providencias gcvemiiiivas. Fiiis particulares da sociedade. — SapentíçOes e costu- mei dos africanos. Pouco fruclo das missões entre elles. — Systena seguido pelos nússiooarios no £razil. DociUdadâ dos índios. Frofiifida cocnK^o da aoeiedada. BasOes d'eUa a «nas coosoqaeociaa. A idèa doa descobrímeiitos fò& sòpolitkaeiuer- cantil, Gomo observámos. O infante D. Henrique, devas* saiido os mares, |)ropuiilia-so igualmente dilatar a fé, e estender a sua íuz as regiões afogadat» nas lievus da ido- latria, ou do islâmico. O seu fim era uuir a pi-opagai^ão mm extensa da lei de Christo com o engrandecimaoio da monaFcbia. Affooso V e D. João U obedeemm ao wmnt^ pnncôúo» e, dobrado o cabo da Boa Espamca» paten- teado o novo caminbo do oriente, I>. Mann^ e seus sne- cessores sempre tinham procm ad*) íDiiciliar iio impuiia fiindado a tão graiiil»^ dislaucia da jiati la o zélo da divulga- do da& verdades religioeas ootu os ^ft^r^sii BMinrtanofí 160 HISTORIA DE PORTUGAL MiiiOM e commerciaes. Entre os qiisodios gloriosos da conquista a palavra de Deus, especialmente nos sertões aíHcanos e nas florestas virgens da America, abrira pelo menos tan- tas vezes a estrada, como a lança e o air;iluiz. An lado, e com frequência adiante dos capitães v dus sul(l;nli)>. que a ferro e fogo iam levantando os padrões da occupação, e erguendo as muralhas dos presídios, caminhavam os ar- roteadores da dvilisacio, os núncios do fúturo, os mis- sionários, armados unicamente da eloquência do exemplo e da persuasão, e. quando mais tarde, os dias de prospe- ridade se trucaram fielos dias de iníoi luiiiu, só a ciuz al- çada por suas mãos íicou de pé para suster em muitas par- tes a dominação vacillante, ou para conservar em outras pela firmeza das crenças de longos annos a memoria dos que a sorte da guerra arrojára para longe, não sobrevi- vendo d^aquelle poder soberbo e arrogante s^ão a tra- dição do valor dos que o haviam sustentado, os vestigios Duiica apagados da lingua fallada por elles, e a saudade dos sacerdotes, que primeiro haviam aberto os olhos da ahna a tantas populações soltas de todos os vínculos da religião e da mond até á vinda d'eUes. .  ac^o combinada da doutrina e das armas, aplanando as difficuldades debaixo dos passos dos descobridores, assegurou o estabelecimento da nossa influencia, consoli- dando-a melhor, do (pie a força so píir si lograi ia faze-lo. A obediência» tomada mais iacii e prompta pela suavidade , dos costumes, e a confiança ainda mais efiãcaz, do que a violência, approximaram os vencidos dos vencedores, e a pouco e pouco applacaram as reluctancias. Intentando avivar alguns dos traços capitães d'este quadro, mais in- structivo e fecundo, do que a l inlin a épica dos cercos o batalhas, não encobriremos as sombras, que o maiul.i- ram em diversos logares; mas justos e imparciaes com u . k, 1. ^ . y Google DOS SÉCULOS XVII £ XVUt i6i passado, não cederemos Umbem a paixões momeota- MtM&w neas, negando os serviços prestados pelas corporações religiosas, e, mais que todas, pela companhia de Jesus. A semente lançada por ella foi tão proliíica, que resistiu aos séculos, porque a fé amda lioje florece em muitas par- tes transformadas pelos seus trabalhos. Desabaram os impérios» succederam-se os invasores, mudaram as in- ' stitnições, caiu a poderosa sociedade fiilminada pelo Va- ticano e pelos reis» mas os sulcos profímdos lavrados por ella e regados com o sangue dos seus martyres n9o se arrasaram, mas o nome de Christo e a lei de amor e fra- ternidade, ensinada pelos padres, vivem lioje, como vi- viam ha quatro séculos, no coração de milhares de cren- tes, e são a esperança e a consolação de outros obreiros. Abafada entre espinhos e açoutada pelo sopro das perse- guições, a vinha do Senhor, plantada no século xvi pelos novos apóstolos no meio do orgulho de seitas hostis e do odio implacável das idolatrias intolerantes, existe ajiula, e coIh i>>e de folhas e de íructos! Os povoadores, mandados pelo infante D. Fernando, para colonisarem algumas das ilhas do arcbipelago de Gabo Verde, foram os primeiros catechistas n'aquella região antes deserta, e ammada a pouco e pouco pela cultura. Os negros arrancados do continente vizinho, diz João de Barros, mais vinham receber a salvação, du que o captiveiro, plirase elegante, mas pouco em harmonia com a verdade. De certo, mal chegavam, recebiam logo o baptismo, mas que doutrina para se confirmarem na cr^ça podiam aprender dos que só punham os olhos no interesse que seus braços robustos promettiam, desbra- vando e arando a terra? Arrastados dos sitios, aonde ti- nham visto a luz, sem educação, e moderada apenas pela coacção do ton or a bruteza da indoie, não devemos sup- TOMO T 11 Digitized by Google HISTOEU BE POKTUGAL MiuBM por, que as iicQes da lei evangélica, dictadas qaasi ao aca- so, fhictíficassein muito em almas agrestes, ulceradas pela escravidio, cegas dos erros e abuâões da supersti- ção gentílica, e obcecadas pelas praticas da feitiçaria boçal, que ainda hoje enreda os seus descendentes. Ciiristãos dc norae, estes neopliytos untam ás falsas exterioridades * catbolicas todas as torpezas de seus ritos absurdos e de suas indmaçOes sensoaes. Acudiram da proifiucia do Algarve alguns fr«des finan- dscanos, chamados para extirparem as más bervas da seara nascente, e depois d'elles outros sacerdotes con- correi aiii tamh(»m a ])astorear o rebauiio, que ía e^n cres- cimento, mas pouco melhorado. Por íim, no reinado ^e D. João Ili, em 153â, Giemeute YU elevou esta duristan- dade a bispado, assignatido4he por ôrcumscrípçâo todo oarchipelago com trezeutas e dncoenta léguas de terra fir» me desde o rio Gambia até ao cabo das Palmas, e recom- mendando a el-rei o seu primeiro prelado Braz Neto, se- gundo o estylo da chancellaria i'omana. Braz Neto não cbegou, comtudo, a tomar posse, e o primeiro bispo que se assentou n'aqueUa cadeira foi D. Francisco da Qm, provido «m Mas, se o zélo dos pr^os era gratiite, maiores foram ainda as difficuldades oom que ti- veram do liitnr, e as necessidades espirituaes, tanto das illias, como da costa de (juinc todos os annos soccorrida por visitadores incumbidos de levarem as consolações religiosas aos christãos do Rio de S. Domingos e do ^ Grande. Os tuctos doesta visita annual, nullos, aui|uasi miUos» confome attesta um escriptor dos fins do ae- í Cédula consist e bulia Pro excellenti prceeminentia de 31 de janeiro de e a bulia (jre08 Dominici de 25 de agosto de 1536, I a.*> Aiofaive síqíqmI, na^ â84e Imttu jl* iS e maç» ii a.* ft. Digitized by Google w» «GDU» jya E una m coio XVI, o|o con^spoDderam ás.espennças» e as b(m mm crenças esmoreeeram em vez de 8e dilatarem^ Em 1604 tomou a companhia de Jesus isobre seus hombros maíft esta empreza, c o i)a(lre Balthazar liaiíeira partiu com dois .<()ei()s, os padres Maimei de Barros e Manuel Fernan- des, munidos de instrucções adequadas. 0 padre Fernande» faliecea kigp, ma» Baitfaaiar Bar* * reira nlo perdeu o animo, e nos amioi .seguinte» pereiír» rea a costa de Serra LeÔa. Mk) consta, porém, que os pa-* dree íizessefn mlie^lo em S. Tbiago» ou em outra iUia, e sómerite s^' apontam vestígios da casa, que llies Diandou construir Sebastião Fernandes em Bigudá. Em 1623 eram já notáveis os abusos, e uma junta consultava ao goveroo o modo de os prevenir na admmistratfio doba- ptísmo aos negro* aduttoe de Gabo Vente e de Guiné, assim como a urgência de attender oom pro^dencía prompta á resjdeacia dos jesuítas em Cacèeu, instando pela oppoii unidade de se conferirem poderes inquisito- riaes a um eoiesiastioo incumbido de syndicar e de punir os deiictos uii^âíús à iunsdio^ do santo officio. Quasi ao mesmo tempo ordenava a caria rogta de â de joiiao de 1024, que nas licenças concedidas aos padi^ da compa- idiia para novas londações nas iUias do archi pélago e em Caclieu se inserisse a clausula, de que nunca podesstan Uerdar \>fiíb de raiz. Tres annos (le])Oii> um ducreto, ex- pedido em 25 de novembro de 1627, ordenava que los- sem conciliados os jesuítas ácerca do modo pratico de se foodarqn nas universidades de Portugal seminários bem povoados de negros da costa de Africa para eUes, depois de habilitados com os estudos theologicos, saírem 1 And] é Alvai^es de Almada, IMmio bum dm rim de GmÊé 4 Cãbo Verde eeaipto l£í94. il. Digitized by Google m HISTORIA DE PORTUGAL Minsos a missionar» julgando-os mais aptos, do (juo quaesquer outros, para resistirem ao clima, e mais próprios para ex- plicarem a palavra de Deas aos seus compatriotas. Todos estes esforços aproveitaram pouco, e desde 1641 a costa de Guiiió não tornou a ver a roupeta dos padres da com- panhia, pouco affeiroados a liocarem os Iriumphos ro- Ihidos na Asia pelos trabalhos obscuros de uma pregação quasi estéril nos sertões africanos ^ Em S. Thomé causas diversas produziram efieitos quasi análogos. Golonísada principalmente por judeus e por negros idolatras, ou mahomelanos, alem dos degre- dados, a ilha sempre se resentiu da influencia d'este nú- cleo, tanto nas crenças, como nos costumes. Embora os hebreus portuguezes fossem lavados nas aguas do baptis- mo antes de deixarem o Tejo» assim como os pretos apenas diegavam á povoação, os antigos erros, mais poderosos do que a voca^o forçada, tomavam mais certa a dissimu- lação (lo que sinceras as novas crenças, hiutilisando as dihgeucias dos sacerdotes, que acompanharam Alvaro de Caminha em 1493, e dos missionários eremitas de Santo Agostinho, (jue partiram de Lisboa em 1500 com Fernão de Mello, e fundaram um mosteiro da sua ordem. Cres- ceu rapidamente a população, e augmentou com ella a christandade em S. Thomé e nas ilhas do Príncipe e de Anno Bom, amas, como observa um escriptor nosso, n'aquella seara avultaram sempre o joio do judaísmo, os espmhos das superstições gentílicas, e a íei rugem dos ví- cios e devassidões». D. João III no seu ardor devoto con- vocou mais obreiros, e impetrada de Clemente VU a i Lopps Lim.i, Etnaios snhre n Estatística (í«.s Posspí^sõf'.^ Portu- (juezm dú Ultramar, liv. i. cap. vii. — lÀoro da Correspondência da Mesa da Consciência, 11. 130. Digitized by Google DOS SÉCULOS XVII E XVIII bulia de erecrão. obteve em janeiro de 1533 o novo bis- rnsoa pado, qne Paulo III confirmou em 3 de novembro de 1S34, bispado» cuja círcumscrip^o extensíssima compre- hemlia os reinos do Congo e de Angola com centenares de léguas de circuito, e que foi deciai íkío siiffrafraneo do arcebispado do Funchal até ao anno de 1550. Erigido em 1595 o bispado do Gongo e Angola por Clemente VIU, o districto do de S. Thomé na terra firme ficou limitado ás^ missões do Gabão, Benim, Oére, Dahomé e Accará, mis- sões eventiiaes e do pouca utilidade entre povos bi uiu:os, e, alem d'isso, pouco ajudadas da uncção dos padres, que ás cultivaram, e que não foram feUzes n'elias. Os desre- gramentos, que a igr< j i intentava combater, permanece- ram. Os colonos brancos e pardos, raça abastardeada, indolente e corroiiipuici, cuntinuaram a viver atolados no lodaçal da ci apula e da dissolução mais íeias ainda pelas exteriondades e arremedilhos beatos com que se co-. bríam. Os pretos, constituindo já entUo a parte mais numerosa da poitulaçâo, dad(js á embriaguez e á ociosi- dade, fugiam do trabalho, e detestavam os senhores, ameaçando-lhes constantemente a vida e a segurança, como provou em 1594 a rebellilo do caudilbo Amador. Os descobrimentos dos navegadores de D. Joiio n fo- ram seguidos logo de tentativas para introduzir a religião catholica em algumas das terras vistas por elles. A famosa baixada do Congo, convertida e baptisada em Portu- gal, e a enviatura de Gonçalo de Sousa ao reino africano, acompanhado de tres frades dominicos e de architectos incumbidos de construirem uma iíjreja, f( n mam um dos episódios mais notáveis do governo do príncipe, que en- tão regia os destinos do paiz. O cbrístianismo, encon- trando no soberano e nobreza do Congo disposições fa- voráveis, diííundiu-sc çom iacilidade, e em breves aimos Digitized by Google 166 HISTORIA DE PORTUGAL iBiritat domíDOu a cOite e as pessoas princápaes K Em 1596 Cle- mente VIU, pela buUa Super Specula de 20 de maio, desmembrando o bispado de S. Thomé, creon a nova diocese do Congo, e os profrrossos do cullo cfiiiliíiUfii ãm a couliiniar as esperanças aliançadas desde o começo. Mas em Angola a propagação da fé adiou maiores obstá- culos. O biapo de S. Thomé, D. Fr. Gaspar Cam, escre- via em 30 de fevereiro de 1560, muito duvidoso da con- versSo d'aquellas gentes, se el«rei lhes nBo concedesse em premio a faculdade de negociarem directamente cora S. Thomé. Apesar d isso dizia, que os padres da compa- nhia estavam decididos a partir por lhes parecer que n'esta occaaião Deoa os cbamava^ De feito resolveram os jesuítas acceitar a nova missão e cultiva-la» entrando em Angola com o primeiro governa- dor Paulo Dias de Novaes* Mostrou-se o povo más dis- posto a ouvi-los, do que supi)unham, poi qoe a sua cnm- municaçãu com os habitantes do Congo já tinlia aplanado os caminhos. Ao mesmo tempo os clérigos embarcados na armada de Pauio Dias levantavam no morro de S. Pau- lo, boje cbamado de S. Miguel, a parochia de Nossa Se- nhora da Guia. A palavra dos missionários da companhia operou em Loanda e seos arredores bastantes conver- sões, elevandu-se a christandade em toda esta região em ' 1 Cédula consiai de 31 de janeiro de 1533, Ho^ Sonetiumut.— Bblla de Paulo m, Aequim repnUmvr de 3 de noTembro de 1534. Foi Ben primeiío Inspo B. Diogo OrÚt deVilliegas. Arehivo Nado- nal, maços de bulias, n.«' 13 e 17, 30 e 33. A desmembraygQ do Gongo e Angola (i'este bispado foi feita pela buUa Super Speãila de SO^ipaio de 1595. * Itézende, Chroniea deEl-Rei D. João II. Archivo Nacional. Corpó Ghronologíeo, part h maç» 10&, doe. l^,^B¥lUartm CoUec$io, ete., pag. m Digitized by Google DOS SÉCULOS XVU £ XVIIi 167 algum tempo a 20:000 almas. As amas do goveniador, WMm felizes e audazes, subjugaram os sovas do rei de Ángola, mas o pequeno poder dos portu^mezes e a demora dos soccorros aniinai ain as rel)elliões dos mais atrevidos, e, morto Paulo de Novaes em 1589, a lastimosa derrota do seu successor perto das margens do rio Lucaia anoullou em grande parte as vantagens ganhas á casta de tantos satríficios. O governo de Lisboa despertou por fim» e em 1592 uma esquadra, transportando quatrocentos bomen^ de ariiias i) cincoenta cavallos, commandados pelo novo governador D. Francisco de Almeida, fez crear novo alento aos nossos, na idéa de que este poderoso auxilio lhes abonaria prompta e completa desforra dos revezes. A má vontade dos jesuitas sacrífícoú, porém, o êxito da guerra á satisfaço dos seus resentimentos K A Gompanbia, ao passo que rasgava nos sertões as sen- das da civilisação christã, não se esquecia de grangear ao mesmo tempo para si os interesses mundanos, servindo- se da auctoridade espiritual para altrahir exclusivamente os povos conquistados, para attenuar a auctoridade da corda portugueza, e para avultar aos olhos d*eUes, quasí como soberana, a sua protecção. Explorando com a des- treza usual os costumes locaes, acceltou dos sovas, sujei- tos, a obediência eflecliva a ijuo dava jus o titulo de «amo», e valeu-se da conOanra, que os negros deiiosita- vam nos seus missionários, para alargar sem ruido esta absorpçâo pacifica, declarando-se junto do governador activa defensora dos que imploravam a sua benevolência, e usando de todos os meios para os convencer, de que nenhuma voz seria mais attendida. Paulo Dias, melhor ca- ^ Lopes Lima, Ensaio sobre a Estatística das Posseaõtí PortM- (fuexas do UUrwMir, liv. ui, introducçSo, pag. dl a xvm. Digitized by LiOOgle 168 IIISTORU OE POKTUGAL iiímom pitão, (lo que politico, caiu no laco, e desejoso de recom- pensar os serviçus dos padres annuiu ás petições dos so- vas, e repartiu-os pelos padres, pelos capitães e pelas pessoas distíDCtas. A corte de Madrid, avisada do artificio, viu os perigos da nova theocracia. N3o era precisa na realidade muito aguda penetração para rcceiar, pelo me- nos, que os jesuítas aspirassem mn dia ao domínio iilil de Angola, como por um plano símilhante usurparam o do Uraguay^ Verdadeiros senhores dos sovas, que só os conheciam a elles, e que para tudo invocavam a sua valios;] innuencia, e, tendo sabido conciliar alliados zelosos /lOs capitães e nos liumens de valia, contemplados com a sociedade no despojo, não admira, que os padres, domi- nados pela idèa de colherem os melhores fructos da con- quista, oppozessem ás ordens de que D. Francisco era executor uma vi<?orosa resistência, tão bem succedidt, que Almeida, assustado e desgostoso, larguu das mãos as rédeas do poder, e embarcou quasi fugitivo para o Brazil^ Desde este dia a tutela, que a sodedade de Jesus que- ria exercer n'aquella região longiqua, aílinnadapelo trium- pho, estendeu-se a tudo e a todos, e em muitas occasiões governou mais, do que os ministros do rei. Embora tivesse; sido coegida a abdicar, a soberania dos sovas, o seu predominio padeceu pouco, e, coberta com as armas espirituaes, as mais fortes d aquella epocha, e com a affeição dos povos, o seu apoio tomou-se tão necessário ás auctoridades, que, para o obterem, n^o pozeram limites 1 Fernio Guerreiro, Relação do Amo dê 1605, pag. i06 e 126. ' Lopes Lima, Emab M6r« a Eãiaiuêiea da» Poueitõ^ Portu- guBZa» do VUramar, Uv. nr, cap. vil — Gneneiío, RBlaçm Anud do quê fêMerm 09 padres da camfaiMk dê Jètm, 1005. Digitized by Google DOS SÉCULOS XVII £ XVUI 160 ás condescendências. O clero secular, posloque já iiu- M«8d«s meroso. não ousava competir comos padres, nem mettia a mão nos negócios públicos. Só no anno de i604 é que os religiosos da ordem terceira da penitencia trilharam as praias de Ângola e fundaram no extremo meridional de Loanda um convento sob a invocação de S. José. Obedientes, modestos e cuidadosos empregaram-se cora zéio nas missões, emquanto o bispo D. Fr. Simão Masca- renhas, lutando vinte e dois annos depois com a altiva isençlo dos jesoitas, lhes descarregava o primeiro gol- pe, transferindo para a capital da província a sé de Santa Cruz do Congo, provendo as parochias existentes em pres- byteros da sua escolha, e creando outras também depen- dentes da jurisdição episcopal, A sociedade, ferida no poder e no amor próprio, desistiu desde entUo de missio- nar, e dedicou-se a trabalhar para si, enviando todos os annos um navio e dois patachos ao resgate dos escravos edasmercadorias, e desfructando sem fadiga o privilegio, que a eximia em toda a parte do pagamento de direitos ao fisco. O governo, para acudir â falta de obrmros evangé- licos mandou era 1627 fundar ura seminário no Gongo, aonde fossem doutrinados doze moços naturaes da terra, e ordenou, que se advertisse aos superiores da companhia a obriga($3o, que os religiosos residentes em Ângola ti- nham de penetrarem no sertão, e de se occuparem da con- versão das almas Na Africa oriental floresceram mais os serviços da com- panhia. Em 1560 saíram de Goa os primeiros jesuítas destinados áquellas regíQes, e, apóstolos emartyres, dei- xaram assellado com o sangue do seu chefe, Gonçalo da » 1 Lopes lima. Carta Regia de 3 de junho de I627.*-Í4e»v do BfgUto da Meta da Omidateía» fl. 63, v. Digitized by Google 0 m mBTOMA BB rarmAt MMMi ^veira, o testemunho gloiioso da sua fé nos domínios do Monomotapa. Nove annos depois outros religiosos do mes- mo instituto seguiram Francisco Barreto na expedição do descobrimento e conquista das minas. e. eutrando á som- bra (las armas portiiguezasemRios dcSena, reduziam-osá obediência com a doutrina, como os conquistadores com a espada. Em 1577 já tinha concorrido outra ordem a tomar parte na coDverS&o d'aquellas gentilidades. Foi a dosdomi- nicos. Aconselhados por D. Luix de Athaidenasua ida para a índia construíram em Moçambique uma casa para cura 6 agasalho dos padres, que passavam do reino para a Ásia, e. concluída a obra, occupou-se em allumiar as tre- vas, em que viviam submergidos os cafres da terra firme. O novo convento recebeu o nome de Nossa Senhora do Rosario, e foi acoeito em 1579 pelo capitulo provincial de Lisboa. Cresceu o numero dos que o habitaram, e deram co- meço ás suas peregrinações pelo interior, subindo a cor- rente do Zambeze até ao Monomotapa K Em 1580 passou a SoíalaFr. João Madeira, e auxiliado por outros pregado- res do mesmo habito, ainda levou mais longe a palavra de Deus. Os missionários da casa de Moçambique edificaram em Sena a igreja de Santa Gatharina, e em Tete um tem- plo dedicado a S.Thiago, e instituíram confrarias, assim como em Sofala e em outras partes. Finalmente, alongan- do-se pelo sertão, pastorearam as igrejas abertas nas fei- ras de Luanse, Massa pa e Manica, e estenderam a pré- gaçSo até á ilha de Madagáscar, aonde faUeceu de doença Fr. Jo9o de 8. Thomás. £m Manica nos principies do 1 Bordalo, Eníiatos de Estatistica das Posspí^sões Portuffuezas m Ultramar^ serie 2.*, liv. iv, cap. ix, — Hislorin de S. Domingos, part. ui e iy, por Fr. Luiz de Sousa e Fr. itucas de Santa Catharina, . y 1^ l y Google DOS SÉCULOS xvn E vm 171 seealo xvn existiam tres parochias, e os irigaríos da or- im« dem de S. Domingos alcançaram as feiras de Gbipíríviri, Mixonga, Ongoe, Umba, Dhipangura, Matura, e outros logares. Mais tnrde, flcsgraradamonte, os apostolus con- verteram-se em uegociantes, e escanilalisaram a sua lei e a morai, escravlsando cafres, mercadejando no sertão, e lavrando cúm avidez os terrenos pingues, qoe pos* saiam ^ O contacto das riquezas empanon-lhes o lastre das antigas virtudes. O papa Pauto V separou em 4612 1 ilha de Moçambique e toda a cosia oriental da Africa desde o cabo Guardafu até ao da Boa Esperança do ar- cebispado de Goa pela bulia In Supereminenti de 21 de janeiro, e creou uma nova prelazia, de que foi primeiro administrador ecciesiastico D. Fr. Domingos Torrado, bis* podeSalé^ Mas aonde a actividade da companhia de Jesus desco- briu thealro mais amplo e accomiiiodado a suas aspira- ções foi na America. As cíipitanias povoadas iio roinado de D. João III princi[)iavam a prosperai". Em volta d ellas dilatavam-se grandes extensões baldias, que a vontade perseverante, coadjuvada pelos auxílios indispensáveis podia ir convertendo successivamente em terras producti- vas. A beira dos immensos rios e na orla das florestas im- penetráveis existiam aldeias de Índios, que a Ijoa douíi iiia devia trazer ao redil da igreja, e que de puis de domados podiam oiferecer milhares de braços á lavoura e á in- dustria. Os primeiros jesuítas, que visitaram o Brazll, Nóbrega e Anchieta, ainda não advogavam as idéas de liberdade depois sustentadas pelos homens eminentes da i Bordalo, Ensaio$ wobte Oi PmmSa Fortiu^uauu do Uitra- mút, «ene 2.*, liv. tf, eap. ix. * n»dem, ibidam. Digitized by Google HISTORIA D£ PORTUGAL MiMOas sociedade, e entendiam que os colonos só por meio da guerra poderiam alcançar do .í^enliu o rcspiMlo, n sore^Mi 6 segurança do suas propriedades, não tiavendo outro caminho para levar ao seio dos matos a luz do evangelho senSo o que as armas e a força consegníssem romper. Os Índios, dizia Anchieta, mais por medo, do que por amor, se hão (](» n^mir. Nol)i'eí,'a notava, (jueagente bruta, en- tregue ao seu alvedrio, resistiria á palavra e ao exem- plo^ e lembrava que não se colhéra mais fructo dos tra- balhos anteriores, do que o baptismo de algumas creanças innocentes. Estas opiniões manifestadas vm 15o9 e 1561 variaram com as circumslancias. Decorridos aiinos os casulstas do instituto defendei am a these opposta, talvez menos em nome da humanidade, do que em proveito da politica pessoal, disfarçada com rasões eloquentes e ge- nerosas 0 padre Manuel da Nóbrega e seus companheiros na missão do Brazil vieram na armada de Thomé de Sousa com ordem de fundar na Bahia nm coUegio, e de appli- carem todos os esforços á propagação da fé. Aportaram em 29 de março de 154í) ás praias americanas, o, em- pregando os meios próprios para exaltar os sentidos, começaram a visitaras aldeias em procissão, de cruz al- çada entoando cânticos. A musica rendeu-lhes mais cora- ções, do que a palavra. Ao encanto d'estas melodias novas e maravilhosas p.ii ci rllas as solidões alpestres abriram- se, e muitos índios vieram unir-se ao cortejo dos missio- nários. Aproveitando a conversação dos convertidos o 1 Hislaría Gmil do BrasU, por um sócio do Instituto Histórico, tom. I, secç. xf.—Anme$ do Rio de Janeòro, 6.*, g.<» e 57.» — Pri- meira carta de Nóbrega eacripta na Bahia, Bibliotheca Pobllca de Eroro. Dígitized by DOS SÉCULOS IVn B XVHI 173 padre João de Aspicnelta Navarro estudou a sua língua mímow com assiduidade, e, reduzindo-a ás regras grammaticaes, habilitou-se parà prègar ii'ella aos naturaes. O padre Nó- brega, não menos z.eloso, mongera\aos'colonos, e devia dirigir a escola, aoude seus lUlios aprenderam. O collegio, elevado em um dos logares mais formosos da cidade, pro- mettia pateutear-lhes em breve as portas das aulas. Nóbrega apenas chegaram da Europa mais obreiros cui- dou logo em os espalhar por toda a província, estabele- cendo por via d'elles notícias e relaçQes mais frequentes entre as villas e povoações, para avivar os sentimentos de fraternidade entre os habitantes das diversas capitanias. Navarro foi mandado para Porto Seguro com os irmãos Francisco Pires e Vicente Rodrigues. AlTonso Braz e Si- mão Gonçalves partiram para o Espirito Santo. O padre Manuel de Paiva, depois de uma curta excursão aos Ilhéus, voltou a tomar conta do collegio da Bahia, emquanto Nó- brega VI Si lava as capitanias do sul Kstcs serviços prestados á civilisação e á unidade bra- ziteira ibram seguidos de outros não menos valiosos. A côrto olhava attenta para os progressos da colónia por tanto tempo esquecida, e em 1550 impetrou da Santa Sé a creação do bispado dá Bahia, separando da diocese do Funchal todas as terras da America para as sujeitar á jurisdicção da nova mitra. Julio 111 annuiu, v. a bulia Su- per Specula de 25 de fevereiro de 1550 satisfez os dese- jos de el-rei e os votos d'aquellas christandades. Pero Fernandes Sardinha, theologo conhecido no reuio, foi eleito e confirmado bispo, e em outubro de 1551 estava na Bahia. Prudente e moderado nlo quiz encetar con- tra os abusos reformas ruidosas, julgando mais util des- 1 Historia Geral do BraxU, tom. i, seeç. xv. Digitized by Google mmilll DB FOSfOffiAL Mkuèm siauilar, do que punir. Cuidou de elevar peio exemplo as fiueções ecdesiastkas, tratoa de revestir da maior poQij^ afi solemnidades do culto, e confiou ao governa* dor a submissíSo dos índios, seguro (afilnnava elle) de que s<3 o feiTu não lavrasse os sulcos, nunca aquella terra . brava abraçaria a semente. Esta idéa era tanibeni, corao vimos, a dos padres Nóbrega e Aiicbieta, que o bispo ouvia e consultava. O govenK) da metrópole, informado da a»i6tenda dos fesuitas nos differentes distnctos, e dos mais fiuctQg da sim catecbese» recommendou-os em ler- mos iionposos, n$o$6a Hem de Sá, como aos vereadores e procuradores da cidade de S. Salvador, e tanto a au- ctoridade -liiuiina da província, como o .senado ac cede- ram com prazer, porque o? religiosos \)ov suas virtudes tiataaiii grangeado a veneração e a estima geral K liem de Sá farcKceu as missões, e o nomfiro d*eUas no seu tempo clie^u a dee na distancia de dose kguas para os differentes lados da Baliía até Gamamú, e havia riiissão que não cuíilava menos de cinco mil neopliylos. Na aldeia do Espirito Santo só n um dia se bapii-Hi uii tre- zentos quarenta e sete. As oonviersões em outros loga- ras aobíram a alguns miliiares* As escolas muito 6ie- (foeiítadas» porque algmaas ensinavam trezentas e mais croancas, concorriam ^ara os progressos do chrístíaDls^ mo. As missões, ao que parece, estavam lambem sujeitas n<j temporal aos j vidres sol) as -apparencias do tíoverno domestico 4e uma espeae alcaide» ou meiriubo mdio. 1 Historia Geral do Bi'azU, secç. xvitr, xvi. — Mera de Sá para siibmetter os indios reunia-os cm grandes pogúlliacs ás ordens de UJTI principal da raça d'clles, e a^rrregava-ihes parochos jesuítas. Quatro, ou cinco tabas, ou aldeias constituíam uma só missíto. Fun- daram-se então a de S. Paulo sobre O rio Vermeilio, do Espiíito Santo no rio Joaone, « ooteas. . y 1. ^ . y Google DOS âEGIHX)S Xm Ik XVIII Para lisonjear os naturaes, bastava promettei -lhes a posse mímím de uni iidiica k adeia) e a de um pclíuiriiiho. Nos colle- gios da compautua a iingua tupi e^Uuiavâ^âe methodica- mente» e os saoeniotos haiMlilavam-«e para « laliar. Itom de Sá conseguira suboiétter o gentio, nus esta parle da sua gerência, seodo bastante árdua, podia dizcr-se ainda a menos diiiicil. Restava o essciidal, e esse consistia em assentar as bases do systeiaaittais provciloso de o gover- aar, lornaodiH) utii a si e ao eatadk»» Devia adiuilir-oa o l^cipío da servídio» e 4»iiS6olir que os colonos se ro- sarcissem dos ix^rigos e despezas passadas com o (l ai^a- Hk) dos indigeiías apnsioiiaiios? Este me<u €uiiie< ara a ^vaieoer taciiamente m hvml Os iasuitas oppozer amr ae» poite* e os irtíNuiaes do reino» convencidos pelos seas âiigusMitos» dedararann-fle em kvor d'«Ues. Os co- lonos pediam braços mais baratos, do * i iie os dos escravos vendidos e transporlados por alto [)i't?ço das praias aiii- ciAis. Os i)adres oomlMitiam pela libeidade» mvocaado solidas e im^oadims, • esámB uns e «nutoos a * oôrle oio saiiia iBoilas veaesdecidír-fieeas saasreaolii- ções se contradiziam muitas vezes. A ver dado era, que os iadiús livres das aideias, missões da companhia, im- ames e protegidas contra ds, vioieociaá eximias, lâo passavam de oervos dia£ui(ado6, iralMifasiMio como tees» tanto nos coliegios, ^nmo rm iems transfanoadas «a ro(*^s e engenhos. As tarefas, couitudo, eram, suaves a admeoiação «ibundante e sadia ^ A oôrle contínnava a èesilar. llepois «leéiawerdncre- tado em 1570, que os índios nioiNNieriam mt redoiidos a captiveiro, promulgou em 1587 a lei de 2â de agosto, restrictiva já do principio absoluto da liberdade. Diversas 1 Hittoria Girai do BnuU, seeç. iix. Digitized by Google 176 RISTOBU UB P0ATV6AL MiuQfl» provideocias se succederam ainda, mas fluctuando sempre entre as condusões das duas opiniões extremas. A in- fluencia dos jesuitas predominava visivelmente em Lis- boa nos conselhos do rei, e no Brazíl pela considerado dos serviços prestados. As mercês repetiam-se, e lodos os favores pareciam poucos para os recompensai'. A sua auctoridade era mais positiva e efficaz, do que a do gover- nador. A companhia de Jesus, contraria a todos os arbí- trios» com que se havia conformado por necessidade no tempo de Mem de Sâ e de seus successores sobre este assumpto, alcançou do governo de Madrid, pelo valimento dos seus agentes, a publicação da lei de 1 i úí) novembro de le^95, que só mandava reputar juslas as gueiras feitas em virtude de provisões regias, e por conseguinte só le- gítimos prisioneiros os indios captivados n'eUas. O moti- vo da lei era prevenh* o abusos das incursões violentas intentadas unicamente com o fim de fazer escravos no sertão, abuso cruel e assolador, que fora origem de gran- des atrocidades. Mas este primeiro passo não contentou ainda os padres, e em 5 de junho d(; 160o e em 4 de março de 1608 declarou a corôa por uma vez forros e livres os Índios» considerando iUegal em todos os casos o seu ca- ptiveiro» claustQa que a lei de 30 de julho de 1609 con- signou explicitamente e de um modo terminante, espe- cificando em tudo iguaes aos colonos mesmo os que vivesseui como gentios fieis a seus ritos e superstições, e estabelecendo que os jesuitas fossem os seus curado- res sempre ouvidos peio governo locai no que respeitasse ao seu regimen e directo K * 1 Archivo Nacional liv. i de leis de 157G a 1012, ll. 168 e lÍT. II de leis de im até im, il. 30.— Jíútona Geral do BrazU, secç. xzv. Digitized by Google DOS SÉCULOS xvn E XVIU 177 Esta Victoria resolveu o pleito, mas peccoo provável- m mente por decisiva de mais. O governador Diogo Botelho não duvi(l;ira lutar contra a influencia da (ompauhia, arremessaridii-lhe a luva. Botelho reprovava o syslenia da separação dos indios em aldeias suas, adoptado pelos padres, e preferia o meio> a seu ver menos contingente^ de os arrancar das tabas» e aggremia-^los aos povoados para serem distribuídos pelos colonos. As provisões de 5 de junho de 1605 e de 4 de março de 1608 vieram atar-lhe as m^os, mantendo as disposições da lei d(' 1 587 , e depressa expiou a ousadia, sendo obrigado a recuiher-se ao reino antes da chegada do seu successor, como já acon^ tecêra em Ângela a D. Francisco de Almeida. A derrota publica do primeiro magistrado da colónia redundou em augmento de poder para os jesuítas, e a questSo dos Índios assumiu proporções maiores, do (jue a prudência • aconselhava. O /jf ntin amparado negava-se a todo o tra- balho, mesmo propondo os proprietários contratos van- tojosos de pagamento, ou de soldada, e só se prestava a lavrar as fazendas dos padres, cujos productos affluiam ao mercado mais baratos, porque n9o era possível concorrer com os seus preços, custando aos outros quasi o dobro a exploração agrícola K A camará de S. Paulo requereu, que fosse peí mittidu aos moradores alugarem os braços dos índios das aldeias. O governador deferiu-lhe, mas os índios, protegidos pelos missionários, quebravam as promessas, e não havia modo de os coagir. Nas outras capitanias succedía o mesmo, e os colonos, carecendo de trabalhadores para as roças e para a lavra minas, adopLaiam o alvitie dcorga- nisareni bandeiras de guerra, e de entrarem com ellas 1 HiMoria Geral do BrazU, secç. xxv. TOM T 9 m HISTORIA DE POBTUGAL mmm pelo sertSo, prendendo os gentios muito longe e fóra da jQiiBdifi(j9o da sociedade da Jesus. Simiihante estado nio podia, nem devia prolongar-se, e a côrte, convencida d isso, promulgou a lei de 10 de setembro de 1611, con- ferindo a apreciação da necessidade das giierras a unia junta sujeita ao beneplácito r'i\)l. Pai ece evideule, que o zélo da liberdade dos indíoâ não era o uoico motor do [)ro- eadimento dos jesuítas, e que poderosos interesses politi- eoe e mercantis preponderavam no seu animo. Sentiores das consciências, das vontades, e dos braços dos índios, pouco deixavam nas aldeias á coroa, e ainda muito menos aos colonos *. Outras ordens religiosas se tinham associado á obra ci- vilisadora da conversão, de que os jesuítas foram com- tudo os agentes principaes. No governo de Manueà Teiles Barreto» na epodia da çolonisaçlo da Parahiba, os bene* dictinos, os capuchos de Santo Antonio, e os carmelitas observantes vieraui ajudar os discípulos de Santo Igna- cio. Us benedictinos, estabt^lecidos em li)8i na cidade de S. Salvador, fundaram depois outra abbadia no liio de Ja- neiro» e, estendendo as raises pela província, chegaram a contar sete abbadias e varias presidências. Os capuchos ainda|se diffundiràm mais. No principio constituiram uma só província independente, mas, crescendo em numero, dividiram-se em duas. A séde da pi iineira permaneceu na Bahia, e a casa capitular, calieça da st^gunda, passou para o Rio de Janeiro. Os carmelitas, introduzidos no mesmo período, levantaram os primeiros conventos em Olinda e Santos, e alcançaram também formar duas pro* víncías, uma nas capitanias do sul, e a outra nas do norte. Os carmelitas calçados entraram mais tarde. No começo 1 Bitíona Geral do Brcaií, aecç. xxv. . y i.u . l y Google DOS 8BCUL0S XYD B 119 do século xvn a vioba do Senhor na Amenea e m ou* mmí tras partes era tão procurada pelos frades e monges dos diversos institutos, que a corte pi-ohibiu em 4609 a ftin- daçãu lie convénios sem licença re^Ma, e que em 10:^4 teve de dictar as < ondições para a cdiíicagão dos aovos mos- teiros de capuchos Gs serviços d estes religiosos não eram todavia gratuí^ tos. Só qs padres da companhia possuíam mais de 6 coo* tos certos de renda em 1611. O clero secular d3o me* recia menor protecção. Em 1008' o governo augmentou consideravelnienfe. não só a doinção do bispo, mas as GOiigi uas dos uuiios padres, subindo esta vei-ba da des- pesa publica amais de 7:800^0í)(l réis, sem incluir o que recebiam alguns vigários das províncias do suL Outra pro- visão dispoz, que nos arrendamentos dos dízimos fossem logo separados os subsídios e ordinárias dos ecclesiasfi- cos, privilegio injusto c odioso-. FilippelV, accedendo á petição, que lhe lôra presente áceiva dos males padecidos pela capitania do Rio de Janeiro no espiritual pela íalta de prelado próprio, tanto porque entre ella e aBahia me- diavam perto de duzentas léguas de distancia, como pelo perigo dos ordinandos por essa rasão terem de ir ás pos- sessões americanas da Hespanha, alem de outros incon- venicíiUiS não Mh';,o> r^raves, íirdiTiára em 7 de ouiubro de ao marqut z de Casleilo Ho-lriuo, seu embaixador em Roma, que imi)eírasse da SauLa Se a graça de erigir a administração do Rio em Só Episcopal, e nomeara bispo eleito a Lourenço de i^endonça, acrescentando i;500 cru* 1 Historia Geral do UrazU, tom. i, socr. xxil. — ReciiUl doinsíi' tiito Histórico do Brazil, tom, u, p.ng. 43í>. 2 ibidem, tom. i, secc. xxv. — Provi sOo de 10 ds novembro de 1611. 11. Digitized by Google 180 msrroftu bb portuoal mÊóm zados á côngrua, qae elie já percebia como admíDístrador ecclesiastíco da capitama^. Os rápidos traços, qae acabámos de lançar sobre nm as- sumpto dtí iíidoie tão complexa, apesar de imperfeitos e de incompletos, parecem-nos suíiicientes para mostrar, que a corôa de Portugal, logo desde os primeiros amios do descobrimeotOy ou da occupacão das ilhas e continentes sajeitos, effectiva oa nominalmente» ao seu domínio, tra- balhou sempre por alçar a cmz de Ghrísto a par da soa bandeira, e por crescer com as paredes das igrejas e coa- ventos a pardas muralhas dos presidios. Se a espada con- quistou e venceu os inimigos armados, a palavra dos mi- .nistros de Deus, enviados do reino nas esquadras, ainda conquistou e venceu mais almas, impondo ás populações subjugadas, idolatras, ou mahometanas, o freio suave da moral e doutrina evangélicas. Os que por mal informa- dos accusam o padroeiro de não ter sabido cumprir os deveres onerosos impostos [)elus caiifnies, não conhecem os factos, e desmentem a historia. Os sertões e as praias da Africa e da America foram regados com o sangue dos martyres das missões apostólicas quasi tantas vezes quan- tas os regou o sangue dos soldados. A companhia de Jesus rasgou em muitas occasiões as primeiras sendas, mesmo nas regiões africanas, aonde a sua vocação foi menos acti- va, i' no Brazil tornou-se uni iii>tiiimento podeioso de civilisação e de unidade. As outras ordens seguiram-lhe os exemplos, fim todas vaif^es notáveis pelas virtudes, pela abnegação, e pela pureza da vid^ e dos costumes attestaram o ardor da sua fè, e a sinceridade com que o governo e o paiz empregaram os maiores esforços para os coadjuvarem. 1 Carta regia de %t de agosto de 1640.— iimna dê Carta* Begka da Mna da Contctenda, fl, 168. DOS S£CULOS XVU B ^TD! i8i A luta dos missionários com os erros dos povos bar- míssõcs baros correu em muitos legares prolongada, e em outros estéril. Derramou-se o sangue do& que vinham prégar o perdão das offensas, e não poucas vezes paixQes e cubiças sillãs lançaram o fogo á seara, quando ella principiava a aitídrar. O santo nome de Deus, falsamente invocado por homens de armas sedentos de oiro, serviu para cobrir vio- lências e espoliações, qne, deshonrando a bandeira por- tugueza, fizeram odiosos os ministros evangélicos aos olhos d'aquelles, que viam as obras oppostas ás palavras. Acresciam ás difficuldades quasi insuperáveis de climas in- ^ubres e de línguas ignoradas os obstáculos das distan- cias» e da braveza dos homens e das selvas. Em vários Ian- . ces os missionários aflrontaram perigos, e trabalhos, que excadem quanto a pliantasia pode imaginar de arris- <%ado e excessivo. Desamparados nas solidões, ou em- brenhados nas florestas, sem outro soccorro alem da fé dúbia dos goias, padecendo fomes e misérias» sentindo as forças esmorecidas, e quebrantadas, os religiosos, só com a esperança no céu, e sem outro escudo mais, que o senthiiento sublime do dever, cingiam os rins, como os antigos apóstolos, e á maneira d'elles encaminhavam-se alegres para ò martjrío, na idéa de que a arvore plantada por suas mãos, embora pequena e enfezada no começo, mais tarde havia de erguer-se forte e frondosa, A occu- paçâo só pela espada teria sido em muitos casos um acto arrojado, mas epbemero. A conquista solida e durável, qne sobreviveu aos revezes, aos desastres e aos séculos, fd a da doutrina. A primeira, fundada na coacção, apenas se dissijMiu o terror, caiu logo. A segunda, firmada no affecto e na persuasão, resistiu ao tempo e aos infortúnios, ponjne tinha as raízes no coração dos crentes. É por isso, que a historia das missQes não pôde separar-se da fais^ d by Google 182 HISTORIA DE PORTUGAL iM« toría dos descobrimentos. São doas paginas do mesmo poema, e omittir uma equivalia n truncar a oult*a. A Africa foi para os missionários a veríla< leira terra de provarão. Os quo se entninli:!v;iin [lelo sertão, ctirl-idos de febres e dc fiuligas, iiãt) igjnii av.-im, <jiie v\m «leslíiavar n^aqueiles antros viciosos os es[)iiili;it's ilo uma idolatria cega e supersticiosa. As populações disseminadas entre o Zaire e o Cabo Negro adoravam duas divindades, ou princi[)ios ()p[)ostos, a do bem, e a do mal, mas seguras da beiíi^^nidade da primeira só lrenii;iiii da segunda, cu- jas II as cuidavam applacar cuui oirerendas e genuílexões, suboi'(lu)ando-lhe, não só os actos impor tantes da vida, mas até os mais ordinários e domésticos. Este deus torvo e ameaçador representado em fòrma humana, e em Ído- los de pau presidia ás ceremonias lascivas dos noivados (iembamentos), e ás dos funeraes (mutambes), recebendo as primícias das colheitas, e um íju^Mlirio nos desr)ojos da guerra. A outros idolos {)eijueírn.;. consei vados nas cubatas, rendia cada iarnrlia um cullu super sticioso, e os feiticeiros, denominando-se seus interpretes, e explo- rando a credulidade geral, prophetisavam o futuro, fa- ziam coDjm*os para propiciar o supposto nume, e empre- gavam os feitiços (mi longos) contra as moléstias e no descoi)rimenlo dos crimes. Esles espeL'uh(l>res conheci- dos pelo nome popular de «(l:ingas», c pr'ivilegiadospelo fanatismo, exerciam decisiva iiiQuencia sobre os negócios públicos e particulares, decretavam a paz e a guerra, e tinham fechada nas mSos a vontade geral. O império do cfetichísmo» derivava-se do medo, da adulação, da in- dolência, e das inclinações libidinosas de povos afogados na escuridão de espessas trevas mnracs e intellectuaes. As praticas supiu^-liciosas, seí,qi!(l;is [inr elles, não os prendiam, porque não passavam de liabitos macbinaes. Digitized by Google DOS SÉCULOS XVn £ XVm 183 A essência do seu caracter era um sceptidamo brutal, umas vezes quasi indifferente, outras írascivel e até feroz, sujeito á volubilidade da excitação momentânea das pri- meiras sensações ^ Esta disposição de espirito ilindiu a principio os mis- sionados. Festejados pela novidade, á entrada viam-se rodeados de neophyíos ardentes ua apparencia, que lhes pediam o baptismo para as creanças e os adultos» e logo depois se intitulavam cbristãos. Mas apenas viam satis- feito o seu desejo, alcançando o feitiço do deus horrij como diziam, negavam-se a todos os cxprcicios doutrinaes, e zombavam dos preceitos (|iu' os obrigavam a corrigira soltura dos costumes, continuando nas mancebias, e os mais honestos na polygamia, tão necessária aos appetites carnaes, como indispensável á subsistência, porque o tra- balho das mulheres constituía entre elles a prinGipal in- dustria. Os padres em vão Ibes representavam o peccado com as mais icías cores. A sua voz não era escutada, e se insistiam sublevavam a fúria, ou a vingança dos falsos pe- nitentes. Os cafres da África oriental se não oíTereciam maiores obstáculos, oppunham todavia resisiencia igual. A mesma adoração de grosseiros ídolos, o mesmo temor do deus do mal, o mesmo respeito supersticioso dos fâti- ceiros e <le suas ahiisues, tornavam as conversões ao chris- tianisnío (|uasi sempre enganosas. A pi ova do maaoey infu- são da casca de certa arvore, substituía as provas jurídicas do crime, ou dainnocencia, e a vida dos accusados depen- dia inteiramente dos homens, que a preparavam. Outros delictos eram punidos com as penas de escravidão, de mu- tilação, e de multas pagas ent pannose missangas. Aodo- 1 Lopes Lima, Emmo 9fàr$ a i^MisUca úan ^mUÊim l^orlii- 9ttejMu do Ultramar, liy. ui, cap. m HISTORIA DE POBTDGAL MíMfiM sidade» u adultério, o roubo e a perlidia eram, e são os vícios predoniiiiantes d'esta raça. Embora a palavra elo- quente dos rdigiosos lhes ensíDasse as regras de uma vida mais ajustada, e o exemplo de suas virtudes argumentasse conti-a a devassidão e o abuso da força, poucos se arre- pendiam, p rhristaos só do nome, toimnvnm na libertina- í?em, misUiiaii(Ío os ritos catliolicos ann as superstições gentílicas. A propagação da fé nas missões da Airíca nunca produziu, portanto, senão fructos formosos no exterior, porém cheios de dnzas e de podridão por dentro, con- versões vãs e mentirosas, que o numero apregoou á vai- datle. mas quf a civilisação não podia acreitar, porque não significavam, fiem a conQssão convida dos do^ímas chris- tãos, nem o melhoramento e verdadeiraVegeneração d esUi parte da espécie humana K Na America os resultados foram mais proveitosos, e a boa semente germinou com mais facilidíade. Os jesuítas acharam o segredo de attrahir as populações. Deixando primeiro que o ferro e as armas rompessem as estradas, vieram atras como consoladores e como mestres. Subju- gando os sentidos do gentio com as exterioridades do cul- to, fallando-lhe a suahngua, e não lhe ferindo os costumes e tradições, os padres souberam ápoderar-se-lbe da von- tade» e, conseguindo doutrina-lo, dommaram-lhe a con- sciência. Valendo-se até das superstições ^raizadas para o donieslicai', declarando-se protectores da sua liberdade, e lisonjeando-lhe a imaginação, dentro em jxmco assumi- ram nas aldeias sujeitas á sua cateciiese a influencia de * Ensaio sobre a EstcUistica das Possessões Portwjuezas do Ul- tramar, liv. III, cap. VII, e Mv. iv, serie 2.*. cap. i. — Vido t;im}>pru as Décadas de Barro», Couto, e Bocairo, e as obras dc Ritter e Living- âtone. Digitized by Googíe DOS SÉCULOS xvn s xvm 185 um protectorado irresistível. Súbditos e discípulos, os Missõe8 índios viram tudo pelos olhos da companhia, e tornaram- se instrumentos dóceis em suas mios. Uma palavra, um gesto dos padres levantava, ou applacava as tempestades. A cultura rnoral e a tranquillidade das capitanias lucra- ram á9 certo com este systema, mas o poder e os inte- resses da sociedade ainda ganhai am mais. Mo lhe acon* teceu o mesmo com os colonos de origem europea, nem com m escravos de raça africana. Os servos negros pulu- lavam no Br;i/.iL A fertilisação do solo coina toda, oii quasi toda pelo seu braço, niais robusto, do que o dos indí- genas. Transportados do Utoral da Africa occidentai e das costas e territórios de Moçambi<jpie o seu numero todos os mmos crescia, e com elle a perversão dos costumes ino- niinda pela lepra dos vicios, do impudor e do desregi\i- inento. Os jesuítas empregavam nas roças e nos engenhos os Índios livres, e por todos os modos directos e indh^e- ctos faziam monopólio do seu trabalho. Os proprietá- rios qneixavam-se e organisavam guerras injustas para raptivar «gentios. Estas violências serviam só de provocai* incursões c estragos, mas, devorados pela cubiça, acha- vam todos os meios hcitos para a saciará Era immensa a immoralídade em toda a parte, e princi- palmente no Espirito Santo, nos Ilhéus, em Itamaracá, e na Bahia. Duas d estas colónias quasise haviam convertido em asylos de contrabandistas. Os degradados enviados da me- trópole infiltravam a maldade e a corrup^^o nas veias de populações desgraçadamente já predispostas para as re^ ceber. Em algumas capitanias do sul armavam-se navios (juasi publicamente para negociarem por sua conta o pau hrazii com os indios defraudando a corôa. O capitão de < Ektona Qertd do BnmU, iom. i, secç. xnr. Digitized by Google 186 HISTORIA DE PORTUGÂL* Mins» Itamaracâ concedia conto e protecção a todos os crimír nosos de Olinda, e varíos habitantes do Espirito Santo, passando a Campos, coUierani á traição um chefe gentio, 0 venderam n'o m seu riininr inimitro. Os mares <lo Bra- zil ap[);if (M iam coalhaciíis de cnritrabandislas, ou mais exa- cto de [)irataâ, que infamavam as costas com l oubos. Entre 08 capitães os ódios eram continuados, rebentando em co- moções civis, que ás vezes duravam annos, e ateiavam nas famílias discórdias inextinguíveis. Os condemnados, que , o reino expungia, elemento funesto e dissolvente, con- cuf riam em toda a [rrirtc jinra cxaceiiiar os males, e o severo Diinrto (j leHio, escrevendo a el-rei, em 1546, dizia, que ni Tilfum fim to. mi ))em traziam á terra, esó muito mal. A devassidão corria t8o desbragada, que os secula- res, a até os ecclesiasticos se nlo encobriam para assas- sinar aleivosamente. Diversos clérigos eram o exemplo vivo da ií religião, tratando sem resguardo coin nmlheres de má iií)ta e (lesprezaiido os dcvci essaferdotaes. Âhonra passava por uma palavra sem valor, e cedia o passo ao cv- nismo, tanto em negócios públicos, como nos particulares'. A gangrena, que minava os costumes desde o principio da colonisação, também debiiitára as forças, e esmorecêra os brios. Engolfados no turpor de uma vida luxuosa, ou des- regrada, e subordíiiaudo todas as acções aos cálculos do egoísmo e da avareza, não admira <jue na liora do perigo a voz do sacrifício achasse inertes e surdos os que pri- meiro deviam acudir á defeza da pátria e da sua bandeira. Emquanto a resistência se limitou a repellir as invasões dos aventureiros ainda foi possível organisa-ia, mas desde que a uniSo á Hespanha provocou as hostilidades das na- ções marítimas, o receio das armas estrangeiras apode- 1 Hiiltiona Oeral do tírtmils tom. t, secç. xiv. . y 1. ^ . y Google DOS SECCLOS XVII E XVIII 117 roQ-se do animo de todos. Temiam os inglezes, os fran* iAmm» ceze<;, os hollandezes, e alè os turcos e os mouros, e, apesar (Fisso não melhorii\;iiii as condições defensivas, nem adoptavam as providem ias iiidispriisavcis para cas- tigar qualquer insulto. Quando a esquadra nccrlandeza se approximou das praias da Bahia em 16^4, quinze na- vios fundeados no porto se renderam, ou se deixaram queimar, fugindo as tdpulaçdes acovardadas, e os mo* radores, em vez de defenderem a cidade, ou se retiraram para ns roças, ou abrii ani as poi ias, preíer indo a entrega vergonhosa á luta e á victoria provnv('l. Em 1030, appareceiído diante de Olinda Loncq e o almirante Adryens, depois de curta refrega, um terror pânico inaudito decepou os braços aos habitantes de Per- nambuco. Acolhendo-se ao sertão com as famílias, sem disputarem a terra aos inimigos, deram taes provas de fraqueza aos escravos, que muitos se lev.iiitaraiu contra elles, õ outros se passaram [>ara os liollandezes. iNo Mara- nhão, (inaliuente, o governador Bento Maciel, mais preoc- cupado de grangear os interesses próprios, do que de prover á segurança da capitania, franqueou o passo á in- vasão de Lichthardt em 16&{, e desamparado dos mora- dores, foi obrigado a capitular, saindo deportado para o Kiu Grande, aonde tailecoii ralado dc remorsos* Nunca a palavra dc Deus e a lição de exemplos auste- • ros tinham sido mais necessárias, do que nestes dias de dissolução quasi irremediável e de profundo desalento. O corpo do estado desfaltecia, porque a alma estava ca- ptiva das más paixões. Vence-las, libertar e retemperar o espirito dos povos, regener-ando-os. fôra serviço igual de certo, ou maior, do que chamai* os indios ao redil da igreja ; ^ Sútona Geral do Brazil, seoç. xxvn, xxviii e xxzi. i88 HISTOhlA DE PORTUGAL DOS â£CULOS XVII E XVIU iGuSas mas a companhia de Jesus, e as ontras ordens reUgiosas haviam-se toi iiadu iiiiutu mundanas para puderem íallar com auctoridade» e para sua mâo ter u vigor preciso para impor rm dique á torrente. Os soccessores do padre Nóbrega olhavam de mais para a grossura da terra, e as inspirações, que geram milagres de virtude e de pa- triotismo, só vem do céu. Não estranhemos, pois, que a onda varresse tudo, e que a cruz só em mui })ouGas par- tes se erguesse como signal de refugio. Coube depois á expiaçião do infortúnio a obra gloriosa, que s6 ella podia tentar. Digitized by CAPITULO U MISSÕES KA miA, Cmk E JAPlO Caracter civiliaador da>i missões. Habilitações dos missioDarios. Zélo dos nosM» mo- Banbas pda propagacii» dà ft.— As onhu nligiosu u índia. Oi íhmdaauioa» os dominicanos aos jMOitas.— Rápidos progressos da companhia no oriente. Vir* tades e senriços apfT^toliro"! Fnnci^íi-o Xavier. — Di^irilHiirSo tii<; miíS(Vs pelas ordens religioàa^. — Discórdias dos franciscanos. Sua imporUocia ua hisU>> fia do dtriatiaiibiBO da Atia« <kea(io da imHii^ tiga disciplina.— Estado das ootras religiOes. Systema repreheosivel das eoovw* sões fnrrtr1:is Imtnoralidadp gfTal Knos dos jesuítas. Melhodos usados nas missTies orieDlaes. Hesoltados. — Politica exdasiva no Japio e na China. Péssimas eonsequeadas. — As dvistandades da Índia e o sea namaro. Eicessos da ooii^;^- nliia de Jesus. Aboaos das ontm ordsDs. Escândalos nos ptilpitos. Gorrapçio do dero seeolar. Se i) qiiadru, que acabáiiios de traçar das missões per- manentes e temporárias dii Afnca e do Biazil, desenliou com alguma exactidão os progressos da obra iniciada m» fins do século xt, e proseguida com perseverança nos séculos xTi e xm, a pintura dos trabalhos e conquis- tas pacificas das missões da Âsía ainda abraça propor- ções mais amplas, e offerece resultados mais notáveis. Mestres, não só da doutrina evangélica, mas dos conheci- mentos cultivados na sua epuclia, bastantes prégadores honraram com seus escriptos o nome, o paiz e o insti- tuto. A geograpbia, a linguistica, a historia e até as scien- cias physico-mathematicas deveram muito ás noticias 190 HISTORU DE PORTUGAL Miune» colligídas por elles em suas largas e instructivas pere- í,TÍnações. Operários intelligontes e incansáveis, a mesma a mão, que ai)i i;i ;'is pojuilaròcs os caminhos «lo fcUiro, semeava os beaelicios da civilisação. Se exleiísas plan- tações de café em Angola vestem as encostas das monta- nhas, quem trouxe primeiro de Moka a semente, segundo se cré, foram os jesuítas. Se a Africa possuiu varias arvo- res e arbustos da America do sul, como o anaiiaz, a l)a- naneira, o yame, a pitanga, a guava, e outras plantas exó- ticas, íoi am os padres qae as introduziram igualmente, assim como diversas espécies de arvores próprias para cortes, como madeiras de construcção. Mo se limitando á catechese e aos exercícios devotos, sabiam ser archi- tectos, eni^oiilieiíos, artifices, agricultores, médicos e obreiros, acompaniiaiido a palavra com o exemplo, e a theoria com a pratica *. Unindo o estudo das letras profanas á instrucção reli- giosa, crearam o methodo do ensino mutuo, tão profícuo no seu tempo, e ainda hoje conservado em muitas aulas. Traduziram na lingua bunda, a iiiais conhecida e ÍJillada na Africa austral, os |)rec(íitos do decálogo e breves l esu- mos doutrinaes, annotados com as explicações convenien- tes, e venceram a fadiga ímproba de compor o dicciona- río e a grammatica da mesma lingua, indispensável para a correspondência dos poi tu^^uezes e dos europeus com os indígenas do íiloi al h de grande parte dos sertões. Na America dedicaram estorço igual á couversaçuo da lingua tupi, e na Asia á da lingua tamul, universal nos vastos do- 1 Dr. Livingstone, Misswnary traveis and researches in MUth Africa, cnp. :^ix o xx. E^te testemunho é tanto mais inguspeito^ quanto o dr. Livingstona nAo encobre a intenção de deprimir os portngoMes muitos vezes eom hem pouca Impafcialidade. Digitizixi by Google m minios do reino de AUrsín^ía, e aprendi^i-am us dialectos uuijiad mais usados para expressaiein com segui an^a as idéas no idioma dos oeophytos. A [)ai' dog serviços inteU6Ctu«68 na esphera económica e social prestaram poderosos au* xilios ao desenvolvimento da eolonisaição, já concorrendo para o augmento da riqueza do solo, já ajudando a me- lhorar as condições sanitárias de rcgiocs reputadas inhos- pitas, e finalmente não omittindo modo algum de conso- lidarem e de acrescentarem pela sciencia» pela satisfação das necessidades de maior vulto, peia caridade desvelada, e pelo 7-élo de todos os aperfeiçoamentos a ( u cupação de dominios tão largos, Ião distantes, e tão diversos, que a espada sem a cruz não alcançaria de certo manter, e muito menos civiiisar K Votados aos sacrifícios, muitos caminhavam com oa olhos postos no marlyrio, coi òa de sua laboriosa carreira ímmikA, e, desligados dos vincuios mundanos, a voz dos SQperíores era para elies como a voz de Deus. Pela sua organisaçlo a companhia de Jesus devia realçar n^estas lutas, em que de leito representou uma [)arte principal. Milicia activa do callioliciíiiio, íuiidada para siislenlai a soberania espii iluai do poutiíioado, adoptou nas suas mis- sões, um systema, que até mereceu o applauso dos adver- sários de Roma. Os geraes, aproveitando com acerto o caracter e a vaiia aptidão dos súbditos, designavam a cada uin o posto que podia occupar luLiilior, e por isso os fructos correspondiam quasi sempre ás esperanças. O tempo, as prosperidades, e a tendência natmral de todos 1 Exame doB wagens do dr. lAfmgaone pelo sr. D. JoBé de La- cerda, pag. 21 a 23. — Hisloria do Natemtnio, Vida b Mariyrio do Beato Jo9o do BrUo, oompoela por o&a inuSo Fenuuido Pereira de Brito, «ap. m. Digrtized by Google m HISTORIA £)£ K>HIGOAL ifiMoes poderes, porque a sociedade de lesus foi om poder» le** varam-a a abusar da sua força e a esqueeer as qualidades por que se distinguira. Trocaram-se na Africa, no Brazil e na índia as antigas virtudes jielas facilidades, dando origem aos erros,. que ua dediuação gerai dos homeos e das cousas ião pouparam mais a roupeta dos successo- res de S. Francisco Xavier, do que o habito dos filhos de S. Fi ancisco. ou de S. Domingos. Mas confundir sem dis- cernimenlo os factos, apagar da meíiitnia as recordações do que praticaram de nobre, fecundo e grande, baixar só a Tista para os dias de tristeza, em que, minado pela corrupção, pela cnbiça e pela discórdia tudo se alluia ou vacillava, seria t3o injusto e parcial, como lançar o manto sobre a nudez dos vicios. e querer achar a epoclia dos varões apostólicos nos tempos, que precederam e apres- saram o desmoronamento. D. Manuel, no meio do jubilo motivado pela chegada de Vasco da Gama, nlo separou um momento no plano da occupaçKo da índia a acçSo religiosa do pensamento da con([viista, e logo no anno de 1500 ordenou a Pedro Alvares Cabral, que, apoitiiiido a CalecuL rMiisiriiiNse uma casa forte para feitoria, e, apartada d'ellã, uma igreja para os írades da armada celebrarem os officios divinos. Os padres, concluído e ornado o templo, disseram missa n'elle e confessaram, e quando a aggressSo dos mouros obrigou os nossos a acolherem-se ás naus, dois saíram feridos da refrega. Na esffuadra de D. Francisco de Al- meida, primeiro vice-rei, foram também alguns frades e assistiram com os capeliães das naus á solemnidade, com que se festejou a obra da fortaleza de QuUoa, pregando mestre Diogo, vigário da índia. Em 4509 existia já em Socotorá um pequeno mosteiro de franciscanos, cujos padres falleceram todos, menos dois, acommettidos pelas . ly j^ud by Google DOS SECULtJS XYII £ XYilI 193 enfermidades da terra. £m 1510 finalmente, quando Âf- mMô» fonso de Albuquerque tomou a cidade do doa, o domi- nicano Fr. Rodrigo Homem acompanliava-o eslorçando o zéio dos soldados, e os religiosos íranciscaQOS mar- chavam ao lado d'elies, hasteando a cniz de Ghrísto. Alcançada a Victoria, e sagrada a mesquita do Idal-Kaii para o exercito ouvir os cânticos de acção de graças, doou o governador a mesquita aos frades de S. Francisco para séde da sua residência» e abi se conservaram até ao aDDo de 1521, em que ficou acabado o magnifico mos- teiro, que el-rei lhes mandara edificar em 1517 nas casas, que haviam sido do tanadar João Machado, morto em Pondá *. Os dominicanos também entraram na Ásia com Albu- querque, mas foi s6 em 1548, que Fr.-Diogo Bermudes e doze religiosos partiram para Goa em communidade, a fim de levantarem um convento. O governador Garcia de Sá recebeu-os bem, concedeu-lbes chão para a casa, e. abono jTaté 50:000 cruzados para as despezas. O mosteiro de S. Francisco tinha custado á corôa 60:000 pardaus, e a cathedral 20:000, sem contar o subsidio jiac^o a trinta cónegos e capellães. ?í'aqueUa epocha jà a cidade tinha pelo menos quatorze igrejas e ermidas com mais de cem clérigos. Os frades de S. Domingos alcançaram dentro em pouco um rendimento annual de 1:500 pardaus. En- tre os padics íundadores citam os chronistas a Fr. Fran- cisco de Azevedo, varão eminente em virtudes e letras, o primeiro mestre que ensinou humanidades e theologia > Fr. Joio dos Santos, Varia Hitíoria da Cbrí$landadê Oriettíalj 1ÍT. n, cap. I. Évora, 1609.— Gaspar Correia, Lendas da índia, tom. t, ])ãrL i, pag. 186, part, n, pag. H% tom. n, part i e n, paK. 537 e 538. 10N0 V 13 Digitized by Google 1 mtom em Goa muitos annos antes de lidas em oatra aula ou coliegio, e Fr. Gaspar da Cruz» missionário, que passou a Gambaya e depois á China no anno de 1556, aonde convtíiieu bastantes almas. A onlem dominicana con- struiu mais dois conventos, um em Chaul, e^o outro em Gochim K Os augustinianos fundaram na cidade a sua primeira casa em 4572, modesta, porém sufficiente para claustro dos doze i-eli^iosos qiic acompanhavam o pa(h^e Fr. An- tonio da Paixão, eleito provincial. Em 1597 o edifício es- tava reediíicado em proporções mais amplas sob a invo- cação de Nossa Senhora da Graça» e pela posição e por suas rendas era um dos melhores da diocese. O coliegio de Populo, creado em 1602, destinou-se â instrucção dos frades moços, pro[)oslos para as missões. O convento de Damão, o hospício de Bombaim, a peqnena casa de Meliapor, e o mosteiro de Macau dependiam todos da congregação âlial de Goa, porque a ordem nunca formou província particular na índia. ^ Os carmelitas descalços vieram depois, e estenderam as missões a Bagdad e á Pérsia, não se estabelecendo na cidade senão em 1607 ou em 1612. Os theatinos, muito pobres, contentaram-se com uma residência pequena, perto do palácio dos vice-reis, e com uma igreja, também pecjuena, mas muito beUa. Introduzidos por melados do XVI século, e quasi todos italianos, elegiam de tres em Ires annos u seu prefeito, e roi f t's[)ondiam-s«' cum o ge- ral da ordem em Roma por inlei venção da nunciatm^a de Lisboa. Os padres de S. João de Deus e os congregados de S. Fílippe Nery foram os últimos transplantados para 1 Lendas da índia, tom. iv, pari. i, cap. Tf.— Fana Historia da ChriUandade Orientalj cap. i e il Digitized by Gopgle • DOS SÉCULOS XVii £ XWl 195 O oriente, aonde os primeiros sobresairam pela caridade ubom nos hospitaes de Goa, Damuo, Diu, Macau, ( oulros loga- res. e os segundos pela eloquência no púlpito e pelo zelo no ensino da mocidade K Os padres da companhia de Jesus passaram á índia em 1543 com S. Frandsco Xavier, e hospedaram-se no col- legio de S. Paulo, reconstruído passados annos. Em 1584 é que se ergueu a casa professa na parte inferior da cidade ligada com a sumptuosa igreja du Bom Jesus. Ad- quirindo depois o coiiegio de (Chorão e o de Rachol em Salsete, deixaram as casas de S. Paulo e de S. Roque aos r^giosos inválidos, e preferiram como sítios mais sadios e accommodados Rachol para séde do collegio e ChorSo para cabeça do seminário. S. Paulo, em 1548, decorrido pouco tempo desde a entrada dos primeir os jesuítas, pos- suía de rendas certas e annuaes mais de 5:000 pardaus. Nenhuma ordem prestou serviços mais relevantes á fé e á conquista, porém nenhuma soube aproveítar-se melhor lambem das circumstancias, nem collier IVuclos mais co- piosos dos piuiiiios esforços. Nos fins tio século xvj eni quasi todas as còrtes dos reinos opulentos tinha alcançado entrada. No Japão possuía tres casas na cidade principal (Meaco), e era respeitada e favorecida. Na China, alem da residência de Pekim, ainda occupava mais tres em ci- dades iiuportantes do império. Eui Bengala foi bem vista do rei, e emliisuaí^a nicí-ecia grande estima. Nos estados do Grão Mogoi os padres não saíam do lado do soberano. 1 Quadros Hisloricot de Goa, pelo sr. Gaetano Barreto de Miran- da. Margão, i863, cadern. quadr. viii. — Bosquejo Hi^rico de Goa, pelo reverendo Coltineau de Kloguen, vertido pelo sr, Miguel YiLL-nto de Abreu. Nova Goa, i858, pag. Iltia 12& — Lenda» da índia, tom. iv, pari ii, cap. yi, pag. 670. 13 Digitized by Google 196 UlbTOKiA Dk. PUiiTUGÂL Uutíi» No Malabar o Samorim de Calecut prezava-os como ami- gos e consclheirus. Em Travancor, Porcá, Danj^^amale, e vários logai'es assumiram posigues privilegiadas. Nos do- mínios do Preste João grangearam muito conceito. N'es- tas e em outras partes, assevera um escríptor bem infor- mado, não só cuidavam dos interesses espirituaes, como acudiam igoalmento pelos iiileresses luíliticos e commer- ciaes da coroa portuguesa, procurarido conserv ar, ou con- solidar entre os príncipes e o estado da índia as boas re- lações de paz e amisade. A arma das conversões auxiliava a acção da conquista e a dilatação da fé. As gentilidades agremiadas no redil da itrreja eram mais fieis aos portu- guezes, do que aos moiKu chas uaturaes, e nos paizes sub- jugados a religião podia mais para os conter na obediên- cia, do que a forçai 0 nome de S. Francisco Xavier, tão venerado dos pe- quenos, como acatado dos poderosos, serviu mais á so- ciedade para iliô abrii* os caminhos, do que os valimentos que sabia empregar para vencer as contrariedades^ Por mais de nove annos, seguindo na Asia os vestígios de S. Thomé, como facho sempre acceso, elle e sen?? compa- nlieiros, liumildes com us pobres, ri^^^orosos com os ricos e soberbos, e sempre austeros comsigo, não maculando nunca as mãos na grangearia dos lucros mundanos, tor- naram a sua roupeta mais respeitada, do que a purpura dos orgulliosos. No meio da iirniieiísa cornii)çno, que já minava o vasto império de D. João líl na índia, Xavier, erguendo a cabeça acima de tudo, flageiiava a usura^ a avareza e as veniagas, estranhava as rixas e as violências, castigava os vícios, e a sua palavra singela, como a ver- 1 Fernão Gaerreiro, Das cousas que fizeram ot padra da. com' panhia de Jetw nas partes da índia, Uv. iii, cap. xxxur, pag. 109. Digitized by Google DOS SÉCULOS XVII £ XVIII 197 dade, alomianílo nonde as trevas se condonsavam, caute- Mi»*õe« risava, como o fof^o, aonde as chagas eram mais fundas. Perante o bello vulto d'este verdadeiro apostolo, a pos- teridade inclina-se reverente. Primeiro núncio da boa no- va, rodeado de creanças e de infelizes, á sinnilhança do seu divino Mestre, pregava do alto dos puipiios, e descia depois ás cbonpanas, doutrinando, supplicandu, reprehen- dendo, e confortando de dia e de noite. A morte foi digna da vida. Desfollecido o corpo e anciosa a alma pelo re- pouso celeste, expirou na ilha de Sancliam, ás portas da China, em uma cabana coberta de ramos e desabrigada, com a imagem de Christo nos olhos e a caridade mais ardente no coração e nos lábios K Vestindo os hábitos remendados do peregrino, com a vontade e o animo sempre ofTerecidos ao martyrio, sus- tentava-se de esmolas, fugia dos regalos das cidades, do fausto dos [lalacios, e do applauso insidioso dos abasta-^ dos. Pondo toda a confiança nas promessas do Senhor, entranhava-se pelas solidQes, e, por entre os juncaes, ou por liMi xo dos palmares ía alegrar a aldeia perdida no er- mo, piesiando as consolações religiosas aos mais igno- rantes, esquecidos e desprezados. Abrasado no amor do próximo, fallava de Deus ás mulheres, aos meninos, e aos qne as outras castas rejeitavam como fezes. A estes no- vos leprosos da tyrannia das seitas indianas cliMiii iva fi- lhos e enxugava o rosto banhado de lagrnnas, ensinando- Ihescpie a terra não era mais do que um desterro, e que na presença de Christo todos seriam irmãos. Esta fecunda palavra, que resistiu mais do que as grandezas da con- 1 Lucena, Bittaria âa Vida do Padre S, FraneUeo Xwaier, Uv, z, eap. lY e v. Xavier íalleceu em 2 de desembio de com cin- coenta e cinco annos de idade e mais de nove de missSo activa. Digitized by Google 198 HISTORIA DE PORTUGAL MisaSes quista, aiTaígou a frondosa arvore plantada pela fé. Por largos annos, por séculos até, serviu a recordação das virtudes do vaião piedoso de escudo contra a adversida- de^ ou de chave roilagrosa aos qoe não podiam já imita- lo, para repellirem as aggressOes, ou para tornarem accessíveíB as entradas que o receio^ ou as suspeitas cer- ravam diante d^elles'. Os proí^ressos de S. Francisco e dos pi iiii(^ii'ús iiiissio- narios íoram rápidos, e os eíTeitos quasi prodigiosos. Em pouco tempo a companhia tomou^se uma potencia no oriente. Alargando os ramos por toda a parte, tinha col* legíos em Salsete e em Diu, em Baçaim e em Dam9o, casa professa em Goa, collegios em Cliaul, Malaca e Ben- gala, em Ceilão, Crangaiioi e Cochim, no reino do Pe^ni, em Arima, Meaco e Naogazaki no Japão, em Pektm e Nankim na China, e cobria com a sombra quasi todos os logares, aonde tremulava a bandeira portugueza, ou aonde qualquer rasão politica, religiosa, ou mercantil atr traliia os europeus*. Nos primeiros trinta annos depois da cunquisla de Goa, em que a gloria da catechese coube quasi exclusivamente aos franciscanos, os trabalhos dos prégadores provaram o zêlo e a utilidade da sua palavra em oito baptismos ge- raes, subindo o numero dos calechumenos a mais de sete mil de diversas castas e differeuLes seitas, mas nas regiões (jue ainda não reconheciam a corôa [luriugueza. Fr. Antonio do Casal prègou em Baçaim, Fr. Antonio do Parto nas terras do norte, Fr. Jo9o Loria e Fr. Antonio de S. Francisco na província do Decan no reino do Nisam Moluc. Outros religiosos annunciaram a palavra de Deus ^ Lucena, HtOoria da Vida dê S. Franemo Xamer, passim. 2 Bo»qnujú BtÊtoneo de Goa, pag. 115 e s^giiíiiteB. Digitized by DOS SÉCULOS ÍVU £ XVIU nos estados do Idal-Kan, em Cananor, e em Meliapor. HM» Fr. Xisto e Fr. Francisco Gallego em Cochim sacrificaram- se pela íè, e em Cranganor a família real de Tanor rece- bia as aguas do baptismo das mãos do padre Fr. Vicente de Lagos. A lei de Ghristo foi chegando assim ás mais longínquas paragens, eos padres da ordem Seraphica, su- periores aos perigos e provações apostólicas, escrevendo eslíi rormosa pagina da historia do christianismo na índia, não illusti ai ani só o seu instituto, coadjuvaram também eíBcazmente os primeiros passos da conquista nas deca- das immediatas ao descobrimento^. Em 1543 entraram os jesuítas, seguiram-se os domi- nicanos, e successivamente vieram os religiosos de outros instilutus. Pareceu conveiiit iile distribuir jior cada or- dem as terras de Goa e as regiões do oriente encommen- dadas ao seu cuidado. Coube a ilha de Goa aos filbos de S. Domingos e de Santo Ignacio. A província de Salsete pertenceu aos últimos, e a de Bardez aos franciscanos. Esto primeiro periôdo do apostolado foi na realidade o mais fecundo e edificante pelas virtudes dos missionários. A austeridade dos pregadores era como um espelho sem- pre limpo da pureza da siia doutrina. Á proporção, que augmentava o numero dos proselytos, as communidades agrícolas, rogadas pelos padres, ministravam os meios pe- cuniários [lara levantai a igreja da aldeia. Á conversão reuniii-se a iiisli-ncerio ))opnlar, e ambas [íiogrediramsem obstáculos. Principiou, poi ênx, a ati ouxar a pouco e pouco a antiga rigidez, e a predominar uma soltura de costumes e de princípios» declarada por fim em relaxarão aberta. Os franciscanos da índia, confiados na robustez das for- ças, as[)irarani a einancipar-se da tutela da província de ^ Quadros Historim de Goa, quad. vni. Digitized by Gopgle aOO HISTOBIA DC PORTUGAL Musses Portugal. Ateiavam-se por esta causa as paixões com a resistência, suscitar.iui-se (]os|)eitos e discor-dins. e;i irri- tação mauifestou-se de parte a parte por um lando pouco decoroso. Mallo^rada em 1580 a primeira teatativa, tor- nou em 4611 a renascer o desejo da separação, e por ul- timo triumphou em 1619. Mas esta independência tâo appetecida foi uma victoria fuiiesl.i. Desde esse dia a nova provinda intitulada de S. Thomé trocou as noiíuas se- veras que a tinham engrandecido» pelo amor dos inte- resses mundanos, a atoegação pela repugnância aos sa« crificios, e a modéstia e a pobreza pela sêdc de bens e commodidades tempo raos. Os povos abraçaram os maus exemplos, como haviam respeitado os bons, e, invadidos pelos vícios, desamparados da vigilância dos pastores, volveram em parte aos ritos gentílicos ^ Alem d'isto a separação não asserenára os ânimos. Rebentaram novas inquietações, e a iirovincia. dividida em dous bandos, ora applaudia a parcialidade do minis- tro provmcial, ora obedecia á facção do commissario geral, e em 1620 era tão grande a effervescenda, que o governador Fernão de Albuquerque não descobriu melhor • maneira de a applacar, senão unindo em um só os dois cargos. A par da kicta domestica outra mais grave veiu ainda complicar tudo, travada com os prelados da metró- pole oriental, lucta violenta e prolongada quasi por dois séculos. O concilio tridentino tinha prohibido, que os sa- cerdotes das ordens religiosas exercessem as funcções parochiaes. Quiz o arcebispo D. Fr. Aleixo de Menezes executar a letra dos cânones substituindo os frades nas parochias por clérigos seculares, mas os franciscanos re- * Quadros Históricos de Goa, quad. vin. — Ensaio Histórico da lÀngm C(mmm,\K^o «t. Tainha Rivara. Nava Goa. iSã8,pag. 20 a 23. Digitized by Google DOS S£CULOS XTU £ XVIU lOi sistiram, e o pleito snbin á decisão da côrte, que em 1608 Misaôes resolveu, que as íreguezias de Bardez continuassem a ser providas nos religiosos seraphicos. Esta decisão aca- bou de arruinar as virtudes monásticas da província de S. rhomé. A ambição, oorgalho, os appetites mundanos, p a ociosidade deram as mãos, e contnminaram em pouco tempo os claustros da ordem. Notando a sua decadência, o arcebispo D. Fr. Setmstíão de S. Pedro renovou em 1627 o propósito de D. Fr. Aleixo, excluindo os frades das parochias por descuidados e negligentes em suas obri- gações, pela ignorância da iingua do paiz na maior parte d eiies, e pelo estado lastimoso das clu istaudades de fiar- 4ez. Prevaleceram as rasties do prelado, e em 12 de abril de 1628 ordenou el-rei, que os religiosos nSo fossem admittidos ao officio parochial senão depois de approva- dos pelo ordinário *. Não terminou, porém, ainda com esta resolução a con- tenda. £m 1629 o provincial dos franciscanos, aproveitan- do a occorrencia da morte do arcebispo, representou ao conde de Linliares emfavor da ordem, queixando-se do ri- gor com que o prelado falecido tratara os padres de Bardez, e citaodo a tres d^elles como mestres da língua do paiz, e a outros tres como prégadores distiuctos. Acres*- centava, que os clérigos naturaes nSo mereciam respeito nem o podiam conciliar, porque muitos traziam as ore- lhas furadas, e só cuidavam em se locupletarem a si e aos parentes. O vice-rei, inimigo do arcebispo accusado, con- firmou as asserções dos frades nos seus ofiiciosde 18 de fevereiro de 1630, e a còrte julgou cortar o nó gordio, iiiaudando (lue os religiosos propostos para parochos fos- sem examinados e approvados pelo vice-rei! Os padres 1 Entah fíUtorieo da lAngua Coneani, pag. S3 a 28. Digitized by Google m iUSTOBU £>E FÚflTUGAL ninai» de S« Francisco, querendo fortificar a sua causa, tinham allegado oá bapt ismos geraes para que haviam concorrido, as novas fundações devidas á sua iniciativa, e tinham exal- tado o zelo com i{ur se apphcavani ás missões» emquanto o arcebispo D. Fr. Sebastião negava a sua esmola aos mi- seráveis, maltratava os religiosos na presença dos secu- lares, o jirolegia clérigos devassos e avarentos, só activos em junlar (Unheiro para comprarem almarcs*. Os íran- ciscanos, por uhimo, ijuiiiieraram, ipie só nailhadcCey- lão existiam ciucot^ita padres seus, aos quaes se devia a conversão de sessenta mil aUnas, tanto na missão nova de Jafonatapao, aonde haviam baptisado trinta mil pessoas, que pastoreavam no distrício de Manar em sete i^Tcjas mais de quinze ínil chrislãus, que doutrinavam em Ceylão Ires christandades com mais de dois mil, c íinalniente que nas regiões do norte administravam dezesete igrejas e vinte cinco mil proselytos, prégando e ensinando em todas estas partes na Ungua do paíz*. Mas i>. Braz de Castro, que succedêra ao conde de Li- iiliiires, dizendo só a verdade a el-rei, (ihservuu, que a eiva idolatra pei veitia os novos chrislàos, cabendo a culpa do mal aos parochos religiosos, mais dados ás com- modidades e ao repouso, do que ao cumprimento dos deveres. D. Braz fallava fundado em factos* Aquelles pas- tores já não pareciam os mesmos. As igrejas de Bardez aciiavam-se quasi liaiisíoimadas eui casas de recreação, aoade os povos vinham, não a ouvir as lições evangé- licas, mas a prestarem serviços servis, ou a trazerem regalos de fructas e de aves, exigidos como tributos. Os 1 Ensaio Hktorieo da lÀngua Goneam^ pag. 24 a 28. — Livro das Monções 22, fl. 440. 2 ÃÁvro das Monções 13, il. 63. Digitized by Google > DOS SBGOLOS x?n £ xmi fieis achavam no reitor, não um pae desvelado, mas um uu&òm seiilior sempre dis[)osto a i)uni-Ios ajieiias discrepavam da sua voutade. Nem os mortos se eximiam da prepo- tência» porque nenhum era sepultado se a famiUa pri- meiro não depositava o custo do enterro. A cubiça do- minava tudo. A ordinária do collegio dos Reis Magos, abou aí la ]>elo íjnvei-no para os or()lirios, loi distrahiila em proveito dos íamulus e dos |)iolegidos. Do donativo ap- plicado aos baptismos geraes mal se gastava a terça parte. Às outras duas guardavam-se nos cofres para acudir ao que eustamm em Homa os prelados da casa, à relaxa- ção da disciplina já não podia ser excedida. As corpora- ções e os indivíduos obtinham da chancellaria pontincia breves para se subtraliirem á jurisdicção dos ordiaai ios, e por elles tornavam-se quasi independentes de facto da soberania dos príncipes K £mquanto a ordem seraphica assim declinava, a de Santo Agostinho sobresaía peia perfeição da vida, dos costunies, e das letras'^, e os jesnitas na admuiislração espirilual de Salsete colhiam grande fructo. Os carmelitas eram estimados por trabaitiarem com zôio» como todos os que o9o podiam possuir, ou disfructar rendas na Âsia> e os capuchos observantes viviam menos inquietos e mais obedientes^. Por iiliimo a regularidade do comportamento dos dominicanos é-nos attestada pelo teslemimiio insus- peito de Fernão de Albuquerque em lUiO, elogiando o proveito de seus esforços em Soior no anuo antecedente^. ^ Botqwjo Hiítoria) de Goa, quad. viii. * Livro das Monções^ 22 fl. 440.^(]arta de FemSo de Albu- querque, de 14 de fevereiro de 1620. ' Carta do yíce-rei, de 18 de fevereiro de 1690. * lÂtro das ííonçSes, 22 fl. 440. Digitized by Google 204 HISTORIA D£ PORTUGAL Mútoes O ílesejo dosconqiiiíitadores, quando entraram na índia, seria reduzir desde logo todos os vencidos á unidade do culto catholico. Deteve-os a consideração da impossibili- dade de coegír um povo numeroso, cujas classes princi* paes tocavam elevado grau do civilisacão, e cuja resistência podia vir a ser periffosa. rusta de parte a viulencia romo arriscada, optaram pelos meios indirectos. Albuquer([ue em 1510 concedeu a liberdade de cuitos, mas em 1541 os pagodes das ilhas de Goa foram demolidos e os seus bens apropriados á sustentação das igrejas e do clero. O bispo Fr. João de Alhuqueniue, liei a«4»i'nsamento de impor a conversão ás gentiiidades, mandou apprehender os livros das diversas seitas; e destrui-los. O primeiro concilio pro- vincial de Goa em 1567, coberente com as mesmas idèas, ordenou que todos os domingos houvesse pregarão aos infleis na lingua do i)aiz, e o vice-rei prescrevfMi, que os babitantes da raça india e idolatras se arrolassem por freguezias para irem em turmas de cincoenta aos conven- tos de S. Paulo, de S. Domingos e de S. Francisco ouvir a explicação da doutrina, devendo praticar outro tanto os de Baça im, Cochim e Malaca. As primeiras conslitui- çoes do arcebispado de Goa tinbam estabelecido, que nenbum catechumeno fosse baptisado, senão depois de instruído nos artigos da fé, regra conOrmada pelo segundo concilio celebrado em 1575, e posteriormente ])elos con- cílios seguintes, recommendando todos como ponto es- sencial o ensino da doutrina na lingua dos natnraes por ser o modo opportuno de promover a diffusão dos verda- deiros principios religiosos. Estes preceitos Acaram quasi sempre em Icti a morta, ou foram sophismados *. 1 Decreto S.^I)ecieto 3.« da acçfo 2.% no concilio de 1575. — O ST. Rivara. Eníoio Hkkrieo da UnQua Coneanú Digitized by Google DOS SÉCULOS XVU E XVIU 908 Apesar da cooperação de todos estes esforços, e da de- dicação dos missionários afticanos, os progressos não cor- responderam á impaciência dos devotos, e a população christã vegetava quasi submergida em um verdadeiro charco de corrupção. Os maus exemplos afugentavam os pagãos, calumniando a virtude e a religião. Os idolatras apontavam para o espectáculo da desmoralisação trimn- phante, e condemnavam a lei evangélica pelos abusos dos que a prevertiam, e os que a liaviam abraçado, como mais períeita, volviam aos antigos erros secretamente^ justificando-se com os escândalos quotidianos de que eram testemunhas. As casas achavam-se quasi convertidas em lupanares, o adultério e o incesto não causavam espanto, a justiça vendia sem rubor as sentenças, e os meios ignó- beis passavam por lícitos, uma vez que satisíizessem a cubica e a avareza. A usura reinava applaudida,, o sangue corria inulto em rixas e homicidios aleivosos, e os per- petradores vangloriavam-se dos crimes como se não exis- tissem tribunaes. A dissolução adiantava-se tão ousada, que ouso dos sacramentos como que estava abolido. Foi a este pego insondável de misérias c de torpezas, que D. hniõ III enviou os primeiros padres da companhia, coníiando-ihes a reformação dos costumes, e o en$ino e apratica das virtudes catholicas. Para ser escutado no meio dos rugidos das paixões e da surdez do endurecimento era preciso grande dedicação evangélica, constância su- perior a todas as provações, extrema austeridade de vida, que faltasse mais do que a palavra, e summa paciência unida a muita força de vontade e ao dom da persuasão. S. Fran- cisco Xavier immortalisou o seu nome e a sua missão, en- trando no combate coberto d*estas armas defina tempera K ^ Quadros Uiitcricos de Goa, quad. vui. — S. Frauciíico Xavier Digitized by Google mSTORIA BE POITUGAL »M» Mas os seus saccessores apartaram-se muitas vezes das sendas trilhadas por elle, e, olhando mats á vaidade dos eíToitos, do que á inireza d.i nlir;i, cnpitularam com as máximas oppostas ás do veidadciro fundador do insli- toto 00 oríenle. A ambição politica, o abuso da inílueDcia adquirida, e a intenção perseverante e pouco escrupulosa de engrandecer a ordem, attendendo menos aos meios, do que aosíins, «mpanarain na Asia, assim como na Aíi ica e na America, o lustre dus serviços prestados pela socie- dade, e tomaram por ultimo odioso o seu predomínio. Entre os erros que mais avultam na direcção das conver* s?^es das gentilidades da índia tres principalmente devem citar-se cnnio Cunestissimos: — a intolerância systematica, o ciúme dos outros operários levado a um grau irritante, e o monopólio das consciências e de todas as forças man- tido com tal excesso^ que em muitas occasides não recuou diante de nenhuma consideração. No íTOvenio de Francisco Barreto (l5o5 a 1558) é qne a violciicia aconselíiada pelos jesuitas principiou a em- pregar-se, arrastando entre outras victimas a moça prin- ceza, fdba do rei Meale, á pia baptismal, prohibindo aos gentios o eiercicio de seus ritos e ceremonias, declaraor do-u> iiihalxjis para concorrei vni com os clirislãos aos cargos públicos, estabelecendo que as mulheres casadas convertidaslíicassem por esse facto meeiras nos bens do casal, e dispondo que os orphãos de paes idolatras fossem baplisados antes do uso de rasão, e entregues a tutores cliristães. Estas atrocidades não lu vnluziíínn os resultados, que os fanáticos esperavam colher d eites, c os golpes chegou a Goa a 8 tle iiiaio de lu'i^^. < ) ctTcito de suas pn-^jarucs publi- cas foi flfcisivo. A cidade mudou de aspecto, e os pagãos conimo- Yiam-8e vendo retratadas as verdadeiras virtudes cbrístis. Digitized by DOS SÉCULOS XVII E XVni 207 feridos sobré os aflfectos domésticos, longe de chamar, litMi afastaram do seio da religião os que reprovavam simi- Ihantes violências. A companhia, roubando as creanças do regaço materno, e opprimindo seni[)iedade os afflictos, em vez de i)eDçãosy só recebia maldições., desafiando até a censora dos chrísfãos imparciaes" e avisados. Subiu á rôrte nma representação, pedindo a revogação das dis- posições relativas ao.^ orphãos, e propondo qiio só lhes fossem applicadas, quando não tivessem mãe, ou descen- dentes; mas este lenitivo demorado só começou a sua* visar os males em 1677 K O primeiro protesto contra a provisão de Francisco liarreto foi a saída de muitas íaniilias o a parnlvsarao da industria e do commercio. A resistência conti a as resolu* ções dos concílios mamfestou-se de uma fórma mais gra- ve, sublevando-se os povos de Assolná, e sendo preciso empunhar as armas para siiíTocar a rebellião e impedir que ella conflaí?ra>si' os (iLsliictos vizinhos. 0? idolatras vencidos oppozeram aos rigores a astúcia, ou a iiimeza, e iliudiram muitas vezes a severidade dos preceitos. D. Se- bastião auctorison a coacção das consciências, e, rogado pelos embaixadores mouros para conceder aos gentios a liberdade do culto, incumbiu da decisão o vice-reiD. Luiz de Athaide, ouvidos os theologos de maior conceito. Posta n'estes termos a questão, inutíi será acrescentarmos, que foi resolvida contra os direitos dos que aspiravam a ado- rar os deuses de seus paes desassombrados de vexames. Os jesuitas e o an'ehi>iK> votaram contra a tolerância, o vice-rei a lavor, e a maioria da junt ! r n nvocada sustentou a provisão de I5õ6 nas terras de Saisete, e suspendeu^-a ^ Kmaio Histór ico d<i Linrjm Concani pelo ST. Rivara. — Quadros Hmncos de Goa, quad. viu. Digitized by Google HI8T0BU DE PORTUOAL mu»m nas do norte» aonde nunca passára de providencia quasi nominal. D. Luiz de Athaide na conferencia discutira o as- sumpto, nSo só pelo aspecto religioso, mas como politico e couio adiiiinbUadur. Kão tardou que os successos justificassem plenamente as suas upiniues. Os mouros, os árabes, os arménios» os parses» os guzarates, e os natu- raes de Bengala, de Siam, e do Pegú, que anímayam o trato marítimo e enriqueciam os nossos domínios, apro- veitaram todas as occasiões de fugirem d'elles, adiiii- rados de verem o Deus dos cbhstãos transformado no crè ou morre dos mussulmanos, voltaram para os esta- dos dos antigos dominadores, que lhes afiançavam ao menos a tranquillidade e a segurança de seus ritos. A mú- gração empobreceu as conquistas, e os progressos do chrístianismo nunca foram mais lentos. As perseguições» não só não attrabiam proseiytos e amigos á igreja e aos portuguezes, como inflammavam contra elles as antipa- thias e os ódios A sociedade de Jesus não carecia d'est.is oppressões contrarias aos seus fins. Jogava armas mais fortes, e, illustrada, como era, não necessitava de compellir pela força, por(|ue pudia muito mais com a persuasão. A ex- periência devia adverti-la. Emquanto em Salsete os con- versos vinliam á pia luiplismal quasi de lastus e cheios de terror, nas outras partes o maior numero abraçava o evangelho, convencido pelos rasgos edificantes, pela pa- lavra eloquente, pela pompa das ceremonias religiosas, e pelas boas doutrinas ensinadas aos neuph) los e transmit- tidas por elles. O culiegio da Santa Fé, sustentado coni esmolas e com as rendas dos pagodes demoUdos, instruía * Ensaio Histarico da Líw^tía Cíwcantpelosr. liivara. — Quadros timluricos de Goa, quadr. vill. Digitized by DOS SÉCULOS XVII E XVltl 209 cem meninos de todas as naoões da Asia, canarins, mala- bares, cíngalás, pegús, malaios, jaus, chinas, abexins e outros, e estes, depois de ensinados, volvendo á [iatiia, tornavam-se poderosos instrumentos da propagação da fé e auxiliares activos dos pregadores europeus. Os jesuítas notando a seducçSo exercida nas imaginações orientaes pelas exteríoridades do coito catholico, n3o hesitaram em introduzu* muitas praticas theatraes nas solemnidades religiosas, chegando a figurar quadros vivos dos passos mais dolorosos da Paixão, ensaiando procissões em que appareciam Adão com a enxada ao hombro, e Eva com a roca e a serpente^ permittíndo os cantos de loas com to- ques de adufes nos templos em as noites de Natal, e sanc- cionando varias scenas, que de certo lutavam com a aus- teridade da religião, mas que, exaltando os sentidos das multidões ignorantes, as predispunham para acceitarem mais facilmente o culto christão ^. A companhia não desprezava ao mesmo tempo nenhmn meio opportuno de dilatar e de fortalecer emtoda aparte a sua influencia. No seminário da Santa Fé, denominado a universidade de Goa, aberto em 1556, os estudos abrangiam tres cias^ ses de latinidade» um curso de philosophia, e uma cadeira* demorai. Depois addicíonaram-se-lhes duas lições de theo- lo^ia. Nos coUegios de Rachol e de Chorão, nos hospitaes de Siilsele, Manganor e Barcellor, de Tunay no Japão, e no de Tidor, na casa dos Neophytos, e nas igrejas das tre- guezias havia aulas de leitura, de escripta e de contas, e ensinava-se a tocar rebeca e órgão para acompanhamento vocal e instrumental das íímcções semanaes das igrejas. Nas enfermarias os padres recebiam e curavam com a > Quadros Hiêtorim de Goa, quAdr. viu TOHO T U 210 HISTORIA DE PORTUG/LL mesma caridade os chrístãos e os gentios. Distribuindo a instracçlío ao povo nas escolas, dontrínando-o nos púlpi- tos, o (liri^'ini lf IH ► 110 confessionário, concentravam em mi ;í.> mãos t(Ml;is as forças. A imprensa não ficou esquecida. Os prelos dos jesuítas e uma fundição de typos para os caracteres do abecedario tamul e dos outros idiomas orientaes completavam este vasto systema. Yulgarísando o catecismo e os livros ascéticos na língua dos catecume- nos, os escriptores da companhia sabiam accommodar as idéas e o estylo á capacidade e ás preoccupações dos iddatras. A severidade dos doutores cathoUcos conde- mnou esta aUiança, a seu ver monstruosa, das verdades christSs com as superstições gentílicas; mas os missioná- rios respondiam que, para íiimar os primeiros passos, não havia outro caminho senão trarísiírir na Iiulia com os preconceitos sociaes e i^ligiosos, e na China com as opi- niões acceitas. Humanisando a divindade* a fim de a Umt- nar aoeessivel ás intelligendas obscuras, narravam, ou descreviam os traços principaes da religião por modo tal, que os pagãos e os idolatras não vissem oífendidas desde logo directamente suas cr'enças enraizadas, ou suas mais intimas aspirações. Por este methodo contavam cm i560 nas aldeias de Divar, Batim, Chorão e outras ilhas de Ckm mais de treze mil proselytos. Em Salsete alargaram também as conquistas, porém muito mais nos primeiros annos. povoando a proviiicia de templos, de igi'ejas, de hospícios e de aulas . Estes serviços de immenso proveito para a religião, ■ 1 Quadros Bi^aricos de Goa, quadc vfir. Os ritos jesuíticos da China e do Malabar foram prohibidos por Innocencio X em 12 de setembro de 1645, como poaco conformes com a pureza da religião e eivados de superstições ge&liiiGas. r BOS SÉCULOS mi i para o estado, e para a cultura moral e intellactual dae nmm populações quiz sejnpre a íjociedade de Jesus, que lhe fos- sem largamente relniiuidos em podei- e riquezas e em pri- vilégios que afiiimasseia a sua supâríoridade, tanto sobre a$ outras ordeus, como sobre a própria goveruação tem* poral das christandades. A despeito das reconuneodaç5es de S. Fraiicis( u Xavier mustrou-se na india Ião eubirosa de propriedades e de thesouros, como na Airica e na America, e embora os [ladres mais prudentes procuras- sem quebrar os oUios â iaveja com as capas pBmendadas» a opulência do Instituto já dava de mais na vista e desa- fia\.i luereeidas queixavS^ A aiiilnção, a soberba e a in- tolerância com que na Uiina e no Japão a rompanbia dis- putou as missões aos outros religiosos, appellando até para a intervenção dos maodarins e dasauctoridades gen- tílicas, atearam contra ella o justo resentímento dos of- fendidos e dos molestados, e deram margem a susj)eit;u - se a sinceridade de suas ciencas e o desinteresse (lu> >t us 8g£orços. Diziu-se que dk jesuítas trabalhavam para si, e que inamol;Q*iam &em remorso a pátria, se preciso fosise, 6 a própria fó para manterem intacto o monopólio da di- . recção das almas nas regiões mais ricas. S. Francisco Xa- vier linlia-ibes aberto as portas do Jafião, pregando na provmcia de Bengo. Os povos íestejaram-os, e o governo concedeu-lhes plena liberdade. Diligentes, virtuosos, e humildes, os primeiros missionários usaram e não abu- saram das circunislancitis favoi aveis. Entraram os padi es das outras ordens, a seara chegava para todos, mas o ciúme e as pai&ões dividii aui-os, e as lutas dos domini- 1 Lucena, Hktoria de S. Francisco Xavier^ liv. x, cap. xin. O apostolo das índias l ocommendava a isenríío dos iieg"M-ios seinilares para os religiosos atrás d'e]ies mo iom^im A metlei-se uo i^iuiido. 14 Digitized by Google 212 msmik DB PORTUGAL MÍM8M canos com os frandscanos e de ambos com os jesuítas envergonharam a igreja, e prejudicaram a todos no con- ceito dos naturaes. A avareza e o or<íiillio, péssimos conselheiros, acabaram ãv lhes l oubar as sympathias. O desejo de dominar e a tendência de mesclar enredos po- líticos com a acção religiosa tomaram-os suspeitosj e exa- gerado este erro pelas intrigas dos hoUandezes» os prín- cipes japonezes chegaram a persaadír-se de que á sombra das catecheses se urdia eíTectivamente um perifroso trnma para lhes alienar a íidehdatle dus ísulxlitus. A resistência dos christâos indígenas em Simabara acabou de os con- firmar n'esta apprehensão, e as perseguições mais cruéis cerraram os portos do Japão ao christianismo e aos eu- ropeus *. Este revez, duplamente funesto, foi obra do systema seguido pela companhia n aquellas partes e na China, systema fundado no prindpio odioso e pessoal de excluir quanto possível a cooperação cj^s outras ordens, e até a de Roma e do episcopado, como provaram a consulta, reunida em 1581 em Nangasaki pelo visitador Alex, mdi e • Valignani, e o directório dictado ás missões do Jai)ãu. Kessa consulta deddiu-se, que a concorrência de religio- sos estranhos ao grémio de Santo Ipacio serviria só de confiisão e de atrázo á nova igreja, e que a existência de bispos, que não saíssem do seio do instituto, longe de a auxiliar, poderia vir a ser causa de pertur!)ações e discór- dias. Fieis a estas máximas, cuidaram os padres sempre da iX)nversão dos japonezes, como de empreza exclusiva- mente sua» e com tanto zéio, que em i582 recenseava 1 Sobre os trabalhos dos jesuítas e outros religiosos nas miss5es consultc-se a Histoire Générale des Missions Catholique$ pelo bariSo de Uenrioiíy tom. i, AmimmeiU, e tom. n. Digitized by Google DOS SÉCULOS xvn E xvin 213 aquella cliristandade sett i * ntas mil almas com mais de Mia»» cincoenta casas, muitas igrejas» ou capellas e dois seminá- rios. A embaixada catholica» enviada a Rom e composta de príncipes e de pessoas nobres, aportou ao Tejo em 1584, e causou a sensação, que a companhia se pi i )i)ozera suscitar, quando meditára esta demonstração de sua po- derosa influencia K No anno de 161 i calculava um escríptor nosso» que as cbrístandades de toda a Ihdía desde Sofala até ao Jap^o subiriam a dois milliões de almas, alem do grande liu- mero das que todos os dias acudiam á pia baptismal. En- tretanto já se notavam muitos abusos na conversão dos gentios» e até se apontavam quasi desprezos da fé. Offe- reciam-se prémios aos que abraçassem a lei de Chrísto, e não poucos, recebida a recompensa, renegavam logo,, mercadejando com a consciência. Forçavam-se outros» depois de presos injustamente» a baptisarem-se» e as apos- tasias puniam a violência. O estado ecclesiastico nas còr- tes de 1562, representando á rainba regente, D. Catha- rina de Áustria, pediu que não se tomasse a conceder o menor premio, como prego da conversão, que não se ca- ptivasse ninguém para o fazer christão á força» e que o baptismo se nlo administrasse» senão depois de instruídos os catechumenos nos artigos essenciaes da fé. No Achem dizia-se a missa de um modo indecente, e as ceremonias do culto ceiebravam-se com summa irreverência. Succe- dia o mesmo em varías fortalezas. Os jesuítas possuíam 1 Padre Francisco de Sonsa» Oriente Con^pntiado 1710, tom. u, eonquisL iv, § ^•-^Ardàvo Pittoreaeo, yd. y» 1862.— iVí«n«Va eaiMeada do Japão á Eunpa. — Breve compendio en que ee da euenta do eetado qtte tuoo la ig^esia wmertal dd Japon deede eus princípios haeta ol ano de frmto edeU» morarei que en dia hum. Digitized by Google HlStORlA 0£ KIATUGAL MiisSM em Salsete uma aldeia <<Assalaiiã», e castigavam n'ella com açoutes e outras penas os morafloros, homens e mu- lheres. Em Chorão e Baadará tinham passos por oíide os accasaTam de desencaminharem os direitos do fisco, che- gando a disparar a sua artílheria contra os navios da corôa^ que acossavam os contrabandistas. ImputaTam-lhes, alem d'isto, o excesso de fazerem sevastaes e foí aes de motu- proprio em Bandará e outras aldeias, e de haverem frau- dado o estado com falsas aVaiiaçõer^ na liquidação dos raadhlientos dos pagodes da província. A arrogância le- * vod um d*eUes ao arrojo de ameaçar o vice-ret, conde de Linhares, dizendo-lhe, qtie os governadores costumavam ' buscar os padres pai a ipie escrevessem hem d>lles para a côrte. Em Tutocurim promoveram uma assuada de mil gentios contra o capitão e o ouvidor, e apearam-os, su- blevando a terra« aftigentando os pescadores de aljofre, e tmtando o naíre de Madure, [)ara romper o seu contrato, e se apoderar da pescaria. Em Coulão oegociavam usuras no mercado da pimenta* e era Malaca, cinCeylãoe naC^liina ainda praticavam jieiores actos. O vice-rei, depois de tra- çar d'elles este retrato em ltía4, acrescentava, que, apesio* de tudo, no culto divino e na conversio dos infiéis todas as otitras religiões juntas nio obravam metade Osfradfs de Santo Agostinho, travados em vivns dissen- sões coui os da sociedade de Jesus, scFido coa^ndus pelo vice-rei a saírem com a procissão de Passos do coiiegio de Paulo, voltaram as iras contra elle, e cobríram-o de doestos 6 ultrages do alto dos púlpitos e na presença dos idolatras. Os jesuítas mostravam-se mais moderados 1 Couto, SoMml» PraUt», cKalog. pa^f. Í6D.— (?drto< de 190Sy Jfoniammiioê é» PrdadM,^lMr9 da$ numçO», it* f9, IL 79^.— GhrMiMl» 4» Itatoty/ iK» IS, pag. 70 1 71. « Digitized by Google DOS SÉCULOS XYII £ XYIII 215 até com os adversários. O escândalo de injuriar nos pnl- wm^m pitos as aiictoridades e os partícula! es eslava genera Usa- do, e os prelados, remissos em o estranharem, commet- tiam algumas vezes aos pregadores, seus súbditos» o desabafo da própria vingança^. O clero secular des- graçadamente nlo offerecia exemplos mais edificantes. Desde os fins do xvi século, e principalmente no xtii» t.iiiíd as jerarchias superiores, como as mais humildes, mereciam a nota de relaxação, que as feria, e o povo, já contaminado, acabava de se perder, seguindo tão maus guias espírituaes. Os clérigos de Goa e das províncias obrigavam os pobres a trabalhar sem salário na edifica- ção dás igrejas, espancavam as creanças para as força- rem a ouvir a doutrina, fechavam por capricho o accesso das es( ulas publicas, prohihiam aos conversos abraça- . rem a vida religiosa, e vedavam ao clero indígena a ad- ministração dos sacramentos, a confissão e a predica, ha- vendo extrema falta de sacerdotes. Mas estas culpas eram ainda veniaes, comparadas com as de negar a conmiunhlo aos christãos das castas baixas mesnio no leito da mor- te, de baptisnr os catechunieuos sem instrucçâo religiosa, de negar a sepultura aos pobres quando não podiam os parentes pagar o funeral, de promover falsas conversões com violências, e de consentir nos templos ceremonias e abusões gentílicas '1 1 Livro dat monçikês i9, fl. Gftftmúla de Tissuarff, 1866, n.» 11, pag. 310. * Histoire du Schisme Portugais dans les Indes^ par mr. dc Bus- sierre. Paris, 1854. O aiiclor cila o Hrrvp dc Ahwondrc VJlj datado de 1658, breve que se refere daramenle a íaclos muito anteriores. Digitized by Google i Digitized by Google CAPITULO m INSmUGÇÃO PmiGA ImpoUfSo iojosta do atmo mtellectual do reino ao gOTerno hespanhol. — O oiamo qiasí esdosíTaiiuiite eeeleiiastíco. Igiioraocia.>-A nnivcnidade de LUMa. Os reinados de D. Ifanod edeD. Jo3o Ilí. Transferencia dos estados para Coimbra. Lentes iiaoiDoaes c estrangeiro?.— A ordem do S. Domingos. Esplendor da univer- sidade rclVjniKida. — A companhia de Jesus em Portugal. Opposiçâo contra elia. Favores da curte. InvasSo dos estudos pela sociedade. — As universidades deCoim* bn e de Ema no século xvi e na iwioieín metade do xvn. FacnldadM e cadeiras. Regras disciplinan s. — Estado d2 iostracçio. Freqaoneia das anlas. índole do en- sino. Efleítoe da inflaencia jesuítica. A declinação das sciencias e das letras na primeira me- tade do século XVII foi attribuida a um plano do goverao bespanbol, calculado para embrutecer o povo» perver- tendo o gosto, e envolvendo insensivelmente o paiz na mais profunda obscuridade. Esta accusação pecca, alem de exagerada, por injusta. A corte de Madrid desejava por certo reduzir o reino ás condições de suas outras pro- vindas» mas nlo Ibe oçcorreu conspirar para issp contra a intelligencia, viciando de propósito deliberado os me- thodos de ensino. Os Filippes não são réus de todos os attentados, que lhes imputou o resentimento nacional. A decadência datava dos fins do reinado de D. João III» ai^entára nos annos da minorídade e do governo de m HISTOBIA DE PORTUGAL lusirucçào D. Sebastião, e nos dias do rei catliolico acabou (!<' se publica (^^facteiisar com mais vigor. As causas, que inlUiiiain para amortecer o esplendor da epocha de D. Manuel, e dos primeiros annos do reinado de seu filho, não depen- dia da vontade dos monarchas castelhanos atallia-las, ou vence-las. Eram mais íoí tes do que ella, e derívavam-se dâ acção combinada das instituições, dos costumes, e de uma profunda alteração no caracter nacional. O marquez de Pombal no seu odio implacável á com- panhia de Jesus, lancando-lhe as culpas do atrazo e da immobilidade dos estudos, e accusando-a de haver sys- teiiiaticamente convertido a instrucção em instrumento de fms particulares, approximou-se mais da verdade, postoque errasse em muitos de seus juízos apaixonados. O exame imparcial dos factos, sem aiictorísar em toda a extensão as censuras do ministro. iiHo ])óde absolver a ambiciosa sociedade de uma i)ai te notável nos males, que determinaram a declinação. A direcção exclusiva, pes- soal e retrograda dada nas aulas de scíencias e de hu- manidades ao es|»irito das novas gerações, concorreu muito para accelerar a ruina. A companhia desde que se apoderou do ensino, na idêa de supprimir todas as com- petências e emulações, e de fechar os caminhos a todas as novidades, quasi que impoz o sen veto aos progressos, combatendo e perseguindo como suspeitos, e até como perigosos os homens, que não se l onlormavam com as suas doutrinas. Se engenhos applaudidos ennobreceram os tempos de D. Sebastião, se momentos antes da catas- trophe de Alcácer o formoso astro de Gamões fíilgurou ilhnnin indo tudo, íinahnente, se as letras e as artes, mes- mo nos sessenta annos dei oi-ridos desde io80 até 4G40, ainda contaram cultores distinctos, é porque o impulso antes de inteiramente paralysado continuou a animar por Digitized by Google U9 algum tempo ainda os talentos privilegiados. Quando esta insuscç** força acabou de se perder na distancia, veiu a apathia, e após ellâ a tristeza, precursora sabida do stíicidid moral D. Jo9o III, tao elogiado pela reforma da tinlVersidade, colheu apenas no essencial os fructos amadurecidos em etiuclias mais felizes, o foi ;i >u;i inâo, guiadn {>olo fi*ti?1- tismo, a (jue auimllou pouco depois o movimento iniciado com tanto ardor nos Uns do século xv, o no começo do XVI, suffocando-o com as mordaças da inquisição e da iii* tolerância, mais artificiosa, porém não menos destruidora do monopólio do ensino entregue aos jesuitas. Os s.il)ios e os poi^la^, que ílorcsceram em seus dias p nos de D. Sebastião, educados e instruidos na escola de D. João II e de D. Manuel, representavam as idéas e as tradições d^aquelie período fecundo em Varões e feitos illustres. Os que tinham nascido logo depois ainda se adia- vam hasiautc próximos d'el!e lambem para aproveitarem a sua influencia. A renascença litleraria crnzou-sc entre nós com a unidade moparchica, e o predomiuio d esta abafou quasi no berço o que principiava a despotitar de vivo, de espontâneo e de originai nas manifestações ídtellectuaes. O iivel do poder absoluto, i)as$ando>lhe por cima» arrasou todas as eminências. No meiado do século xvi a vicíoria da auctoridade real era completa, e nenhuma lesisleií- cia podia já contraria-la, tendo por si os exemplos da Europa e a acção constante dos factos. D. Sebastião^ ar* rastando o paiz a uma empreza louca, e sepultando seus destinos em uma derrota, mostrou o que valia o governo pessoal. a sorte dos estados pende da vontade despótica do priricipe, e todas as responsal>ilitlades se accumulam sobre uma só cabeça, o infortúnio pôde de*" morar-se» mas nunca deixa de castigar o orgulho dos que mandam^ e a abdicação servil dos que obedecem^ AHes* Digrtizeij Ly <jOOgIe * 220 HISTOBIA D£ POBTUGAL instracçio panha de Carlos V humilhada pelos desacertos de OUvares publica g Fihppe iV, e a França de Luiz XIY aviltada aos pés . da Dubarry são provas evidentes d'esta verdade. A instmcção, ou, mais exacto, o desenvolvimento in- telleclii;i[, retratando com fidelidade as idéas, os senti- mentos e as crenças dos povos, traduz sempre o seu verdadeiro estado. Muito antes das grandes revoiuçôes tomarem corpo e sacudirem as columnas do passado» o livro e a palavra denunciam o fogo encoberto, e para os quesafieni ver, dao o j)riineiro rebate da tempestade, que se aviziíilia. As declamações eloqueides de Rousseau, as linas ironias de Voltaire, e a cruzada dos encyclopedistas serviram de prologo á transformação de 1789. No sé- culo XVI quem observasse attentamentc a direcção seguida nas escolas, a indole do ensino e as tendências dos escri- plos puhlicados, não precisaria de grande esforço para ler nas ultimas paginas do reinado de D. João 111 e nas da re- gência de D. Catbarina de Áustria e doGardeal D. Henrique os desvios e desastres de D. Sebastião, e a morte da in- dependência, íiulaiido, que do velho Portuijal só parecia viver o nome, e que até a esperança, escondendo o rosto, fiigia d'eUe. A corrupção das letras acompanhava a cor- rupção da sociedade, e quando soou a hora das prova- ções, não existia um só elemento, que não estivesse con- jurado para lhe precipitar a quéda. Exphcando as causas desta decadência, mais significativa, se é possível, do que tòdas as outras, como rasão do enfraquecimento do reino, não nos havemos de apartar dos principies obser- vados nas diversas partes d'este quadro. Para avivar a verdadeira physionomia das cousas bastai á copiarmos do natural as suas principaes feijões. Na idade media pôde dizer-se, que a instrucção íôra quasi }oda ecclesiastica. As cathedraes e os mosteiros ali- Digitized by Google BOS SÉCULOS xm £ xvui m mentavain os estudos, a que só concorriam os que se de- iMtrQcçíD dicavam á vida sacerdotal, e, por excepção, um ou outro secular votado á cultura das letras. A ignorância constitoia a regra geral mesmo na classe do clero. Em 1387 o arce- bispo de Braga era obrigado a declarar condição expressa lia confirmação da igreja de Ferreiros, que o parodio sou- besse ler, cousa que não se reputava commum, porque em iâ67 em uma escriptura do mosteiro de Villa do Bispo, figurando entre as testemunhas quatro cónegos e um capellão, o prior assevera ler lavrado por seu punho o documento por neiíiium dos outros estar em circum- staacias de o lazer. Nos dias de D. João 1 a nobreza an- dava ainda tio afastada dos livros, que Duarte Nunes cita na sua chroníca a Martim Monso, cavalleiro muito es- forçado e acceito a el-rei, porque, fora do costume e ru- dez.i dos fidalgos »lo seu tempo, compozera um tratado sobr e a discipliua militar. O casamento do Mestre de A\iz com D. Filippa de Lencastre, as relações mais activas da nossa corte com a ingleza, e communicações mais ani- madas entre as pessoas doutas, modificaram dentro de alguns anu os (^ste atrazo, abrindo á luz já viva dos pro- gressos entrada menos difficil*. Foi D. Diniz o fundador da universidade, ou das escolas de Lisboa, depois transferidas para Coimbra, aonde mes- tres chamados de outros reinos principiai am a ensinai' a graramatica, as leis, os cânones e a medicina, apren- dendo os estudantes a theologia nas aulas dos conventos de S. Francisco e de S. Domingos. Monso IV protegeu os estudos, e D. Fernando restítuíu-os a Lisboa na idéa de vencer as repugnancias dos professores estrangeiros a t Duarte Nunes, Chromea de M^BH D, hão de ghnota memona, o prmekro d^etíe nome, cap. xcvl Digitized by Google m «mau PB fOfmmAL insirufíao lí>ccionar na capital da Beira. D. João J encorporou na ^^'^ Uiiiveriidade a faculdjide de tbeologia, e o infante D. Hen- rique doou^lhe em I43i casas espaçosas e apropriadas, com uma consignarão annual de doze niaivos de prata, tirada dos dízimos da ordem de Cliristo para salai io do Jente de prima de tbeologia, subsidiando igualmente a instituição das novas cadeiras de phiiosopbia» e também - talvee a creaçSo da .cadeira de arimetbica, geometria e astrdnomia. Estes actos inculcam por parte dos sobera- nos e (lus príncipes sincerus desejos de promoverem o me- Uioramento inteiiectual. Entrelaiilo, se^aindo se depie- hende de uma informação do infante i>. Pedro acerca do estado do reino, a universidade Já carecia de reforma, e o duque de Coimbra entre os meios de a realisar pro- punha a fundação de dois colleglos no seio d*ella, de cur- sos pelo menos de dolsannos para a concessão dos graus, e a adopc^io dos metiiodos e disciplinas adoptados nas es- colas de l^aris. O «regimento do estudo de Lisboa», da- tado de de julho de 1471, tão curioso em suas dispo- sições, significaria a annuencia de Âifonso Y a alguns dos alvitres expostos por seu tio a El-Rei D. Duarte? A deca- dência da unlversi<la(le continuou, comtiido, até ao anno de 1480,0 que não era para espantar, estando disti aliidos osanimoscom as inquietações das guerras de Africa e de Hespanha, e achando-se os bons professores desviados da regência das cadeiras pela escassez de prémios e peta ín- sullioiencia dos ordenados 1 Leitão Ferreira, CJu-onoloyiais da Universidade de Coim- bra, anno 1 13!, n.«»« 616 c 617, anno 1309, n/* 206. -- Ctnaculo, 3^^- morias do tidpito, pari. iii, appendice. ? 12. — Dissprtaçôes Chrono' ?or//ms por Jo3o Pedro Ribeiro, loiu. í, npix iidice, })ag. 380, c tom. lí, appfiidico, pag. a 267. — ^ííurlz, Pialogos de Varia Hisluna, dia- logo Y, cap. III. Digitized by Google DOA «eCULOS 3LVII E XVIII M Apesar d'i8so a erudição de alguns vultos notáveis da epocli;i. M' não desmenle as noticias dos chronistas, nÍo justilica ijor certo a censui^a do compit3l<i obscuridade. Para o provar oão seda preciso mais do que apoatannos o nome dos monardias e dos homens eminentes» que U* lastraram este período. Mas o tempo, em que as boas ■ artes lloresau-am mais, Ibi seguramente o rciiiadu de D. Manuel. Na erudição sagrada e proíana, na jurispru- dência, na medicina» na mathematica, na hi&toria, na poe^ sía e 00 theatro, em todos os ramos dos conhecimentos humanos, emíim, appareceram varões insignes, que, hmn- hreando com os sábios dos paizes adiantados, lionraiam o nome da pequena nação occidentai. O rei não íavorecia as letras só por ostentação^ presuiva-as como um dos ilo- i^s da sua gloria. Apenas sufaiii ao throno dedicou logo os prím^ros cuidados á reforma da universidade que existia ein Lisboa desde o governo de D. Fernando. Con- struiu novas escolas, aonde se ie;isem as artes e as scien* cias, e melhorou os estatutos, ereando as cadeiras de ves- pora de theologia e de philosophia moral em 1503, e no anno de 1518 as de astronomia e de sexto das decretaes, e augmentando os ordenados e vantaí^^cns dos professores. Ao mesmo tempo estimulava a arte typographica, convi- dando o ailemâo Joio Crombenger, e privilegiando em 150B os impressores estabelecidos no reino com as im* munidades concedidas aos cavalleiros da sua casa, uma vez (|ue provassem não serem muuios, judeus, ou sus- peitos de heresia K « * Notichf! Chronologicas da Universidade de Coiinbrat anno 1518^ n." 983. — Mariz, Diálogos de Varia Historia, dialog. v, cap. in. — Estai tttos de El^Sei D, Mmmá ftj, eópia peitoftoeiíte m «fohive da HISTORIA DB PORTUGAL ibitracfiQ D. Mo m propoz-se trílbar a mesma estrada, e de feito raostrou-se digno iniilador (lo:> exemplos de seu pae na reforma da academia, cujo plano inicial riscou desas- sombrado e com largueza. Seria este o monumento único talvez do sen goyemo, se algans anoos depois» cedendo ás influencias e aos enredos claustraes, nlo pervertesse as idéas primitivas e generosas para acanhar a nova or- ganisação, imiiiolando o presente e o porvir ás exigências da ambição monacal.  conquista do Oriente tornara Lis- boa uma cidade tão rica e agitada, que não parecia fácil conciliar com o seu ruido e movimento a quietação exi- gida pela reflexão do estudo. Entendeu El-Rei, por isso, que devia mudar outra vez para Coimbra a academia, e para a elevar ao grau de aperfeiçoamento, que tinha imaginado, chamou de França» dé Itália, de AUemanha, de Flandres e de Hespanba os mestres mais conceitua- dos, não se poupando a diligencias e despezas. O primeiro curso de artes foi lido por Diogo de Gouveia, Luiz Alva- res Cabral, Nicolau Grouchy, e o dr. Bordalo. Para o en* sino das linguas latina, grega e hebraica veiu de Paris um collegio inteiro composto de André de Gouveia, princi- pal, de João da Costa, sub-principal, do dr. Fabrício, muito versado na erudição heiienica, e do dr. Rozerto igualmente louvado na hebraica. Jorge Bucbanan, Diogo de Teive, mestre Guillaume, mestre Patrício, irmão de Bucbanan, Arnaud Fabrice, mestre Ellie, mestre Gonçalo, mestre Pedro Hí^iriques, mestre Antonio Mendes, mestre Jacques» e mestre Manuel Tbomás regiam as onze clas- ses, em que se dividia o ensino das humanidades. A ca- deira de rfaetorica pertenceu a mestre João Fernandes, que a professava em Salamanca e Alcalá. A estes lentes succederam outros não menos doutos, também de Paris. Citaremos apenas entre os muitos nomes os do dr. Lopo Digitized by Gopgle DOS SÉCULOS XTIl E XTIII ti5 - (iallego, de Jgnacio de Moraes, de Belchior Beiliago, de iM^humin Ândré de Rez^de, de Gayado e de I^icolâu Cieonard K Na faculdade de medicíDa convocou EI-^Rei o dr. Hen<' rique Coellar para a cadeira de prima, e o ioslgne Thomas Rodrigues pai a a fie véspera. Os drs. Franco e íaiíz Grego explicaram Avicena e Galieno, e o dr. Pedro Nunes ma- thematicas. £m cânones as cadeiras contaram varões igual- mente notáveis, conservando-se ainda a memoria de pro- fessores t^o illustres como Âspicuelta Navarro, Luz de Alarcão, e Peruchio Moigovejo. Em jurisprudência civil honrou a aula de prima Gonçalo Vaz Pinto, e a de véspera Antonio Soares, substituídos, quando passaram ao trilm- nal do desembargo do paço, pelos drs. Fabio e Ascanio. Por ultimo a faculdade de theologia, não menos ennòbre- <áda pela reputação dos lentes, podia apontar com orgulho para os drs. Navarro Ledesma, Marcos Romeu, e Monção, elogiados por seu vasto saber na Sorbuiia de Paris e na universidade de Alcala. No principio as escolas de theo- logia, de artes e de humanidades aújriram-se no mosteiro de Santa Cruz, e as das outras sciendas nas casas de D. Garcia de Almeida à porta de Balcouce, d'onde foram transferidas para os Paços d'El-Rei. Por fim, D. João III, (X)nvenci(lo, de que mesmo os paços não oíiereciamespaçx) suâiciente, mandou ediiicar o coUegio da rua da Sophia, e começaram n'elle em 1548 os exercícios académicos. O soberano ainda não contente com este vigoroso impulso, dotou vários collegios para estudantes, e destinou ás des- pezas da academia, alem dos bens que ella já possuia, os rendimentos das igrejas vagas pela morte do iníãnte D. Fer- nando, e, extinguindo o priorado mòr de Santa Cruz, 1 Noticias ChronoloQicm da Universidade de Coimbra, anno io37, 1100, %riz. Dialog. cap. ui. Digitized by Google US HISTORIA DB POBTOOAL o sDCorporoa a maioi' pai te de suas 1 6nda$ na dotaçio dos estudos» nomeando cancellaho vitalício o prior conven- tual do mosteiro Entre as ordens religiosas, (]ue mais coadjuvaram o en- sino, cumpre indicarmos a de S. Domingos pela illustra- ção de muitos mestres, e pr io zèlo coiu que todos se appli- canm ao serviço litterario.£i-Rei D. Manuel tinbafiindado um coUegk) com duas li^s semanaes de theologia, e oma de artes e de philosoiíliia. D. João III 1 1 ansferiu-opara Coim- bra sob a invocação de S. Thomas. iSu convento de Lisboa as aíulas admittiam seculares, mas estes podiam estudar oom mais fiôlidade em Nossa Senhora da £scada, aonde dois lentes, subsidiados com iOCWKKX) réis de esmola, pa- gos pela rainha D. Gatharina de Au^ti i.i, sua instituidora, faziam duas prelecções publicas por semana. O fim da creação d'esta escola era acudir á instrucção dos clérigos pobres. Eml54Q, o definitorio da ordem, alargando o qua- dro das disciplinas nas aulas do convento de Lisboa, con- verteu-as em nina espécie de universidade. Km Santarém e Guimarães também havia estudos, mais resumidos, por- que se limitavam ao ensino da grammatica latina e da theologia moral'. D. João m, alem dos esforços emprega- dos para restaurar o lustre das sdencias, soccorreu tam- bém com liberalidade a \ ocação dos súbditos no estran- geiro, abonando-lhes pensões para frequentarem cursos em França e em Hespanha. Sabemos» que o feitor de Flan- dres em 1513 pagava quinze mizados annuaes ao bacha- i Noticius Chrondogicas da Universidade de Coimbra, n.° 1166 e seguintes, Mariz. Dialog. cap. iii. * Historia de S. Domingos^ part. i, liv. iii, cap. xl, e part. i, liv. vr, cap. XXXVI. O numero dos estudantes em Nossa Senhora da Escada era de 32. Pertenciam 12 ao arcebispado de Lisboa com 12)^000 réis por anno» e 20 eram admittidos livremente com 15t^000 réis aanuaes. Digitized by Google DOS fttCDLOS xvn E xim rei Fr. Diogo Nogueira para continuar em Paris o curso iD^tmcçio de theología, e que em 1648 el-rei dava trinta cruzados {xn* anuo de esmola a Fr. Duarte para se sustentar na Sor- bona, faltando-lhe dois annos para o grau de iicencjadu t meios para as despezas dos actos. O grau de bacharel, mesmo em Portugal, custava umito caro, aiem de exigir cinco, ou sete annos de estudo. Os de doutcM* e de mes-, tre ainda requeriam maiores sacrifícios*. Da universidade transferida de Lisboa para Coimbra em 1537 foi primeiro reitor D. Garcia de Almeida, e to- das as noticias concordam, em que o período immediato á reforma fôra dos mais fecundos, tanto pela sabedoria dos mestres, inquestionavelmente os primeiros da epocha, como pela gravidade e disciplina das aulas. A ordenação de 44 de janeiro de 1539 sobi e os creados, bestas e trajos dos estudantes, e sobre as cousas que lhes ei aiii pioiíiliidas, mostra a vigilância com que o governo zelava a conser- vação dos costumes escolares^. O verdadeiro perigo, en- tretanto, dò douto estabelecimento, n3o consistia na sol- tura, ou no desregramento dos alumnos, facjl de conter c rcpruiiii . Uegciicrado sob a protecção do balo real, a ^ DUwria/çues Chromh(jíras,exiraiicU»áoeorpo chronologico. Ar- chi vo nacional. Coi-po cbronoiogi€0, pari i, maç. S0.Sn.<* egaTet 2.*, maç. 1.", u.« 21 '* D. Garcia foi nomeado por uma provisão datada de i de março de 4337, Historia Genealógica da Casa Real, tom. in, pag. 484. A !pí, ou ordenação dn irí39 (Leão, Compil., part. iv, til. xvi, lei, 17, íl. 4650) piuliihia iios vestidos dos eslndantes barras e debruns de pannos fiis;id(js. lianetes que não fossem redondos, e iiiaiidava que os pelules e aljubelas descessem ties dedos aljaixo dos joelhos. Prolíiltia ipiialniontp icrolpes o entretaJhos nas caíras, e náo consentia besta de sella senão aos que tivessem 200 cruzados de renda. No- nhuui estudante .podia trazer íóra de casa mais de um uioi^o, ou ereaáa 15. Digitized by Google HISTOMA DE PORTUGAL iMtmoçio mio que se eskendéra para o levantar» podia desvia-lo do bom caminho, annullando os bons resultados da reforma. I). J(íã«)III, mais do que devoto, e así?ásacanlia»lc)(h^ irilelli- gencia, não possuía as qualidades iiecessni ias para asse- gurar ao ensino superior e secundário a isenção indispen> sável» e á consciência dos mestres e discípulos a liberdade essencial ao desenvolvimento das faculdades do espirito. Era de receiar, por isso, que, seduzido por falsas appa- rencias, e incapaz de discernir a verdade do sophisma, cedesse a vãos escrúpulos» e demolisse por um lado o que estava edificando pelo outro. Foi o que succedeu. Illaqueaílo pelas supplicas dos claustros, e deslumbrado pela adiiiiiaçâo das vu tiides e letra.^ dos discípulos de Ignacio de Loyola, que acabavam dr entrar no reino, não soube resistir-lhes» e a universidade foi sacrificada. A companhia de Jesus já começava então a alongar os braços, cora que depois cingiu dois mundos. Approvada pelo papa em 1540, e confirmado o seu estatuto em 1543, não foi semdiílicuidade, que adiantou os primeiros passos. Carlos V sempre se mostrou desconfiado d*ella» e m^mo» em Roma, não eram poucos, nem obscuros os inimigos, (fne a hostilisavam. Em Portugal lambem encontrou forte ( ^ [ 1 * isição, e entre os mais decididos adversários de\ eiuos apontar o cardeal infante D. Henrique, dep< »i< seu dedicado " defensor. Quando el-rei propoz em lo40 em Ahneirim se conviria mandar para a índia, como missionários, os qua- tro jesuítas, que frequentavam o paço, ou conserva-los no paiz, o inquisidor íievA voiort pela prompta saída dos pa- dres, ajuntando que existiam no reino muitas ordens re- ligiosas e muitos pregadores» ao passo que as gentilídades remotas careciam de padres, que as doutrinassem. Mas a idêa de introduzir os novos religiosos tinha-se apoderado do animo de D. João III. (lonliei ía-os austeros, soffredo- Digitized by Google DOS SÉCULOS XVII E XVUI 889 res e entbusiastas, e por isso via n^elles os homens mais iMtmc^ aptos para o amiliarem na empreza de extirpar as liere- sias e o judaísmo. D. Galhariiia de Áustria, sua jmilher, aífeclava igiiaes sentimentos, porém na realidade só se decidiu sinceramente, depois de ouvir a Francisco de Borja, daque de Gandia. Quem desde logo se declarou «. protector estrénuo da sociedade foi o infante D. Luiz, não cessando de applaudir ri^ella a imitadora dos apóstolos, e de citar coru admirarão os varões illusires, que haviam deliado o mundo e as maiores espei aoças para confun- direm o orgulho com o espectáculo da sua pobreza, pe- nitencia e humildade'. O conde da Castanheira, valido de el-rei, os íidalgos da casa de Mascarenhas, tão extensa e ramificada, e D. João de Lencastre, neto de D. João II, com alguns senhores in- fluentes, defendiam a causa dos discípulos de Santo Igna- cio. Não admira, portanto, que a opinião dos que deseja- vam a peniianencia dos padres prevalecesse, e que fosse necessária a intervenção de D. Pedro Mascai enlias para o mestre Francisco Xavier passar ao oriente, ficando Simão Rodrigues no reino incumbido da fundação de um coUe- gio. Segniu-se em 4544 a doação do mosteiro de Gar- quere, a tres le^íuas ilr Lamego, e a creação do collegio de Lisboa no mosteiro de Santo Antão, o velho, princi- piando a companhia a crescer em rendas e valimento á sombra da affeição dos soberanos e dos ministros por modo tal, que nas côrtes de 4862 o braço do povo, re- trataado-a sem favor, a accusou de cubiçosa pelo muito * Ranke, Historia do PuntifiauUt noa SectUos xvi c xvii, liv. ii, § 4." — Baltliíizar Telles, Chronica da Companhia de Jesus na Pro- vincia de Poiiugaljt liv. i, cap. x, pag. 49, n." 5, 8, 9, e i, cap. x e XL Digitized by Gov.*v.i^ 130 HISTORIA DE POETUGAL inttmcçio quB possilia 6 quo pedia, aconselhando á rainha regente, que obrigasse os padres a viverem de esmolas por não convir ão interesse publico a continuação dos abusos, que todos presenceavam. O estado do povo até não hesitou em propor, que a corôa lhes sequestrasse as rendas e as propriedades ^ As relucLancias do cardeal iníaute c do outras pessoas ' poderosas íiiiavam-se na resi stencia» que os jesuitas acha- ram em toda a Europa, quando se constituíram. À orga- nisa^ do instituto, calculada com grande acerto para obter os resultados, que o fundador e seus successores se tinham proposto, excitou as suspeitas e apprehensões de muitos homens notáveis pela doutrina, ou pela agudeza do juizo. Para estes o presente não encobria o futuro, e as ostentações de austeridade não disfarçavam a ambição inquieta e dominadora, que annos depois veiu a ser a feição característica da sociedade. Melchior Cano, em - 1545, D. João Martins Saliceo, arcebispo de Toledo, em 155:^, e Eustacluo de Bellai, bispo de Paris, em 1554, estranhavam aos jesuitas a usurpação dos direitos espiri- tuaes e a má vontade contra as universidades, e diziam, que a nova ordem viera para causar grandes males, per- turbando a paz tld iuivja, e destruindo em vez de edifi- car. O próprio Francisco d(í Jíorja, seu terceiro ^^eral, previa já em 1 560, que, preoccupada com o estudo daà scieneias, ella havia de esquecer o exercício das virtudes, e que inspirada pela amlnção, havia de deixar-se arrastar pelo orgulho. «Se os olhos de nossos irmãos (acrescen- tava), se voltarem para as riquezas e para as grandes allian- 1 Balthaxar Telles, Ckrtmica da Companhia de Jesus, liv. i, cap. xxziv.— D. Háimél de Menezes, Chnmka de JEI-Aát D, SÊèaaUSo, pari I, cap. cm, pag. 278w Digitized by Google DOS smuos ivn b xvni çaSy fazendo caso de mais das conveniências mundanas, instrucçãn possuirão a abundância dos bens terrestres, mas ficarSo ^"^^^ privados de todas as.qualidades solidas» Na universidade de Coimbra as pessoas seculares e religiosas, deplorando a facilidade, com q«e el-rei abria as portas do reino e das aulas a homens novos e desco- nhecidos, perguntavam, que segredo tinham elies para atr trahirem com invenções e biocos os melhores estudantes» despovoando as escolas da gente nobre e e8colhida.|Obser- vavam, que os moços mais turbulentos, tratados pelos je- suítas, mudavam logo de condição, toi n indo-se brandos, modestos, e como que alienados dos bcníinientos, e attri- buiam esta repentina transformação a artilicios de «alum- bramento» e ás meditações, que os cfraocfainotes» (assim denominavam os padres), chamavam «exercidos», du- rante os quaes elles e os alumnos com ás portas e janellas cerradas no meio de contiimados extasis se entregavam a visões e aiTcljatanientos. Por ultimo, notavam os mais severos, que este methodo só podia formar ailucinados para do seio das trevas da ignorância e com a mascara de falsos boatos propagarem embustes e heresias, semeando debaixo da capa de santidade perigosos erros. Estas of»- niões, em parte filhas da inveja, e em parte iiis^ii radas pela emulação, nâo careciam, comtudo, de inteiro íuada- mento^. O systema dos collegios da companhia firmava-se na pratica dos «exercidos» traçados por Jgnado de Loyola, * Orlandino, Historia da Companhia de Jesm, liv. viii n.°* 45 e 46. — Eiistacliio do Bellas. Censura sobre a Instituição e Bnlhis da Companhia de Jesns. Anuo de 15^4. — S. Francisco de Borja, Carta do mez de abril de lo60. * Balthazar Telles, Historia da Companhia de Je&us, liv. i, cap. xmy, n.«* 2 e 3, pag. 173. Digitized by Googlc 232 HISTORIA DB POBTDGAI^ iiwirucçào B O iim priucipai (l'elles era excitar a actividade iateraa da pabhca iQ(g||igg||0í encerrando-a ao mesmo tempo, e quasi agri- Ihoando-a dentro de um estreito circulo. Este systema nas- cera da experiência pessoal do anctor e dos seus progres- sos espirituaes até ao anuo de 1548, em que foi .ippi uvado pelo papa. Ignacio oppondo á torrente discursora, demons- trativa e polemica do protestantismo um metliodo em tado contrario, porque unia á contemplação instractiva e rápida o desenvolvimento independente dos sentimentos religiosos, n'este ponto procurava, como em iiiuitos ou- tros da sua regra, conciliar a espontaneidade das resolu- ções inmiediatas, e a exaltação interna com o principio da obediência passiva, base de todo o edificio. Não sui- cidava as individualidades para as subjugar, creava-lhes como que uma nova existência, e assim laudilicadas e soltas das outras relações da vida identiiicava com o in- stituto os que viviam n'eUei regendo uma só cabeça todos os movimentos, absorvendo todas as vontades, e repre- sentando todas forças A acção dos «exercícios» sobre a Índole e o es|)ii ito dos mais altivos e indómitos era na verdade prodigiosa. Um exemplo recente o havia attestado. Leão Henriques, dístincto por sangue e por letras, declamára com a ira própria do seu temperamente fogoso contra a profissão de Luiz Gonçalves da Camara, seduzido pelas exiiorlarões de Pedro Fabro em 1544, e soltara contra os jesuitas queixas apaixonadas e vehementes. Dois annos depois, em 1546, vestia elle também a roupeta, e castigava em 1 Ranke, Hitíoria do Pontificado nos Seeuhi m e xvn^ liv. u I 1.*'-^Regvla Saeêtdtíhmí, % 8.% iO.* li.«— Máriaona, DtMurso dê Um EwfemUdadot de Ui Companhia dê Jnm, cap. xi. — ConsHht- «toRet TI, I e VI, y. Digitized by Google DOS SKGULOS XfU E Xm 933 si mesmo a cólera, com que tlageilára o amigo e o condisci- instmcçio pulo. Facto mais singalar aindal Satisfeitos escrapulosa» ^^^^ mente os rigores do noviciado» nSo duvidou dar-se nas roas em espectáculo, em trajos de mendigo, pedindo es- mola. Fez mais. Patlecea som se alterar a affronta (1(3 uma hofetnr]:], quando nos tenipus j iassados comparava os próprios ímpetos á sanha do leâo numida asseteado pelos caçadores. Tríumphos tão súbitos, e transformações tHo rápidas no caracter de pessoas assim conhecidas causavam geral espanto, dilatando o império da companhia; e ro- deando-a de grandes sympathias; Não socegavaiiK porém, o> iiiiiiiigos. Alguns frades prégaram contra as mortiíica- ções publicas dos Jesuítas, outros espalharam papeis diffa- matorios, imputando á sociedade idéas de rebelliSo contra os decretos apostólicos, e dispararam todos os tiros con- tra Simão Rodrigues por ser o introductor do novo modo de vida, que tanto raaguava os mestres da universidade. O infante D. lienrique, aproveitando a occasião, mandou proceder a rigoroso inquérito, e encarregou o reitor de Ck»imbra, Fr. Diogo de Murça, de todas as indagações. ' A devassa saiu favorável aos jesuítas, e desde esse dia o inquisidor geral declarou-se um dos seus mais fervoro- sos protectores. Abrandaram as murmurações, foram pu- nidos alguns diiiamadores, e acabaram os sermões e os libelios. Esta Victoria alcançada em 1344, no momento * mais critico, patenteou á companhia os caminhos, que trilhou depois com o apoio da côrte, e com a adhesão das familias principaes A sociedade valeu-se com summa destreza das vanta- gens presentes para aplanar os caminhos do porvir. O * 1 Baitluizar Telles, Chronica da Companhia de Jesus, cap. cxx, liv. II e liv. 1, cap. xxxiv. Digitized by Google » BKfOiUk DE ramMAL iM4raoçio púlpito, as missões, o coníessionario, e o ensinu íoiam 08 elementos, de que lançou mão, e que arraigaraiu a soa iDflueDcia. Senhora do coraçio dos reis» dos minislros e dos conselheiros, inicioa a conquista do ftituro pela educação da mocidade, e D. João III, instramento dodl em suas' mãos, ajudou-a muitu, (iesviaíulo e removendo os obstáculos, que podiam eslorvar-lhe os passos. Simão Rodrigues, em 1542 obteve as casas, que tinham ser- vido de geraes â universidade e estabeleceu n'ellas o coHegio de lesus composto de dea sócios Desde este anno até ao de 1554 reinou emulação constante entre os padres e os lentes: mas D. João III em 1555 concedeu a Victoria ao instituto, mandando pela carta regia de 10 de setembro, que a direcção do coUegio das artes lhes fosse entregue no 1 de outubro com toda a mobília, pratas, e accessoríos. r«oube ao dr. Diogo de Teíve a execução da ordem, prologo das providencias meditadas para assegu- rar o i)redamiiiio dos jesuítas. Dois annos depois, em 4557, uma provisão real, desprezando as representações da umveraidade, isentou o coilegio das« escolas menores da juri8dic$3o do reitor, e em it{64 e 1505 D. Sebas- ^ tião, confirmando e ampliando esta mercê, desacatava as attribuições e o decoro das auctoridades superiores da Academia. Os padres uào coutenles ainda com estas graças excessivas conseguiram pelo .alvará de â de ja- neiro de 156% que aos seus religiosos examinados do coUegio de Coimbra se conferissem os graus sem obri- gação de juramento e ^fi'atuitamente, e no caso de lhes não serem ( oníV-ndos ordenava, (|ue fossem lidos [>ara todos os eOeitos como graduados. Outro alvará, datado de 13 de agosto de 1561, prescreveu, que nenhum estu- 1 Vide OB anctores citados. Digitized by I DOS mooum xm k xvni s» dante passasse a ouvir caaones, oa leis» sem apresentar iuítmiíq €6rtid3k> do collegio das artes, e em 5 de aetrâbro do mesmo amio uma carta regfia encorporou o collegio na universidade, delermiaaudu (iuc o seu conservador o fosse tamhem das escolas menores. Por ultimo, em 31 de março de Í5d8, uma provisão determinou, queosindivi-* duos expulsos da companhia não podessem ser^designa^* dos para eiaminadores dos bacharéis, ou dos licenceados, nem entrassem nos actos públicos, ou concorressem ás cadeiras. Os effeitos d'estas concessões exorbitantes não se demoraram. A academia foi invadida pela sociedade de Jesus, os ignorantes sairam preferidos aos alumnos demérito, os jesuítas, senhores dos exames preparatórios» iipuderarani-sc das chaves, que alti iam as portais do en- sino superior, e os lentes e professores adversos ao in- stituto, quer estrangeiros, quer nacionaes, notados de he- resia, ou de pouco firmes na fé, tiveram de inclinar a cabeça, receiosos de que a perseguição se tomasse mais severa K ■ Tres jesuítas, intimamente ligados, como a vigorosa constituição da companhia sabia uni-los, dominavam o anUno de D. Gatharina de Áustria, do cardeal infanie D. Henrique, e de el-rei D. Sebastião. Eram os confesso- res dos tres príncipes, os padres Miffuel de Torres, Leão Henriques, e Luiz Gonçalves da Gamara. Não admira, ^e * auiiliados por elles seus irmãos avassallasam Coimbra. Em 15$B o cardeal D. Henrique dera mais um passo de- cisivo em favor d'elles, impetrando de Uonia a creação de uma universidade em Évora, dirigida por mestres e superiores da companhia. A bulia de 18 de setembro 1 Deduogão Chixmolo^ica, par 1. 1, div. xi, §1 58.«, 60.°, SS.», 99.« eiOO. Digitized by Google 236 HISTOBIA DE POBTOGAL Tostracçio d'aquelle anno auctoiisou a Amdação da nova academia, emula de Coimbra no ensino de todas as disciplinas, me- nos as sciendas medicas e o direito civil, e revestida do direito de conferir os í?raus de bacharel, de licenceado, de mestre e de doutor, com as cerenionias e pompas usuaes. Outra bulia de i3 de abril de 1559 dotou a uni- versidade eborense com os mais largos privilégios e mu* niu-a de amplíssimos poderes. O infante destinára gros- sas rendas para a sua sustentação, e foimára os quadros das íaculdades e das classes com grande osteutação. Qua- tro lentes regiam as cadeiras de theologia escolástica e de escríptura sagrada. O curso de artes contava quatro pro- fessores, o de rhetorícadois, o de humanidades dois, e o de irramuiatica quatro. O cancellario devia ser doutorado em theologia. O governo das escolas e a superintendência das artes e das aulas inferiores pertenciam a um prelado, que se intitulava prefeito. D. Sebastião pela sua provisão de iS62 concedeu a esta academia os mesmos privilégios, que desfructava a de Coimbra. Um cullegio, cujo reitor também o era da universidade, foi creado com as rendas necessárias para educar cincoenta alumnos com cem cru- zados de pensão annual cada um. Âlem d'este estabele- cimento teve ainda a universidade um hospital para o tratamento dos estudantes enfermos *. O desastre de Alcácer e a occupaçâo do reino pelas tropas de Filippo II foram lances dolorosos para o paiz e para os estudos. A companhia de Jesus bavía-se decla- rado pelo rei catholico, segura de que elle contava por sua pai te a força. Victuriosas as aimas hespanholas, co- lheu os iiuctos da adbesão. Ires magistrados, grandes í B iltli i/ar Telles, Chronka da Companhia de Jesus. imií. lí, liv. V, cãp. XIX, xxui, XXIV e xxv. Digitized by Google DOS SÉCULOS XYn B X?IU 937 devotos do instituto, a coadjuvaram com ardor. Pedro instmeçio Barbosa, jurisconsulto insigue» elevado por D. Filippe do '^'^^ tribunal do desembargo do paço aos cargos importantes lio conselho de Porlngal na côrte de Madrid e de chan- ceiler mór; Paulo AUonso, também desembargador do paço, commissario nomeado para votar na conferenda presidida pelo cardeal Alberto para a reforma da univer- dade e para a nova compilação das Ordenações, e Antonio Pinto, desembarí?ador aggravista e secretario da embai- xada de Lourenço Pires de Távora em Roma. Os jesuitas» auxiliados por homens na realidade distinctos e influen- tes, usaram e abusaram das cúrcnmstancias. Os lentes e professores, que se lhes tinham mostradojhostis, depressa se arrependeram. Perseguidos muitos d'eUes, por moti- vos políticos desterrados, presos ou fugidos da pátria ou- troSy expiaram todos cruelmente a sua opposição. Não satisfeitos com o silencio e com a obediência, obtiveram entrada no animo do visitador e reformador Manuel de Quadros, incuml)ido em 1583 de formar um novo corpo de leis para a universidade, e não foram de certo indiíTe- • * r^tes á escolha de D. Fernando Martins Mascarenhas para o logar de reitor, nem ao trabalho clandestino dos estatutos forjados pelo lente de prima Antonio Vaz Ca- baço, do aceordo com elle, trabalho revisto em Madrid pelo bispo capeilão mór D. Jorge de Athaide, e pelos drs. Pedro Barbosa e Antonio Pinto. Estes estatutos,* publicados em i592, pouco tempo vigoraram. Em 1597, cinco annos depois, é que o governo decretou o código universitário que, permaneceu em execução, com leves alierações até á refonna do século xvm. I Nos escriptos da epocha do marquez de Pombal attri- bue-se a promulgado d'eUe aosmanejos da sociedade de Jesus, protegida por Barbosa, Pinto, Ruy Lopes da Veiga, Digitized by Google m HISTORIA DK PORIUGAL * iMtra«ç«o pelo i'eitor AfTonso Furtado de Mendonça, e pelo [ladie pabikn pi-gmcisco Soares Granatense^ Jeote de prima da cadeira da theologia^ e acrescenU^se» que os estatutos de 4592 ttnharn sido suspensos a requerimento dos padres da companhia, queixosos por elles diminuíram as isenções do collegio das aites Estes estatutos, examinados com imparcialidade, se Dio confirmam plenamente as accusa0es dos reformado- res do secolo xviii» reyelam, todavia, em varias partes o cunho das idéas e tendencfas conhecidas da companhia de Jesus. Os ordenados dos lentes diversiflcavani segundo as faculdades e as cadeiras. A iiiais remunerada era de prima de leis com 300-^000 réis, seguia-se a de prima de theologia com ^OtOOO réis, e a de prima de cânones com 23(MIO0O réis. Em medicina os l^tes de prima, de ▼espera, e de Avicwia eram obrigados a vi^tar o hospital, conno clinicos. quatro mezes no anno cada um, desde as seií' lioras c meia da manhã até ás oito e meia no inver- no, e desde as seis e meia até ás sete e meia no verão. Deviam correr todas as camas com os estudantes, dia- gnosticarem as doenças, e receitarem depois, recebendo 42ííJOOO réis annuaes por este serviço': O quadro das cadeiras era o seguinte; Em tlieoiogia: 1/ cadeira — Prima. Texto: explicação do Mestre das S$9Umça8, * Barbosa, Bihliatlieca hmitann , tom. ui, pag. S60 e íieguiiites. — Catalano da Universidade de Coimbra, pelo reilor Francisco Ctor- iieiro de Figueiredo, cap. xu — Compmdio Histórico doestado da Liuversidadc de Coimbra, pari. i, preludio ii e iir. 2 Estatutos da Universidade de 1597, tit. v. Das cadeiras que ha de haver, e o que se ha de ler n'ellas, e o salário que téem. Digitized by Gopgle m «CVL08 xvn b xvin m á.» cadeira — Véspera. Texto :'explicação daa íPotIm de losuucçio S. Tkomás. P"*^ 3.* cadeirã— Terça. Texto : explica^ da Sagrada E9- criptura, líavia alem d esta^ uina cadeii a de noa e três cadr ii as menores em que se liam a& doutrioai de l>uraiulo, de S. Thomás e de Gabriel, e se explicavam oa textoa da Escríptnra antiga e do Novo Testamento. Em cânones o curso abrangia cinco cadeiras e duas ca- tliednllKiN ou cadeiras menores: 1.^ cadeira — Prima. Texto: Decrotaes, â.^ cadeira— Veepero. Texto: Deeretoêê. 3. * cadeira — Terça. Texto: DecreUus. i 4/ cadeira — Noa. Texto: Sexto das Decretaes, 5.* cadeira — Texto: ClemmUnas. 1. * e 2.* cathedriihas— Texto: Deêretaes. A faculdade de leis contava qaatro cadeiraa maiores • qQatro menores: 4. * cadeira — Prima. Texto: explicação do Injorciato. 2. * cadeira — Véspera. Texio: Digesto novo. 3. * cadeira — Noa. Texto: Tres Uvros do código. 4. * cadeira— Terça. Texto: DigeM velho. Em doas das cathedrílhas lia-se o Código, e nas outras duas as ínstiifitas. A faculdade de medicina tinha seis cadeiras: i ^ cadeira — Prima. Texto: Tegne de Qaleno e o hvro De locis affeetis nos primeiros tres arnios, no quarto os livros Dê morho et symptomate, no quinto os écàê livros De differentiis febriunij no sexto tres livros De simplicibus. 2.* cadeira — Véspera. Texto: Aphorimos de Hippo- eraiu, nono livro de Aknamor (pratica), os livros De raiione vktus, epidemias, et prognósticos. Esta cadeira formava um curso de cinco annos. Digitized by Google UISTOaiÀ 0E POftTUGAL iuiu-ui^v*» 3.* cadeiia — Noa. Toxlo: aiiatoniia e os livros de Ga- ****** leno De usum pariium. O lente, a par da explicação» de- via daoer dissecções particulares seis vezes no anno e ge- raes tres vezes, percebendo por cada dissecção particular mil reaes, e por cada uma das tres geraes dois mil. 4.* cadeira — Avicena. Curso de cinco annos. Nos pri- meiros a explicação versava sobre a Fen prima qmrti (anatomia e pbysiologia) do cânon medecitim (EUab el k<h ntnd p^4UM) e a quarta prind (febres), e nos dois ulti- mes sobre a secunda primi (matéria medica). Em duas cadeiras menores annexas ostudavam-se os livros De crisibus et diebus critim de Galeno em dois annos» e nos tres annos seguintes os livros De NaturaH- bus FaeultatihuSs de puletbus aã turtmee, e De inaquaH intempérie, e ao mesmo tempo os tratados De methodo medendi. De sangume emmione, e De tempcramentis et arte curativa» A cadeira de mathematica» tinstituida por ser uma scíencía importante ao bem commum dó reino, á nave- gação, e ao ornamento da universidade», era das menos * bem retribuídas. O lente vencia apenas cincoenta mil reaes por anno com as propinas de mestre em artes, e precedia os professores nlo regentes, embora fosse mais moderno. Havia também uma cadeira de musica com duas lições por dia, na ijiial si' *>nsiiiava cantochão, órgão, e coDtra-ponto. O proíessoi' recebia cjocoeuta mil reaes por anno^ 0 collegio das artes dividia-se em quatro cursos» go- vernados por quatro regentes. Ás cadeiras de latinidade competiam cem mil reaes de ordenado cada uma pui an- no, e ás de grego e do iiei>raicu sessenta mil. Os mestres 1 fifoimw dê 1897, tít T. Digitized by Google DOS SÉCULOS xni G XVUI Mi das doas aulas de primeiras letras venciam trinta mil Htttmcçio reaes cada ran por anno *. O provimento das cadeiras vagas podia ser por oppo- siçlo ou por nomeação regia. No primeiro caso mandava o reitor aíiixar editaes em latim nas portas das escolas, declarando o concurso aberto para as pessoas habilitadas nas caddras maiores por espaço de trinta dias, nas me* nores por espaço de vinte, e em algumas cathedrílhas só por dez dias, e piovia-as interinamente de substitutos idóneos. A segunda hypothese sò se realisava nas cadei- ras maiores» quando o prelado da universidade por ata- lhar subornos, ou por não haver oiq[iositores sufficientes» propunha a el-rei pessoa apta para as reger designada de entre os lentes, ou de entre oá ouvintes. A coròa, pon- deradas as rasões do reitor, conformava-se com a con- sulta, ou mandava proceder a concurso. EsLe lazia-se em lições com ponto tirado á sorte, assistindo todos os que tmham voto, e os reitores graduados dos collegíos. No fim de cada iiçUo argumentavam os oppositores, pagando cada um mil reaes por argumento. A votação fazia-se por listas, e tuniavam parte n'clla ,todos os estudantes nas cadeiras de theologia e de medicina, uma vez que tivessem frequentado o curso da faculdade, os bacharéis em artes» e os que haviam seguido os estudos para licen- ciados. Os doutores e licenciados nUo podiam votar nas cadeiras das faculdades em que craiii ^aaduados. As lis- tas deitavam-se dobradas em uma boceta, e decidia a maioria por cursos. O individuo prôferido prestava de- pois juramento e tomava posse. As aulas abriam-se no dia 2 de outubro, e encerravam-se no fim de julho. As li- ^s nas cadeiras de prima duravam hora e meia, e nas 1 Estatutos de 1597, tit vi e X. TOMO T 16 Digrtizeij Ly <jOOgIe iBàtacçMt, outra&uoia hora. Á saída os lentes ficavam á& portas dâs ^^"^ geraes para respondeFem ás duvidas dos almanos As regras disciplinares prescriptas nos estatutos eram severas. Os estudantes deviam mcn ai no alto da cidade, e para maior quietação não se consentia ás mulheres de flàá nota residirem da porta de Almedina para ciaa» úve* rememeasade neotium atomno, oa encooIraroHi-se com etteem kigar suspeito. Os estudanles flão podiamrusar de armas defensivas, ou offeosivas, de dia, ou de noile, tm aulaa ou lòra d'ellas, nem seus creados apparecerem arma- dos nas escolas. Deviam-se coaíessar quatro vezes por aimo. firam-Uies protâkiidos estolos de seda nos trajos,, a nSo ser BOS ferroa dos chapéus^ golas dos muaiim a guarnições das sotainas, assim como golpes, ou entre* talhos da mesma téla, e botões ou fitas nas botas e sa- patos. As côres aniarella, vermelha, verde e alaranjada não deviam iUgurar em seus vestidos» sotainas, calças ou pelotes, nem reodaa e transinhas uas caaiizas. For baaa das sotainas podiam trazev meias calças, foupiíes e ja* quetas, barretes redondos ou de eantos, e capas sem car pellos fechados. Deviam ouvir as lições descobertos, e não se llies consentiam bestas de sella, nem mais de um moço paia os acompanhar a pé^. Estes preceitos nunca se cumpriram, porém, na maior parte, e a mocidade ao»> demica, turbulenta e maliciosa, afiBrontava sem gratde receio a comminação das muitas, infringindo-o& As rixas e os arniidos repetiam-se com frequência, e por occasião do perdão geral e da soltura dos presos hebreus dos cár- ceres do santo oâkio, os estudantes levantaram maa mcH tim tâo assustador, e praticaram taes excessos, que o gc^ 1 Estatutos de lo97, tit. x e xi, 2 Ibidem, tit, m, liv. iii. Digitized by Google DOS SÉCULOS XVU E XTQI 2^ WBQ mmêm «sta alçada piesídida por Httirí^ d» iMtwyi» Scusa, do coDsettio àt eslaáo. Por sn^Hiça d'áfta fbn» suspensos os privilégios da universidade ^ A côrte castelhana continuou a mostrar-se inclinada ás pretensões da cofl^anhia de Jesus no reinado de Fi- Mppe tIL O dMpM' de Lema» iitíBameote iigado*c€ni o eknm flob» qm a aaoísade do» padre» d» Santo Ignaei* podia ser-lhe utii e fugiu sempre de os desgostar. Não hesitou por isso em ordenar, que das rendas da universi- dade' se tirassem cada aono três mil crueados para as «biaft das classes de Itím e artes do coUegio de Coinr bra, reduzindo-os em i605 a dois mil cruzados sómenta^ •>MiBitaado a tataMéade daeoD$ignaçriD*»viate mil\ Os CHirsos de pbilosophia, professados nos colleí(ios de Lis- boa, Évora, (loimbra e Bra^a, aonde se liam cinco lições de huuanidades, uma de ptiiioso{)tiiav e duas de aasoè fomm, «ondadn» levar em conta para armatancoia bo» eSf^ tudes siq)eriores^. Aos esládaDtas d» aidas mom prohibi«*«e- a entrada da» fiEKmldades, emquanto^ nlo a^ cançassciii a apj^rovação dos mestres do collegiu das ar- tes''. O ííovenio, tomando pretexto dfeis inquietações e subâFBOs «alisados pela fónna do provinieato das cadei- ras ásk iinimeisidade por opposIçSo, aorogoa-se em OSS^ »es«eflui^ eoBservando as líçQes e os argmiient(»spiiblii- 1 (]arti regia de i7 de maio de 1007. — Ímto vm da Suppliea' fMO, fl. 13* V. 2 Carta regia de 25 de junlío de 4604>.— /.írro ih registo da Mfim da Gamicitneia, fl. 6jie Sk^-Caite regia, de 24 de maio da mr>. 3 Carta regia do anno de 16iâ.^L(oro de Consultas da Mesa da Conscietuia^ fl. 90 v. * Gasta negia de 8 de maio de IMS.— Ltoro dé reffúto da Màa daConimênaa,fi%Y. Digrtizeij Ly <jOOgIe 244 MSTORIiL DE FOBTUOAL iDstnicçao COS dos coDGorreQtes, e sappiímindo a votacíão» cpie sob- stitoia pelas informaçSes do prelado e do cancellarío da academia, do bi^pM de Coimbra e do reitor do coUegio dos jesuilas. A frequência era muito numerosa, principal- mente nos cursos de direito» e a multidão dos bacharéis habilitados com a leitura perante o desembargo do paço muito superior aos cargos, em que podiam ser emprega- dos. Em í^i determinou el-rei, para occorrer a este in- conveniente, que o tribunal não admittisse ninguém a ler sem ordem expressa, e que nenhuma judicatura fosse provida senão nas pessoas mais aptas, e qualificadas como taes^ Em 1586, sendo reitor da universidade D. Nuno de Noronha, filho do conde de Odemira, o collegio das artes de Coimbra representava um edifício sumptuoso, aonde sempre viviam doze theologos promptos a partirem para as missões do oriente e do Brazil, e servia de seminário das conquistas. Tinha onze aulas e vinte e um professo- res. A sala dos capellos era notável pela vastidão e pela riqueza dos tectos e dos ornatos. Os estudantes, que fre- quentavam as aulas, excediam o numero de dois mil. Só nos geraes da companhia passavam de duzentos, e a casa (collegio), aonde aprendiam, possnia de renda mais de quinze mil cruzados K Em Í6I5, vinte e nove annos de* pois, cursavam a academia quatro mil estudantes, o dobro exactamente dos que existiam em 1586. Esta concorrên- cia extrordinaria, desviando dos campos e das outras pro- fissões muitos mancebos robustos, excitava queixas e ap- prehensões quasi geraes. As còrtes de 4563, estranhando » Carta regia de 3 de junho de 1621. — Livro de Registo da Mesa da Consciência, fl. 73 v. — Carta regia de 29 de junho de 1631.— Livro da Correspondência do DenembarffO do Paço, fl. litô y. biyiiized by 4 DOS SÉCULOS XVU E XVIU Í45 as avultadas despezas do reinado de D. João III com a instmcçso uíiivppsiddde, não duvidaram supplicarpela segundn voz do braço popular a suspensão d^ella, pedindo que seus rendimentos fossem applicados ás despezas da guerra. As côrtes de Thomar nlo se inculcaram também affectas ao ensino snperíor, e as de 1641 aconselharam a D. JoSoIV a suspensão por cinco annos de todas as universidades, e a apropriação de suas dolaçòes ao armamento do paiz *. Em 1551 havia em Lisboa 34 mestres primários (7 de grammatica), 2 mestras, 14 aulas de dansa, alem do en- sino particular, e 4 de esgrima. Em 1556 aprendiam a ler e latim 90 moços fidalgos, e cursavam as escolas 21. Em 1 620 contava a capital 60 mestres de primeiras letras, 6 de dansa, 7 de esgrima, e 70 de canto. Mas nos fins do século XVI e em quasi todo o xvu a educação da moei- dave corria pelas mSos dos jesuítas, que, segundo haviam notado já em 1562 os procuradores do povo, a pretexto de ensinarem de graça em Lisboa e nas outras terras, monopolisaram de facto qnasi todaainstrucçâo. Em 1622 não baixava de 240 o numerei fios estudantes da univer- sidade de Évora, e subia a 1:800 o dos do collegio de Santo Ântâo de Lisboa. Cursavam o collegio de Braga mais de 150. Estes algarismos explicam a grande influen- cia da sociedade, porque os alumuos pertenciam na má- xima parte a familias nobres, ou a casas abastadas da classe media*. As outras ordens religiosas, como obser- 1 ÁrdiivoPUiorneOj vd. y, n.* 80, aiuio 1862. — Privmra Embai' aeaâa do JàpSo á Europa, pag. 400, Museu Brítannioo, B. Sloane, a.* 1:010.— D. lIanuddeHeiie2e8,Cftfwiú»d«£^J{«i). SèbatHão, part. I, eap. cviii.— Capítulos Geraes das cáries de Lisboa celebra- das em 28 de janeiro de 16&1, capítulo do braço do povo uv e I.XXZ. ? ChristovSò Rodrigues de Oliveira, Sitmmario, pag. 34.— Fr. NI- Digitized by Google M6 HISTOBIA DS PORIVGÂL DOS «CCUU» &VU £ XVUI lartnioçio váulos, Umbem tinham aulas e mestres elogiados, mas mo podiam competir com as do instituto de Jesus, bem doudas» protegidas pelo goveitio e p^ aristocracia, e enraiiidas no eoocdito e dos costumes p«bticos. fim 1625, reqwreido Fr. Bkardo de la l^ha para (lindar um coUe- gio de S. Duijuíixgos da nação inglesa, acòrte não semos- timi iadíBada a fovorece^lo, ao passo que não hesilava «m coDoeder aos jesuítas anclorísa^ pfteoa para crearem m collegk» «BI Etvas» e para escolas escolas em Saatarem, apesar de tá existirem as dos doraimcanos ^ Do que acahâiaos de expor deprehende-se, que a índole geral do ensino se tomira quasi^sseocialMiente ecdôsias- tica, e que a ébíçío proeniMote, taalo aos estudos sv^ rioreSy como nos preparatórios, reprodozia as ídéas e aspirai^ da eompanhia de Jesus, a qual, pela impor- tância dos estabelecimentos liUerarios, que re^^a, pelo mmiero dos aiumuos, peia escolha dos compeudios e dos methodos, peia unidade de peosameato, e pda acii vâ<lade dos esforços, aicançára era Portugal a realLsa^o completa de seus designíos, assumindo e exercendo nas universi- dades e collegios das terras prindpaes uma verdadeira dictadura, ci4as respoDsalHiidades quiz depois deoliuar emi9o eaajios resultados condemuffam mais tarde a sua ambicio. flolaa de Olivein, Grtmátaa» ée láébmL-^RjàaçSo éãã FeMm fu* fex o CdUffio da thtmr$idad$ dê Évora, anno 1622. 1 CartM resías de Í7 d» jattw de im«de i5de jvUwde tesO. Digitized by Google CAPITULO IV mm DAS SGIENOIAS £ BAS LBTRAS CorrapçSo do gosto. Imitação clássica servil. Decadeocia das scicncias. A thcologu, O direilo àrú e cauooico, e a medicina. As bnmanidadM.— Est«lo Utterarío.— A epo» dia de D. Joio I. O geenlo de D. Manoel. Soa caltart adiantada. —611 Vicente e Bernardim Ribeiro. — A epopeia nacional. Luiz dc Camões.— Estacionamenlo pre* cursor da drradencin.— As sciaicias na primeira metade do soculo xvii. VarSes eml« uentes. invasão do gongorismo. — Poemas beroicoã posUirioros aos «Lusiadas». Poegia bocoliea. Rodrtgoes Loiío. iPoesia dramática. Sua esterilidade. Tragieo- medias latinas. Pateos das eaoMdia*. EMei Mstovícoe. BnadM e Gauto. Pro- sadores distinctos. Tildo se inclinara, como vimos, em presoiu a da com- panhia de Jesus, e até por íim as resistências das corpo- rações e dos indivíduos iiiàmi emmudecido. Senhora do paço e dos tríbimaes, e bem acceita do povo e da nobren» havia assegurado á curia romana a obediência de Portu- gal, sequestrando-o da:> lulas do pensamento, que tanto preoccupavam em todas as nações as escolas, os reis e os pontiOces. Dominando a academia de Coimbra, pos- suindo em Évora uma universidade própria, no coliegio de Santo Antão de~Lisboa outra quasi igual, e nas terras principaes íjymnasios filiacs muito concorridos, conse- guira absorver as iníluencias nioraes, t» poi- via d cilas uma acção politica quasi decisiva. Mas este immenso po- Digitized by Google 248 HISTORIA DE PORTUGAL sámm der, em vez de se transformar em instnimento poderoso, e em força viva da civilisação» serviu4he só par a paraly- sai , ou para mutilar o desenvolvimento intellectual. Os estados jesuíticos, rf)ncedcndo iiiaÍ5 â fúrma, do que á realidade, atteodendo mais aos accideotes, do que á es- sência das cousas, concirnam sempre contra a indepen- dência das opiniões. Por isso de soas aulas saíram lati- nistas mais curiosos, do que profundos, casuístas, bons disputadores, mas nada snlidu-, argumentadores argu- ciosos, mas pouco firmes ikis priucipios. Eh^gancias aíle- ctadas, phrasesescoiiiidas, couceitusrelmadas, e extrema singolaridade na concepção e nas expressões, eram as prendas inculcadas aos poetas e prosadores por mestres, que antepunham esta espécie de esgrima de agudezas e trocadiUios ás verdadeiras qualidades do estylo e do sa- ber. As obras pareciam-se com os mudeios. As pr-oposi- ções frisavam pelo transcendente obscuro ado como ponto culminante do*sublime. A opulência túmida, ruido- sa e estéril condemnava a simplicidade quasi como baixe- za. As chímeras da philosophia escolasttco-aristotelica achavam nus coUegios da companhia campeões convictos, os paradoxos aiTiscados mantenedores estrénuos, e as doutrinas politicas mais absolutas, e por vezes mais vio- lentas e anarchicas, apologistas zelosos e vehementes. Os nomes de Maríanna, de Escobar, e de outros padres assi- gnalam todos os arrojos a que n^aquella epocha podia atre- ver-se a audácia dos auctores. Os maus exemplos formaram imitadores. A semente lançada com arte não morreu afogada nos espinhos. As lições dos mestres corromperam o espirito e o gosto dos discípulos, e estes, entrando na vida activa, inocularam sem escrúpulo os defeitos bebidos com o leite da instruc- ção. Nos alumnos d estas escolas a cultura iuteiiectual 1 Digitized by Google DOS sficcLOS xvti £ xvm 249 er a mais superficial, do que positiva, a consciência mais scinaiat elástica, do que austera, e a devoção mais dedicada ás exterioridades dos ritos, do que interiormente alumiada por uma fé sincera. Podiam mais n'6Ues qnasi sempre a superstição e o fanatismo, do que as verdadeiras crenças religiosas. A sociedade educou de certo sujeitos, que fo- ram modelos de virtude e de abnegação na vida claus- tral, como S. Francisco Xavier» mas não esqueçámos tam- bém, que se levantaram do seu seio escríptores e orado- res, que brilharam mais como estadistas mundanos, do que como relif^iosos soltos dos vínculos politicos, e das vaidades terrenas. T diIos elles, porém, quer fallassera, ou escrevessem na língua de Horácio» ou de Gamões, quer fossem professos, ou seculares, embora possuíssem grande erudição e elevados dotes, peccavam em geral pelas mesmas exagerações. A predilecção pelas subtile- zas e pelos lances dialécticos, e o abuso das citações e das referencias depravavam os engenhos apurados n'aqueUes seminários. Os lentes nas cadeiras das universidades, os prégado- res nos púlpitos, os theologus nas theses, os advogados e os juizes nos tríbunaes e no fòro oravam, discutiam, arrasoavam, e sentenciavam obedecendo quasi sem ex- cepção ao desejo de ostmitarem originalidade e locuções amaneiradas. Uma carta, uma pagina de historia, uma lauda de versos, e uma scena trágica, ou uma scena có- mica fundiam-se nos mesmos moldes invariáveis, gastos á força de uso, que mais estafavam, do que ornavam os assumptos* Os resultados d'estas perniciosas tendências denuncíaram-se lenta e successivamente, eivando os ta- lentos mais altos e as obras mais bem acabadas. A imita- ção, introduzida pela renascença, baixando a copia servil, escravisou a idéa e a forma. Os poemas gregos e roma- Digitized by Google 9 aso «BTOflU DE POHTDGAI MMiMBM^ t3fpos4iáaiirav6Í8 tie perfeícfio» foram iaipostotoom íJm ^^9^^ itiiext^. A WMnoia decKooa, os en^nhos de^ i>i iiuiram-se, os horisontes eocurtaram-se, e tudo dimi- nuiu ()r(>()(>rcioíiaiiiit'Tite. A ttTIy^iscia» e a «Phenix Re- nascida» representam em extremos oppostos a evoiíiçio Ulterada 4'est8 |>eriodo% Os homeas i%QO coB^ndos com a gera^So, que descobriu a índia e ftmdou o irape*- río do omnie, ex^slioam como as trovas da intelligenda acompanham quasi sempre as trevas nioraes. A obscuridade não caiu. porém, repentinamente» O edi- iicio não desai^ou de goipe, e successivas transições adiau- laran os passos á decadência* Da cornipçSo dos estudos nasceu a depravado do gosto, e da absoluta affirmaçio do principio da auctoridade a morte dos coramettimentos originaes, tanto nasidèiís, como nas fòrmas. Os progressos da epocha de D. Manuel não tiveram continuadores. A in- spiração nacional de Gil Vicente e de Beraardim Ribeiro desmaioii logo depois suífooada peia imitação clássica, e a luz pura e viva, que promettia esdareoer as letras e as scienc4a8> depois de fulgurar por curto espaço, e( lipsou-sc. O re!n;i(l«> de D. João 111 colheu os fructos da arvore plan- tada por U. João II e por seu pae, mas não soube crear outros. O governo de D. Sebastião ouviu as ultimas voaes do grande período» que o desditoso prilidpe em breve ha- via de eneenrar, dando^ uma catastrophe por epitaphio< Coimbra declinou quau<lo tudo declinava, e a influencia da co!ii})iiíiiiKi apressííU para ella a hora do deslaíleci- mento. Á plêiade dos homens illustres> que haviam ele* vado o ensino e firmado o conceito europen da universi- dade portogueza, suocederam professores sem liberdade, sujeitos á tutela de emulos, que trabalhavam por aniqui- lar todos os esforços, que tendessem a nnaper o cir^ euio de ferro da tradição conservadora. Ás faculdades. biyilizuu by GoOglc DOS SBGULOS XVII £ %.ym MÊ oomprímkkspelosiiie&odosepetostextoskiiiM^ P^mmik deram a iniciativa, o zêlo e o amor da reputação. O col- legio das artes, tornado dependência exclusiva do insti- tuto de Santo Ignacio, viu desapparecer de suas aulas os T«ives e os Fatnicias, e co&vterteu-ae em wdadeiro se* minarío jesuítico. Os resultados corresponderam ás pre* missas. A sociedade ta9o desejava de certo a mina das letras e o suicidio dos engenhos distinctos, mas, fiel m seu pensamento, sacriíicou-os sem iiesilar ao odio votado ás novidades, ás suas máximas exclusivas, e ámbição de monopolisar tudo. Um rápido esboço dos aootores e dos systemas seguidos nas escolas provará o <]iie asse- verámos. Os estudos iheologicos tinÍKiin ílorecido na e|H>ciia de D. Manuel e de D. João III. Homens nossos eminentes tinham honrado as cadeiras da academia de Oiimbra, e as das uniwsidades estrangeiras; mas na primeira metade do século xvii já todos deploravam a qiiéda rá- pida d'aquellc esplendor. A niá escolha dos textos, con- íiii 1(1 indo o Ldvro das Se/denças de IN dro Lombardo e a Summa de Santo Thomás com os tratados de Escoto^ de Durando e de Gabriel fiiel, preferindo a sdeocm pole^ mica ás doutrinas ateis, e a gioriílcaçião de auctores oppostos e contaminados pelos vicies escolásticos eo eta* me imparcial das matérias, encheu as aulas de contendas, de subtilezas, e de partidos. Os Lentes, obrigados á ex- plicação das obras dos cinco theologos pelo methodo analytico» e ao estado minucioso de cada artigo, do cada aigumento, e de cada pfarase, i^o podiam ministrar aos discípulos as noções geraes indi^nsaveis, e, ligados pelos estatutos á opinião e á letra dos textos, apenas allegavam dos escriptores modernos os que podiam servir de re- forço á veneração e auctoridade dos antigos. A rasSo «a Digitized by Gopgle HISTORIA DE PORTUGAL sdÊBdM critica foram desterradas quasi como importunas, os pro- jjj^ fessores só curavam de descobrir argucias, qiio ajudas- sem na defeza dos auctores impostos, e os alumiios, di- vididos» como os mestres» em thermistas e escotistas, corriam atrás das apparencias» ígoorando o que deviam saber ^. Nos cursos de jurisprudência canónica e civil os ma- les, se é possível, ainda eram maiores. O systema de an- tepor o commentario analytico á exposição syntlielica en- redava de lODgas e ociosas d^essões e difiiculdades os eiereicios escolares» e reduzia a poucas leis e capitu- les a instrução dos ouvintes. Recuando o ensino quasi aos tempos da escola de Bartholo convertiam as aulas em Lliealros de disputas, eo direito em tliema de faisa> e cansadas interpretações. Acrescia o absurdo de quasi to- das, senão todas as cadeiras» serem consagradas ao direito romano na jurisprudência civil» deixando quasi o direito pátrio em profundo silencio. Os estudantes deviam pos- suir oslivros de Bartholo e do abhiide Palormitauo. deviam consultar as analyses e as glossas de Acursio, e haviam de firmar em todas as conclusões o império dos velhos tex* tos. O tempo lectivo corria escasso n'esta e nas outras fa- culdades. Era excessivamente larga a interrupção das lições por causa da extensão das férias. No período, em que as aulas esla^anl aiíertas, as apostillas consumiam a melhor parte dos dias úteis» e a falta de frequência dos alnmnos trazia as escolas quasi desertas, apesar das pro- videncias adoptadas para cobibir o abuso. Não havia policia, nem disciplina.  indulgência reprebensivel dos professores nos actos públicos e na coliação dos graus 1 Compendio BUloHeo do Ettado da tfimerHdade de Cwmbra, part n» cap. l Digitized by DOS S£CULOâ &VU E XVm 2â3 académicos, filha do interesse de nmltiplicarem as propi- seMu nas, e a falta de exames nos primeiros quatro annos do j^,^ curso jurídico, davam largas á ignorância e á jactância, • para se pavonearem com os títulos, qoe só ao mérito de- veriam ser conferidos. Assim mesmo ainda appareceram algons vai^es notáveis como Antonio da Ganha, Thomás Velasco, Gabriel Pereira de Castro e João Pinto Ribeh*o, mas, confrontados coin os mestres da epocha anterior, estavam iõnj^e de poderem competir com elies. Á pro- porção que os auctores se afastam do século xvi e vem entrando pelo xvii , mais fraco ha de ser o conceito em que devem ser tidos, observa o douto Pascoal de Mello Freire *. Os estudos pliilosophicos sobresaíram em Coimbra, mas não por lórma tal, que resgatassem a decadência ge- ral. O reinado de D. Joio III, como observa um escriptor contemporâneo e nosso, representou em Portugal a tran- sição, que liga a philosophia escolástica e a moderna. En- tre os professores chamados pelo rei para a universidade, um dos mais insignes, Antonio Luiz, encarregou-se em 1547 da explicação de Galeno e de Aristóteles nas suas fontes, e rasgou assim uma nova estrada. Depois d'eUe Pellro da Fonseca, da cmnpanhia de Jesus, compoz as suas hístUuições Biakíieas, publicadas em I5d0 e os Commentarios d Metaphysica de Aristóteles, obra que lhe grangeou subido conceito, porque se não lestiiiigiu a explanar somente o assumpto, mas soube verter muita luz sobre diversas questões, concordando até onde era compatível as doutrinas do mestre, cuja interpretação authentíca o seu escripto ollerecc, com as de S. Thomás 1 Compendio Histórico do Estado da Universidade de CoMru, part. n.^Mello Freire, HUtoria do ÍHreUú CwUÍAmtawi, cap. xn. Digitized by Gopgle ffitoin» em i& fiwàfiM evaogelíeos. Sebastião do Coulo» UnkMMi do iiBtitat» Saalo %mcíOv escima outros Commentiarios sobre toda a Diaktica de Aristóteles, uiuíido extrema clareza ao profumlo oonhecimentõ do l«xlo> e tendo mais em mente o lim modesto de fonnar uflk livro immak de msíao que traçar um trabalho dMflmdo eileoKSo. FioalaeDte^Ballhae&f AWares, igoà- mettli j^suila, no seo Trodatm ée Amàm Sep&naa, dir viílido em seis disputas, provou erudição vasta, bom me- tbodo e lucidez, embora peccasse por menos observação e anai^íse em pootos essenciaes K Wwm «staft Boa fins do sdcolo xn e Da príneini tadç do XVII os lentes e os escríptores de maior nome n» aeaâ^nia eoBlnkrieme. A apf«eiaç9» de seus esforços por juizes compeleiítes, se nTio jusLilira a severidade par- cial do Compendia Histórico, iiispirado pelo odio tio lua? - qmk^ éà Poaibâl^ demoasUra^ cointudo, qd^ a sociadade n'esta pto^viocia desatar, eosKueK todas» qfoizser, eM eseeficialmeBte consemadora, impondo nas aaftas os seas lÍMPOS e os seus professores, e velando com ciame para que elles não eneoiílrassera a mais leve opposição, e podyi^ss^ ser contrariados por tijeorias, ou opiniões maisJÁvies. Ex^u, porém, o rigor do systema, abdicando ^uBtanameaie todi a mieialivjb original no pensamento ptHioeoptikOv e ficoii sempre algewada àimmobilídade da tradição aristotélica. Ao passo que as idéas caminhavam nalòuropa, eila cada vez cci i i va innis as suas escolas ás in- ítei)fiki^e]^teraas^dL'it iiiltiiu ) coiii i^uul ardor Àristoleíes e a ipejaj. e lepettindo com aolipatbm proftmda todas as ' Historia da Philosophia cm Portugal , \w\o sr. J. J. Lopes Pra- í-i. romiIira,.lÔ6ii, peiiodL ii» aoB%^ i, pag. iiO a iiS^ itô-a 122 e Digitized by Google hOSk SKCXLQS, XVH K XYIII epochas, em tjuo ella já vadllava combatida, travou com o preseutti e com o porvir uma lula iiiiiujv^sivel em iiotue- €b pasfiailo» conrtMifcfttndo s«tt& âuctnre^, emkisitcos deââldos» com» eno^ todao qn» podia oiBader, m atto» miar a sua fó. A seci6âad& de imiS' iisi^ de^Maís m resistência, e s-eui lasao cuidou vencer as teiídenciaí!» contrarias. O edifício desamparado não podia suster-se, e a cega ol)âliiiação obrigou-a a akrazar-se de todos os pit^pressos, e a assistir de iooge ás mais Ifécuodas maoí- festações, sem as querer acceitar» e senoi tomar a'^s a mcnoi' |)ai lo ^ Nas sciencias ijuediíja& e naèura^ ainda o atrazo se ^ te&teava maior, m ó possível. Um docameulo do^^ ii^ doi secuio XVI assim o attesta com evidleocia. É: a earta do me- di(H> do hospital de Ústoa, Fraocisco Tbomás, escripta em 1592 ao bispo D. Jurge de Atliaide^ declaruíido iiiíck' paiii4ínte perdidas no reino a laeiliciaa e a cirtMfgiapor não haver na miiversidade ie&les aptos, e os discif »k)â aão terem com qaem prendessem. Este man estado era taato mais deplorável, qaanto nos tres reinados anteriores ao de Filippe II tinham sobresaído varões insignes e escri- ptores elogiados peio mereciuieuto e pela utilidade de seus livre». No seoiiio de £>. Manuel e ée 1>. Joio Ul, alem d» I Historia da PJrilosojihia cm Portugal , pdo sr. J. J. Lopes Pim- ça. Coimbra, ISíiH, p, nod. ii, secç. i, pa^. 110 a #18. a 1>22 c 122 a i2'i., — r>.s Commentarios do CoHe(jio de Coimbra, o/preciadoê por Barthélemy de Saint- Hilaire, pag. 124 a *> scuç. m, oap. nr. Quem dfsejar colher sobre o estudo e progressos (k philosophia em Portugal noções claras e exactas deve consultar a obra do-síi Lo- pes Praça, aoiule ('iiLOUtitii'^ colligidas as noUcia^ esseiiciaes, & es-», poeta com graiide clareza e solida enubçiit). a hinterin di». desiovol^i vimento d'esta sciencia entre I 266 mSTOBI DB POST06AL sdencias famoso Amotus Lmiamis (João Hodrigaes de CasteUo Branco), excellente clínico» orai versado no estado de Galeno e dos aoctores árabes^, haviam honrado a scien- cia com seus trabalhos Antonio Reinoso, grande sabodur das línguas árabe e gi ega ^, Abraham Nehemias ^ Tho- más Rodrigues da Veiga, physico distincto Diogo Ro- drigaes Zacato^ Diogo da SiivaS Antonio Luiz^ João 1 Antttos eompoz: -^^M^anoto tu pncr» dmi Duueond» ie maUritt meãiea Itiroi, In IHincoridem AMOzarbenm amrnmtatío, Curatíomm nuOeniaHim cenHarue sepUm, Anuitns Yiajou muito peia Balia, eia consultado pelo papa Julio III, e foi perse^do por Paulo IV como judeu de origem e de erauça. Grande pratioo> po* rém mnHo Yaidoeo, eala em enw que nflo quis confessar. Foi o piimeiío que empregou as vélaa nas doeoças da uretra, e attribuiu- se também a primeira mençio das Talvulaa das veias, descobri- mento reiyindicado por J. B. Ganano, seu discípulo, em um livro publicado em 1643. Yeja-se Haller, BiUMuea Medica ê BiUiotheca Cirurgicaj tom. a, pag. 28, e Bibliotheea Boiamea, tom. i, pag. S61. ^ Antonio Bninnso, citado pela suaemdiçSo beUenica e árabe no reinado de D. João III, escreveu um 2Witado Sohre as Feòret (Tro' eUUus de febribusj. 3 Abraham Nehemias compoz antes de 159i o seu livro intitu- lado Mpthodm Medendi per tangumU missionem. * Thomás Rodrigues daVeiga, conhecido nos tempos de D. Joáo III e de D. SebastíAO,doequae8 fõm physico mór, e lente de medicina da universidade, escreveu unscomnientarios sobre as obras de Galeno e de Hypocrales, estampados em 1578, 1586 c 1594, e outro livro . que denominou Pratica Medica comum tratado tobre Fontes e Cau- terios. ^ Diogo Rodrigues Zacuto deixou manuscripta uma obra sobre o Clima e Sitio de Portugal. « Diogo da Silva escreveu commentarios sobre os Elementos de Hipócrates em 1548. 7 Antonio Luiz, lente de medicina na universidade de Coimbra, compoz diversas obras, esclarecendo e conimentando as de Galeno, o tratado De Occultis Proprietat^us, a obra De Empúricit, e diver- sos outros trabalhos. Digrtized by Google DOS SÉCULOS XVII R XVIII Valverde*, Garcia Lopes ^, Francisco Frazão ^ Affonso de Miranda^ e Francisco da Silva Oliveira ^ abrangendo em seus tratados a theoría e a pratica» e alguns d^elles» como Âutonio Luiz, na obra De OccuUis ProprieUUibus» rastreando aiei da attracção universal, ou, como Antonio Frazão, descrevendo com penna exercitada os symptomas e o tratamento da peste de 1569. Mas se este período flo- recente foi logo seguido de declinação, deve imputar-se a causa ao errado systema seguido na academia, á obsti- nação com que, cerrando os olhos á luz^ ella repellia os progressos, e á omissão quasi completa dos conhecimen- tos subsidiários, apontados apenas ou postos de lado in- teiramente. Até ao XT século, em que principiou com a renascença o cyclo, com rasão denominado erudito, os estados médi- cos seguiram quasi exclusivamente a auctorídade dos auctores árabes, que, salvando os livi os gi egos de total ruina, abraçaram com ardor o svstema de Galeno, mas enredado das subtilezas próprias da philosophia peri- pathetíca, de que eram sectários. As escolas de Cordova e de Toledo foram tidas como omulos, e d'el]as se es- tendeu aquella doutrina a todos os paizes da Europa * Jo5o Valverde publicou em 1556 a s\n Historia da Composição do Corpo Humano, e em 1552 ura tratado De Auimi et Corporis Sa- nitale Tuenda. 2 Garcia Lopes escreveu os seus commentarios de Galeno, Com- merU. in lib. Galen. de Parvo Pilce Exercitio. ' Francisco Frazão compoz um Tratado da Peste que infcciowm IMoa m 1869. 4 Aflbuío de Hiianda, contador do rano e casa leal, ddxou m* presso em o sen Dialogo da Perfeição do Bom Meàieo, ^ Francisco da Silva e OlÍTCira escreren o seu discnno sobre a Cvramn de Carbunetdot Contagiosos, estampado em iSfíd, tom T 17 28i mSTOiULà 0K PORTUGAL scmau desde o século xi, principaliiniite á França e á Itália. A applica^^o dos proíéssores reduzia-se 6m gerai a consul- tarem os mestres» traduzindo, compilando, commeatando e imitando os seus escrlptos, e com particularidade os de Avicena (ibn-Sina) e os de Averroes (Ibn-Roschd), cujo tratado Kitab el Kuiiyyat (Livro de tudo) comprehendia em sete livros a anatomia, a saúde, as doenças, os signaes da saiidd e das moléstias, os alimentos e os remédios, o regimen e o tratamento das enfermidades ^ O estudo mais acurado das línguas hellenica e latina e a interpreta* ção dos maiiuscriptos dos inedii gregos, depois vulga- risados pela imprensa, mudaram a direcção e o aspecto da instracçâo. A escola hypocratica, defendida por Bris- sot, demoliu o conceito dos árabes. A diseusslo travada em Portugal eutre o sábio fraiicez e o physico mór Dio- nysio espei lou a curiosidade de ouvir explicar Aristóte- les, Galeno e Hypocrates nas suas fontes, e D. ioâo UI satitfez os desejos dos enidilos. Posta em vigor a sua re- forma, Henrique Cuellar, Antonio Reinoso, Thomás Ro- drigues da Veiga e Antonio Luiz, como notámos, grau- gearani merecidos applan^ds, nm se disLiiiguindo menos na cadeira de anatomia e cirui gja AHonso Rodrigues de Guevara, auctor do tratado De Be Anatómica^ impresso em Coimbra em 1592, e nas de medicina Antonio Rarl>o- sa, Luiz Nanes e Francisco Franco, que escreveu um li- V]'o sobre as Moléstias Contagiosas, e outro Sobre o Uso da Neve no tratamento (ie algumas doenças, dado á luz em Sevilha em 1569 1 Hemi Hallain, HiUoria da líUeraiiiira da Evmpa noã $tmkm XVI 9 XVII, tom. I, cap. u, parL v. — Renouaid, BMire ds la Mê- dedne depms ton origine Jíuqii^au zbl tUde. Paris, 1846, tom. i. ^ Compandih Bitioriea, pwt d, eap. in. — Rmouard, Bâioíre de la Mideeiu, tom* if, panoiL vn. Digitized by Google DOS SÉCULOS Xm E XTIO S09 Murcharam, porém, e rapidamente, estas felizes es- scieott»» tráag. I^os ííds do século xva já restava pouco d aquella idade anrea t3o curta. Na primeira metade do xm aca- bou de eclípsaiHie de todo. Os eatatutos de 1597, appa* rentando facilitar as habilitações medicas, limitaram os preparatórios aos exames da lingua latina e da pliiloso- pbia. A physica de Aristóteles, lida no idioma originai por um babil professor nos dias de D. João JU, passou a ser interpretada por mestres, que tropeçavam com o sen* tido, e que buscavam de propósito questões ociosas para alardeai tim agudeza polemica. A cíiiiíiica ainda se não le- vantara do berço, e a ruidosa luta de Paracelso eootra Aristóteles, Galeno, e Avicena nio tinha produzido, nem podia produzir outro efieito nos sectários dos tres aucto- res, senão coníinna-los na admiração tradicional. Da bo- . tanica pouco mais se alcançava então, do que as noções superliciaes, ai)plicaveis á matéria medica, e colligidas das obras de Galeno, Hypocrates e Dioscórides» e addi«> tadas pelos árabes com a descrípçlo de algumas plantas orientaes. Os Colloquios de Garcia de Orta sobre m Sim- ples e Cumas Medicinaes da índia, estampados mi e a Tratado de las Drogas Medicimki de las índias Orien- UU$$ de CbristovSo da Costa, impresso em Iõ78, assim como outras obras, que inculcavam melhoramento, lâo entiavani nas escolas, excluídas pelo preceito, que orde- nava ao lente de prima, que no sexto anno explicasse os livros dos simplices de Galeno, e fizesse resumida decla- ração d'elle$t^ No estudo da anatomia seguiam-se os livros de Galeno De Usu Partium^ e não os auctores modernos, que mais > Cãmpmdiâ IHtiorieo, paft cap. n^BflDoaitd, Huloirê é$ la Médeente, tom. u, period. vn. 17. Digitized by Google 260 UlSTOhlA DE PORTUGAL profundo conhecimento haviam demonstrado d'ella. Os passos, que a sciencia adiantai ;! no xiv século com oses- criptos de Yesale, Faiiepes Hondelet» Eustache» Colum- bus e FabriciOy e os qae assipalaram no xvn os nomes mais celebres» era como se não existissem. As dissecções limitadas a seis lições praticas de membros partícalares, e a tres lições geraes, ínsuflQcientes, alem de mais do que superâciaes, quasí que serviam só para augmentar a re- tribuição dos professores. Nas outras aulas lia-se» como dissemos, pelos tratados de Galeno, Hypocrates, Aver- roes, e Avicena, passando-se de uns para outros com grande confusão, ouviíido alguns estudantes no principio a explicação, que ihes aproveitaria no meio, ou no fim * do curso» e correndo o ensino sem ordem, sem nexo e sem dedução. Estes aprendiam, por exemplo, os Apho- rimos de Hypocrates no terceiro anno, e aquelles no quinto! Na exposição e escolha da^ matérias n inava a mesma anarchia K A doutiina hypocratica, sem respeito pela differença dos systemas, enredava-se com as noções derivadas áã& obras de Galeno e dos auctores árabes. O methodo escolástico, dictado pela lei académica aos mestres e aos discípulos, repellindo a critica dos textos, e substituindo-a por disputas, argumentos e distincções inúteis, formava médicos incapazes, mais funestos pela meia ignorância, do que os próprios empíricos, de que zombavam. Rastejando os vestígios da escola árabe já pro- scripta, desprezando a anatomia e as sciencias accesso- 1 Haller, Commentario ao Methodo do Estudo M^diieo de Boerhave, tom. I.— Portal, UiMtmia de AnaUmiiia do Steulo xvj.— Estatutos da Vnwertidade, liv. m, tit v, eap. n. — RemNuurd, Hittoirê de la Méde- eme, tom. v, liv. m, cap. n, períod. vn, e lly. in, period. viu, eap. I. Digitized by Google t nos s£GULOS xvn c ivni 261 rias, e perdendo o tempo lectivo na escripta impertinente sdend** de pedantescas apostillas, a academia de medicina de Goiõibra s6 parecia acordar da tristeza na occasiHo dos exames para ver transformados os actos solemnes em scenas quasi de circo no meio dos clamores dos arguen* tes e defendentes, e da cliolera do presidente. Voavam então as citações, cruza vam-se os brados e os ditos pi- cantes, 6 o estudante saía contiiso, mas approvado, d'esta luta sempre concorrida pelos alamnos das outras facul- dades^. Na instnicção, que hoje denominámos Secundaria, também a obsrui idade se tornara visivel. Quando Nicolau Cleonard veiu a Portugal entrou em Coimbra na epoclia das ferias. Ainda, porém, as aulas de grego estavam aber- tas, e o douto professor estrangeiro» escrevendo a Vasco, encareceu a mestria, com que ouvira Vicente Fabricio ver- ter em latim os trechos mais dífficeis, pronundando-os, e entendendo-os como verdadeiro atiieuiense. N'este pe- riodo as letras latinas eram cultivadas com o esmero, que attestam as paginas elegantes de Osorio e de Teive, e a fama de Rezende, Caiado, £staço, e outros. Até as damas . se gloriavam de versadas na língua de Cicero e de Sallus- tio. A infanta D. Maria, íilba deEl-RelD. Manuel, as duas irmãs castelhanas Angela e Luiza Sigea, a filha do mar- quez de Villa Real D. Leonor, Joanna Vaz, dama da rai- nha D. Catbarina, D. Helena da Silva, religiosa de Cellas, Publia Hortência de Castro, e Paula Vicente pela sua eru- dição, e pelos seus conhecimentos nas letras divinas e humanas podiam compor uma academia digna de elogio. Se a infanta D. Maria, escrevia a sua mãe com perfeição invejável uma carta, que obteve merecidos louvores pos- t Compendio Bittorieo, parL n, liv. m. Digitized by Google S61 HISIORU D£ PORTUGAL sohwiMthumos, Paula Vicente, lida nas linguas ingleza e hollan- deza, passa por ter sido a mnsa de sou pa»* nas coiíc»-pções ' dramáticas^ e Pubiia Uortaocia, defendendo conclusões publicas em Évora aos dezesete annos^ espantava André de Rezende, admirado de tanto aaber e promptidão em idade tio verde ^ A companhia de Jesus, assenhoreando-se do coUegio das artes, teve a infelicidade, não sn, de não elevar, mas de abater muito os estudos. O ensino da língua grega decaiu em suas aulas sem ouvintes. O da latina, sujeito a longos tirocímos, e desamparado dos rudimentos da grammatica materna, cansava a memoria e a paciência com a repetição dos jjreceitos, excepções e escólios da arte dillusa do padi^e ^íanuel Alvares. A íacilidafle dos exames rematou este péssimo systema, abrindo o accesso das faculdades juhâicas a almnnos, que não estavam em estado de interpretarem os auctores com quem haviam de tratar quotidianamente. Faltavam-lhes as noções his- tóricas essenciaes, e as criticas, suffocadas pelas formas adoptadas na explicação dos princípios da lógica, ainda era peior do que se lhes faltasse. Por ultimo as re- gras de eloquência professadas em lições, viciadas pela corrupção do gosto, nem propunham o exemí)lo dos bons modelos, nem se acompanhavam do conhecimento e an»- lyse das litteraturas antigas e da patna^. Do que temos exposto deprehende-se com sutíiciente clareza, que tanto nas sôencias, como nas letras, os pro- gressos ulo excederam a piímeira metade do reinado de 1 Fr. IGguel Pacheco, Vida da Infanta D, Maria, liv. n,^. n, carta estampada na obra De Anlf 9iitfalt&M LmtaniiB, de Rezende, e eacnpta ao hespanhol Frods e Albemoz. 2 Qmpmiia Hittorim, parL u, cap. it Digitized by I DOS SÉCULOS Xfn B Xm Í63 D. Joio III| e que o de D. SebastiSo refleetia apenas gtMmm luz do corto período, em qae tinham prosperado. As j^,, causas, que apontámos concisamente, explicando a decli- nação, produziram em toda a parte effeitos análogos. Cor- tada a veia nativa da poesia nacional, que principiára a brotar» pela invasão das imitações clássicas, estas pre- valeceram, e em todas as manifestasses canharam os seus modelos. Nada lhes resistiu. Os poetas e os prosadores, abdicando a iniciativa origiiial, iui\aí im a inspiração a siijeitru-sn a typos convencionaes, e os engenhos mais al- tos limitaram-se a enaobrece-los, variando um poucu as tintas, ou apurando mais os tragos. Na poesia dramática, na épica, na bucólica, na lyríca, na etoquenda, no género histórico, ou no epistolar, o theatro grego e romano, Ho- mero e Virgilio, Theocrito, Horácio, Quiníiliauo, Livio, e Cicero, dictavam excliisivnmerile as regras, e os aiiclures modernos, pautando por elles as obras, gloriavam-se da escravidão voluntária como se houvessem descoiíerto e lavrado novas minas. Insinuou-^e depois a corrupção do estylo e da forma com a predilecção pelas locuções hyperbolicas, pelos equívocos e conceitos, pelas anti- theses forçadas e os trocadilhos, e as musas rodearam por mais de um século o tbrono de ouropel d esta ver- gonhosa decadência sagrada e applaudidapela aberração de todos os preceitos do gosto. A poesia lyrica, eíisaiad.i pelos trovadores portLi^ait^zos, scíriiiu primeiro os passos da Ilesf)nTilia, e dejiois os da ibrauça, como provam os CaDCioueiros. O de Roma, in- cluindo versos dos cavalleiros mais iUustres do reinado de Affonso III, mostra, que no remanso das armas aquel- les homens rudes distrahiam os ócios dos solares com en- deixas, mais ou menos sentid.is, mas afinadas em geral cm um tom monótono e rude, como a imgua em que se canta- Digiiizea by Google m HISTOBIA DB PORTUOAL setencias Yam. Os Gaocíoneiros attribuidos a D. Dioiz e ao conde de B^rcellos não destacam d'esta cansada uniformidade, e repetem, ferindo sómenCe uma ou duas cordas, os mesmos suspiros e as mesmas queixas. A inveiirão não enriquece a forma, e as idéas raras vezes transceiídeiu o estreito circulo de paixões e de sentimentos amorosos, que for- màvam os themas usuaes dos metros. No Cancioneiro de Rezende os borísontes rasgam-se mais largos, e já appare- ce maior variedade de cores, de pensamentos e de assum- ptos. Esta pobreza relativa nâo deve admirar-nos. Os livros no século xv ainda eram tâo raros, que o padi e lieurique Bulla em França, doando um breviário á igreja de S. Thia- go da Bottcherie, legou ao sacrístSo quarenta soldos de renda para uma caixa, aonde se guardasse, e que em 1 448 em Portugal o bispo D. Diogo Affonso, testando avultados bens para a fundarão de um collegio, mandou conservar os livros seguros por cadeias. Na epocha de D. João I, em que o paiz como que re- surgiu do meio das ruinas das discórdias civis e da guer- ra estrangeira, renovado e retemperado de forças, de brios e de aspiraç4)es, a cultura intellectnal alargou mais as conquistas, e o movimento litterario da Europa, pas- sando as fronteiras, achou os caminhos desotistniidos para se adiantar. A rainlia D. Filippa, o mestre de Aviz e os príncipes deram o exemplo. Os mancebos da côrte, vendo as letras estimadas, voltaram-separa ellas, cultivan- do-as com tanto ardor, que as fizeram florescer em pou- cos annos. D. Henrii jue applicou-se ás sciencias exactas, e creou uma escola de pilotos e de navegadores. D. Duarte e D. Pedro, não menos distinctos nas sciencias moi aes, foram dos mais doutos bomens do sen tempo. Do im- pulso dado pelos tres infantes, que as circumstancias po- liticas do paiz e os progressos das outras nações auxi- Digitized by DOS SÉCULOS XYI^ E IVIU S65 liaram muito, nasceu o desenvolvimento, qae preparou o sdimias grande século de D. Manuel*. Consultando as obras dos auctores do século xv em Portugal pôde apreciar-se com facilidade o grau e a ex- tensão dos seus conhecimentos. A lista dos livros de el-rei D. Duarte causa certo espanto pela variedade, tanto das olu as latinas, como dos escriptos nas linguas vulgares, e entre ellas nas castelhana e nacional. Marco Paulo já corna traduzido, e é citado com frequência. Os cadernos das villas e cidades do reino, que existiam na livraria real, parece inculcarem um esboço, embora iiiluime, (ie estalislica. O tratado intitulado, da Còi^te Imperial, demonstra, que se discutiam no idioma pátrio as árduas questões de theoiogia polemica. Diogo Monso Manga Ancha, Fr. Gil Lobo, os dominicanos Fr. Rodrigo, Fr. Fernando Arrotea, e outros oradores sagrados pré- gavam com eloquência, e a escola juridica introduzida por João das Regras, instruía e elevava o ensino, os homens, que honraram o governo do mestre de Aviz e o dos seus successores. El-rei D. Duarte aponta entre outras obras o Reffimento dos Prineipes, o lAwo chamado dê Martim PireSj o Tratado da Caça de 1). João 1, o de Bem Ad- ministrar as Rendas do Estado, o Conselho de Fr, Gil LobOy ura Tratado de Idiologia, o Livro da Amisade de Joio Linbano, o Pomar das Viriudes de Fr. André da Paz, as Obras de Santo Tfiomás de Aquino, as de 1 Consultoni-so sobre a historia tia litteratura portugiieza as obras estrangeiras de Bouterweck, Sisnioiidi de Sismondi, e Ferdinand Di- niz, o Primeiro Ensaio sobre a Historia Litteraria de Portugal por Frnnciscij Freire de Carvalho; o Curso de Litteratura Nacional áo ^r Caetano Fernandes Pinheiro; o Bosquejo da Historia da poesia e da litteratura portugiieza por Almeida Gaorett, e o sr. Herculano em YarioB artigos no jornal o Panorama, Digitized by Google 206 HISTORIA DE PORTUGAL 9anto Agostinho, de 8. Bernardo, de S« loão GUmaeo, e de Santo Izidoro de Sevilha, e a Vita Christi do padre Ludulii) Ortuziono, alem de ouLi us auclui es. O erudito príncipe lera os livros de Cicero, de Séneca, de Platão, de Aristóteles, e cita dos modernos Boécio, Fr. Gil de Roma, o celebre eneyclopedista Vicente de Beauvais, Raímnndo LuHo, Affonso Sabio, Hugo de São Victor, e diversos*. Gomes Eaniies de Azuraia na Chronica do J)e<^rotrh metUo ê Conquista de Guiné, a par da biblia mostr a ter versado os escriptos de S. Jeronymo, de S. João Ghrl- sòstomo, e de S. Tbomás de Aquino, e os de Heródoto, Hesiodo, Homero e Aristóteles, não sendo menos copiosa a sua i i udição latina nas referencias de Cesar, TitoLivio, Sallustio, Valério Máximo, Lucano, Ptolomeu, Ovidio, Ve- geeío^ e dos dois Senecas. Nos auctores da meia idade, Dio era menos lido, alludindo a trechos e opini5es de Isidoro de Sevilha, de Marco Paulo, de Scotto, e de Pedro de Ailly, assim como revela grande familiaridade com as cbroaicas e historias e até com as Dovellas de cavallaria francezas, italianas, allemãs e hespaoholas^^ Quando os soberanos prezavam assnn as letras, e quando os seus cultores podiam soccorrer-se a subsídios tão valiosos, não era jiara admirar, que homens eminentes se distinguissem em vários géneros, e que certa actividade intellectual, transcendendo os limites dos claustros, ainda então quasí os exclusivos depositários dasciencia, viesse animar nas outras classes o amor do estudo. A caila de 1 V^'ja-so o Led Conselheiro composto entre os annos de 1428 e 4i38 porEi-Hei D. Duarte, talvez apriiueira obra politica composta na iiiigua portuffueza. Paris, 1842. 2 Azurara, Chronica do Dp^imhrimentne Copqnista âe Guiné, pu- blicada pelo sr. visconde da (^;in 'i? a, e precedida dc uma introduc- çào pelo íailccido viscoude de Santarém. Digitízed by DOS SÉCULOS XYU £ XflU 167 Affonso V a Gomes Eânnes de Azurara, e a de D. João II scMm a Policiano são monumentos preciosos para a historia lit- teraria, porque attestam a importância concedida á penna d'aquelles escriptores, e o desejo ard^e que tinham os dois piiDcipes de yerem perpetuadas as memorias glorio* sas do sea tempo e do anterior. Ao passo que o respeito do nome portugiiez se dilatava pehis regiões novamente descobertas, e que iiavtgadores audaciosos iam assen- tando cada vez mais longe os padrões da via marítima^ que nos patenteou as portas do oriente^ Fernão Lopes oas suas chronicas de el-rei D. Pedro, D. Fernando, e D* JoSo I, retratava do natural as epochas e as fignras, e unindo á sin- geleza (lo pincel uma interpretação admirável dos caracte- res e dasscenas lii>loricas, excedia Froissard, fundindo a effigie do passado a cuja grande voz o futuro acudiu em breye com os prodígios das epopeias africana e oriental. Gomes E^es de Azurara^ apesar dos defeitos qne Da- miSo de Goes lhe noton, descreve coro viveza os confiictos com os mouros alem do estreito, e as proezas dos capi- tães, (pie immortalisaram os inunjs de (^euta. Mas a aífe- cUçâo e a vaidade de erudito e de rhetorico desfeiam mui- tas vezes os seus quadros, e na pintura dos vultos históricos e dos costumes fica assás distante de Fernão Lopes. As idéas de honra, de esforço, e de amor, que tanto I)reoc(mparam a meia idade, reproduziram-se nas institui- ções e em todas as formas soclaes. O sentimento religioso manifestou-se nas cruzadas e nas guerras de seitas. As justas, os torneios e as caçadas pomposas lisonjeavam as paíxQes guerreiras. Romances, mais longos do que os so- laus, e as cantigas das trovadores, assim como os poemas e as novellas de cavallaria, expressavam os aíTectos mais vivos, doiíados pelo maravilhoso. As leis franqueavam a liça aos combates judiciários, e as damas appkudiam os Digitized by Google 968 UISTOBIA DE POHTUGÀL SfltatóM campeões felizes. Os serões dus paços e das casas nobres enlrtítinliaiii-se ouvindo exaltar as armas e a ternura. As habitações eram fortalezas cercadas de ameias, os ador- nos das salas corpos de aço, lanças e montantes. As don- zellas lavravam nos pannos, que vestiam as paredes, os episódios hellicosos da sua epocha ou das antigas. Eru Portugal o período, em que o espirito cavalleiroso se os- tentou em toda a sua plenitude, foi de certo o decorrido desde o reinado de D. Fernando até ao de AiSooso V. Alvaro Vaz de Almada fechoa este cyclo de qnasi um sé- culo. A ficção dos doze de Inglatri ra, as alas da madre- siha e dos namorados em Aljuban ota, e os votos deno- dados representam as aspirações e os brios da geração, qne cingiu a coròa sobre o elmo do mestre de Aviz. O romance de « Amadiz» de Gaula resume a expressão poé- tica de suas tendências e esperanças, e Vasco de Loheira, se foi mais do (|ue ii aduclor ou imitador d'aqueUas aven- turas, pôde dizer-se o Homero d este periodo notável, O « Amadiz», primeira e principal novelia do extensíssimo ca- talogo dos contos de cavallaría, atravessou as idades, fes- - tejado pelo coiiimuiu dos leitores, recatando para os doutos e os críticos o enij^^ma de sua verdadeira origem e o segredo do seu verdadeiro auctor. O ultimo dos quatro livros, de que se compõe, alterado na versSo bespanhola, comprehende uma teia ímmensa de lances e de episódios, que parece quererem representar na Gaula, paiz phantas- tico quasi tão grande como o mundo conhecido no tempo de D. João I, as façanbas de Ricardo Coração de Leão^ < De Vasco de Lobeira sabe-ae apenas que fóra natural do Porto, que se armára cavalleiro antes de começar a batalha de Aljubarro- ta, que vivéra a maior parte dos annos em Elvas, e que fallecéra em 1103. A novelia de «Amadus» existia manuscripta no tempo de D. JoCoY. Barbosa deolaia que o original ainda estava na livraria Digitized by Google BOS SÉCULOS vm E XVIU 269 No secalo ímmedíato outros propósitos e perspectivas scmm mais larps mudaraDi quasi inteiramente o modo de ser e de sentir. Vencida a nobreza na luta com D. João 11, e tríumpbante a unidade mouarchíca, a epocha de Augusto foi tomada para modelo. Á infidlibidade do direito ro- mano, proclamada pelos jurisconsultos, respondeu nas instituições e nos costumes uma or^anisação adequada ás Dovas idéas» e as letras, sempre ligadas por vínculos apertados com os factos sociaes, traduziram em todas as manifestações da arte este estado, filho de uma transirão lenta, mas constante. No fím do século xv a revolução achaA a-se consummada, e D. Manuel, subindo ao tbrono, inscrevia o nome, que um futuro próximo bavia de tomar grande, na face ainda nebulosa do século xvi, que des- pontava. Os successos justificaram o seu orgulho. Vasco da Gama, realisando as esperanças do infante D. Henri- que e de D. João II, transferiu de Veneza e da Itália para Lisboa o empório do commercio oriental. Pedro Alvares Cabral descobriu o Brazil, aonde o seguinte reinado, sem o cuidar, lançou depois com a colonlsação as bases de um império mais solido e mais rico, do que o da Asia. Uma floresta de m^sU os e do antenas povoou a espaçosa bahia do Tejo, e os mercadores de todas as nações disputaram os sorrisos e âivores da afortunada capital do reino mais invejado da Europa n'aquelle momento. Uma actividade incrível e quasi febril devorou todas as classes. As ma- ravilbas da ludia, da Cbma, do Japão e de tantas regiões dos duques de Aveiro. O terremoto de Í7â5 fé-lo desapparecer, se aeaso de feito era o origiiud. Ab duas copias, que nos últimos tem* pos havia d'ella, sumiram-se igualmente. O «Âmadíz» teve multas versões, a castelhana de 1510» a de Gait^ia Ordenes de Montalvo de 1526, n frnneeza de 1540, acrescentada por Nicolau de Uerheray» a aUeiu& de 1583 e a italiana de Bernardo Tasso. Digitized by Google 270 HISTOBU DE POBTUGAL 8MMd66eobdrtH, visitadas^ os avaisalladas pelas naas portn- léuu inflammaram as boas e as más paíxSes, awaram o desejo da emigração, c arremessaram }i(»los mares, es- quecida (Ia moi tc (' dos peiigos, uma plebe de aventu- rairos, que tudo julgava possivel e íacii» porcjue a victo* ria ainda se não cansára de coroar as empresas mais temerárias^. Nenhum paiz unia elementos tHo poderosos de gran- deza. Admii ado por seus vastos descobrimentos maríti- mos e terrestres, senlioi* exclusivo do trato mercantil da Ásia, e dominando os mares arados por suas quilhas até ás mais desviadas parles, não era para causar estranhe^ za, que o deslumbramento de t9o raro espectáculo exal- tasse 08 ânimos, desvairasse as phantasias e excitasse o enthusiasmo. A superioridaiie iias sciencias mathema- ticas e nas theurias náuticas datava dos tempos do infante D. Henrique, e as artes náuticas nio tinham cessado da se aperfeiçoar com as arriscadas viagens intentadas de- pois. A reputação de Pedro Nunes resumiu os progressos das gerações ])recedentes. Os conliecimeiitos geogiaj>lji- cos, ainda Ião obscuros e duvidosos no século xiv e iia primcka metade do xv, deveram aos nossos cosmogra* pbos, prínclpalm^te, as luzes que lhes illuminaram os passos. Mestres e escriptores notáveis, ensinando e com* pondo na universidade pátria e nasestran^^eiras, honravnn as sciencias moraes cora as palmas, com a gloi ia [lacifica dos triumphos académicos, giuiiiioaiulo a nação, (}uo a ousadia e íelicidade dos conmiettimentos tanto haviam levantado nos louvores do mundo. 1 Sohre a grando revolução operada iia Europa pelos descobri- mentos de Vasco da Gariin t^Diisulte-se H. Sclierer, HisUnrê du CúOí- mercê de Toides les NaÚomi Ion. u, i, «Lo» Borto^ús». Digitizixi by Google DOS 8IC0LOS XVII E Xmi 17i A penna dos chronistas, emqnanto se não aparava as«hMtot dos gl andes liisloriadui es, escrevia a narração dos acon- tecimentos que serviram de prologo áqueiles dias de prosperidade. Depois deFeroão Lopes, appareeeramGo* mes Eannes, Ruy de Pina» e Garcia de ReKonde, posto- que desiguaes nas qualidades essenciaes, e traçai ani o quadro dos remados de D. Duarte, de D. Allousa V e de João IP. Nas letras dois vultos se destacam á entrada do novo período, como representantes das doas manifestações mais [lupulares da imaginação meiidit^ial, Bernardim Ri- beiro e Gil Vicente, o romance e o theatro. O ardor das armas não amortece o amor do estudo. ú& exemplos emditos da Itália e da Hespanha encontram entre nós imitadores. As obras dos auetores gregos e latinos são lidas e aduui iiflas até pelos homens de acção. Os com- mentarios de Cesar e os livros de Tlmcydidcb e de Poli^ bio dormem á cabeceira de muitos capitães iilustres. Não poucos dos conquistadores da índia levam em uma das m3o8 a espada e na outra a penna, como de sí dizia Ga*- mões. Duai tc Pacheco, o leão dos mares, compõe o Es- meraldo, e D. João de Castro os seus iioíeirus. As cai'las e instrucções de Alfonso de Albuquerque e de D. Fraor cisco de Almeida provam, que nenhum d'elies era hos» pede na lioSo das disciplinas indispensáveis aos bons ge- neraes e estadistas^. 1 Gomes Esnnes, Chronka de El- Hei D. Affonso V. — Duarte Gal> Vjo, Chronicas. — Ruy dc Pina, Varias chronicus dos reis éfiPwiU^ gul. — Garcia de Rezende, Chronka de El-liei D. Jom lí. * Esmeraldo de Situ Orhis, ins. da bibliothecade Évora, cod. Alguns dos roteiros de D. João de Castro, como o da primeira viigeni áiadiA« Q de Goas Dia» êxiatom aa. aa bibKotfaaea abo- rarae. Digitized by Google 272 HISTORIA DE PORTCGAL 8dMieiM A Jfeuma e inopa de Bernardim Ribeiro, ttiulo sem relato com o assumpto da obra, é mna novella, cuja fi- liação deriva dos contos cavalleirosos, tão vulgares nas lltteraturas franceza, italiana e hesi)anhola da epocha, sem poder competir com elles, porém, na viveza da ac- ção e no maravilhoso dos episódios. O anctor encobria com anagrammas os verdadeiros nomes dos personagens, talvez por se referir a cortezãos conhecidos, e em todo o caso para esconder o segredo de seus amores. Ousára elle, de feito, levantar os olhos para D. Beatriz de Por- tugal, como aflSrma a lenda geralmente admittida? Fal- tam as provas para o attestar. Mas o que o livro logo re- vela na doçura dos sentimentos e na meiga melancolia, que o repassa, é que o coraçSo do ain tui gemia, e que mais de uma lagrima lhe saltou dos oUius sobre aquollas paginas. A dicção harmoniosa, a phrase por vezes bem cinzelada, e grande copia de conceitos pittorescos e de imagens felizes tomam este romance, t9o elogiado, mna das mais formosas obras de prosa, de que a lingua portugueza se ufana, ao passo que na invenção, embora frouxa, na perfeição dos quadros campezinos, e na inge- * nuidade muitas vezes maviosa continua a tradição inter- rompida desde o Âmadiz, proftmdamente modificada, comtudo, em mnitos aspectos K Gil Vicente reli ata uuLr;i face da sociedade com pin- cel mais franco e traços menos delicados. Filho dos fins do terceiro quartel do século xv, foi para festejar o nas- amento do príncipe D. João, qne elle recitou na pre- sença do rei e da rainha o primeiro monologo pastoríl.  sua vocação, animada pelos applausos, seguiu depois a 1 Bouterweck, Litteratura poriugutga e he9panhola.-^Gsar^ Boiquigo da hittoria da UUeralura potingueza. Digiiizixi by LiOO^^lti DOS SJâCULOS IVII £ XVIII 373 carreira aonde tantos primores lhe exaltaram a superiori- soioieiM dade. Não abria de certo o caminho, porque outras na- ções nos precederam. Ê provável que lhe servissem de . modeloSs não as éclogas» oa dramas bucólicos de João de la Ensina» mas as peças sacras e profanas representadas em Paris. O que suas composições não imitaram, porém, porque se realçam com ellas, foi a fina pintura dos ca- racteres e dos costumes, a graça do dialogo, e a origina- lidade da invenção. Portognezas no espirito» nas feições e na linguagem respiram por todos os poros o ar pátrio» pennitta-se a phrase. Nota-se em todas um sal mais gros- so, do que attico, alliisões a pessoas vivas e até presentes, que renovam a satyra directa de Aristophanes, e o des- prezo mais do que acintoso das regras. £stas nódoas des- apparecem, entretanto, quando encontrámos nos autos, farças e tra^icuiiieilias, escripias com a maior liberdade, como algumas das comedias de Molière, a fiel expressão da vida avivada pela verdade das situações, pela combi- nado engenhosa das scenas» pela fluência do estylo» e pela harmonia da versificação. O theatro de Gil Vicente coiisliUie um dos brasões liUerarios do século xvi. Não liuijrou só o paiz, grangeou em toda a parte o elogio dos críticos competentes ^ Francisco de Sá de Miranda e Antonio Ferreira são os representantes legítimos da renascença dassica entre nós, * Bouterweck, Litteratura portugueza e hêípanhola* — Garrett, AotgiiQO da Historia da JJtteratvra Portugueza, Uma das piovaa da espontânea inspiração do poeta é a far^ de Jgn«x Pereira, com- posta sobre o provérbio: antes burro, que me leve, <1o que Ca- vallo que mo derrube. £ste thema foi dado a Gil Vicente em um dos serões da cC,rU\ £ra8mo era glande admirador d'elle. Bouter- weck, HaUam, Moratino, e quasi lodos os críticos apreciam com lou- vor o ^u talento cómico. TONO V 18 Digitized by Google 274 mSfOiU BB P0RT06ÂL r fliiMiii e as letras deveram a ambos serviços importantes. O ge- nero bueolioo, inspirado pela amenidade do clima e pelo gosto (los prazeres eainprestes, foi dos iirirueiros culti- vados em i^ortugal, eliernardim Ribeiro n elle sobresaíu com os mesmos dotes, que no romance da Menina e Moça lhe earacterísam o engenho. Suas éclogas» das mais antigas» que se conheceram na península» compostas em versos de arte menor, e estimadas pela simplicidade» tor- nam-se notáveis pelos toques «le iní^eniia brandura e de namorada saudade. Atjueiias ^ceíias pasluris, collueafias nas margens do Tejo e do Mondego, neui sempre se re- CfHnmendam» eomtndo» pela fidelidade das descripções, e em mais de um trecho a imitação pouco Mi2 de Sana- zaro, de Boscan, e de Garcilasso poe de lado as galas pátrias para bordar de relevos estraubos a tela, aonde tão graciosa podia avivar-se a representação dos usos nacio- naes. Sá de Miranda ainda exagerou estes defeitos» e Fer* rein» sectário jurado como elle da escola italiana» e mais elegíaco e trágico, do que bucólico, nio era de certo mnito competente para os coj i i;j u . Pela sua elevação devia o gé- nio de Camões repugnar á sin*,^eleza pastoril, mas a paixão e a melodia de saus metros, ennobrecendo todos os as- sumptos» mesmo n'este aífirmaram grande superioridaâe, nituralísaDdo o idílio piscatório» e esboçando painós» que os mestres consnmmadosiiiioengeitariam. OltmadeDio- yii Bernardes merece os njiplaiisos, qiuj soube grangear. Sens quadros, em que muitas vezes suspiram a ternura e uma branda tristeza» realçadas de vivos traços descri- plivos, figuram com propriedade os costumes» e os sentimentos campesinos» mas em muitos legares não evitam, antes buscam, a macula dos conceitos e troca- dilhos, vicio que priíicipiava a invadir-nos, do qual nem O cantor dos Lusíadas se isentou de iodo. itemardes Digiii^uu Google DOS SfiCULQâ XYU £ XViU approxima-se bastante de Camões na pureza da língua- sdencus gciii, e na harmonia dos versos. Na poesia lyrica, na didáctica, e no género dramático Sá de Miranda e Fer- reira occupam o primeiro logar como austeros imita- dores das bellezas latinas e italianas. Profundos no es- tudo e coiihecimento (h anti^M liUeraluia, suas obras não briliiam peia grandeza, uu pela novidade das idéas e das fórmasi mas pela correcção e sabor dassico. A língua, ínstramenio mais dócil em suas mios, expor*: ga-se, opulenta-se, e presta-se á introdução de no- vos jiicUos. Ferreira excede muito Miranda no tliea- tro. O CiosOj como comedia de caracter, e a ígnez de Castro, como tragedia regular, são obras credoras de elogio. Nos córos da Jgn$z áe Catíro o poeta sobe meS' mo a grande altura Ijríea. Sá de Miranda nas doas co- medias Os Estrangeiros e os Vil/ialpandos copiou tudo (ie túra, ikaudo loúge dos typos, que desejava repro- duzirá N3o intentámos traçar, nem as proporções d*este litro o consentiam, uma noticia abreviada da litteratura por- tugueza 110 século xvi. Se apíMiLainn-^ nomes e escrlptos foi para notarmos a indole e as condições do desenvolvi- mento intelectual d'aquelle período. Duas correntes as- signalam desde os flns de xv século soas tendências. Uma fresca e limpida rebenta do seio do p»z e reflecte as fei- ções da imaginação meu li nal. A outra, lenta e regrada, mana das nascentes da l enascença, e, crescendo e avul- tando, abraça e inunda tudo, deixando apenas sobrevi- ver alguns vestígios qnasi oblítterados da primeira .011 Yk^nte e Bernardim Ribeiro, Sá de Biíranâa e Antonio 1 Bontefweck, Litteratitra Portuguesa e Hétpanhola, — Gairett, BtÊqtt^ ia Btnoria da Púeria $ da jUnmtm Pwíêigueza. IS. Digitized by Google 276 HISTORIA DE l OKTUGAL sdeoGiu Ferreira symbolísam o espirito e as aspirações das doas escolas. A epopeia veiu coroar a gloria d este periodo fecundo em todas as evoluções do pensamento. Grandes feitos pa- recia deverem ter suscitado o geoio nacional, mas o berço guerreiro da monarchia, ornado de Ião bellos flo- rões íTuerreiros, e a luta <la independência, tiavtdi no ultuno quaitel do secuio xiv, ainda não iiaviam aciiado Enio» que as cantasse. Âs epocbas de acçSo precedem as epochas de interpretação. Quando os heroes lutam, e en- chem o theatro do mundo com o ruido de suas proezas esse niiiio emudece tnilas as vozes. Só depois, quando a admiração fundiu em bronze a estatua, e o sol da pos- teridade iUuminou as grandes paginas da bistoria, é que * a inspiração desponta, e que a epopeia nasce. A /liíada e a Eneida encerraram dois dos mais grandiosos perío- dos da vida dos povos. Luiz de Gamões também appa- receu na bora própria. Mais cedo encontraria o assumpto ainda incompleto. Mais tarde não acharia talvez a sublime inspiração, que fez do seu poema um monumento. A de- cadência do reino precipitava-se tão veloz no império ultramarino, que os últimos cantos dos Lusíadas quasi que se confundiram já com o estrondo sinistro do edi- ácio a desabar por todos os lanços. Luiz de Gamões seria o nosso primeiro poeta lyrico se a fama do épico não tivesse comu iiiie escurecido as ou- tras manifestações, tão variadas, do seu engenho. Algu- mas odesy muitos sonetos, e mais do que tudo as elegias affirmam a ternura, a melancolia enlevada, e os arreba- tamentos d*aque]la grande abna. O episodio de Ignez de Castro, o do repto dos Doze de Inglaterra, e vários qua- dros menos extensos, são trechos iyricos namorados e mimosos, em que a imaginação enfeita das mais vistosas Digitized by I DOS SÉCULOS XVn £ XVIII S77 flores as tradições populares. Na pintura dos phenomenos naturaes, ou na das scenas maritimas, e dos lances guer- reiros, o seu pincel encanta, matiza acertadamente os tra- ços e as cores, e traduz tudo em effeitos admiráveis. As reminiscências clássicas predominam de mais ás vezes, o maravilhoso pagão, em obediência ás regras seguidas, usurpa no enredo e nos incidentes logar, que não podia caber-lhes, mas as bellezas portal fórma se multiplicam, que a vista deslumbrada d'aquelie raro esplendor mal aper- cebe como leves maculas estas nódoas do astro radioso. Versado no conhecimento profondo da sdencia da epocha, e homem de acç^o ao mesmo tempo, o poeta viu o que des* creve com os olhos do espirito e com os olhos da experiên- cia. Soldado, amante, ijaulrago e desditoso sabe o que as victoriâs custam, e o que as penas doem, sabe de que horrores a tormenta cérca a morte nas ííirías do oceano, e por que preço se congelam nas faces do infeliz as lagri- mas do infortúnio. O amor da pátria e o orgulho de suas glorias inspiram a sua musa, e cunham em cada canto e em cada oitava a feição nacional, que tomou o poema in- separável do paiz. Camões, para o seu destino ser em tudo único e singular, não sobreviveu á independência de Portugal. Acabou com ella. Deus na sua piedade antes do reino descer por sessenta annos ao sepulchro, d*onde ha- via de levantar-se regenerado, quiz que este cântico de saudade liie servisse de suprema consolação. De feito os iMsiadas, voz heróica e extrema, não concorreram pouco para se conservarem vivas as esperanças da futura res- tauração*. • 1 O baiSo deHomboldt notacomlouror o niodo por qaeLuiz de Cam0es descreve o fogo electrieo e as trombas marinhas, pinta as tempestades, e retrata a realidade das cousas. Se louvei em Ga- lOQfies, diz elle, o poeta marítimo, ^ unicamente observar qoe as 278 HISTORU DB PORTUGAL ffnimiii Depois d*e8t6 nobre esforço tudo desmaia, mas, nSo repeiiiiii.iinente, como se cuida em geral. Antes das tre- vas se íeciiai tiia, alguns raios de sul bi ilharam, que, cx- tíDgaindo-se a poaco e pouco, tornaram depois mais triste a obscuridade, que veíu cobrir o paiz. Nos últimos aq* nos do século xyi, e no primeiro quartel do xvii, as le- tras, (íbedecendo ao impulso anterior, ainda inscreveram nomes distuiclos no livro de oiro dalidaiguia iatelleclual. Aos Luãiadas seguiram-se muitos poemas, nem todos di- gnos do esquecimento. Os chronistas e os liístoríadores do grande período acharam continuadores. A poesia lyríca, a bucólica, e a dramática não se apa^ai ani quasi inteira- mente sem lançarem clarões bastante lortes. A Imgua poi- tugueza opulenta, iiarmoniosa e flexível ainda inspira bel- los trechos, e luta sem desar com a castelhana, tomada desde o reinado de Carlos V quasi a língua universal. A saudade da inde[)eudencia esperta o estudo das tradições e das glorias aacionaes, e aviva no coração dos escri piores o amor do idioma pátrio. A actividade iitteraria aii^nienta. Se desde a invenção da imprensa até ao anno de 1580 se publicaram em Portugal 182 obras, desde 1580 até 1640 mo saii aiii (los prelos menos de 486, entrando n'este nu- mero 30 edições de Caniues*. O movimento correspon- dia quanto aos leitores, e seguramente era maior, do que o actual no século zvi, e no principio do xvii. Uma tira- gem de mil exemplares reputava-se em 1570 a mais di- geenas da natureza terrestre o attrahiram menos. — 6o,s//<o.s. Este conceito, que as beilezas do poema justificam, tirn dos preitos mais honrosos que a posteridade podia render á memoria do grande épico. 1 Esta nota do numero das obras publicadas nos dois períodos é devida á diligencia do nosso amigo e consócio o sr. Antonio da Silva TuUia Digitized by DOS SEGDLOS XYII £ XVHI 279 minuta, que se podia fazer ^. Os auetores nascidos nostetiu reinado de D. João III, antes de pegarem da penna, ha- viam empuiiliado a espada, e aílrontado as iras do oceano, * e os trabalhos das guerras constantes movidas pelos bar* baros e pelos europeus alliados com elles. No século xin os homens de ac(So vão a pouco e pouco desapparecendo» as seiencias refuglam-se nos claustros, e os religiosos s3o quasi os únicos, por fim, que imprimem e compõem livros. £m Hespanha acontecia o mesmo. £ não era para admirar que as mesmas causas produ- zissem effeitos analogfos. A fama de Gongora e a imitarão de Marino general isavam-se, entretanto, iiiiiocuiauilu os vicies das duas funestas escolas no verso e na prosa, e contaminando os mais privilegiados talentos. O estudo das sciencias padecia as enfermidades apontadas na aprecia* ção dos methodos de ensino das universidades de Goim- bra e de Évora, e dos coliegios tia companhia de Jesus. A introducção do Inàex Expurgatorio, publicado no go- verno de Filippo lY pelo inquisidor geral D. Fernando Martins Mascarenhas, acabou de descarregar o ultimo golpe, mutilando o pensamento dos auetores mais esti- mados, e tirando da circulação os livros mais úteis, sub- stituidos pelos que se accommodavam á devoção aca- nhada e ao fanatismo irreconciliável. A publicidade já en- cerrada n'este circulo estreitíssimo ainda se encurtou mais com os rigores do processo determinado pelo alvará de 1 Vido cailíis, que os padres c irmãos da companhia de Jesus em missão nos reinos do Japão escrcveraii) aos da índia e da Europa desde o anno de 1549 até ao de 1566, impressas em Coimbra em casa de Antonio de Maris, impressor c livreiro da universidade no mez de julho de 1570. 0 prolocro diz que st » so imprimiram mil pxom- plares, por scmm dados de graça, o que parece inculcar que esta ti- ragem se julgava pequena em relação á que se usava. Digitized by Google hiblOKl DE POKiliGÁL sémdu 4 de dezembro de 4566, que exigia para a publicação das obras, alem da \kmn\ dos prelados ordinários o da in- quisição, a ceiisuia moral e politica do desembaigo do paço. Postas estas peias só podiam íallar e escrever os que Dão assustassem as tendências dos poderes ecciesias- lico e civil, e nSo espanta, que a acção lítteraria da epo* cha se concentrasse qiiasi toda exclusivamente nos con- ventos, e que a decadência cauiinliasse, sendo só para notar» que seus passos se não adiantassem mais rápidos, e que a influencia das boas idéas durasse por tanto tempo, e se estendesse tão longe ^ Dissemos qn*' piincipalmente no prinipiro quartel do secuio xvii ainda íloresceram varTíes (lt>liiictos. Esses ho- mens pertenciam na maior parte pela data do nascimento e pela educação. ao periodo anterior, e representavam as suas tradições, embora enfraquecidas pela distancia. Tanto nas cathedras das universidades portuguezas, como nas de Paris, Montpellier, Lovaina, Salamanca,Yalladolid e Alcalá encontrámos professores nossos ouvidos com louvor. Entre muitos apenas citaremos os nomes de Fer- nando Mendes, lente de prima na faculdade de medicina de Montpellier, os de D. João Altamirano e Fernando Ayres de Mesa, lentes de direito canónico em Salamanca, e o de Fr. Diogo Soares de Santa Maria, um dos theolo- gos eminentes da universidade de Paris. Em Coimbra não alcançaram menor conceito na mesma sciencia André de Almada, o jesuíta Christu\rio Ciil, e Fr. Egydio da Apre- sentação, c no ensino da jurisprudência Antonio da Cunha, lente de leis imperiaes, e Rodrigo Ribeiro de Leiva, lente de prima na faculdade de direito canónico» ao passo que 1 Prefação do regimento da iDquiúçilo feito pelo cardeal da Ga* nha no anno de 1774. Digitízed by DOS SÉCULOS xm £ xvm S81 Gonçalo Alvo Godinho, Antonio Homem, ThomásYelas^sdmeiM CO, Antonio th {][um, Gabriel Pereira dc Castro, Manuel ^J^^ Mendes de Caslru e João Pinto Ribeiro justificavam, co- mo magistrados» ou como jurisconsultos, a opinião for- mada ácerca do seu saber. Nas sciencias medicas tam* bem se recommendaram alguns YarOes, como clínicos dentro e fóra do paiz, ou como auctores de livros esti- mados na sua epocha, e ainda na immediata. Tornaram- se conspicuos entre elles Alvaro Nunes, pbysico-mór do archiduque Alberto, fallecido emi603S Antonio da Fon- seca, pratico esclarecido, qae teve a ventura de atalhar a epidemia de 1620 em Flandres e no Palatmado^ Diogo Mourão, afamado pela felicidade da sua clinica na Pro- vença ^ Zacuto Lusitano*, Manuel Bocarro Francez, me- dico, mathcmatico e poeta ^, e João Marques Correia, elogiado pelo Tratado da Circulaçõo do Sanguêj obra á qual a posteridade não concedeu os creditos com que viu a laz^ < Goinpoz a obra intitulada AimoiaÊkmes aã Wrros dum Fhm» eisd ÂrtasL Antuérpia, 1876. 2 Expôs em um Utto as rasOM do seu sysiema, froMut de Epidemia FéMH, 1683. > Escreveu um tratado a que deu o título de TYet Apologias Mé- ãkoi OrtíiuH, 1686. ^ Zacuto, alem da obra apieciadaDe MtdkonmPrineipmHit-' tona, libri x, dada á estampa em 1629, publicou o tratado De Praxi Médica, libri m, e outros escriptos. ' Bocairo, doutorado em Montpellier, Coimbra e Alcalá, osten« ton o seu saber quasi nniversal em diversas obras. * Aíóra estes^ podem àer ainda citados entre os médicos illustves do xvu secuk) Diogo Samssa, auctordo tratado Dt VirtuUHer^ rum, 1630; Diogo Rosales, auctor do livro intitulado Armatura Me» diea, 1638; Ambrósio Nunes, auctor do Traiado da Petie, 1601 a 1603^ e Átmo Lopes» auctor do livro De Uarbo GaUieo, 1610. Es- creveram commentarios aobie a Arte Medka de Galeno Uannel de Digitized by Google m iasTORU PR mmAL sámàu Na poesia e na prosa os effeitos da declinação ainda se iet!a« Patentearam mais lentamente, mas por modo tal, que logo deixaram antever a proximidade de um periodo de trevas. Se os esforços irulividuaes de alguns liomens res- peitáveis não conseguiram suster a ruína das sciencias, e se m theologia, no direito civil e canónico» na medicina e nos conhecimentos physico-matbematicos a perversio dos methodos e a superficialidade do ensino foram apa- irando uma após outras as luzes, que tiiuíla esclareciam, mas já qiiasi a medo, as academias e os collegios, as mu- sas, no trato das boas !(;lras, castigaram sem piedade a corrupção do gosto, a imitação servil de modelos defei- tuosos, e oodio das beliezaseda elegância naturaes com as quédas desastrosas dos ícaros, que ousaram remontar- se a alturas inaccessiveis. Os poetas e os prosadores da epoi ha de D. Manuel e de D. João 111 ainda enconlravam continuadores, porém esses, como observámos, tinham bebido o leite da geração educada na escola da renascen* ça, e foram os seus últimos representantes. Os que se lhes seguiram acabaram, baixando sempre, por forma- rem ajit iias uma quasi plelie de metrificadores desvaira- dos [>ela loucura dos conceitos e das empolas gongoris- tas, e de prosadores túmidos, ailectados e escravos do desregramento de uma imaginação enferma. Mesmo os melhores engenhos tropeçavam nos vicios communs do tempo, e não podiam, ou não queriam purificar as obras mais limadas d esta quebra de bastardia. Seus olhos pe- Ahren e Manuel Fernandes de Mura, e corapoz um tratado sobre os quatro livros de Avicena, De Morbis Internis, Fernando Alvares Cabral, o soIht ttypncrafos Manuel Xnnes, cujo livro saiu dos pre- los em l")S!). Finalmente Fernando Alvares 6 citado eom louvor peta sua obra intitulada De pátrio refugio, iive quid prastel tn morltis httgú terram mutare. . ly j^cLj L^y Google DOS SÉCULOS XYil £ JkVm 283 netrantes nem sempre alcançaram romper a espessa ne-scfaiwiM voa, que fazia perder as mullidues. Esta primeira transição ainda se aununciava, porém, com alguma esperança. Na entrada do novo periodo, que se rompeu, e que tão cedo havia de cegar-se a escuridão, avultam verdadeiros poetas e escríptores insignes. Encer- rado o cyclo dos feitos notáveis e dos homens de acção com o poema adiiuravel dos Lusíadas, que foi como que o ultimo suspiro da grande raça, que baixava ao sepulcluo com a pátria, começaram a brotar os cantos destinados a applaudir os actos mais gloriosos da luta africana, da il- llada da índia, ou das guerras qne embalaram o berço e a juventude da monarchia. Nenhuma doestas tentativas venceu, lomtudo, as proporções (jue requerem os monu- mentos, e a epopêa de Camões licou dominando- os sé- culos em toda a sua elevação, como saudoso testamento das memorias de um povo, qne mesmo na agonia punha os olhos, o coração e a fé nas maravilhosas acções pro- porcionadas por seus destinos pnvilegiados. Reduzidos ao estreito circulo das poéticas, os sectários de Aristóte- les nem aos Ijisiadas concediam os íóros de epopêa, mas contemplados á luz de menos rigorosa critica, o Áf- fanso Africano, a Malaca Conquistada, o Naufrágio de S^ulveda «e a Ulimia, por exemplo, cantando empre- zas illustres» ou expedições perigosas, e bordando de pinturas vivas e felizes a tela da acção principal, eram ver- dadeiros poemas históricos, mytliologicos e romanescos, e não mereciam jazer esquecidos entre as cinzas de tantas obras, de que nem o nome sobrevive ' . ^ Entre muitos citaremos o Naufrágio de Sepulveda e o Segundo Cerco de Diu por Jeronymo Côrte Real, poeta ^iiPireiro e cultor esmerado da musica e da pintura ; a Elegiada de Luiz Pereira Bran- dão, soldado e captivo na l>atalba do Alcácer ILàbir, ci^a catastro- Digitized by Google HJSTOBIA DE POETUGAL Scieocias Facto síngular! O momento em qiio desappnrecia a iri- 1^ dependência, e em que a nacionalidade se oliuscava, foi aquelle em que mais poetas, e^iaitados pela ira patriótica, oa talvez pela dor do infortúnio» se arrojaram a medir as forças com a musa de Virgilio, do Tasso e de Gamões, e se alguns preferiram o i«1ioma castelhauo, mais vulgari- sado, o maior numero honrou a língua pátria, e quiz an- tes ser lido só dos portuguezes, do que dever aos oppres- sores as vozes, com que celebrava os rasgos sublimes das epocbas findas, suprema consolação dos dias desditosos. Em qnasi todos aquellcs poemas; comludo, o plano, alem de mal deduzido, não compensa a fraqueza da contextura pelo vigor do interesse» muitas vezes desviado por inci- dentes enredados sem coberencia. Nota-se-lbes pouca arte, má distribuição e pobreza de maravilhoso, pec- ( ando frequentemente em Mugularidades e aberrações pouco jusUUcadas; mas estes defeitos, na realidade fun- damentaes, se não podem ser resgatados, são pelo me< nos bastante attenuados pela belleza de alguns episódios, pbe memora; o Âfwto Âfrkam deYasco lldiisioho de Quevedo, que B. Francisco Manuel de Mello no EoupiUA âa$ Letnts elogia em termos honrosos, e que, celebrando a conquista de Ansilla e Tanger, offerece scenas e movimentos, que o génio de Camões nSo engeita- ria; a Ul^eia de Gabriel Pereira de Castro; a Malaca Conquistada de Francisco de Sá de Meneses, sobrinho de Sá de Miranda; o Vi- riato Troffim de Braz Mascarenhas, guerreúo aventuroso» ao qual as musas serviram por vezes de distracção nos trabalhos; o Cande$ta' vel de Francisco Rodrigues Lobo, composiçSo gélida, desmentida pelo talento do poeta nas suas composições bucólicas, e o Wú»fo de Antonio de Sousa de Macedo. Em hespanbol escreveu D. Ber * nardo Ferreira de Lacerda, que Lopo da Vega chamou a «decima musa», o poema da Bespatã^a ÍÁhertaàa, Ifiguel da Silva o Ifodks- h^, impresso em 1636, e Francisco Botelho de Moraes o Âfom, destinado a memorar a fimdaçSo da monarchia. Digitized by Google DOS SÉCULOS Tm B XVIIl 186 por formosas pinturas de caracteres» por descrip^es ani- scimcíM madas, e por lances, em qne realçam os sentimentos ter- nos e apaixonados. Na Uhjsseia de Gabriel Pereira de Castio, talvez o menos imperfeito de todos quanto ao desenho geral» a imitação clássica é tão primorosa em partes, e as scenas mythologicas são vasadas dos moldes antigos com tanta feUddade» qae fazem IemA)rar alguns trechos admirados da Odpsseia, Entretanto a falta de in- venção, a copia quasi servil lus modelos clássicos, e o vi- cio da affectação gongorica negam-lhe a palma, que al- guns críticos tentaram .deferir-ihe, classificando a sua epopéa logo depois da de Gamões. Se entre esses poe- mas existe um, ao qual a honra de t3o alta qualificação possa caber, o Âffonso Africano talvez seja o que a me- reça, apesai* das nódoas que em muitos logares o des- feiam. Na poesia bucólica pertence n este período o pruneiro logar a Francisco Rodrigues Lobo. Suas éclogas pouco se afastam da escola italiana, introduzida por Ferreira, Sá de Miranda e Camões. Lavrador modesto, nias dotado de aptidão ])ara observar e descrever, conhecia de perto a vida rural, e, apesar disso, nem sempre buscou as tin- tas na palheta, que lhe ofièrecia a natureza. O seu cam* po, na linguagem e nos costumes dos pastores, mais se parece com a cidade, do que com o rm amemm de Theocrito e de Virgilio. Na prosa, e particularmente nos diálogos da Côrte na Aldeia^ que rastreiam de longe as TuscuUairm de Cicero, junta grande pureza na dicção a variado saber, avivados por summa amenidade e elegân- cia de estylo. Estas qualidades, affirmadas, postoque em menor f^rau talvez, lia Primavera, no Pastor Peregrino e no Demiganadús tornam, não só recreativa, mas utilis- sima a leitura de suas obras. Fr. Bernardo de Brito, de- Digrtizeij Ly <jOOgle HISTORIA DE PORTUGAL seMM dícado em annos mais graves a estudos severos, estreou itL» ^ eiií^enho com orna pequena coHecção de sonetos, éclo- gas, romances e poesias miii ia.s, intitulada a Silvia de Lisardo, que Kai ia e Sousa declara superioi' aos \ orsos de Bernardes, masque um exame menos parcial não hesi- tará em inculcar como visiveL prova da corrupção do gosto nas Hespanhas. Finalmente D. Bernarda Ferreira de La- cerda, compondo em castelhano as Soledades do Bunsaeo e a Hespanha Libertada, lui (juasi admirada como a ma- ravilha da sua epoclia, mas o louvor resente-se dos en- carecimentos próprios de Lope da Vega, e as maiores bellezas então elc^iadas parecem-nos hoje os trechos me- nos felizes d'aquellas composições. A poesia dramática, á qual Ferrei r a e Sá de Miranda talvez cuidaram fadar larga e auspiciosa caireira, {laii- tando-a pelas regras da escola italiana, esmorecera logo aos primeiros passos. Camões, que nos Amphitriães imi- tára Planto, seguia já no Filodemo o trilho do theatro de Calderon e de Lope da Vega, mostrando-se nos enredos, nos caracteres, e no dialogo superior aos dois poetas clássicos. As tres comedias de Jorge Ferreira de Vascoii- celios a Euphrosim, a OlyssipOj e a Aulegraphia mais devem ser tomadas como repositórios copiosos dos brios, opulências, e travessuras graciosas da língua, do que como obras destinadas ás platéas, que as não poderiam supportar. Gil Vicente não eiiconlrára successores na parte íuats elevada de suas crcaçues, nem nu tu i^mali- dade das pinturas. Uma plebe de autos, mais, ou menos dii^Fines, cortados de lòas e de chacotas, fazia as deli- cias do povo nas romarias e nas festas religiosas, sobre- saíndo entre os auclores mais fecundos e estimados os nomes de Affonso Alvares, mestre de primeiras letras, de Francisco Vaz de Guimarães, clérigo do Jlliniio, deBal- Digiii^uu L^y Google D03 SÉCULOS XYII £ XVIII t^l thazar Dias, muito applaudido no reinado do D. Sobas- sdemsta» tião, e de Fr. Antonio de Lislioa'. A imitação clássica, fóra (lo regaço popular e sem estímulos, pôde dizer-se que nunca se levantou do berço. Para as multidões havia as foncções devotas, em que o divino se conftindía com as cousas mundanas, saindo muitas vezos nas lirocissõps mulheres \mwÁ) honestas em li-j^ura de santas, o arman- do-se nas igrejas e capellas tablados, aonde se represen* tavam autos e farças acompanhados de cantigas e de dansas. Gbegou a abusar-se tanto das liberdades sceni- cas, que nos autos de Smita Barbara e de Santa Calha- rina se reproduzia no theatro a ceremonia do baptismo. 1 AíTonso Alvares» creado do Bispo âe Évora D. AíTonso de Por- tuga! e conloniporaneo de Gil Vicente compoz os autos de Santo An-' túnio , dt! S. Thiago Apostolo, e de Santa Barbara Virgem Martj/r. — Francisco Yaz de Guimarães escreveu : Obra novamente feita da muito Moroí^n morte e paixão de Noiso Senhor Jeius Christo, etc, Lisboa lâ59, Éradimda na iingua eoneani por algum missionário da índia, ou pessoa versada nos dois idiomas. — BaithazarDia8> natural da Ma- iteira, íbi um dos escriptores mais fecundos n'oste género, dando ú lai em 1613 o Auto dêSi-Rei Salomão^ em 1613 o Auto da Paiorão, e o de Santo Aleixo, e seguidamente compondo os aatos de Santa Catíuírina, da Feira da Ladra, da Malicia das Mnikeree, e éoNoB* cimento de Christo, a Hàtêaria daímperatris Porcina, e a Tragedia do MÊTquêz de Mantun, nnrraçta romanescas. — Fr. Antonio de Lis« boa fez o Auto dos dois ladrões cnieifieados juntamente cem Chrieto Senhor Noeeei, pi^iàieado em 1603 por Antonio Alvares editor. — De- balio do nome de ««anitoa» saiam também dos pvelos poemas exten- sos, que Dão podiam ser representados, como sfin a ehronica rimada de Santo Antonio em eiaeo cantos, ns (h S. Gonzalo de Amaranle e S. Fraaciseo Xiriery oomposlas peio iivreiro Francisco Lopes an- dor e ás vezes impressor das próprias obras. — Diogo Bernardes es- creveu os dois Autos da$ lagrimas de S. Pedro e de S. Jiuio Etem* gáiakí, e JeronymoCkMeReal o Auto dm fíwiemnm áotiammem uma meditaçik) dat penm êit Fm^Bkir^ Digitized by Google mSTORU DB PORTUGAL scioncias 6 que 00 duto da Paixão por Francisco Vaz os actores e letras ^ publico ajoelhavam quando Jesus consagrava o pão M Conceberam os jesuítas a idéa singular de nobilitarem as maiui es anomalias dramáticas por meio de tragicome- dias, em que os absurdos dessem as mãos á erudição, e nas quaes se misturassem também sem escrúpulo o sacro e o profano. Foi provavelmente em Í5ti0, para celebrar a vinda a Ck)imbra de el-rei D. Joio III, seu protector, que os padres do collegio das artes eiisaiaiam a primeira peça recitada i»elos cstadantes na presença do monarcha. Kepetmdo D. Sebastião em 1570 a visita do avô á univer- sidade, compoz o padre Luiz da Cruz uma tragedia — Sedeeia», m a DesindçSo de Jerusalém por NabueOf — que nlo durou menos de dois dias, acabando apesar d'isso coberta de louvores. Os collegios de Ev(jra e Lis- boa ostentavam iguaes exercicios nas grandes solemni- dades, sendo de todos o mais apparatoso a famosa ti a- ^ O cardeal D. Hemiqne^ sendo inquisidor geral, indoin no rol dos 1ÍVT06 piohíbidos todas as <^ras em i^manoe de builas, que tra- tassem de cousas de religi2o^ on da sagrada eseripttura (iMl), e o lúspo de Coimbra D. Aflbnso de GasleOo Branco nas constituições do bispado suppiimin na procissSo de Corpm as figuras e invençOes destumestas» e nas igrejas e ermidas a lepresentaçSo de farças, au- tos e comedias, e os jogos, densas e cantigas profimas (1591). Em outras constituições de bispados notam-se iguaes censuras, renova- • das da letra dos concilios da meia-idade, e das Partidas i, tit. vi, lei 34 e vit, tit vt, lei 4 de Ailonso o Sabio. — A CoUecção das Comediat Portuguezas por Antonio Prestes e Luiz de Camões, e outros aucto- res é assás curiosa, e foi estampada em 1587 por AíTonso Lopes em i vol. de 4.«» de 179 pag. Contém doze autos, sete por Antonio Pres- tes, 08 da Am Maria, do Procurador , do Dei^emhargador , dos Dow JrmãoB, da Ciosa, do Mouro Encantado, e dos CaíUarinheiros, as duas comedias de Camões, os Ampkitriões e o Filodemo, o auto da Cena Policiana por Henrique Lopes, o de Rodrigo e Mendo por Joige Pinto^ e o do PÃysteo por Jeronymo Ribeiro. Digitized by Google DOS SIGDLOS XVn E XVtH gicomedia da Conquista do orimíepor D, Manuel^ posta sameiiii no palco de Santo Antão em 1619 para festejar a entrada de Filippe III, o qual assistiu por dois dias consecutivos (2i e 22 de agosto) com as infantas D. ízabel e D. Maria, ouvindo nada menos do que trezentos e cincoenta persona- gens, sob^bameote caracterísados, no meio de córos, de- eoraçQes custosas, madiinas, tramóias e orchestras, dialo- garem em versos latinos com ardor e enthusiasmo dipos dos tempos de Terêncio. Estas peças resumiam todas as audácias e excentricidades, que apreversão da arte podia inspirar, entrando sempre n*eUas» a par das figuras histó- ricas, as virtudes e os vícios personificados, o amor di- vino e o amor terrestre, e alé a própria companhia de Jesus com o seu anjo custodio. A mistura do sacro e do proiano e as mais flagrantes inverosimiihanças não assus- tavam os Senecas, que nos Geraes do instituto calçavam o cothumo, nem suspendiam 05 Rosdos imberbes, seus in- terpretes, que se ufanavam de glorificarem as letras da sociedade, trocando a roupeta pelas vestes syrabolicas da esperança e da caridade, ou pelos attributos iiorri- ficos de Satan e do seu cortejo infernai. Pouco tardaram depois as comedias magicas, que, olhando s6 ao effeito de attrahir o publico, e de o deslumbrar, multiplicavam as visualidades para sem nenhum respeito das regras forçarem o interesse. Suppõe-se que Fr. Boaventura (Si- n^o Machado) fòra o primeiro, que na comedia da Pas- tora Alpheia tentára entre nós este novo caminho, que imitadores ainda menos sujeilos do que elle aos bons preceitos nâo duvidaram can egar de exagerações. A decadência não podia ser maior» nem a negação de um theatro nacional mais absoluta, porque as farças e os entremezes, com que o povo se recreava, não o substi- tuiam, nem se approximavam dos pr imeiros e umcos pro- TOMO y â9 Digitized by Google m 8tí«6iMgressos da scena pátria nos reinados de I). Manuel e D. JoioiU. O pequeno livro iatitulado Autos e Comám P0nit§mMii por Antonio Prestes, Luis de Gamões e ou- tros anctoreS) prova o que dizenios. Tanto os sete antos de Prestes, cmno o da Cem Policiam de Henrique Lopes, o de Rodrigo e Mendo de Jorge Pinto, e o do Phynco de Je- ronymo Hiboiro, iião passam de esboços, ein que a alegria [^ebea aio é eompensada pela verdade dos earacterss e dos coatiHMS. As doas pecas d'aqiielia coUeocio digMs dê «m tiíealro coito sSo os Amph^9e9 e o TOsduni* Os dois atitos do ex-franciscano AnUnuo iulxnro Chiado, que não iewios, nao nos parece também, pela noticia que resf^ d'eiles» ftts justiíiqueni melhor conceito, iimiiaiido^ iat- vezoeev mérito á jovialidade aolta do poeta, 4|ae as tte> norías oentmporaieas retratam antes de 4espír oMMto como um frade barganêe e dizidor, A dominaçlo caste- lhana nao era segiir;i mente própria para espertar a voca- ção dramática por tão largo e^[MÇ0 adormecida. As obras de Calderon» de Lopo da Ve^, e dos mestres da sua es* eok grmgeevam appftavsos eyi Portugal, mas tão lhes smeítaram mmca emnlos, e a capital, viuva da suaoôMe* quasi agradecia como libei alidade aos vice-reis as recitas dascorni>âiihias de comediantes, que vnihani a Lisboa de AMdhd e de outras cidades representar os dramas dos sem amlmi prediieotos ^ O geveiM faespaiM pot em vigor entre tt6s â ma le* gislação, applicando aos estabeleoimentos pios uma paite * Chiado coiiipoz o Auto dv. Gonçalo Chfvnbão, Lisboa ^ o Auio da jSatural Invenção, rt^pivseiiUdo na presença de D. João III. Os seus^pjso« para guardar mostram quaes eram as feições d aquella musa fácil e chocarreira. Vide Panorama, vol. iv, n.« 190, artigo do sr. Ctmha Rivara, e Trigoso, Memoria sobre o Theali o Poi'tuqnez, BO tom. V das Memoriai áa ÁMdema IM, dm Sciencm de LUboa. Digiii^uu L^y Google DOS mmM jm b xfm Ml do imâucto éos espectáculos publioost ordenado qja^scmmu as representtcSes de comedias nSó fossoa permittidas» seDão DOS logares designados pelo provedor o officiaes (lo hospital de Todos os Santos, 6 prescrevendo (jiie ne- nhuma peça subisse á scena sem licença dos ministros oompetei^es para acautelar a olfeosa costutoes. Em Coimbra era a Misericórdia quem arrecadava a quota pi^ pek>s empreurías, estipulando^ por accordo re> ciproco em 1632 a quantia fixa de 500 reaes por cada CDincdia, quer íbsse maior, quei' menoi* o rendimento*. IN aquella epocha as peças representavam-se em pateos, mais ou meoos espaçosos, e julga-se ter sido o mais m- ii^ de Lisboa o das Fangas da Farinha, que i^3o existiiu ou ji estava inteiramente arraiDado em 1588. O da Bi- tesga, ou da Mouraria, todo coberto, rodeado de varan- das íaiiiiiem coi)ertas, e sustentado em paredes de alve- naria, íòia coDStruido par Fernão Dias de Latorre, em virtude de contrato feito com o hospital, e já em 1594 tinha franqtteado suas portas ao puWco,' siÃkido a re- cita de cinco meses a 3941800 reses, e a quota das duas quintas partes devida ao hospital a 87^450. Existiam, igualmente, em 1593 o pateo da rua da Praça da Palha, e da rua das Áreas, se não é, como supi^omos, que os doísAomes fossem a{q[)licadós ao mesmo tíieatro, de que eraemprezario Latorre, e depois d'elle Antonio da l^va e ^ A primeira lei que estabeleceu a quota do producto dos espe- elaciilos Pm benefício dos estabelpcinientos pios foi o alvará do 20 de agosto de 1588, mas só por dois armo», renovado pelo de 7 de outubro de 1595. Ern 1003 Filippe III aiictorisou em Lisboa as re- presentações publicas, passada a quarestna, coiii a censura previa do desembargo do paço. Vide Jornal do Commprrio. 13." anno. n.*" 3736 e 3737, arlisjo sobre a Archeoto^ do Theatro Partuffuez pelo sr. J. M. A. fogueira. 19. Digitized by Google m HISTORIA OK POttTVGAL scieneias Sousa. Mas, apesdP da apropriação de parte do producto diversões aos enfermos pobres» as aimas devotas sempre se mostraram escandalisadas, qualificando os dra- mas e as sceiías de verdadeiras ciladas do demónio. O ciiroiiisla da coiiipaiihia de Jesus descreve-nos a oppo- sição ferrenha do mestre Ignacio, auctor da Cartilha Clás- sica, e pínta-o alH-asado em zélo no meio do luzido es- quadiiío de meninos» com que percorria as mas» pré- gando contra os vicios em geral e contra os theatros em particular. Em uma d*estas predicas o mestre Ignacio in- \estiu e dispersou a dansa saída do paleo da rua das Ar- cas, accusando-a de lasciva e de inventada pelo inferno*. É natural» que em algum dos pateos» que no século xm reuiííam os admiradores de ThaHa, fossem representadas» senão todas, muitas das vinte e quatro peças em um acto de Manuel Coelho Rebello, impressas em Coimbra (1658) e em Lisboa (1695) com o titulo de Musa Entretmida de Varm Entremezes. Os estados históricos» que nos períodos anteriores ti- nham sido cultivados por homens insignes, ainda conser- varam II este represeiitaiites illustres. Kiitre elles avultam Fr. Anlomo Brandão e Diogo do Couto, o prinieiío con- tinuador de Brito na in e iv partes da Monarchia Lusitana, o segundo continuador das Décadas da índia de Barros desde a quarta. Fr. Bernardo de Brito nascêra com a ima- ginação prompta e infiammavel de um poeta. Ha capítulos na sua Chronica de Cister, que os mellioies coloristas das esci)las modenias certamente invejariam. Grande pu- reza e abundância na dicção ennobreciam os outros do- tes do espirito» ministrando áquelle fino pincel tintas para os mais delicados cambiantes. Mais curioso» do que in- vestigador, a sua erudição, menos profunda, do que ei- 1 Balthazar Telles» Chronica da Companhia de Jesus. Digitized by Google DOS SÉCULOS XVII £ XVUI 393 tensa, procura o apparalo, f* nem sempre encontra h rea- lidade. Visitando quasi todas as minas e iogares notáveis do paiz coUigira copiosos apontamentos de todas as anti- guidades, mas a crítica leviana das apreciações, o pouco escrúpulo das asserções, e ás vezes a credulidade volun- tária roubam á i e ii partes do vasto inoiiumento, de que lançou os alicerces, o conceito e a auctoridade desmen- tidos pela introdac(^o de erros e de fabulas indesculpá- veis. Brandão recommenda-se, justamente, pelas quali- dades contrarias. Infatigável na averiguação dos cartórios do reino e no exame das chronicas nacioíiaes e esti anhas, até das mais raras, não acceita para a laboriosa reconstruo- C3o das primeiras epochas da nossa historia senão mate- riaes escolhidos e de provada solidez. A veracidade, que Brito tantas vezes ousára tratar de leve, serve-lhe a elle de divisa, e a sua rara comprehensão do sentir e crer da meia idade portugueza, maravilhosa em um escriptor do século XVII, quasi swpre adivinha sem esforço a hidole e a significação dos factos e as verdadeh*as raspes d*elles. Methodico, lúcido e circumspecto destrama sem preci- pitação os íios dos acontecimentos, pinta os homens e as cousas como os viu, e sem se remontar a grandes alturas nunca descáe da gravidade e singeleza cultas ^ < Sobre os eim e qualidades de Brito nai eu partes da Jtfonor- ehia lAuiiana, consultem-se o Ewame de AMigméaàM, impresso em iei6 por Diogo de Paiva de Andrade, a DefeniSo da JMmardtôi lâh iUana por Bernardino da Silva, sobrinho de Brito^ a memoria de Fr. Joaquim de Santo Agostinho Sobre os Codieei ManuãeHplot e CarioriodoRed Mosteiro de AMaça^Sí memoria de Fr. Fortunato de S. Boaventura no tom. vn das da Academia relatiTs ao auctor da Jlãonúrehia, o a Vida de BrUo por D. Antonio da Visitação Freire de Carvalho. Quanto a Brandão o sen elogio eneontra-se nos louvo- res com que o sr. A. Herculano apreciou na Bistoria de Pertu^ e ema outros csBcriptos a sua eompetem^a. * M mSTOUA BE PORTUGAL João de Barros, admirado pela formosura da linjCfiia- gem, pela opulência das iiaagens. o pela prui)iH,Ml;i(li> c riqueza da phraso, pegando da peooa po/« os olhos nas paginas de Túú Lmo^ e, tiHModo por modelo o liisioría-* dor legendário de Roma, entretece á imitação â'6lle a soa exposição de discursos, descripçSes e mov^ntos ora- tórios, matizados de íiguras e de cíires tão bella-, que mais se assimilham em muitos logares á tela de Houieio, do que iembram a sol)riedade doa grandes mestres gre- gos e romanos. IMogo do Couto, encarregado por Fi- lippa II de continuar as Êkemdas da Índia, nio podia com* petir com as prendas, que asseguraram a Barros a re* putação merecida de eminente j)r(jsa(ior. Muito inferior, como estyiista, suas faculdades eram, comtudo, mais apropriai ao olfido de historiador, e a rapidez com que componha parece quasi inacreflítavd. Desde que aeceitou completar as narrações de Barros até 1616» em que fai- leceu, sete décadas divididas em muitos livros, provara» a sua fecundidade, fadiga ímproba aggravada peia leitura dos documentos e memorias, que teve de consultar 1 Muito mais imparcial, e menos aulico, do que o seu predecessor, homem honrado e inisiigo jurada dos abusos, como de- monstram os diálogos do Soldado Frúiieo$ tíSo esconde, nem attenua a iiedioridez dos vicios, nem disfarça, ou descnl[)a as acções torpes. Antevê-se, lendo-o, e notando as sombras do quadro qual será em breve o desenlace da luta, que s6 uma raca forte, verdadeira raça de gigan- tes, podia sustentar. O lavor da phrase nSo o sedni. Thn- bra em ser justo e exacto, e a locução clara, e por vezes sentenciosa, exprime quasi seiíipi e » oin lealdade os sen- timentos que o inspiram, (juando o assumpto sobe sabe subir com elie, e a vehemeocia e os aâectos» as pintaras enérgicas, e os traços delicados nSo assustam, o seu ta- Digiiizixi by Coogle im êãooM xm E xmi n$ lento, mas não o tentam. Hyperboles arriscadas e con- ^ommi eeiloftroâiMdos, menos próprios de mngoslo poro, qo^ bim em partes a betieia desaièctada do seu livro. Estes prennticiospor poaco repetidos, se já aecusam a decadên- cia, ainda apparecem felizmente como nódoas fupritivas *. Manuel de Faria e Sousa escreveu em hespanbol, ver- sando com assidua diligencia as matérias cnticas e histo- rícas. Mais erudito do que elegante, e mais noticiosa do que agradável, deixa-se vencer pw vezes da soa inclina- ção ás exâgei ações, encarece, ou diminue os homens e os successos sem rasSo sufficiente, e nem sempre edifica sobre bases a^ segaras. Entretanto a Europa, a Am e a Africa F&ttugmzas encerram particularidades, que buscaríionos n'o«tra parte em vio, e o Epitome de Im Historias Porttiguezas offerece um resumo sem novida- de, mas claro o deduzido dos remados de todos os sobe- ranos desde Afionso Henriques até á dynastia da casa de Anslria. Duarte Nunes do LeSo, apesar de partidário do domínio castelhano, nem por isso desprezava as tradi- ções pátrias, de que íoi activo investigador, co?no attes- tam as Chronicas dos Reis de Portugal até Afiooso V. Compiladas dos antigos escríptores ainda inedftos no seu tempo, que Le9o nem sempre soube abreviar, ou trado* 1 Diogo do GoQto, naseido em 1812, estudou nas aulas do ooUe- gío de Sauto Antáo, í(â moço da camará de D. JoSo lU, e passou a seirir na índia na idade de dezeseis annos. Sobre os quilates do seu est> lo e câpaeidade como historiador escreveu largamente Severím de F^m» diiGWio pag. 148 a 157. D. Francisoo Maouel de Mello GÍta-o com kKim na oarta 4-i, e o licenciado Manuel Goneia no Ommentarío aos Lusiadas^ 10, 31, affirma a fidelidade de suas des- cripçõea Eiogtaram-o entre outros escrlplores estrangeiros 0. An- tonio Capmany no Di$mno IhreHminar âo Tlmfyro Butorieo CríHeo d$ Im JBhqmneh BêpaSola, pag. SS. Digitized by Google USTOBIA DE PORTUGAL sdcaeiaszir pâia a súa linguagem. Esta obra extensa, mas de pouco mérito intrínseco, não dispensa a confrontação dos origíDaes. Basta, por exemplo, comparar Fernão Lopes na historia de D. JoHo I com Duarte Nunes para se per- ceber a immensa distancia, que os separa, e para se notar quão longe comain já os liomens dos fins do spciilo xvi do coahecimento da vida e dos costumes da idade me- dia, que Dão entendiam qoasi, e que não admira, por* tanto, que não soubessem interpretar. As palmas cortadas por Barros longe de seccarem no periudu seguinte, reverdeceram nas mãos de tres escri- ptores tão distinctos como ^r. Luiz de Sousa, o padre Antonio Vieira, e D. Francisco Manuel. Encerrou o pri- meiro com chave de oiro o cyclo memorável da escola do século XVI. Fez o segimdo a admiração da primeira me- tade do século XVII suspenso diante do púlpito, ou antes da tribuna, do alto da qual sua grande voz abrasava os auditórios. O terceiro, finalmente, compondo nos idiomas castelhano e portugnez com igual mestria sobre os mais variados assumptos de prosa e verso, pela vastidão do sa- ber, pela flexibilidade do talento e pela formosura da lin- guagem mereceu o conceito de clássico nas duas litte- ratoras, que seus escriptos enriqueceram. Das tres obras, em que Fr. Luiz de Sousa empregou a penna, a Historia de S. Domingos, a Vida do Arce- bispo D. Fr. Bartholomeu dos Martyres e os Annaes de D* João IIJ, só uma, a ultima, podia admittir largueza de traços e maior diversidade de debuxos. A cbronica da ordem dominicana fechava o auctor no círculo ando e acanhado da íaadação e penitencia dos mosteiros. A Vida do Arcebispo ainda mais estreito campo lhe oíTe- recia, limitando-o ás modestas proporções da biograpbia de um religioso, que a mitra assustava como um castigo. Digitized by Google DOS SÉCULOS XVn E XYOl S97 e ao qual as honras prelaticias se afiguravam um peso scimcu» intolerável. £ entretanto como a uiagia do estylo espai- |^ rece e transforma tudol Aquellas mmorías quasi domes- ticas da existeDcia do arcebispo attrahem e prendem mais» do que um livro de novellas, e muitos capitulos da histo- ria monástica escurecem as narrações mais recreativas. Nos Annaes de D. João Hl, a que a mprte roubou a ul- tima lima, rasgavam-se horisontes mais amplos, e grandes acções convidavam o pincel a retrata-las; mas o raro me- recimento de Fr. Luiz de Sousa consiste em enlevar pela singeleza na apparencia desartificiosa, pela propriedade dos vocábulos, peio tom amoravel e ailectuoso das phra- ses, e pela graça moas vezes calculadamente innocente, oQtras sinceramente maviosa, qoe aviva a ex[M*e8âSo dos * sentimentos. Não é pintor inventivo, não solta vôos ar- rebatados, mas sabe tocar o ideal com tanta delicadeza, que as realidades, sem desapparecerem, como que se transfiguram e ficam outras. S3o exemplos d'esta facul- dade, propriamente sua, as descripçQes dos conventos da Batalha, de Bemfíca, e da visita do arcebispo ás serras do Minho. (Conciso e conceituoso, ninguém dispõe com mais regrada opulência dos poderes da língua, nem com mais arte e menos affectação soube nmica reger o gosto e a dicc3o, elevando-se com a idéa, e vestíndo-a dos en- íeitcs adequados. Os períodos harmoniosos e bem acaba- dos encantam o ouvido, como poemas, a prosa rica e fluente seduz como verso, e tudo o que desenha se anima e vivifica. Superior no género histórico a muitos dos cbronistas que o precederam, Fr. Luiz de Sousa nlo possnia, comtudo, os dotes críticos de Hrandão, nem os políticos de D. Francisco Manuel de Mello *. 1 Fr. Luiz de Soma, no século e antes de vestir o habito Há- mA de Sonsa Coutinho, conára com gnmde aproveitamento os es- Digitized by Google m HISTORIA P^ATOGÂL, Ao padre Vieira gran^^earam renome exactanieiite mui- tas das qualidades oppostis. Manuel de Sousa Coutinho, quebrando a espada, 8^puitcm*se rio claustro, desenga- ntdo das iMosões do seoiílo» a 96 se lembrava tahrei d'eUe por tlgmiia unidade buns viva, que as iMu^edes do most^ rediseretamente calaram. Q jesuíta, pelo contrario, devo- rado do orgulho da sciencia e cônscio das próprias for- ças, consei vára na vida monástica as paixões fogosas de tribuno a par das mais arraigadas aspirações politicas e de todas as vaidades de orador com que nascéra. Aquela atHividade ínqinela aehava ainda pequenos dois mundos para theatro de seus triiimphos, e m jurll,! ardente eloquen- ci?», julgando o púlpito apertado de riiais, nào duvidava desdobra-loem «róstro* ou em «agora» paraaffirmarthe- ses audaciosas. Goberto com o manto sacerdotal, fulmina- va, como prégador, não sé^as culpas e os maus costumes, mas os povos, os reis e os ministros. O idioma pátrio tor- non-?e em suas mãos um instrumento dócil, poderoso e irresistivel. Nifiofuem itie conheceu mais intimanieute os s^redos, ou lundtu de mais brilhantes metaes a liga, m que sinzekm as imagens e esculpiQ as pbrases. MasYieíra, Miando do eéu, nunca tirava os olhos da oôrte e da cidade. A aula politica era para elle o verdadeiro templo, e a elo- quência sagrada, único meio de publicidade da epocba, a tuilos de (Coimbra, e seguiia dt-pois a fí^iTeira das armas na milícia de Malta, ('aptivo dos inouro?^, lex e jj i tonipaiiheiro em Argel Mi- jíucl de (ATvantes, aiictor de 1). (Juix dIp, com o qual estreitou in- timas relações de amisade. Os louvores do seu engenho, como pro- sador, tOein sido geraes. Manuel d« Severim de Faria, disc. ii, pag. 8i V., Fr. Antoiíit) Ijiandão, Monairliia Lmitana, 4, 13, e 4, 12, Jorge Cardos, Dio^o de Paiva, 1). Francisco Manuel de Mello, Afologos Dialogaes, 38G, e u Padre Antonio Yiciia applau- dem unanimes nos termos mais expressiví^ as bellas paginas com que Fr. Luiz iionrou a pahia, a lingua vernácula, e o próprio nome. Digitized by Googlc DOA flBC0LO6 IVR B XfHI soa arma invênclvei. Estudando e affeiçoanáo as mais luzi- sàmám das galas immolaTa sem escrúpulo a idóa e a fòrma á sécto ^ de applansos, ao desejo de ostentar oiiginaUdadeemlodo, e á idolatria do próprio génio. A estes sifeetos transito* rios não hesitou niinci em sacrilicai* a verdade, a verosi* mllhaDça e a sua gioria mesmo. Se um principio absurdo, se orna opiniSo arriscada podia sobresaltar p^a noyidaâe, abraçaya-a logo, e propunliM escorada em sophismas e argucias ás vezes quasi pueris. Ouvindo-o, sentimos pas- sar sobre nós o sò])ro de uma grande alma, e cobrem-nos as azas de uma nobre intelligeDCia; mas aquelies arrei>a* tameutos, aquelies affectos» aquellas eommoções pouco ou nada dixm ao cora^. O amor, a fé, e a unçio fiil- tam. Abundam os primores em seus sermões, e apesar d'isso ])oucos são irrepiviíensiveis, e alí^ms, se abo- nam muilo os dotes do estadista, ri^o aííirniam as crenças do orador. Mais aiuda. As mamléstações espiendidas do génio de Vieira s3o empanadas repetidas Teses pelo ha- bito vicioso das empolas e dos equívocos gon^roristas, pelo abuso da anlitbese, pt^las subtilezas exliolaslicas, e até por jogos de palavras e de vogaes. Aqueile assom- broso talento, sempre apaixonado, e sempre tentado de audadas e temeridades, nSo sabia resistir ao gosto da epocha, ao amor do paradoxo e á vai();i(!t' de ser tido por propheta. Os imitadores, exagt j aodo-ihe os deleitos, pro- duziram verdadeiras monstruosidades, e apressaram a corrupção da arte e mesmo a perversSo da lingua, de que elle íòra tão zeloso e esmerado cultor K 1 Knlra nniitoft mrmõea «pplaiididoi de Vieira sobresáem o que prégou na Bahia em 1640 pelo Bom Suecem àm Armea Fcrtuguê- zas, o qual nmreeeu ser traduzido em francez, e que Boesaet nio engeitaria coroo uma de suas mellioree onçOts, o SerrnSe de Sanh ÀrUoniOy recitado em S. Luiz do Máianliflo em 1651, notável pela Digitized by Google 300 UISTOBU D£ PORTUGAL sdndas A exislencia de D. Francisco Manuel de Mello correu jj^j agitada e repartida entre u bulício das armas, os tra- balhos de uma longa perseguição, a par do estudo per- severante das letras antigas e modernas. Homem de ac^o, dotado de faculdades elevadas e de eradição vas- tíssima, amigo de D. Frandsco de Quevedo Villegas, cujo engenho tinha com o seu grandes aífinidades, e esti- mado dos homens mais doutos e dos príncipes mais iliustrados da Europa, versou com mão segura os géne- ros mais diversos e (^postos, e em quasi todos provou immenso cabedal de scienda. Afinado pela concisão ner- vosa de Tácito, molda as phrases e os periodos com per- feição, e, não só não evita, como procura a obscuridade e a suspensão elliptica, imitando o que chama chistosa- mente as travessuras do seu aactor predilecto. Prezando a propriedade e a correcção dos vocábulos, e preferindo á simplicidade nua a dicção ornada, quasi sempre foge das exagerações e enfeita os conceitos sem os carregar de ouropéis. O gosto pervertido da epocha não perdoou a muitas de suas paginas, as antitheses e os trocadilhos desfeiam n*ellas mais de um trecho; mas assim mesmo cedeu o menos que podia ceder á invasão, e nunca lhe sa- crificou a virilidade do estylo. O numero e quahdade de snas obras attestam a quasi universalidade do seu ge- t nio e dos seus conhecimentos. Politico, escreveu a defeza dos direitos de D. João IV e a justificação das rasões dos portuguezes para elevarem ao throno a dynastia de Bra- gança. Moralista, deixou-nos a sua Carta de Guia de Casa- bcHa e engenhosa allegoria dos peixes, admiravelmente sustentada, e o do Bom Ladrão, pronunciado na igreja da Misericórdia de Lis- boa em 1655, que é nada menos do que uma Ychemente declama- $8o politica, cuja ousadia espanta, considerados o tempo e o regi- men. Digitized by Goegle DOS SÉCULOS xvu £ xvm 301 dos e as saas Obras Morales. Historiador, provou a com- f petencia em algumas das Epanaphoras, na Historia de los Movimientos, Separatian y Guerra de la Catalufia, reputada clássica pelos hespaoboes, e no Taciio Portu- guez» ainda inédito. Soldado, mostrou que unia o saber â experiência da sua profissio, tanto na sua PoUtica Mt- Utar, como nos seus Tratados da Fortificação das Pror ças e das Insígnias Militares, Poeta as Tres Musas de Melodino e os Autos e Comedias aâirmam que a inspira- ção se lhe não mostrava esquiva. Critico das letras e dos costumes, os seus Ápohgos Dittíogaes, em que o riso e a ironia nunca degeneram em satyra, encerram toques de fina observação e pinturas excellentes, e mais aiada ao Hospital das Leiras ]uizos e apreciações exadissimas so- bre o mérito dos escriptores. £m epistolograptiia a coi- lecção de suas Cartas Familiares, impressa em Roma, hombreia em muitos logares com as de Vieira em graça, em viveza e em naturalidade. D. Francisco Manuel e o oratoriano Manuel Bernardes íorani os últimos represen- tantes da escola clássica da língua, e os últimos prosado- res que a ennobreceram. Depois d'eiies começa o período de trevas, e só de raros em raros intervallos surge um nome, cujo brilho momentâneo adelgaça a escuridão. Fòra injusto deixarmos do ai)onlar entre esses nomes o de Sebastião da Roclia Pitta, auctor da Historta da Ame- rica Poriíigmza, porque resgata com verdadeiras beUe- zas os lapsos gongoristas. Um período em que tantos varões illustres florece- ram, e no qual as manifestações do espirito saíram tão copiosas, e algumas tão apreciadas, não pôde ser qualifi- cado com verdade de estéril, ou de obscuro, nem devem, sem motivo, attribuir^se a influencias pérfidas e calcula- das do governo hespanhol as causas, em grande parte Himillà DK MmOAL MiMiMneraes, que ao %ax cteterminaram a declinação ^laaá toUl dos 6fiM<Mi « <^ l^ofito, deoliii«clk> nasci ifiHlaçSo infelit do eslyio do&omiiiado cuko e da ^ada e funasla du ecç^o, que. toraáraquasi exclusivamente ec- eiesiastico õ eiismu, lião só itós ooilegios da < (iiupauhia de Jesus e das outras ordens» mas alé no seio da univer- sidade de Coiflibra. Suiocadas ao berço pela renaaGeiír ça aa tailativ» para a ereacio de uma Mttenitura nacio- itâl e impostas pelos legisladores do Parnaso as poéticas como invioláveis, a imaginação vegetou cai>liva em um ekciiie apertadíd, que a íiual rompeu, ims para se entre- ^ ioa deavariose esgares do delírio googorísU. Nos^ eoloxvi a liogua aperfeiçoou-se earítiaeeida cosa «s obras de Ferreira, Miraoda, Gamões, Barros, Lucena, Arraes, Heitor Pkito e outros escriptores, e os domlmos da poe- sia» (^iltivados c(Mn desvelo, desataram-se em íructos e floreSb Na pnaaeira netaâe do século xtii» cohio acabá- ttfts de usr, as tradicíles dos honiets eodBeotes do tempo de TL Manoel e 4e D. Mo ffl aiKda nio estavam oblite- radas, e Fr. Bernardo de Brito, Vieira e Fi\ Luiz de Sousa ftlo tinhaDft de que se envergonhar, compai^ando suas pa- ginas com as d'elles, nem Brandão, Duarte Nunes, e D. Franoisoo Manuel, coBfrontaiido seas trabalhos bisto- ríeos oom os dos ébronistas anteriores. Mas o impulso parou, e as forças intellectuaes con^- liadasja se nâo sentiam com o \ iiror necessário para de- bellarem a enfermidade e operai em a mudança, em que de¥ía «oiiislár «a salvação, sioudindo « tuiek dos maus preoeilia, seeularisando « íntnKçio, ahriado novos ca- minbos ás idèas e á léma, e <;einbaiMftlo a cemipção litteraria com exemplos, único modo efficaz de renovar a l epublica das letras desde as bases até á cúpula. Nada dislo ao fei^ porque se não pedia tear. A iniciativa indi- Digitized by Google DOã SÉCULOS 1¥U £ XVIii m ylditiil era muito fraca para hitar contra a torroDte dos qiii3 liaham nas imos a ediicação da juventude, e por meio d'eUa o futuro da sociedade. O governo de Madrid cruzou 06 imiços. Nio tm [)arece ^ ièe restasae outro artMtrio. Nas it^es da ialeUigaocia aa imetícas • «r* nadias bIo se decretam. Os Filifjpeii mandaram tm^m» por Conto as Décadas da Índia, privilepiaiaiii a impres- são das chronicas de Duarte iSunes e das ol tras deFr.ôâr*- nardo de Brito» e protegeram aaboas artes cam o poooa aélo eom que procediam em tudo, mascom o desejo po- sitiw de as ajudar. Se as reformas repetidas do ensino se- cundário e superior termiiiaram pelo triunipiío <Mímpl^o do io&Ututo de Santo igaacio, os primeiros passos para iaao datavam de loqge, e a O. ioio iii e a D* Sebaatiio eaèem eom maia ftmdamenie as iMíndpaee i esponsaM- iídades do mal. Quando slíIííu ao throno a dyiia^tla tia casa de Áustria, achou a companhia de iéms m coiè^gk) daa «tas, aotioo a «mvarsiáade avataaUada, viu 6a seim eoiiegioa abeitoa e eoBeonídoa em Iodas as lenran pHn^ cipaes, € ella senhoi a da vontade das novas ^ra^ões pe- las aulas e pela educação, e do coraçío da> íaiinlias i>eio cofilèssiOBario e pelo puipilo. Precipitada das posições eecqmdas nao seria eomaaeltimento Ml panreíswMí»- mes, e muito menos |iara prâMMpss ostvaiiffeífee. Akm d'isf;o a actividade litteraria, desenvolvida nos sossenta annos que durou o seu regifiíen, a perfeição que a lnigi*a attingiu, apesar da castelhana ser considerada n'aquelie tempo quasi a língua universal, e a mesma escolha dos assumptos quasi todos destinados a espertar no paiz a meiiiona de seus feitos, inculcam bem, que o gabinete de Madrid não concebera» nem intentara pôr em execução o tenebroso plano de coDspirar com os jesuítas a mutilando inleltoctual do reino. dOi niSTOIUA DE PORTDOAL DOS «ECXSWS XVU B XVIU Se os escriptores não desíhictavam plena Uberdade, se o índex e a censura comprimiam o pensamento, a colpa foi mais do fanatismo dos súbditos, do que da acçio violenta do poder. O odio ás heresias e ao judaismo e os pi iiicipios exclusivos existiam [mais vivos no ensino da plebe e das classes medias do que mesmo nas idéas do cie* ro. Quanto á censura politica nSo julgámos também que pesasse com demasiado rigor, lendo os opúsculos de João Pinto Ribeiro e os livros de vaticinios e promessas, que serviram de prologo á revolução de lt)40. O governo hes- panbol limitou-se a prohibir em 1623, em 1627 e em 1632 que se publicassem relações» gazetas ou noticias dos suc- cessos contemporâneos sem preido exame e licença do desembargo do paço, e a não consentir a entrada das obras impressas fóra do paiz sem o tribunal as ver também. Estas disposições só se tomavam oppressivas, quando a intolerância religiosa se valia d'eUas, e em geral quasi que estavam reduzidas a pura formalidade. Em todo o caso fòra pouco justo querer deduzir da sua execução todas as causas de atiazo scientifico, ou as rasões eíQ- cientes de males, que escondiam a origem nas entranhas dos vícios sociaes. O espirito do paiz resentia-se do seu estado moral. Quando todas as faculdades pbysicas es- moreciam quebrantadas» seria quasi loucura suppor» que as intellectuaes podessem resplandecer como nos curtos dias de prosperidade e elevação ^ 1 Ahaiá de 16 de novembro de 1613 e cartas r^as de S5 de jMMÍio de 1617 e de 31 de maio de 1631 Digitized by Google LIVRO IX PARTE IX tom V 3ff Digitized by Google Digitized by Google LIVRO IX PARTE IX FORÇAS SOCIÂES CAIUILLO I O CLERO ImKurtancu do «»ta4o 04x|c!íum»Iicu. Lutas aos priiueirQj^ sdcuIos da mOQarcbi% eatre a «orAa • o éUtt^^k «wia ronaaa. ConwrdâtM d» d-rel ft. BlBUL—FolttlM d«s aobimMi do nonlo xvi. Sw latia» alKança can a Ign^a. Ifon» pvMligiot. Iib- sidios ecdesiasUcos. Promessas do Filippe II ácerca dos beos do cloro. >-Vi(4en- cias de Olivares. (?ran'1f a<'rnnmlar5o de proprif f1if^?s ecdcsinsticas nos séculos iTi e xvjf . Koiua e seus cQlleclorõi. — .Odio provocado pela adminUtraçlo do oonde dn^e. Effeitos da excessiva riqueza do clero secular e regular.— Conventos de fm- taf. Oompt^Mt mnadant* do>flnde«. âlaqnidclo o saalnlIneBcliaolm o eart* cttr a os dMtinos do porv. As influencias theoci^aticas tinham sido preponderantevs em epocbas mais antigas, e no século xvii ainda eram bas- tante poderosas, e Oio poderosas, que o donúmo da casa de Áustria» minado por ellas, succumbiu, e que a dynastía de Bragança lhes deveu em grande parte as forças, com que snslentou a revolução do \ ° de dezembro. O clero e o mouacbismo, ligados» dispuniiam de largo poder em uma epodia, em que a opinito m quasi toda formada AOS dauatrosi nas sacristias, nos púlpitos e nos conflasio^ narios, e em que a inslrucção, viciada e rachitica, não ti- nha Quasi de secular senão o nome. Em 1580 Filippe 11 en- contiira nos monges e nos clérigos ousados adversários» % Ifrra Obligado a desarma-los» alternando o castigo com oa Diyilizeo by GoOglc m HISTORIA DB P0BTU6AL Odero prémios e com us promessas. Mas a memoria dos rigores licou mais viva, do qae a lembrança dos benelicios. Fi- lippa III, devoto por índole e por educação, e o doqne de Lerma, religioso por calculo e por sentimentos, pro- curaram sempre assellar em todas as circumstancias a sinceridade do seu zèlo pelo serviço de Deus, e a expul- são dos mouriscos provou até onde o fanatismo podia arrasta-los. Portugal do meio das calamidades, que o opprimiam, mantinha cada vez mais liva a luz da fé, e írequeiites vezes motins v i)erigosos lumultos mi diversas terras do reino contra os hel)reus conversos Linliain pa- tenteado o ardor sombrio dos ódios populares e o aferro do vulgo á unidade das crenças. Os soberanos naturaes, gratos á protecção do braço di- * víno, haviam assignalado a sua piedade desde AiTonso I em monumentos grandiosos, enriquecendo os mosteiros, as cathedraes, e a milícia das ordens de cavallaria reli- giosa com tanta liberalidade, que em 1581 os seuspre* díos rústicos eram avaliados quasí na quarta parte da su> perficie arável do paiz. Templos sumptuosos, conventos construídos e dotados com largueza, doações í,^enerosas e incessantes de herdades, quintas, villas. senhorios, e rendas abonaram desde o berço da monarcbia a extensão da munificência real. A devoção dos particulares, esti- mulada pelas idéas commuos â epocha, e explorada com supplicas e conselhos não se mostrara menos faci! em lo- cupletar os que o remorso e os terrores da eternidade lhes representavam como depositários das chaves da sal- vação. O clero» pelas suas riquezas e pelas profundas i ai- zes lançadas no solo e no animo dos habitantes, constituía de certo a classe mais opulenta, e, unindo o império abso- luto das consciências á imijortancia dos mais amplos pri- vilégios, tornara o seu voto preponderante e decisivo em Digitized by^Google DOS SÉCULOS XVn E XVlli 309 muitas occasiões, pesando na balança dos destinos pu- o rim» blicos, qualquer que fosse o lado para onde se inclinasse. Os povos, aíTirmando em 1579, que o reino com mais rasão ixmíi.i rliamar-se da if^reja, do que ns cidades de Itália, cuja cabeça ora Homa, pouco, ou nada tinham eiuigerado a verdade. Nos primeiros séculos da monarchia a ordem ecclesias* lica íiinda íòra <le certo muito mais poderosn, constituindo na realidade um estado no seio do estado. (:onii)OSta dos bomens mais aptos e iliustrados, dos prelados, dos có- negos das catbedraes e das coliegiadas, dos abbades, prio- res, e gnardiSes dos institutos religiosos e mendicantes, e dos cavalleiros e commeiidadores das ordens militares dominava o conselho dos reis, v quasi todos os i atiius da . administração, e ingeria-se em todos os negócios públi- cos e«pariiculares. O papa era o sen verdadeiro chefe, e Roma a sua verdadeira cabeça. A violência das contesta- ções entre o clero e os soberanos da primeira dynastia até D. Diniz prova ao mesmo tempo o orgulho dos pon- tífices, a ambição dos ministros da igreja, e a tenacidade da resistência do poder real supplantado, mas nmica intei- ramente vencido na defeza de suas prerogativas essen- ciaes. A Unguagem dos dociimentos da cúria romana e os actos dos seus legados mostram até que ponto subiam as exigências do Vaticano, e qu^o arreigado es- tava o convencimento da sua superioridade. O vigário de Christo não hesitava em avocar ao tribunal da santa sé o conliecimento dos assumptos mais prr nves, mesmo tem- poraes, e, fulminando a desobediência dos principes, como erros contra a fé, arrancava-lbes a corOa, desligava 08 súbditos do juramento de fidelidade, e dispunha dos reinos como de feudos, ou de cousas próprias. O clero, da sua parle, unido em idéas e em interesses com a cu- . kj, i^cd by Google aio HBTORU DB PORTOGAL O ctaw ria» sustentava as pretenções do papa, e valia-se do terror das armas espirituaes para as fazer prevalecer. Os elsas- tros, seus alliados seguros» engrossavam em todas as èon- tendas as iileirns da ordem ecciesiastica. As abbadias e os conventos, enriquecidos pelos monarchas e pelas fa- mílias nobres, empregavam sem escrúpulo a influencia, que lhes deviam, contra os bemfeitores^ A introducç9o dos dízimos, generalísados na segunda metade do século xii, rúo concorrêra pouco para augmen- tar a importância dos mosteiros e rathedraes federados contra a corôa em todos os conflictos, em que ella teve de lutar com a côrte de Roma. Os pretextos não faltavam. Os papas, arrogando*se a mísS9o de dispensadores su- premos da justiça e de defensores natos dos opprimidos, seguiam os passos de Gregorio YII e de Innocencio III, e eram no meio do cahos da meia idade a única força mo- ral reconhecida e respeitada. Ao domínio t9o illimitado do poder espiritual haviam juntado a intervenção poli- tica, e, hivocando as liberdades e as immunidades da igreja, a voz dos successores de S. Pedro, qn-isi como voz do Deus, chegava a toda a Europa, e o seu in aco armado do raio das vinganças celestes feria as cabeças mais soberbas. Estendiam o império ião s6 ás pessoas e ás cousas sagradas, mas aos menores incidentes da vida civil, que por qualquer modo envolvessem sombra de ecciesiasticíjs. Matrimónios, testamentos, doações, pa- droados, contratos, juramentos, delictos, impostos, quasi tudo sem excep$9o, podia ser chamado á sua jurisdic(3o > Aflbnso Httiriqoes dotou msis do cento e eineoenta ianju o nMMtoirot de difforenlet ovdeni. Sancho I e leiís successores foram ifwlmeute generosos com elles. Sobre ai lutas do clero e dos reii da primeira dynastia vide HUioria dê Portuffol |»elo sr. A. Heicu* nm^ tom. nem. Digitized by \ wm SBCDLOfl xm e vm 311 para ser decidido pelas leis canónicas. Posta a questSo o dm n'este8 termos, e interpretados assim os privilégios sm* piíssimos da igreja, ninguém estava no caso de dizeraonde eiles terminavam. Vendo temidos, opulentos e impunes US que a serviam quizeram todos participar das mesmas vantagens, e a ordem clerical cmn máximo desdouro seu foi invadida por uma plebe de homens indignos e de mal- foitores tonsurados, que buscavam, não nos altares, mas ao ahriíTO (Telles, refugio contra a expiação dos crimes, amparo para a soltura dos attentados, e escudo invul- nerável, que os cobrisse do castigo dos mais desregra^ dos costumes ^ Não podia proloní?ar-se Simillianle estado, e coube a D. Diniz a gloria de ibe pôr termo, congrassaodo as maio- res dissidências, cedendo o que já era impossível manter» e affirmando os princípios que deviam assegurar a inde- pendência do poder real. Reconhecidas as liberdades da igreja, arreigadas nos costumes, e confirmadas pelo di- reito canónico, converteu-as em leis pátrias, límitou-as com prudência, e cortou pela raiz os motivos de Inter- vençUo á cúria romana. Estas resoluções, approvadas pelos prelados, denominarain-se Concordatas, e ficaram formando as bases principaes do direito ecclesiaslico d'aquella epocha. O rei, mostrando-se liberal com o clero nas pretensões individuaes e na questSo disputada dos senhorios das terras, acabou de o reconciliar com a co- - & Carta de AfTonso IV de 1352 aos bispos do reino soliie os ex- cessos dos rlpriíos mnlfeitores, Synopte Chronologica , tom. i, part.x. — Lobão, Dittertação sobre os dizinm, art. 4.» — J. P. Ribeiro, Reflê' xões Hiíitoricas^ part. I, ii.«9. — Voigt, Historia de Gregorio VIL — Hurler, Historia de InnocMOQ 11! e dc feu Século.— Coelho da Ro- cha, Ensaio sobre o Governo e a í^itlação de Boríu^al, art. 3." — Monarchia ÍAuUana, part ti, liv. xviii. Digitized by Google 3i2 UISTORU BE PORTUGAL O clero rôa, e esta pôde sem receio oppor depois suas recusas for- maes ás novas instanci.is de Homa. Desde então o braço ec- clesiastico, em vez de hostUisar a realeza, coritentou-se «com a manutenção das próprias regalias. consoUdaado, e procurando tomar mais extensos os vastos domínios que tinha conquistado. Suas immensas possessões, isentas de todos os encargos, nem pagavam contribuição alguma, nem solviam o imposto pessoal da milícia. Nos coulos da igreja não entra\ aui os exactores do fisco real, e os cultiva- dores, que os faziam valer, não pegavam em armas senão á voz dos prelados. Os bens do dero, immobilísados, nãd en- travam na circulação do commercio. Os foros ecclesias-" ticos impuiiiiam iini veto quasi absoluto á aceão das leis criminaes, e em parte á acção da justiça civil. D. Diniz intentou minorar estes males até onde o julgou exequível, prohlbindp ás corporações a compra de prédios rústicos e urbanos, ordenando dentro do praso de um anno a alieiiação dos illegalmente adquiiidos, e estendendo o mesmo preceito aos prédios bavidos por beranca. Log() depois descarregava D. Pedro í um golpe ainda mais fundo na influencia directa da cúria, decretando o bene* placito régio como condição indeclinável da publicação das letras e rescriptos pontifícios em Portugal *. Mas as leis de desam ji ri-ação e o placito régio encon- traram obstáculos na execução, foram iUudidos com fre- quência, e não preencheram sempre os seus fins. Roma, deixando de combater de rosto, soube no essencial con- servar o antigo predomínio, e por via de legados e de collectores babeis, nâo só estreitou a intima dependência • T Concordatas deEI-Rei D. Dmiz de 1289 e i290.-'Lei de desamortisaçSo de Si de março de 1286 e de ML^MomnAia ÍM" siiana, part. v, liv. clxx.— Ordenação Affomnaj Ut. n, tii v e xiv. Diglized by V BOS SÉCULOS XVn B XTOI 3iS a que não podia negar-s6 um paiz catholico iVaqueUes odero tempos para com o chefe da igreja, como ainda alcançou mais, encaminhando todos os annos para os seus cofres as avultadas quantias derivadas das annatas, do provi- mento dos beiíeíicios, da concessão das indulgências, das dispensas, e das outras graças apostólicas, muitas vezes expedidas com offensa da legislação do reino. Bulias suc^ eessivas sanccionaram com a annuencia dos soberanos nto poucas das pretensões sustentadas anterionueute pela santa sé. A coroa reconheceu, que as pessoas e os bens do clero não podiam ser coUectados para acudir ás ur- gências do estado sem auctorlsaçlo pontificia, e nlío poz duvida em admittir, que pertencia ao papa dispor das terras ultramarinas descobertas, tanto no temporal, como no espiritual, considerando-a^ ^eclesiásticas. Na primeira metade do século xvi D. João iU pedia a Roma a sua ab- solvição por ter desoccupado alguns presídios de Africa^. A revolução iniciada no reinado de D. João II em favor da unidade monarchica achou na ordem clerical um au- xiliar zeloso, mas nâo desinteressado. Os monarchas á proporção que foram concentrando os poderes, não se / esqueceram de a attrabir e recompensar com novos pri- vilégios. D. Manuel concedeu aos mosteiros, ij^rejas, e pessoas ecclesiasticas plena isenção das sizas, portagens e dizimas, e mandou émendar na sua Ordenação as dis- posições, que lhe apontaram como contrarias aos cânones. D. João III habilitou os clérigos para os officios da judi- catura, e para votariam nas causas crimes penas de san- gue. O cardeal D. Henrique na sua regência mandou guar- dar sem limitação os cânones de Trento não aceeitos por * Coelho da Rocha, Ensaio sobre ójGovernc\e a Legislação de Por- tugal, art. 3.% 6.« e|M)cha. Digitized by Google S14 HKTOMÀ DE PORTUGAL cteo moitas nações na parte em que proclamam a antiga sit* premaeia pontificia sobre os governos, e D. Sebastião, nlo só ratificou este acto, como escreveu aos bispos, que usassem livremente da auctoindndo conferida pelo con- cilio, embora fosso í'm prejuízo do poder real! Na con- cordata de 1578 ampliou a jurisdição do clero aos esta- belecimentos pios» ao padroado das igrejas e a todos os bens da mesma natureza, declarando suas rendas quites da Inspecção das alfandegas e dos empregados fiscaes. A cúria romana liriíia conseguido, pois, a mais completa satisfação. Via a administração quasi subordinada á igreja, e a sua influencia mais acatada do que no século xiu. Não a haviam coadjuvado pouco para obter estes resultados 08 esforços da companhia de Jesus A politica tomára pelo* menos tanta parte, como a de- voção, n^estes testemunlios de beiíevolencia. O apoio de uma classe poderosa e ramificada merecia alguns sacri- flcios. O clero correspondeu á benevolência dos sobera- nos, e apesar da sua repugnância em concorrer para as despezas publicas, expiou em mais de uma occasião o valimento â custa de suas rendas. Mas nas grandes tem- pestades as nuvens mais carregadas passavam-lhe por cima da cabeça sem o offender, e, obrigado a ajudar o rei com donativos, ou com subsídios, depressa se res- taurava, porque a fonte de seus proveitos sempre ma- nava perenne. Quando a necessidade apertou os reis, nunca estes mostraram o menor escrúpulo em pedir ao estado ecclesíastico uma quota importante, e a cúria nunca ^ As constituições dos bispados, códigos systematicos mandâdos observar em cada diocese pelos prelados, revelam até onde ousa- va levar as consequências da sua victoria a reacçfío religiosa. 7- Lei do i." dc aí,'os(o de 1498, e alvará de 12 de setembro de i664.—. Pedueçãú Cimmolo^ca, part i, div. v. Digitized by DOS SÉCULOS xvn £ XVUI 315 se IncQlcoti demasiado remissa em acceder a supplicas o dm fundadns m< urgências da guerra contra os infiéis. Le3oX concedera a D. Manuel o rendimento da bulia da cruzada» avaliado em perto de 400:000 cruzados, assim cmo a terça de todas as rendas ecclesiastlcas, e o mais que as representações dos prelados e das corporaç?5es religiosas podernm alcançar foi que o monarcha acceitasse em troca das terças o donativo de 153:000 cruzados. O piedoso D. JoSo III soube aproveitar estes exemplos. Paulo IH» d3o menos condescendente do que LeSo X, auctoríson*o a cobrar mais duas decimas sobre os bens ecclesiasticos, e o papa allegava depois ao nosso embaixador, como prova de sua rara complacência, os clamores com que os interessados haviam estranhado esta graça» de que Roma» todavia, colheu grosso quinhão. El-rei D. Sebastião, var- rendo todos os cofres, sem perdoar aos dos estabeleci- mentos de caridade» impetrou de Gregorio XIII para soe- corro das armadas extraordinárias a concessão da buUa da crazada, ê» absorvidas as sommas que ella produziu, ainda obteve doValicano um subsidio do clero, de que foi nomeado collector o filho natural do arcebispo de Lis- boa. O infante D. Henrique na sua regência havia-lhe aberto o caminho, e a memoria dos vexames da sua ar- recadação ainda estava tio viva, que os prelados e as ordens religiosas preferiram uma composição, e offerece- maeúcpontaneameníe 150:000 cruzados*. Fillppe II, decidindo com a espada do duque de Alba o pleito da succes^o» desejava firmar em alicerces mais 1 Sobre a importância das sommas auctorisadas pela euria ro- mana por conta dos rendimentos do dero portoguez consultem-se aa «Instrozzíone al Coadjutora di Bergamo* na SymnkUí Lwitana, roh xn, coUecçflo da bibliotheca da Ajuda, e fiarbosa^ Memomê df ^hBH D, SíAaaiSo, part iv, Iít. I; cap. xiv. Digitized by Google 3i6 HISTORIA DE PORTUGAL odtro sólidos, do que a força das armas, os desliaos da sua dy- nastia, e não ignorava que lhe era indispensável para isso nUo só a neutralidade, mas a boa vontade do clero. Db- Uiiij.Klo \u\v é^sle pensamenU) ufio hesitou em capiliilar com c\k nas curtes de Tiiomar, afiançando-lhe que as pre- lazias, alibadias» benefícios e pensões seriam providas em súbditos portuguezes, assim como o elevado cargo de in* quisidor geral, e as commendas o ofScios do mestrado das tres ordens inilitaics, o di» priui ado do Crato. Foz mais o rei catholico. Promctleu em seu nome e no dos seus snccessores não repetir as contribuições com que os tres reinados anteriores haviam cansado o patriotismo do braço ecclesiaslico *. Filippe III, já menos pi udente, soube comtudo, recuai .i it iupo. A resistência manifestada con- tra 03 indultos negociados com os christãos novos abriu os olhos ao duque de Lerma, e mostrou4he as verdadei^ ras forças da theocracia, e o [)erigo de provocar a sua iniinisade. Mas o eonde di^ Olivares, altivo e despótico, tomando acircuiiis[)ecrâo porfraijueza, não duvidou con- citar contra o seu governo os ódios mais implacáveis, e de propósito deliberado maltratou o clero nos interesses B no orgulho. Alem do tributo da cruzada perpetua, e do subsidio i)or ironia denominado voUnUario, expediu aos tribunaes as ordens mais terminantes para )»i onioverem zelosamente a reivindicação das capellas usurpadas pelos mosteiros e para a restricta observância das leis de des- amortisação, e nomeou uma commissão encarregada dos actos e dos inquéritos preparatórios. Estes golpes não ' Carta paí^nto em que ostâo iiicorpondos os capitiiius que os trps estados do reino apresentaram a El-Rei jias curtes de Thomar, a)>ertas etn ^ dc abril de 1581, e as respostas dadas por Sua Ma- gestade. Digitized by Google 1 BOS SÉCULOS Xm E XTID 317 podiam deixar de excitar grandes resentimentos, e a exe- o úuo cução do breve, que extorquia aos prelados a renda de ummez em cada beneficio, veiu ainda exacerba-los, aggra- vado com a reteiirão de um quartel dos juros, tenças e salários pagos pela folha da alfandega de Lisboa. Esta quebra na fé publica, recaindo sobre a extorsão recente de um donativo de 200:000 cruzados, affectava de perto, não só os templos e os claustros, mas os orphios, as mi- sericórdias, os hospitaes, as confrarias e as irmandades. A indignação qiiasi geral triplicou as forças dos inimigos do governo castelhano, e Filippe IV, perdendo pouco de- pois o reino, arrependeu-se de certo, mas tarde, dos er- ros e violências do seu ministro^. 0 procedimento do conde duque foi indesculpável. Nunca devia ter assim lançado a luva a uma classe, que não carecia de envidar grandes esforços, para associar todo o paiz ao desaggravo de suas injurias. Se em dias de estreiteza a igreja se negava a acompanhar o povo nos sacrificios, aspirando a conservar e augmentar suas ri- quezas, ensinava a boa politica o modo oppoilLiiio dt: modificar e de punir até este demasiado apego aos bens temporaes. A opulência do clero dava nos olhos, e o es- pectáculo do seu egoísmo cedo irritaria os que o vissem immune e indifferente no meio das desgraças publicas, devorando a melhor parte da substancia publica, e tra- tando a pátria quasi como solo e^trnnlin. Havia muito que os procuradores do braço popular tinham arguido em còrtes a cubiça e a avareza do clero, lançando-lhe 1 Carla 1 t gia de de setembro de 1629 sobra as capellas sone- gadas. ^Alvará dc 20 de abril de 1G13 mandando cumprir a lei que prohíbía a accumulaçâo de bens de raiz em poder de corporações de iii<io morta. — Consulta da mesa da consciência de 10 de maio de 1634 e resolução de 19 do mesmo mez e anna Digitized by Google HttTOIUA DS PORTUGAL odiro em rosto a fórma por que adquiiia us beuó e o mau uso que iazia d'eUes. Se alguns mouges nos séculos iii e im haviam ediâcado os fieis» desbravando e cultivando as terras, corando e âoccorrendo os pobres e os enfermos, e ensinando os ignorantes, as propriedades da igreja ííos séculos XVI 6 XVII, arruinadas e cobertas de mato, ou aioradas com dausulas leoninas, bem mostravam a ditle- rença dos tempos e a mudança dos homens. Os fins nlo justificavam a accumulac9o e muito menos a sua esterili- dade. Os prelados, salvas raras e honrosas excepções, assim como os monges e os reitores, uàu subrcsaíam pelo esplendor das letras, pelo exemplo das virtudes, ou p(^la utilidade pratica dos serviços prestados á religião. A ao- çio de uma prosperidade constante gangrenára pelo con- trario muitos membros» e entorpecéra» ou paralysára ou- tros. As riquezas do clero eram já tão iraporíniites no lempo de D. Joio III, que as instruciiões dicUdas ao núncio coadjutor de Bergamo pela cúria romana as calculavam em mais de i milhão de oiro de renda, do qual a Santa Sé podia dispor (juasi na totalidade por uma ou por ou- tra via. O arcebispado de Lisboa liiiha 6 contos de réis de rendimento com o encargo de uma penslo de réis i;5(XMtOCK) ao cardeal D. Henrique. O arcebispado de Braga nlo valia menos» e pagava igual pensio ao inftinte. O bispado de Lamego subia a 2:500^9(000 réis e mesmo a 3 contos, podendo el-rei distribuir 2:000 cruzados pelas pessoas que designasse. O mosteiro de Alcobaça produ* zia liquidos para o commendador» porque era dado em oommenda» i:IMKMíOOO réis. A mesa do priorado de Santa Groz orçava, termo médio, por 6:000 cruzados an^* nuaes coui uma pensão de 1:000 cruzados pura 1). Pe- dido da Costa^ bispo de Usma. O mosteiío na camaia Diglized by âicouM xyu M vm m apostólica ejitava taxado em á:OUO cimados*. S. Salva- o ciao dior de Grijó rendi:) 2:000 ducados. O bispado de Aogm, o mais pobre de todos» só fòra dotado com 500 crazados amraaes. Os curiaes suppunbam que as commendas va- gas no aaiiu de 1537 passavam de 100:000 cruzados de renda. As ordens militares não eram menos ricas. A de Christo, alem da doação da ilha da Madeira e de ouii as terras descobertas» possuía já do reinado de D. Joio 11 120:000 ducados de rendimento annual. No de D. Ma- nuel acresceram-lhe a decima da navegação da Ethiopia e da índia, e mais 20:000 (iULaik)> sobre as parochias UOiditô ao mestrado» e as igrejas não providas ou proxi*. mas a yagar» que segundo a letra da bulia de Leão X de- viam ser encorporadas, as quaes n3o montavam a menos de 80:000 ducados. As ordens de Avíz e de S. Tbiago des^ fructavam pelo menos 30:000 i inçados mensaes, com belld$ propriedades territoriaes, commendas rendosas e bons beneficies^. As ordens religiosas, em geral, iam* bem possuíam grossas rendas» especialmente as de ivaof daç3o antiga. As modernas mesmo, e entre eltas a cumpaniiia de Jesus, tinham saindo aproveitai -se das cir- riimstancias. Em vinte e três annos (desde 1540 até 1563) o instituto de Santo Ignacio elevara o seu rendimento annual a perto de íO:000 cruzados. Nlo deve por isso admirar que os bens de raiz dos mosteiros» biq[»dos e A Aj'chivo uacioual da Torre Uo Tombu, CoiUeçãú á» S, VietiUês liv. I, fl. ^ e 55. 2 Sifmmictaj yol ir, 11. ^32.— Arcbivo nacional, Collecção d$ S. Vicente, liv. i, pag. 45. — Instruz. an núncio coadjutor de Berga- mo, datadas de 1537.— Bibliotheca da Ajuda, Symmicta, voL xxxiu, fl. 149.— Aichivo nacional, niaç. 3, n.® 353 de Cartm mimvas. — htst)'ucções a D. Pedro Maêearenha$, embaiaeador rai Monitaj Moê m iú da ain il dê im Digitized by Google ^20 • HISTORIA DE PORiUGAL m Odero igrejas constituíssem uma parte principal, talvez á mais valiosa, do domínio rural do jiaiz, e que em 1538 D. João III pedisse ao papa auctorisaçâo para a cui òa aforar em foteusim os prazos ecclesiasticos em vidas, que constassem de casas, vinhas, olivaes, hortas e moinhos, podendo augmentar os fóros e empregar nas despezas da guerra contra os laíieis as souimas colhidas d esta opera- ção *. Na primeira metade do século xvii o clero ainda os- tentava grande poder. Embora tudo estivesse decadente, e as outras classes, começando pela cia nobreza, se quei- xassem com rasão dos apuros da epocha, as bases, era que assentavam os alicerces da sua fortuna, eram muito soHdas- para se alluirem com as calamidades, que feriam a todos. Em 4632 um orçamento fundado nos cálculos, de certo nada exagerados, remettidos pelos prelados â junta incumbida da repartirão do donativo dos 230:000 cruzados, avaliava em 2.301:402 cruzados todas as ren- das ecdesiasticas, incluindo o clero, as corporações re- ' ligiosas e as ordens núlitares. As dos arcebispados e bispados do reino não baixavam de 300:000 cruzados annuaes, e as dos mosteiros e do ciero secular excediam 9ãS0:000 cruzados. As ordens militares de Ghristo, Aviz e S.Thiago comprehendiam, em 161 i, 592 commendas, cabendo ao mestrado de Christo 456, ao de Aviz 54 , e ao de S. Tliiago 85. As comnieíidas de Iodas as ordens rendiam mais de 150 contos de réis coin o ónus de apresentarem promptos e armados para a defeza do reino 1:505 homens do cavallo. Havia conunendas de 3 con- ^ DUterta^ chrotulogieas e eríHeaSt tom. ir, part ii, app. XIX. — Nota extrahida de um livro do punho do secretario Ruy Dias de Menezes. Digitized by Google DOS sfictJLos tvn E xvni tos, de i conto, de SOOmo, de 400(i;000,. de aoOj^OOO» o de 2004^000 e até de 50|$000 réis de lotaçSo. Os com- mendadores pagavam meias annatas á camará apostólica e a quarta parte do rendimento em compensação do di- reito de testar*. A cúria romaoa sabia o valor d'estes bens e velava ai- tentamente sobre elles, procurando tomar o mais lacra- tivo possível o seu quinhão. A independência nominal do reino serviu-lhc de pretexto para semiire conservar em Lisboa afjentes hábeis, e a sua [lontuaíidade eni os no- mear provava, que as antigas e copiosas fontes continua- vam sem diminuição notável. De feito o clero secular e as religiões não eram só os que dependiam de Roma. Os fi- dalgos e parte das classes medias, pelas commendas, pe- los bcneíicios, e pelos hens í^niprazados fruíam redditos ecdesiasticos â sombra de bulias c provisões apostólicas, que a chancellaria pontiiicia não expedia gratuitamente. Muitas outras pretensões, que a flexibilidade do Vaticano excitava, em vários casos com offensa da jurisdicção dos ordinários, ou quebra manifesta dos direitos da coroa, derivavam para os cofres dos colleitores avultados cabe- daes, de que a Santa Sé se nâo esquecia de exigir rigo- rosas contas. No tempo de D. João III a missão dos nún- cios em Portugal era um descargos mais appetecidos por causa da contenda suscitada entre a in(]uisição e os cbris- tãos novos. Siniga^dia trouxe do reino ^0:000 cruzados, e Capo di Ferro igual quantia, coibidos em extorsões e 1 íaoro de toda a fazenda e real pairimoiUo dot rmos de Pw' tugal, índia e lihas^ etc, por Luiz de Figueíiedo Falcão. Lisboa, iS59. Só á ordem dc Ghristo rendiam suas commendas 90:090^258 Pôis e devia dar 900 homens de armas, a rasSo de 1 homem por cada iOO|)000 réis. A renda das de S. Thíago era de 35:68411000 léís, e a das da ordem de Atíx 24:963)^000 ràs. * vwov StI m UISTORU DK PORTUGAL ucittpu peitas ^ As iiistrucções passadas autos dus Uns de 1620 ao bispo do Alboiiga, nomeado coileitor por Gregorio XV, , e as que foi ain dicUdas em Í6â2 a monsenhor Àlberga- tí, bispo de Viceglia» mostram com evidencia quaes eram o pensamento e as tendências dos ministros pontíflcios. Koma achava os prelados pui liiguezes inclinados eni demasia a assumirem maior auctoridade, do que dcvin compelir-ihes, e, considerando-os zelosos da conserva- ção da fé e do seu augmento» suppunha, que seriam mais dedicados ao vigário de Ghrísto, se a influencia dos mi- nistros do rei os não coagisse quasl a uma obediência servil. Quaiiiu aos conventos e mosteiros, que a cúria des- crevia como um pélago perpetuamente revolto de paixões, de abusos e de irregularidades, aconselhava aos seus pro- postos a maior prudência, e até lhes insinuava uma sisada absten(;ão, ião devendo ingerii -se no governo d'aquellas inquietas repubUcas, senão quando a necessidade império sãmente os compeiiisse. Concedia entretanto ao bispo de Viceglia poderes iguaes aos dos núncios com recom- mendação expressa de usar discretamente d*elles» e de reger com summa cautela o leme de tão arriscado bai- xel^. Este pi ('LL'ito nem sempre lui atlendido. Acerca da deíeza da jurisdicçao pontifícia as duas iiislt ucçues iucul- cam máximas, (jue promettiam ser fecundas em conili- ctos, como de feito o foram, provocando a saida do bispo deFossambrono, e os attentados de Albergati, de Paloto e de Castracane, insistindo a chaucellaria do Vaticano na expedição de breves clandestinos contra os direitos do 1 AiiíhivM iiainouai, Loiicq^ao de S. ViceiU8f liv. I, 11. l4(i. * lnsíruz:iione a numigitor teiscovo dc AWengat Symmicta Lusti^j lom. LIV, paj:. 737 a . — In.sfruzzione a momignor vescovo di tíi- se^i, Symimaa^ tom. uy, pag. 70^ a 730. Digitized by Googlc DOS SECOLOs xm E xm m soberano» continuando os sub-colleitores^ prohibidos pe- oám Ias ordens regias, a fanccionar em desprezo d'eUas nas províncias e nas conquistas, e não escapando até a admi- nistração da bulia da cruzada e os espólios dos religiosos íailecidos fóra dos conventos ás usurpações dos agentes da caria. O governo por seu lado sustentava com flrmeza as regalias da corôa, e respondia ás censuras e interdi- clos, com que os colleitores assustavam as consciências, limitando-lties os poderes, estrautiando-lhes os excessos e punindo até os maiores arrojos com a expulsHo. Diver- sos documentos attestam que, o procedimento dos magis> trados e dos tribunaes se conservou fiel ás tradições da monarchia n'uma epoclia, em que tudo conspirava para as riscar da memoria dos súbditos. A Victoria íicou por fim ao poder civil, e Roma, conhecendo que seria peri- goso levar mais longe a obstinação, sem abertamente ce- der de suas iiretensões, reservou para melliui ensejo a i^enovação (Fellas Apesar da repetição d'estes conílictos a côrte de Ma-* drid nunca encontrou em Roma verdadeira opposiçlo, ou repulsa, quando se propoz obter do Santo Padre as bul- ias e os breves, que no governo de Olivares niullaram cuiu iaiilu rigor os bens da igreja portugueza. A cúria via ^ Cirta regia de i de maio de 1621, declarando não existir iiaoo do pa|»a. — Carta regia dc 2 de janoíro c piovisão de 23 do mesmo mez (anno 1G22), prohibindo ao colieitor introduzir-se na adminis- tração da bulia. — Cartns regias de 18 de março de 1623 e de 24 de maio de 1624, prohibindo-lhes qualquer ingerência no goveiTio das ordens religiosas. — Outras providencias pozeram côbro á venalidade dos officios da legacia e ao abuso das censuras ecclesiasUcas, assim como comminarara penas cunUa os que propozessein recursos em Roma, ou impetrassem d'ella l)enL'íicios ecclesiasticos. — Cartas re- gias de 28 de junho e 2 de maio de 1616. Mi Digitized by Google I 324 UlSTORiA DE POIiTUGAL Odeio muito [)i'u.\iiiiU5 Na])<)les e Milão pai.i m' atreNer a uma nej^ativa, e o clero (h-pressa se convenceu, de que a von- tade oumipotente do miuistro sempre eucontrava no Vati- cano echos fáceis e complacentes. Corriam já desviados os tempos, em que o braço ecclesiastíco» reunido em Tho- mar, dictára em 1581 entre as condições da sna adhesão a clausula expressa, de que o rei nau loniaiia a extor- quir as terças dos rendauenlos da igreja, nem arrancaria novos sul)sidios ou «escusadost. O conde duque, obce- cado, rasgava com mão audaz os privilégios de todas as classes, e cerrava os ouvidos ás vozes do clero espolia- do ^ Era cedo para isso. Os prelados, os mosteiros e as ordens nuíitares de certo não edificavam o mundo com suas virtudes, e pouco o esclareciam já com suas luzes, mas ainda conservavam nas mãos as armas com que ti- nham demolido os poderes hostis. Do fimdo dos claus- tros saíam quasi as únicas paginas, que o vulgo lia e decorava, nas sacristias iuijavam-se as superstições e as beaUces, que o cegavam, e no púlpito e nos coníessiona- rios urdiam^se os tramas, que, illudindo os crédulos, e convertendo em casos de consciência os Interesses mun- danos, desvairavam a opinião e recrutavam numerosas coliorU s de defensores aos claustros. O que a rasão e a justiça podiam allegar em favor da igualdade dos sacn- licios ei a representado pelo íanalismo e peia hypocrisia como Ímpia especulação, ou como attentado horroroso contra a Divindade. As multidões, crentes, ignorantes e arrastadas, condemnavam como réus de heresia e como inimigos de Christo os que punham mãos violentas nas temporalidades dos seus ministros. Os abusos correspondiam, comtudo, á opulência, e ac- 1 Ctftiei cf^tkradat em Thamar no anno de 1581, cap. x. Digitized by Google DOS sficuLOs xvn E xvm 315 ciisações insuspeitas apontavam os males, tlemmciando- ociem lhes as causas. A instrucção do clero fôra em geral sem- pre insuâiciente, e já mesmo no começo do século xvit nUo seria tanto para estranhar, como poderia crer-se, qae os bispos, á similhanra dos prelados do século xi, impo- zessem no.s siilnlitos a obrigação de saberem o Evaníre- Iho e os livros rituaes ^ nem deveria causar espanto que, renovando os aggravos das côrtes de i480 a 1481, uma assembléa da mesma Índole pedisse aos poderes públicos, ífiie estancassem a corrente caudal de oiro e prata, qne saía do reino todos os annos para Roma, a íim de pa^ar as annatas e os direitos da chancellaria, con«;indo os pre- lados á residência nas dioceses, os reitores nas parochias, e todos ao cumprimento das obrigações pastoraes, e ata- lhando o escândalo das ovelhas desamparadas os verem distrahuios em funcções polilicMS, consumindo nas ca- sas dos princi[)es, ou em carj^os civis elevados os rendi- mentos das mitras e igrejas^. Os prelados das ordens mi- litares continuavam, como nos dias de D. João III e de seu neto, a desprezar os deveres mais sagrados, ostai- tando zélo excessivo sómente na arrecadação dos dízimos e rendas, e deixando os povos muitas vezes sem os sa- cramentos e sem os officios divinos. Não pareceria segu- ramente extemporânea, mesmo em 1638, a petição das côrtes de Thomar para os mestrados da cavallaria reli- giosa serem reformados e compellidos â execução dos preceitos de seus institutos 1 Veja-se o Concilio Cnijacense, l aiiou V. — Flores, Hespanha Sa- grada, tom. xxxvnr, app. r, pag. 203. 2 CóHps âc 4480 p I48i, rap. r.xLi e cxLin. Cortese fh' W^tH, cap. rxxi, íjlxii c ci.xiii. — Côrtes de Thoinar, cap. XVII p wíii. Estos queixa.s mostraoi quuo aiiUgos e inveleraiios eram os s^bU' Digitized by Google UISTORU OE POBTUGÁL Odero As terras sujeitas às oídons mililarcs podiam na rea- lidade ser apontadas entre as que mais padeciam com a incúria e relaxação de todas as obrigações» servindo só a regra de pretexto para usufruir as vantagens, e tratan- do«se tudo o mais qoasi como ficção. O Mestrado de Christo, cujo padroado abranj^ia centenares de parochias, dftixava-as sem i)aslur('S, o [Ku a o cxercicio e reverencia do culto até os vasos e paramentos muitas vezes falta- vam» Na phrase conceituosa dos procuradores dos con- celhos nas c6rtes de 1525 este e os outros mestrados co- miam o pio de Christo e dormiam a somno solto na vinha do Senliof. As «Constituições dos Bispados», documentos insus- peitos, pintam-nos os costumes do clero secular com tintas pouco lisonjeiras. O estado sacerdotal não inhibia os padres de se fazerem regaiões, e de emprestarem di- nheiro com usura. Muitos exerciam o ollicio de advoga- dos e de procuradores. Não poucos frequentavam as ta- vernas e logares de venda, e desprezando a honestidade e compostura recommendadas pelos cânones, figuravam nos autos e farças, lutavam despidos em publico, dansa- vam 6 disfarçavam-se em trajos de mulher. O abuso dos exercicios venatorios ei a comoium no clero provinciano, e Gil Vicente em uma de suas peças traçou o retrato aca- bado de um d*aq|uelles caçadores infatigáveis, que mes* mo no altar viam saltar os coelhos e as lebres pela cam- pina. Muitos clérigos, deecclesiasticossôttnhamonome, escondendo a coroa, usando cabellos compridos, e vesti- dos pouco decentes, jogando publicamente os jogos de- fezos de dados e cartas e o jogo da péla, e correndo as SOS, aos quaes a impunidade qu isl c iicodrra força de costume nos fins do século ;cvi e na primeira metade do 3LVU. Digitized by Google DOS SÉCULOS ivn E ivm 317 ruas de noite com armas prohibidas. Bastantes, finalmente, oúm viviam cm casa sem o menor recato com mulheres de má nota» 6 afirontavamcomellas a moral e os costumes. Se* calo e meio antes já os mesmos vícios haviam provocado as queiíias dos povos, pedindo os procuradores dos con- celhos ao rei, que obrigasse os prelados a acudireiA á dis* solução do clero, cujas armas deviam ser as orações e as lagrimas, enão espadas e adagas, porque de outro modo 08 fieis perderiam a devoção. No século xvii os maus exemplos continuavam, e os clérigos escandalosos feriam desgraçadamente assás a vista e não mereciam meno-» res censuras*. As ordens religiosa:? oíiereciam espectáculos menos edificantes ainda, e por isso a cúria romana, apreciando a degeneração dos claustros, impunha aos coUeitores uma prudente abstenção, qoe mostra considerar o Vaticano como irremediável a relaxação, em que ellas tinham caído. A verdade ê que a gangrena subira aos orgàos mais im- portantes, eque a vida monástica, tornada quasi profissão venal» povoava os mosteiros de homens ociosos e turbu- lentos, presos ao mundo pelos laços das paixDles. As fa- iiiilias tinhaiã-se costumado a diminuir os encargos, sepul- tando n'aquella espécie de jazigo dos vivos os filhos e as fiUias, que nâo podiam sustentar, ou dotar com decência. As saudades do secuio batiam por isso de todos os lados ás portas dos conventos, e a devassidão em alguns nada respeitava. Nas alterações civis haviam apparecido os fra- des capitaneando tumultos, concitando ódios, iuílauiuiando os púlpitos, como tribunos, e aviltando o habito nas pra- í Vide a ConsUluição dos Bispados de Coimbra, Lisboa, Braga e outras. — Côrles de 1480-1481, cap. cxliv. Arcl»ivo Nacional, maç. 3.<* de Côrtes, n.<> 5. Digitized by Google 328 HISTORIA Di: PORTUGAL O eleio ças coiH a espada ou com o mosquete em punho. Em iS80 vários- religiosos tinham sobresaído como chefes de tur- bas, e o silencio da clausura fôra interroin|)id<» por mo- tins e ruídos de arma^. Uma intolerância estuita c abusões absurdas serviam de capa a este atheismo pratico. No in- terior fixas, partidos e discórdias» nas eleições capitula- res e na administraçiSo dividiam os ammos e zombavam da fraternidade christã. Os prelados, sem íorça, ou domi- nados pelas facções a (iu(.' pertenciaíu, não ousavam man- ter a observância da regra, nem a disciplina. Os monges pacificos, estudiosos e exemplares, eram apontados como raridades. O amor de Deus e do próximo contava poucos defensores. As letras desprezadas declinavam, e seus cul- tores sem louvor e sem estimulo cediam ao desalento. A superstição cobria o escândalo com a sua mascara hedionda. Suppunha faciL remir todos os peccados, e até os crimes, a peso de oiro, convertendo o tribunal da pe- nitencia em balcHo de indulgências. A simonia infrene pu- nha o preço, e os compradores nunca íaltavam. Os últimos soberanos liaviam por vezes exposto á santa sé os males, que acabámos de avivar, rogando-lhe, que empregasse todos os esforços para moderar os excessos monásticos; mas o Vaticano relrahía-se, e, se não cruzava absoluta- mente os braços, também não alçava a mão para punir, ou para emendar. Preferia fechar os olhos a indispor contra os seus agentes a milícia irritável, que debaixo de bandeiras diversas e com institutos muitas vezes inimigos depressa formaria um só corj)o pela união dos interesses, se elle intentasse, como devia, a reforma dos abusos. A ordem íle S. Vrancisco recenseava em Xabregas e na cidade á20 ísubdilos, a de S. Domingos em Lisboa o Ikiníica i?iO, a de Santo Agostinho no convento da Graça 120, e a com- panhia de Jesus em Santo Antão, S. Roque e Noviciado Digitized by DOS SECCLOS XYU E XVílí 329 da Cotovia 180. As oatras ordens, menos populosas dis- oci«o punham também de grandes influencias, e a cúria antes queria té-Ias da sua parte, como auxiliares, do que vê-las ao lado dos ministros do rei como contraiias. Filippe II e Filippelli por devoçãOi e mais ainda por calculo, tinham protegido a dilatação dos grémios religiosos no reino e soas conquistas, auctorlsando e favorecendo aconstmcçlo de novos mosteiros, e njudaiK lo os antif^os cora rendas, com obras dispendiosas, e com doações. Ulippe IV e o conde duque seguiram politica opposta, prohibindo a íun- dação de mais conventos na índia e no paiz> e mandando recolher á sua provmcia os padres da mercê, introduzidos sem licença, e mesmo depois de expulsos pertinazes na fabrica de uma igreja e dormitórios. Este iirocedimento alienou-ihe, como é de crer, as sympathias dos claustros, e não concorren pouco para tornar suspeitos aos olhos do vulgo a pureza da fé e os sentunentos cathoUcos do rei e do ministro A perversão dos costumes não se revelava com menos força na soltura mal encoberta, com que se violava a clau- sura nos conventos de freiras, aonde» em vez das morti- ficações se aninhavam enredos e requebros amorosos, e galanteios pouco honestos. Os prelados das ordens, ce- dendo a empenhos, facilitavam a entrada dos seculares nos iõcuíorios, e a pretexto da necessidade de banhos e de tratamento de doenças auctorisavam a saída das reli- ^ Jntírutskme, ete., ao Bispo de Viceglia, Stftnm., tom. UV, pag. 709 a 730.~-Fr. Nicolau de OlÍTeira, Grandezoi de Luboa, trat. iv, cap. 111.— Filippe III auctoriflott com zélo incansável a fundaçSo de novos conventos. Sen pae só em Lisboa desde 1S84 até i598 con* cedéra licença pára a edificaçSo de mais sete. O seu successor con- correu para se levantarem mais de deiesete em todo o reino. — Gartaa Regias de 29 de setembro de 1638 e de i6 de janeiro de 1636. Digitized by Google 330 HISTOBIA DE PORTUGAL dero glosas dos iiiostoiros. As céllts das freiras moças e levia- nas pareciam aposentos de noivas. Enfeitadas de coi linas, sanefas, rodapés, laminas, pias de crystal, íninrdas-rou- pas d6 Hollanda, caçoulas e espelhos, recolhiam todos os mimos* Vasos de flores naturaes e artiíiciaes» gaiolas de aves raras» jarras e porcelanas preciosas alegravam aquel- les devotos asylos. Em cima dos contadores viam-se re- domas 6 fiolas de perfumes e figuras de íilabastro e de gesso, e nos tectos relevos, pinturas e doirados, que im- - portavam em despeza avultada. Estes excessos luxuosos» consentidos» e louvados até pelos que mais deveriam es- tranha-los, concordavam com asprofenidades e desregra-* raentos, de qne eram symptoma. Os fidalgos, as pessoas pnncipaes das terras, e em Coimbra os estudantes fre- quentavam as grades dos conventos» tentavam a ionocen- 6ía das religiosas com brindes e seducções» banquetea- vam-se com ellas, e zombavam da disciplina, inquíetan- do-as e desvairanJo-as. Pai a atalhar os abusos foi preciso que as leis comminassoni penas severas, e que os tribunaes castigassem os iofractores. As desobediências repetiram- se, apesar disso» e as prescripções renovando*$e» pro- varam a inefficacía d'ellas^ No mosteiro de Nossa Se- nhora da Conceição de Braga, Bento de Mello, filho de um cavalheiro respeitado, levou a ousadia a pouto de se introduzir na clausura dentro de uma arca, sendo desco- berto em trajos pouco decentes na cella de uma noviça f Este e outros escândalos affligiam os que respeitavam sinceramente o altai% retratando a desmoralisaçSo infrene 1 Instruzzime ao Bispo de Albenga em 1620^ Symm. Lusitana, tom. Liv, pag. 737 a 757.— Padre Manuel Demandes, NomFbm* ta, tom. V, pag. 31.— Alvará de 13 de janeiro de 160i e Carta Re* lia de 5 de maiço de 1610. Digitized by DOS SECinx)s E xvm 331 dos claustros e a hvpocrisia das exterioridades beatas, ocièro Era grande o numero das freiras nos mosteiros da capi- tal, e maior ainda em muitos das provindas. Só em Santa Clara de Lisboa se contavam 140 de véu, alem de 120 noviças e educandas pelos annos de 1620 a 1623. Em Chellas existiam 60, em Nossa Senhora da Rosa 130. no Salvador 107, em SanfAnna 80, e na Annunciada 60. £ntre esta população feminina, sequestrada do mundo por toda a vida, quantas infelizes nKo haviam pronunciado votos forçados coegidas pela voiíínde inflexível dos paes, ou dos tutores, ou iUudidas pela persuasão enganosa dos confessores, e pelos erros de uma falsa educação?^ Os religiosos não se limitavam aos exercidos piedosos* Viviam mais no século, do que nos mosteiros, e sabiam mais das intrigas domesíii i> das familias e das cousas po- liticas, do que de orações e de sagradas letras. Ck)nse« Iheiros natos das casas, aonde se insinuavam como anui* gos, ou como directores espirítuaes, accessores constantes dos magistrados, que auxiliavam coni alvitres e noticias, e árbitros incansáveis das contendas e amuos das confra- rias e irmandades agremiadas em grande numero nas ca- pellas de cada convento, pouco tempo lhes sobrava para a meditação, para o estudo e para os officios espirítnaes. Os prelados de algumas ordens podiam quasi dizer-se potentados. A de S. Domingos pelas riquezas e pela in- fluída rivalisava com a companhia de Jesus, mas esta venda-a na subtileza, com que sabia attrahir e illaquear as adliesôes, e conslituia um verdadeiro poder, com o qual a administração teve de capitular por vezes no reino e 1 Carta Rogia de 4 de maio de 1633 e officio do Arcebispo de Braga a que ella se refere.— Fr. Nicolau de Oliveira, Grandezas de ÍÀêboa, trat. iv, cap. iii. ê HISTORIA BE PORTUGAL Odero nas possessoes. Ao mesmo tí^mpo os colleilores, os sub- colíeitores e os juizes apostólicos, avocando as causas do fòro secular e ecclesiastico, perturbando as cons4^íencias, e promovendo pleitos lucrativos para elles e para a chan- cellaria romana, causavam gi aves embaraços, e não pe- quenos males. As disputas e os conflictos entre os pre- lados ordinaríos e os das ordens militares, e entre os seculares e os ecdesíasticos representavam outro grande flagello derivado da confbsão dos tempos. Os requerentes com offensa das ordenações iiiipetravam de lionia u i>ro- vimento dos beneiicios, e os oíliciaes da legacia com- metteram taes excessos, que obrigaram o coUeitor* para applacar as queixas, a simular um inquérito, que só po- dia enganar os crédulos. Nas conquistas as demasias dos sub-colleilores foram tão longe, que o governo ordennu á Mesa da Consciência e ao vice-rei, que os suspendesse em todos os domínios ultramarinos. A inquisição, tinha firmado o seu poder, e cobria com a sombra as terras principaes do reino. O terror, que inspirava, era profundo, obtendo por elle até dos que mais a detestavam em segredo prompta e ilel coopera- (^0. Não havia família que não tremesse de incorrer na severidade do tribunal, e os que mais desejavam vé-lo sopeado, lingiaiii admirar-lbe o zelo. A igi oja confiára-lhe a defeza da urtliodoxia e da unidade das crenças, e a in- tolerância e o fanatismo louvavam a força invencível, com que elie aíugentára do reino a peste das heresias, com- batendo as idéas ousadas e perigosas. Em 1563 o estado ecclesiaslico, depois de encarecer os serviços prestados pelo santo oílicio, e de pedir que suas casas fossem visita- das de tres em tres annos por alguns prelados virtuosos, declarava que os inquisidores pela sua idade e experiên- cia eram dignos de toda a confiança. Entretanto o epis;- Digitized by Google DOS S£CULOS XVli £ XVUI 333 copado queixa va-se do Breve, que auctorisára o U iljuiial odcro da fé a avocar as causas sujeitas aos ordinários comofifensa manifesta da sua jurisdição, mas o Brev e permaneceu, e só em 1623 é que um decreto, datado de 8 de outubro, encarregou o arcebispo de Braga da visita das inquisições acoiii[)aiilia«.lo do licenciado Mem Carrillo de Alvite, in- quisidor de Valiadolid, e que em de outubro de 1640 foi promulgado o novo regimento do santo oíDcio, alte« rando em parte o que tinha mandado elaborar o cardeal D. Henrique*. Mas a fónna do processo, os meios de ex- torquir a confissão dos [nv^o> [ielos iiorrores da prisão cellular, peia dor dos tratos, e pelas violências moraes subsistiram, e o systema de premiar as denuncias e de as provocar por todos os modos directos e indirectos tam- bém li io nu receu o menor reparo. A inquisição, para penetrar o» se^^^edos das famílias e introduzir no seio d el- las uíua vigilância continua, carecia de favorecer os de- latores e de approvar os actos mais repugnantes. Se não pervertesse os princípios de honra, e não applaudisse como ras^Mjs de heroísmo religioso o esquecimento dos deveres sagrados, os liihos não deporiam contra os paes, as mulheres contra os maridos, e os irmãos contra as ir- mãs. Sem delações tenebrosas, sem o silencio e a intimi- dação, o seu império não poderia sustentar-se. Para o manter precisava de nubilUar os delatores, de canonií.ar o desprezo dos vínculos do 2>augue, e de glonticar, como virtudes, a ingratidão» a periidia, e até a violação das leis da natureza. Em 1G12 o ijispo inquisidoi D. Pedro de Castilho pio- 1 Vide jlí«fiiorta para a Historia àat Cortes, pelo visconde de San« tarem. — Documentos, pag. 61 e 63. — índice Chronologico, tora. vi pag. 39. Digitized by Google HISTOaiA D£ PORTUGAL vava a necessidade, que o tribunal tinha de obedecer a estas máximas, pedindo uma ten(.a para remunerar o fer- vor de um d'esses delatores, judeu rene*;adu. D. Pedro nas Acções do cargo» satisfazendo o ideai do bom in- quisidor, teria sido o orgulho do cardeal infante D. Hen- rique se existisse na sua epocha. Até a morte foi digna da vida. Havendo dispendido sem auctorisação nas obras dí) santo oííicio de Lisboa avultadas somnia,> MHibe, que o govei no nomeara Fernão de Matos para lhe tomar con- tas, e, nâo podendo resistir á paixão, falieceu de tristeza, Dio sem deixar, todavia, iostituido um morgado para o sobrinho com o producto de suas economias, que a ma- licia dos contemporâneos disse muito engrossadas á custa dos bens confist^ados aos christãos novos. Foi memorável o anno de 1612 nos fastos do tribunal. As tres inqai$iç?$es de Lisboa, de Coimbra e de Évora fes- tejaram cada uma com seu auto de fé o dia 2S de novem- bro, primeiro do advento. Na procissão do santo oílicio de Lisboa ^aíram noventa e seis pessoas, cincocnta e nove lio- mens e trinta e sete mulheres, com seis estatuas de con- demnados justiçados em effigie, e contaram-se cinco ho- mens e tres mulheres executadas no largo do Rocio. Na de Évora appareceram cem coniJemnados, cnti-ando dois homens e sete mulheres queimadas com sers estaínas na Praça Grande. Finalmente, a inquisição de Coimbra avul» tou o seu préstito com cento setenta e quatro victimas, das quaes doze serviram de pasto ás chammas com doze esta* tuas. Ao auto de Lisboa assistiam os e^ovemadores do rei- no. No de Coimbra ficaram aniqnilailas familias inteiras. Em outra ceremonia igual, celebrada dezoito annos antes lio dia 3 de agosto de 1603 na Ribeira Velha de Lisboa, ârdêra um frade franciscano, e na de 1624 pereceu abra- sado em uma fogueira o desditoso Atitonio Homemi w- Diglized by DOS S£CUL09 JYU £ XYIU 3)8 nhccido [ida denominação úo Doutor Infeliz. A província ode» de Traz os Montes foi uma das mais assoladas. A inquisi- ção encerrava ali os suspeitos dos cárceres por familias, e até menores de treze e de quatorze aimos padeceram como homens. Estes exemplos deixavam nos ânimos pro- fundos vestígios. As multidões, quu iam cevar os olhos n aquelles espectáculos horríveis, recolhiam-se conven- cidas, de que a mão de Deus tinha fendo os culpados» e cada vez se sentiam mais animadas de zdlo pela pureza da fé, e de odio contra o judaísmo e as heresias. O predomínio da inquisição matou o futuro. Foi ella quem deu príncipalmente ao paiz as feições sooibriaSy que, alterando-lhe a pbysíonomia, o tornou o contrario em tudo do que fôra antes da segunda metade do sé- culo XVI. Foi ella, de mãos dadas com a influencia não menos fatal da educação clerical, (]n(>m obsciii-eceu a luz, tão viva, que irradiara do ultimo período da meia idade e da aurora dos descobrimentos e das grandes emprezas. Depois de roubar â nação pélas perseguições contra os judeus uma parte, de certo a mais valiosa, das foFças que haviam animado o commercio e as industrias, depois de ter levantado em cada fogueira um monumento á in* tolerância, e cavado em cada masmorra um jazigo para a Uberdade de consciência e para a liberdade do pensa* mento, a sua obra de trevas estava concluida, e os effei* tos nâo deviam demorar-se. Impotente contra a corru- pção, que tão carecia para se esquivar aos golpes senão de se envolver no manto da hypocrisia, sua funesta ac^^o amortecendo a alma e destemperando o caracter portu* guez, 1 i.scou em p ucos annos as tradições de um longo período, e substituiu ao ardor das crenças, ao vigor dos brios, e ao enthusiasmo a apathia, a indiferença e a apa- gada tristeza do desalento. As superstições mais absurdas Digitized by Google 3d6 UISTOBU DE PORTUGAL DOS SÉCULOS XVU £ XVIU Odor., c a credulidade boçal, seguiram passo a pasbu us pro- gressos do tribunal da fé. Os ânimos subjugados e as von- tades escravisadas, perdida a independeacia e a íDicía- tiva, arrastaram-se servilmente atrás das exterioríuaues do cullo, inaterialisando tudo, coníum lindo as visões do fanatismo com as \ei dades puras da reiigiào e da moral, e buscaodo no uuiraviiiioso inventado nas sacristias um clarão incerto, que, em vez de as adelgaçar, serviu só de condensar ainda mais as trevas. Digitized by Google CAPITULO U A NOBREZA • Suas retardes com i ooi Aa. Condições dc exístmcia. Ausência do systema feudal na sodedudo portugueza. D. Diniz» D. Fernando e D. João I.— Sorriço militar dos fidalKOs e cavalMitM.— Governo de Affiraso V. — Allianfa de D. Joio II eom as cliUMi» medias. Luta o resistência da aristucraoia, Vicloria da auctoridade moaur- chica. — D. Manuel. RcconciMarílo da coróa com a nobreza. Os descobrinionf-»- conquistas.— Reinados de D. João III e O. Sebastião. O poder peisoal. — Eileitos da naldade mooarcbiea. Corrupção dos oostomes. Degenera(iodo earader. Catas* trofilie de 1578^ Raioa das fsinílias nobres. Cdrtes doTbomar. Pedidos dos idal* gos. Politica errada da Heqtanba eom eUes. • O esplendor das famílias titulares, já decaído antes de reioar em Portugal a dynastía bespanbola, acabou de se eclipsar com o seu domínio. A ausência da còrte, e o des- faltecimento do paiz não podiam deixar de aSèctar pro- fundamente a aristocracia na influencia e nos rendimen- tos. A nobreza, desde que D. Manuel subira ao tlirono, alliando-se com a corôa» trocara pela satisfação das vai- dades aulicas as velhas arrogâncias, e no serviço do paço e das armadas, ou nas capitanias da Africa e da índia íôra esquecendo a pouco e pouco as aspirações, que no xv sé- culo a tornavam ainda uma ameaça constante para o rei, e um flagello muitas vezes insupportavei para os povos. D. João II com a sua luta contra os ducjues de Bragança VOHO Y XI 338 - HBTOBIA m FORTUGAL AnoiMia e de Yizeu assegurou a victoiia do poder real. Ck)ube ao seu suceessor, em tudo feliz, a misslo agradável de co> lher os fructos do triumpho, e ao mesmo tempo de recon- ciliar os vencidos com elie. Estabelecida sob formas sua- ves, a uoidade monarchica depressa se consolidou, e os fidalgos» cedendo á lei dos factos consummados, couver- teram-se em cortez3os, tirando proveito e até orgulho dos favores, com que o rei lhes premiou a docilidade. D. João 111 e D. Sebastião não se desviaram do s} stema iniciado por seu pae e por seu avô, e repartiram com mão larga pelos nobres os governos lucrativos, as tenças, as doações dos bens da cor6a e ordens, e os oflicios mais reudosos da administração civil, ecdesiastica e militar, e do paço. Este accordo tácito, se por uai iaíJu aliançava aos príncipes a cooporacHO dos homens poderosos, pelo outro offerecia-lhes os cargos e posições mais imporlan- te$, embora para as obterem e conservarem fossem obri- gados a submettei^se á vontade dos monarchas, única fonte d onde manavam as honras e mercês. Este estado de dependência, supprimindo quaesquer tentativas de resistência collectiva, não concorreu pouco para adulte- rar as instituições viciadas em uma de suas partes essen- daes. A reacção monarchica achou menos obstáculos, porque a organisaç^o feudal nunca prevalecera entre nós, des- envolvendo-se a sociedade portugueza fora das condições de quasi todas as sociedades dos séculos xn e xni. A ín« va^ dos árabes no começo do viu século viera atalhar a transfbrmaçSo do systema beneficiarto em systema tsa* dal, e impedir que a tradição wisigulliica se apagasse dos costumes da peninsula. Os dois caracteres principatí> do feudalismo, a perpetuidade do domínio no feudata- rio 6 seus Sttccessores, e a obrigação do serviço militar Digitized by Googlc DOS 8EGDL0S xvh b xm m para com os suzeranos, nunca existiram eni Portugal, a aondô as terras dos nobres eram patrimoniaes, ou per- tenciam á corôa, e nUo podiam ser dadas em feudos, pop* que á perpetuidade das doações se oppunba, pelo menos no primeiro período, o direito constiUicional do reino, isto é, a inalienabilidade dos bens do estado, principio rece- bido de Leão. Em liai mnnia com elle a clausula da neces- sidade das confirmações de rei para rei apparece desde o governo de Affonso II, e o direito de reversUo dos bens da corôa sustenta-se sem interrupção desde o século xii até aos tempos modernos. O diploma, em que I). Diniz re- vogou as mercês ino0icio$as da primeira mocidade, en- cerra uma prova inconcussa da verdade d'este facto. Mas ao mesmo tempo a Hespanha central e occtdentai Tão vi- via sequestrada da Europa romano-germanica, e nlo po- dia abstrahir inteiramente, por isso, das idéas estranhas tanto na politica e na administração, como em relação ao seu. aperfeiçoamento intellectual. Portugal ligava-se com ellas por muitos vínculos, sendo os mais fortes e continuados as communicaçl^es diplomá- ticas e mercantis com os paizes de aleni dos Pyrineos, a introducção dos monges de Cluny, a presença de bastan- tes cavalleiros e prelados ultramontanos, e a acção exer- cida pelo conde Henrique e seus companheiros de ar- mas, acçSo dilatada pelas colónias francas e pela frequência dos cruzados em nossos portos. Todos estes elementos, actuando constantemente, por força traziam sementes de feudalismo, e as lançavam em terreno até certo ponto apto para as receber. Mas a instituição, embora conse^ gaisse íncamar-se em algumas formulas e manifestaçdes secundarias, não logrou, comtudo, apoderar-st^ nunca do espirito e tendências da legislação, e a nobre/a, pro- curando enxertar na arvore wisigothica o que julgava 340 mSTORlA DK PORTUGAL ■Mbrttft utíl a seus interesses, conservou-se fiel na essência ás tra- dições nacionaes. Os feudos nunca se coustituiram, mm inlluiram nas relações das differentes classes entre si e com o rei. Satisfeitas as mais poderosas com os amplos privilégios, que dísfnictavam, nunca ren^ram pelas leis peregrinas os antigos fóros^ A condição das obrigações do serviço militar do feu- dalarii) para com o suzei'ano em vii iude du domimu da terra, faltou portanto sempre no modo de possuir da no- brexa. A sua propriedade nunca saiu das duas fórmas, pa- trimonial, ou realenga, isto é, da coròa, honrada, ou coti- taáa, tanto em um, como em outro caso, e como tal isenta do serviço da guerra e dos tributos reaes. É evidente, ([ue as terras assim ])ossnidas pela ai istocracia secular e eccle- siastica nenhuma analogia tinham com o regimeu feudal, e as consequências inevitáveis d'esta maneira de ser pe- saram por largo espaço sobre a administração fiscal e econoníica do paiz. Estabelecida a immunidade do ser- viço uiilitai-e de todas as contribuições como base da exis- ' tencia das classes priviiegiadas, o rei, para obter a coadju- vação dos fidalgos e de seus acostados, ou homens de armas, auxilio importante pelo valor e perícia da casta íllustre, era obrigado a assegurar-lhes estipêndios avul- tados, empobrecendo com o seu pagamento o patrimó- nio publico cada dia mais desfalcado. Um dos meios a que recorria para acudir a estes soldos consistia em con- verter em prestamos os bens da corôa, fazendo mercê d*elles em prazos indeterminados, e alienando, não o ca- pital, porque as ton as não podiam ser alheadas definiti- vamente, mas o seu valor, como rendimento do estado. ^ HitUiria de Pwiugalj pelo sr. A. Heit^ulano, tom. iv, Uv. viu, part n e lu* Digitized by • DOS 8BCUL0S xvn E xvm 34i Acubiça (los poderosos era insaciável, e a necessidade Anobreu coagia ainda os soberanos a lançarem m9o dos tributos municipaes, transfonnando-os também em prestamos. • O melhor das rendas publicas correu por esta maneira para a bolsa dos fidalgos, que pouco dispostos a pelejar e morrer gratuitamente pela cruz e pela pátria» devora- vam a substancia da nação» e nunca arrancavam da es- pada, ou enristavam a lança, sem a certeza de grossos e seguros prémios *. No reinado de D. Diniz, notável na existência da monar- chia pela transfiguraçlio politica» económica e iiscal opera- da n'elie» exerceram maior acção asopiniQesfeudaes ácerca do serviço da nobreza. As quantias, ou soldos, foram pa- gas n'esta epocha e na seguinte alê ao gosei no de D. Fer- nando com os senhorios das terras, approximando-semais assim o príncipe da formula feudal, porque os rícos homens e cavalleiros ficavam possuindo na realidade as proprie- dades como espécies de feudos (feu), palavra que só en- tão 1)1 iocipiou a apparecer com significação mais verda- deira. A causa d'este facto não deve attríbuir-$e entretanto ao desejo de imitar os costumes de fóra» mas á urgência das círcumstancias. O mau estado da fezenda determinava o ruinoso systema de trocar por doações os pagamentos dos soldos em mueda corrente, ou em géneros. A po- breza do erário cada dia era maior, e o mal derivava-se d'ella e das exigências das classes privilegiadas» mais ain- da do que da vontade dos monarcbas» chegando o abuso < Coutar uma terra ^ dizia D. Diniz, é psciisar seus moradores de hoste (serviço militar), de fossado (serviço guerreiro), e de fôro ^ e toda a peita,» isto é, de todas as contribiiifôes ein dinheiro, ou gé- neros (fôro), e das penas pecuniárias (peita). Cliancellaria de D. Di- niz, liv. III, fl. 72. — Memorias da Academia Real das Sciencias de JJsboa, tom. vi, part. ii, pag. iâO. L/iyiii^ed by Google í 3U HISTORIA DE POATLGAL ■ A nobnm ao auge de serem aquantiados mesmo no berço os filhos dos ricos homens, e considerada a sua infância inulil como serviço do paiz. Os paes apesar (Vh<o não tomavam so- bre si em compensação todos os perigos e trabailios da defeza do solo natal, e» pelo contrario, os deveres da mili« . cia pesavam cada dia mais onerosos sobre os maDicipíos. D. Fernando, instado pelos apuros do thesouro, introduziu uma alteração im^iortante. Para minorar os sacrifícios» que as lanças das classes pr ivilegiadas custavam á corôa, límílou as ccartas de contia» aos primogénitos dos fidal- gos, não passando senio por morte d'elles aos irmãos. Mas o soldo começava a vencer*se da' mesma maneira desde o berço, e os ricos homens não duvidavam alistar entre os seus acoslaíios os cavalleiros dos concellios, des- íaicaudo os contingentes das villas e cidades. Foi preciso para reprimir a fraude, que o monarcha probibisse o pa- gamento de soldos ás lanças não levantadas em terras coutadas, ou â custa dos nobres fóra dos municípios. A estreiteza dos meios pecuniários obripou 1). João I a suspender as quantias aos vassallos, pagando uuicamente o soldo dos que servissem, calculado pelo numero de homens de pé e dé cavallo, que cada um trouxesse. As or- dens militares deviam entrar em campanha com 300 ho- mens de armas, o condestave! com 30, os bispos de Évora e Coimbra, e os arcebispos de Braga e de Lisboa com 50 cada um, o do Porto e o prior de Santa Cruz com 00 en- tre ambos, os bispos de Vízeu, da Guarda, de Silves e de Lamego, o prior do Crato e o abbade de Alcobaça com áO cada um, e os outros senhores e ricos homens com os • que podessem sustentar segundo sua riqueza. Estes con- tingentes, impostos na proporção das faculdades dos se- nhores ecclesiasticos e seculares, mostram o grau de opu- lência a que se haviam elevado. O mestre de km, (|uando Digitized by Google 008 SÉCULOS XVn £ &VU 343 O aperto das circumstancias lh'o consentiu» restabeleceu a»*!»» as quantias pagas a rasão de 1:000 libras por cada lança do corpo de cavaiiôiro oobrô» e de 700 por cada uma das outras, e poz termo ao abuso dos filhos prímogeni* tos principiarem a vencer no berço» ordenando que a quantia só começasse a ser abonada desde a idade em que o Vassallo entrasse a servir. De tudo o que acabámos de expor deprehende-se facilmente quaes eram na meia idade portuguesa os privilégios, as riquezas» e a verda- deira força das classes aristocráticas* Emquaoto o povo e as classes medias pelejavam de graça e ajudavam a co- rÔa com o produclo das contribuições, a nobreza, im- mune de todos os encargos, não saía dos solares, nem mettia o pó oo estribo com os seus acostados» senão de- pois de segara do alto preço de seus esforços* Âlem dos empregos militares, civis e ecciesiasttcos, níSo vestia as armas, nem dava um passo, sem receber em premio ren- dosas doaç(3es de terras, ou de direitos reaes. A superio- ridade da sua cooperação assegurava-ihe a continuação d*ella. Os soberanos, não podendo dispensa-la, obededam á leí da necessidade, empobrecendo o erário e çollectando os concelhos*. Quasi toda a nobreza titular e opulenta seguira o par- tido de Gastei la, e vencida perdeu os bens e as dignida- des. O mestre de Avia, elevado ao throno, carecia de o rodear de uma aristocracia nova, leal e dedicada á sua dynastía. Começou a institui-ta com seus filhos e o eon^ deslavei, dando o titulo de duque de Coimbra ao infante D. Pedro, o de duque de Yizeu ao infante D* Henrique, e * Chronica de El -Rei D. João I, por Fernão Lopes, part. ii, : ip. cxxix. As 4:000 libras, que aponta o texio, valiam n'aqiiella epocha ^0 dobia!» casteiiiauas, e. a dobra libras da moeda dos reales de iO soldos. Digitized by Google 344 HISTOlUA 0£ PORTUGAL Anuiircia O de conde a Nuno Alvares Pereira. Aftbnso V foi mais li- beral, e creou marquezr?, vice-coades e barões. A deno- minação empregada até então de rico homem e de Vas- sallo principiou a ser menos usada^ e a ser substitoída pela de alcaide mór, e senhor de terras; mas a verda> deira importância dos fóros nobiliários procedia da qua- lidade (ionalario. Na aristocracia de s» ,<,^unda ordom os fidalgos, os escudeiros e os cavalleiros compunham as classes mais distinctas pela posição e pelos privilégios. Entre os fidalgos e os homens dos concelhos, plebeus, ou peões, interpunham-se os doutores, e em geral os letra- dos, íiliio^ do povo quasi sempre pelo berço, mas con- spícuos e considerados pela sciencia e pelos cargos judi- ciaes, que exerciam. Todos estes elementos se desenvol- veram progressivamente desde os fins do século xiv em condições diversas, e alcançaram o xvri mais, ou menos, profundamente modificados. A nobreza, trocando a so- berba e as i(ieas invasoras pela dependência palaciana, a magistratura alliada com a corôa e de mãos dadas com eila para consolidar o principio monarchico sobre as bases do direito divino e do poder absoluto, os antigos caval- leiros e escudeiros para povoarem as conquistas, guarne- cerem as armadas, e oITerecerem ao rei a milícia intrépida e aventurosa, cuja espada conquistou e retalhou impérios, e, finahnente, os peões, ou os plebeus, agricultores, fa- bricantes e mercadores, para formarem o núcleo d^essas classes medias, Uo vigorosas já em 4470 e em 1480, qae AlTonsoA' muitas vezes se \[u i>Íjrigado a atlende-las con- trariado, e que D. João li se ligou com ellas no seu duello com a nobreza^. * Coelho (la Rocha, Ensaio sobre a líiatiwia do Governo e da />• giúação de Portugal, art. 4.*— £i/aí/o da Nobreza. Digitized by Googlc I BOS SÉCULOS XVII E XVIlt 348 Muitas famílias nobres, das que haviam abraçado as Anobfv» bandeiras castelhanas, nao voltaram ao reino, e saas pro- priedades sequestradas foram dadas por D. Joio I aos fidalgos fieis á sua causa. O mestre de Aviz, combatendo um contendor tão poderoso, não hesitou em repartir tam- l)em por elles os bens da coroa. Dava ainda do que não sabia se ficaria sendo seu. Firmada, porém, depois a corOa na sua fronte a rasão de estado fallou mais alto, e as pro- visões restrictivas da lei mental procurarani atalhar, até onde fosse possível, sem violência, nem quebra de fé, os maus etíeitos das liberalidades dictadas pelas circumstan- cias políticas. Esta lei, guardada, ao que parece, desde o anno de 1441 em vida de D. Joio sem nunca se promul- gar concebida, segundo se crê, por inspiração do chan- celler João das Regras, e approvada pelos letrados do conselho de el-rei, propunha-se, não revogar as doações feitas, mas declara-las e limita-las em harmonia com a natureza dos bens da coròa b com os interesses públicos, ordenando, que as terras doadas passassem aos herdei- ros de varão em varão em premio de serviços antigos, mas que na falta de herdeiro varão se devolvessem logo á corda, de cujo património inalienável haviam sido des- membradas, com exclusão das fêmeas, dos ascendentes, e dos collateraes. Não foi este só o único golpe que feriu a aristocracia no reinado do mestre de Aviz. As côrtes de Lisboa de 1389 representam uma data para ella dolorosa. Suas malfeitorias, accusadas com vehemencia pelos con- celhos, foram reprimidas em parte, e as queixas dos fidal- gos nos estados convocados nove annos depois em Coim- bra, em 1398, provam, que a auctoridade começara a olhar mais de perto pelo povo, cortando os abusos, e pu- nindo os excessos filhos da soltura dos costumes e da anarcbia, obra da continuação da guerra. Mais tarde sú. Digrtized by Google 346 HISTORIA DE PORTUGAL kmtÊtu entretanto, é qae n verdadeira luta se travou entre elles e a coma. Va r codo ainda para o rei levantar a luva e se expor ás consequências de um conflicto, cujas consequea- cias podiam ser terríveis O reinado de Affonso V foi para os fidalgos e donata* rios uma das epochas de maior valimento e predomínio. O enlhusiasmo sincero e as inclinações guerreiras do rei tornavam sua vontade extremamente accps^ivel ás suppli- cas. Julgando tudo pouco para remunerar o& senhores» ao que via oonàbater a seu lado» prodigalisava os titulos e as doações. As mercês» com que engrandeceu os duques de Bragança e de Yizeu, foram a verdadeira causa da emula- ção e do ciúme do seu successor, e a origem da perda de ambos pela soberba, com que, julgando hombrear quasi com o monarçha, nlo duvidaram levantar a luva» que D. Joio n lhes lançou do seio das côrtes de 4581. Mio con- tente com esta profusão de graças honorificas, D. Afifonso. repartiu por elles a melhor parte das terras e dos ilií citos reaes, annullando sem previsíío os rendimentos mais co- piosos do património da coroa já h astante atfcenuados peias concesaòes a que o império da crise politica forçára a re^ gencia do infante D. Pedro. Fòra longo e supérfluo indi- viduai aqui US rasgos de exagerada generosidade do ven- cedor de Arzilla. As tenras at bilradas aos oíTiciaes da sua casa foram taes, que gei almente se dizia» que nenhum rei as pagára nunca iguaes. Greava e educava alem disso no paço à sua mesa e na sua camará os filhos das famílias mais distinctas em tão grande numero» que nem quatro ^ A lei mental foi publicada por D. Duarte em 1434. — D. Fran- cisco de S. Luiz, Obras completas, tom. i.^MemMia âcerea «tal ao* tieku quê «ot nttm do dr, Jo3o das Regra», ê H tõtm dgiàim «iftcíu ukfê a Ih* urnuuà. Digitized by DOS SECCtOS Xm £ XVDI 347 reinados dos mais longos podoriam jualos compelir com Anobma o seu em munificência. As moradias dos fidalgos, accu- muladas com o producto dos bens doados e dos oílicios» constiluiam outra fonte valiosa de proveitos para a no- breza, assim como os ccasamentos», isto é, as gratifica- ções aboiíadas pelo rei, tanío as <iaiiKiS, como aos homens empregados no seu serviço, quando mudavam de estado. Os fidalgos cavaileiros» que venciam moradias» passavam de cem, fóra trinta e oito escudeiros fidalgos e cincoenta e um moços, lambem fidalgos, todos retribuídos com lar- íTueza. Não admira, que, seguindo estes caminhos, a som- ma total gasta só com o pagamento das tenças graciosas, se elevasse em 1477 a 6:848|jKXM) reaes, e quç as qoan- 'tias despendidas em casamentos e mercês pecuniárias subissem a mais de 1:1335000 reaes, algarismos impor- tantes em relação ao valor da moeda n aquella epocha, e ainda mais consideráveis comparados com a receita pu- blica ordinária, que em 1477 n^o excedia 43:074^9000 reaes O governo de Affonso Y pela sua indulgência em tolerar aos grandes vassallos os maiores abusos e prepotências, e pela sua prodigalidade em os premiar muitas vezes sem motivo, complicou por modo tal a situaçlo do paiz e da fazenda, que só um braço íh me, como o de D. João II, e uma resuhição inflexível como a d elie, seriam capazes de os arrancar da beira do abysmo. O melhor dos rendi- mentos do estado era absorvido pelas tenças, moradias, casamentos e mercês lucrativas devoradas pdos fidalgos, * Historia Genealógica da Casa Real, tom. ii, provas, n.** 8, pap. 17. — Covsas que dm em sua vida El-Rei D. Aflonso V, Archivo nacio- nal da torre do tombo, gav. i.% maç. 9, n." 16. — Papel de Fazenda do reinado de Affonso V, Digitized by Google 348 HISTORIA D£ PORTUlUL A nobreza que iilío satisAíilos ainda com tantos favoi es, não hesita- vam em explorar as facilidades do monarcba á sombra do mais niinoso valimento. Qaeixava-se ao mesmo tempo o povo, mas em v9o» lastimando o desbarato dos bens da coma, e accusando a soberba e a oppressão da aris- tocracia, que, segura da benevolência do rei, e certa da impunidade» tratava quasi como servas as cUsses infe- riores. N3o contando a despeza empregada na sustenta- ção dos logares de Africa (4:348i!í662 reaes), as sommas applicadas á administração da justiça com as casas do ei- vei o da su|)[)li( M :iL) (OSOflíSTSreaes), as destinadas a obras publicas (300|j(000 reaes), e as esmolas algrejas e mos- teiros (d7<9l500 reaes)» o resto da receita publica no valor de 37:3701060 reaes desapparecia na voragem das dota- ções annuaes da família real e das graças e assentamen- tos liberalisados aos íidalgos nunca saciados. Ei-rei e o príncipe herdeiro gastavam entre ambos annaalmente 14:818(9(000 reaes. A princeza D. Joanna, denominada a Excellente Senhora, recebia 1:4005000 reaes. triste subsidio confrontado com as ^n andezas, que seu tio lhe aliançara, ofTerecendo-lhe a mão de esposo. 1). Leonor, iliba do infante D. Fernando, e mulher de D. João li, l:650i$000 reaes. As tenças graciosas sem praso limi- tado ascendiam a 0:730^000 reaes, e as concedidas temporariamente a iSljJiSSO reaes. Os estudos dos mo- ços fidalgos sustentados pelo estado custavam S02fjl540 reaes^ 0 desequilíbrio assustador entre os rendimentos e as 1 Archivo nacional, gav. 2.*, maç. 9, n.° 16. — As outras despe- zas ordinárias que saíam do erário iTam avaliadas em 2:000ií000, entrando n'eslp ralculo os 500:(X)0 reaes pagos pelos rendeiros dos direitos reaes e aâo inscriptos nos livros da fazenda. . j I. d by Google DOS SEGGLOS IVH E XVm 349 despezas foi o pretexto com que D. Jo3o II se cobria, a noim» para oppor o veto das côrtes e o seu á continuação dos excessos, que a nobreza imaginava perpetuar, incutindo o receio da sua resistência. Aíieita a zombar dos meios paliativos e das restricções apparentes» com que se tinha procurado remediar o mal, coutava com a sua uniSo, na realidade poderosa, para subjugar o novo soberano, con- verletido-o em instrumento, senão dócil, pelu nitínos re- signado, dos abusos, que elle jurara extirpar. Não conce- der novas tenças senão á medida que fossem vagando algumas das antigas, e suspender por espaço de dez ân- uos o pagamento dos casamentos, a pâr de fortes deduc* ções nos ordenados e vencimentos, foram as providen- cias inculcadas em 1477 para occorrer desde logo ás maiores dilliculdades, providencias logo íruslradas pela Índole do monarcha e pela avidez dos cortezãos. Os po- vos, viclimas sabidas das prodigalídades e fraquezas do rei, vexados pela insolência e cubíça dos fidalgos, viam- se con.^li.ii);5'iilos a soccorrer o thesouro exliauslo com subsidios extraordinários, que monlavam a dezenas de contos, e não ignoravam, que a máxima parle d estas som- mas servira sú para engrossar as rendas dos grandes vas- sallos, cujo fausto escarnecia a pobreza gerais Osinr teressados sabiam, que as vozes dos procuradores dos concelhos só eram ouvidas emquanto duravam as cortes, e que os propósitos de emenda e de economia só vigora- vam emquanto apertavam os apuros, mas que, encerradas as assemblèas nacionaes e obtidas as antecipações ou os impostos, as promessas esqueciam, e o monarcha volvia aos mesmos erros. ^ Os sttiwtdía» arrancados ao paix subiam a muito mais de 68 contos, somma consideiavel para o tempo. Digitized by Google MO UlâXOAlA DE PORTUGAL kmàtnm Mudai*am, porém, de aspecto as cousas com D. JoâoII. Previsto, dissimulado e constante nas idéase deliberações, os daques deVizau e de Bragança, o cardeal D. Joiígeda Costa 6 o arcebispo D. Garcia de Menezes, principaes ca- beças da facçSo da nobreza tinham sempre encontrado no herdeiro da coròa um adversário occullo, e algumas vezes até um iDimigo declarado, mais que tudo desde que seu pae o associára ao governo. Esta circomstancia deveria aconselhar aos duques e fidalgos maior prudên- cia. Mas, confiados nas suas forças, suppozeram o so- berano débil e desampat ado, e cuidaram, que bastaria a ruidosa ostentação de suas colligações para lhe fazer quasi cair. das mios o sceptro. Illudiam-se. D. João II, alma proftmda e tenebrosa, dotado de caracter inexorá- vel, traçara o plano da luta, e a experiência p!'ovou de- pois, que nenhmna consideração, nenhum esciiipulo e nenhum remorso podiam obriga-lo a recuar um passo. Paciente, emquanto lhe conveiu encobrir-se, vigiava os contrários, punha uma sombra sua junto éd cada um, assistia invisivel aos conciliábulos dos inimigos, e, vendn- se rodeado de ciladas e traições, fingia-se tão seguro e descuidado, como se não sentisse o punhal apontado nas trevas a cada hora contra o peito. Fiado na analogia de interesses, que existia entre a sua causa e a das classes medias, reuniu-as em torno de si, e, insinuando-lhes o que haviam de pedir, fez dos aggravos e petições das còr- tes a sua arma principal. De feito os capitulos dos esta- dos de 1841 relativos aos privilégios e abusos da no- breza estabeleceram a questUo com a maior clareza. Os procuradores dos concelhos, deplorando que a justiça andasse ha tantos amios íòra das mãos do seu princi- pal executor* notaram, que muitas viUas e logares iin- portantes se achassem desmembradas do dominio leali Digitized by Google foquerertm qoe o ret avocasse os titidos das doações amImhi fòítas, e mandasse examinar a soa legitimidade, para unir ouUa vez á coròa ;is terras usm iiadas, lembrando, quanto ás moi-cés nao sujeitas a contestação, o alvitre da biereiu coaiirmadas sómente uas pessoas dos donatários existentes com a clausula expressa da reversão por morte d^elles^ Era nada menos du iiue uma verdadeira revolução feita pelos povos e pelo rei cuuiia a prepotência tli)> nobres. Estes despertaram sobresaltados, e decidiram resistir por todos os modos. A resposta újd D. João li não ibes deixára a menor esperança. Gommunicando ás côrtes, qne já tinha nomeado pessoas competentes para exami- narem os titulos das mercês concedidas anteriormente, o rei coUocava-se audaciosamente ao lado dos concelhos, a» unido com elles, declarava a guerra ás classes privile- giadas. Outra providencia accentuou ainda mais a signi' llcação d'este acto. Desprezando os clamores dos fidal- gos, ordenára que os seus corregedores entrassem nas terras dos que possuíam jurisdicções, e coniiecessem davS violências e vexames praticados. Esta reivindicação ou- sada dos direitos da soberania acabou de convencer os antigos validos de seu pae, de que a luta não admittia quartel. A questão das jurisdicções não era nova. Os mo- uarchas, fáceis em remunerar com doações os serviços que não podiam pagar com dinheiro» não se mostraram menos promptos depois em se arrependerem da excessiva liberalidade» vendo o património da coròa desbaratado e repartido pelos vassallos. Afifonso ni e Affonso iVi, D. Fernando e D. Juão I, cada uui poi* diveiso motivo, i Cártm é$ 1481 « 14St, Arcliivo Nadonal da Tone do fombo, maç. 3 de odrtea a.* ^ Digitized by Google dS9t HISTOnU DE PORTUGAL Aaotecsa adveitldos severamente pela necessidade, tinham queri- do, mas tarde, voltar atrás, atalhando o mal; mas as raí- zes, extensas e profundas, não o consentiam já, e com- plicado desde o governo de Affonso III com o conflicto suscitado pelo abuso dos fidalgos esteiidereni os privi- légios ás terras não coutadas, tornando-as innnunes do • fisco, ainda se havia aggravado mais, inutilisando os es- forços tentados para o debellar^ D. João II não ignorava a historia de muitas d essas doações usurpadas, e, recorrendo ao meio violeiito de uma inquirição, meio empregado sem eíleito por alguns de seus antecessores, sabia os obstáculos que ia comba- ter. Na alienação das jurísdicções muitos soberanos, usando de clausulas va^as e indetennínadas, haviam en- tregado aos doiialtií iiao só a justiça civil e criminal, mas as nomeações dos magistrados, incufiibitlos de a ad- ministrar, despojando a realeza do uma de suas i ire roga- tivas mais preciosas. O districto assim privilegiado iicava quasí sempre fóra da acção do poder real, e os infelizes habitantes manietados e sujeitos á cubiça e â tyrannia dos senhores. Maiidando, pois, rever os títulos oiiginaes das mercês, e obrigaado-as todas á confirmação, o rei amea- çava a nobreza em uma das fontes mais valiosas da sua opulência, e abalava pelas bases o edificio em que ella se fundava. Mandando devassar ao mesmo tempo as terras, aonde nenlium oílicial dei corõa i)odia entrar para alten- der os gemidos e as l.igrimas dos opprimidos, descai're- gava outro golpe, nâo menos fundo e sensivei, ua prepo- tência das classes aristocráticas, cujos abusos, animados ^ Vidè Memoria da Academia Real dm Sciencioê de lAãboa, toio. vn, pag. 1Õ7 a 159 e 164. — Ordmíções Âffontinaê, liv. ii, Ut Lxia. Digitized by DOS SRCDLOS XYH £~XVni dS3 pela iiiiiHiiHdade, ha muitu estavam pedindo repressão amIm» immediata. As queixas dos povos nas côrtes de 1481 pintam o quadro sombrio dos padecimentos dos povos nos flns do século XV ^ O duque de Bragança, desvairado pela ambi- ção, não duviíJim acceitar o repto. De cia rou-se chefe da resistência, e, ao que parece, não hesitou em se entender côm os reis de Castella para a tornar mais decisiva. Preso e processado camararíamente» a sua morte foi como que uma expiação da longa serie de crimes e extors5es com- mettidos pela casta, que representava. D. João II, co- mo Luiz XI, não era pi incipe que se prendesse com for- mulas, ou que hesitasse diante do assassinato juiidico. O punhal, com que em Setúbal varou o peito ao duque de Vizeu» bem mostrou que o sangue dos seus parentes mais próximos não o fazia parar. Inaccessivel ao temor, á pie- dade e ao remorso, obreiro implacável de uma recon- struccào dolorosa, mas ale certo ponto necessária, levan- tou os alicerces da unidade monarchífa sobre as ruínas e o luto das casas mais iilustres» e» ferindo a reacção nobi- liária na cabeça, decepou-lhe de uma vez os brios e os alentos. O seu governo enceira uma das epochas me- moráveis da historia portugueza, a epocha da quéda do predomínio dos grandes vassallos e da completa eman- cipação da corda» liberta de todas às influencias» que pod^m dimínuir-lbe o esplendor» ou assoberbar-lhe os direitos'. D. Manuel, subindo ao llu ono, achou os ânimos dispos- tos para uma reconciliação sincera. Abrindo as portas da pátria aos fidalgos desterrados, e restituindo aos filhos 1 ('òrtes de 1481 e 1482, capituios ilas jiirisdicçôes. 2 liarcia de Rezende, Chronica de EURey D. João U. TOMO T S3 Digitized by Google HISTORIA ne POBTDGAL Auobreia (lo ciuquc íie Ht agança e aos nobres pi oscriptos as hon- ras e os bens, aproveitou a opportunidade do ensejo, para lançar sobre o passado o véu do esquecimento, e para deatrízar aa feridas das discórdias abertas pela se- ireridade do governo do seu antecessor. A nobreza accei* tou agradecida o quinhão de infiucncia, que o soberano llie offerecia, e este, na essência, innlo, òn mais cioso, do que seu primo» dos direitos e pi erngailvas da realeza, conseguiu aproveitar sem nova.^ violências os resultados da luta. em que D. João II arriscára a paz interna e até a vida. Em suas m9os, menos pesadas na apparoncia, mas igualmente finues, a (luu^f ina da unidade monarchica al- cançou um triumpho deliaitivo, apfilicada ás relações do príncipe com os vassalios, e successivamente introduzida nas instituições politicas e socíaes. O lustre das conquis- tas e navegações, e a actividade, que a ftindaçio da um vasto impoi io tlespertou im todas as classes depois da passagem do Cabo da Boa Esperança, não concorreram pouco para aplanar os caminitos por onde, sem ruido, mas com vontade segura, a monarcbia se adiantou até realisar o pensamento do reinado antecedente. As resís* tencías, decapitadas com o duque de Bragança no cada- fiílso, não podiam reviver. A nobreza vencida, desarmada e sem chefes ainda era de certo poderosa como classe, mas carecia de meios e de iniciativa para se reorganisar como Aicç9o preponderante. A lição cruel dos últimos annos não í)5ra perdida, e mesmo os mais ousados, depois deterem provado o peso do braço real, não se atreviam a desafiar segunda tempestade. A transtormação profunda operada nos destinos da na- ção com o descobrimento da índia, rasgando ás ambições insolTrídas horisontes largos e indefinidos, e oferecendo aos interesses e ao ardor da gloria tbeatro tão novo e Digitized by Google BOS SÉCULOS mi E XVUI 385 vasto* acabou de reduzir quasi á obedieocia passiva os a nobre» mais oiigQlhosos, mudando em poucos annos as idéas> os costumes, e as aspiraçQes, n3o só dos grandes vassallos, como dos fidalgos pronncianos, e dos moradores das vil- las e cidades. Lisboa, asscnUaJa á beira da ;niipla bahia do Tejo, recolheu no regaço as páreas do oriente, e tornada repentinamente a Veneza do occidente, centralisou em seus muros e em suas agúas as armadas, os commercios, a còrte, e todas as opulências de uma epocha, que mesmo aos mais eiiUiusiaslas devia parecer quasi um sonho, mas que por desgraça lambem passou rápida, como snnho, legando apenas de lanlos [trodigios e prosperidades a me- moria de grandes feitos, uma pagina sem igual na liisto- ria, e a decadência rápida da corrupção e da fadiga. As círcumstanclas creadas pela conquista nSo podiam deixar de inílnir na existência de Iodas as classes, des* equilibrando muitos dos antigos elementos, e alterando de um modo notável a existência de outros. A auctoridade reai, a nobreza> a burguesia e o povo, saindo transfor- mados da meia idade para a renascença^ entravam em uma carrciia, que nenhum conhecia ainda, mas aonde o amor das aventuras, a sôde do mando e das riquezas, e a ^ conOança nas grandes audácias promettiam recompensas quasi superiores aos desejos e pelo menos iguaes á teme- ridade das emprezas. A necessidade de tripular tantos navios, de guarnecer tantos presídios remotos, e de po- voar tantos logares distantes occupava todos os braços e convidava todas as vocações guerreiras. O rei precisava dé attrahir e de utilisar os que podiam servi-lo no mar, como capitães das naus e das frotas, e em domínios tSo longiquos, como soldados e generaes. Os fidalgos, limi- tados antes ao serviço das praças africanas do litoral de Marrocos^ á povoação das ilhas descobertas» e a facções S8. Digitized by Google 356 HISTORU BB POHTUGAL Auobnaa milltal't'^ rvcíiluaes, acljai aiu na índia e na Aíiica orien- tal emprego mais proporcionado a seus iiistinctos bellí- cosos, contando voltar á pátria^ depois de alguns annos de trabalhos, ricos de fama e de thesouros* D. Manuel soube contentar os mais iiiipaci entes, e, venturoso em todos os commettimenlos, soube convertei em íbrça, em respeito e em engrandecimento do poder mooaii^bico este periodo de transição» de que a fortuna o tomou arbitro. Sustentando sem quebra o principio da auctorídade, e coagindo os mais poderosos a inclinar-se diante d eile, costumou os nobres á dependência absoluta do throQO por meio de graças e de liberalidades calculadas de f6rma taU que lhes satisfizessem o orgulho sem lhes favorece* rem as inclinações antigas e invasoi as. O rei, dispensador supremo das mercês, dos governos, das capitanias mais invejadas, das tionras e dos títulos, viu-se rodeado em breve de cortezãos submissos, satelUtes do astro, d*onde emanavam para todo o systema a luz e o movimento. O paço, escola já no tempo de Affonso Ve D. João II, aonde os fillius dos f(randes se habilitavam na presença áa m> berano para os altos cargos da milícia e da administra- 00, nos dias de D. Manuel ainda lhes patenteou mais largas as portas, e o numero dos fidalf^os, cavaíleiros e moços da camará inscriptos com luni adia nos livros da casa real, longe de diminuir, augmeutou a ponto de mo- tivar as queixas dos procuradores dos concelhos nas côr- tes de Lisboa de i498, queixas desattendidas, como o ti- nham sido no reinado anterior as das cortes de Évora em 1481 sobro o mesmo assumpto. Mas se os planos po- liticos decidiam o monarciia a cercar-se dos nomes mais distinctos e a educar debaixo da sua vigilância os que mais tarde haviam de i-epresenta-los, as urgências do era* rio não foram desprezadas, regulando-se nas Ordenações d by Google 1 DOS SÉCULOS XTU £. XVUI 357 de fazenda de 17 de outubro de 1516 um dos capitulo^ a nobres mais onerosos do serviço do paço» o das ajudas de casa- mento, por maneira que os abusos cessassem, e que a graça fosse proporcionada ao ofiBcio e qualidade dos que a recebiam. A reforma, sem olfender os interesses dos privilegiados, coilon as duplicações e as fraudes, e esta- beleceu regras determinadas para a concessão da mercê, e para o modo de eUa se realisar Os reinados de D. Jo3o III e D. Sebastião consnmma- ram esta revolução pacífica. A vontade dos soberanos em todas as jerarchias euconliou súbditos reverentes, e o governo pessoal arraigou-se nas instituições e nos costu« mes sem obstáculo. O paiz aprendeu cedo e á sua custa o que significa a abdícaçSo voluntária dos brios e tradi- ções diante do poder illiiuiíado de um iioineiii. O cara- cter nacional degenerou, os nobres tornaram-se aulicos, 00 mercadores, os negociantes fizeram*se chatins, e osia- vradores marinheiros, ou soldados. Às delicias da Ásia corromperam a milícia, a côrte e o povo. Todas as idéas grandes se acaiiliai am, e até o sentiinento mais \ ivo, que pôde iuflammar o enthusiasmo das nações, o amor da terra natal, esmoreceu pervertido pelo espectáculo do envilecimento da população escrava do oriente, pelo la- pso da ausência, e pelas especulações da cul)i( a. A fé ar- dente de epochas mais felizes apagou-se nas vascas de um fanatismo sombrio, e a hypocrisia cobriu com o manto hediondo as torpezas do atheismo politico e da falsa de- voção religiosa. O clero servia o altar pelas grossas ren- das, que arrecadava, e, exagerandu as exterioruiades do 1 Córtex de 1498 em Lixboa, cap. n, in e i\ . — Ordenações rf/* Fazenda, publicadas em Lisboa a 17 de outubro de 1516 por Ar- mão de Campos, cap. cxxhi a cxxxix. L/iyiii^ed by Google 358 HISTORIA DE PORTUGAL A loiíntft culto, cuidava enganar a Deoa, como illudia os crédulos. A inquisição, rodeada de delatores, velava pela pureza das crenças, substituindo â persuasão suave do Evange- lho O terror dos tralos e o clarão das fogueiras. O Uvel da auctoridade absoluta igualava os mais altos com os mais humildes na submíssio. Ninguém levantava os olhos da terra, senão para os baixar a um aceno do podei', ijue algemava todas as coíiscieiícias e Iodas as vontades. O rei quiz ser e foi tudo.  igreja ligada pelos interesses tem- poraes deu o exemplo da obediência. A inquisição, tri* bunal nascido de um pacto da realeza com a intolerância, emmiidecia as resistências, perseguindo como delictos as novidades e os progressos. Os grandes vassallos esque- ceram nas embaixadas e nos governos, entre as ostenta* ções de régulos, ou nos olBcios do paço, a antiga soberba e pretensões. Do povo não fatiámos. Das velhas e robus- tas municipalidades dos séculos xiv e xv, que mais res- tava nos íios do xvi século do que o nome e a letra quasi morta de seus fóros? Emquanto as famílias titulares e os donatários accu« mulavani com o producto dos bens palrimoniaes os ren- dimentos das conimendas, das cafiulias e das doações de- vidas á munilicencia real e os proventos dos oflicios do paço e dos grandes empregos, os irmãos e os flllios se- gundos das casas mais opulentas, assim como a nobreza, que vivia nas províncias retirada da côrte, só tres carrei- ras podiam seguir com esperança de lortuna: a das ar- mas, a ecclesiastica e a da magistratura. £llectivamente desde o governo de D. Manuel todas ellas começaram a ser muito concorridas, povoando-sc as igrejas e os claus^ Iros, e guarnecendo se as armadas e os presídios de man- cebos dislinctos, que mais tarde, íiivorecidos pelo mere- cimento, ou pelo acaso, cingiam a mitra episcopal, ou 9 d by Google DOS 8ECUL08 XVtt S IVIU m abbadd, ou eram fandadores de casas não menos iUus^ huamm tres, do que os antigos troncos de que brotavam. A insti- tuição vincular, muito ramificada n esta epocha, influiu bastante para este resultado. Oi morgados no tempo de O. João 1 eram já em grande numero» e datavam de Ion* gos annos, segundo afOrmaram nas còrtes de 1398 os fi« dalgos, que requereram ao mestre de Aviz u itj^peilu da voíiLade dos iuslituidores, na idéa de perpetuarem o nome e a descendência. ^ío remado de Âllooso VmuUiplh caram*-se os vínculos com fundos próprios e inalienáveis, ficando a suecessao restringida ao direito de primogeni* tura, e <em\o regulada pelos graus de corisaiiguiiiiiladô deuU o da iinha directa. A vaidade, a ostentação, e a moda tornaram esta íòrma nobiliarchica tão commum, que nos dias de D. Seiíastifto e de Filippo U quem nSo fundasse um, ou dois morgados, embora de pequeno rendimento, expunha se quasi á nota de pobre e de plebeu. As consequências não se demoraram em demonstrar o que tendências similhantes encerravam de vicioso e de estéril ísador, tanto em relação ao aspecto politico, como pelo lado económico. A dilíusão dos vínculos trouxe logo comsigo, como elíeito necessário, a exageração dos dotes das donzellas nobres, a incapacidade dos primogénitos para as funcções publicas e para a vida civil» e a diminui- ção das famílias, porque, monopotisadas nas mãos de um só todas as l uiulas, os oulros íilhos desherdados só ti- nham a escolher enlre a clausuia c os perigos da exis- tência errante de navegadore:< e de soldados. Para as filhas não havia mesmo escolha. O nascimento conde- innft va-as á solidflo dos conventos, aonde as saudades ã6 mundo não cessavam de as coml)aler. A immensa quan- tidade de prédios roubada á circulação e á cultura cui- dadosa, c entregue na máxima parte ás especulat&ea Digitized by Google 360 HIOTORU HE PORTUGAL AiMimut dos reodeiros, reduzia dentro em pouco a área do solo arável, já tSo pequena, ás mais acanhadas proporções'. 0 progresso das navejíarôes o conquistas não acíuava com menos força jiara ejiipobrecer o reino, ♦•stancando as verdadeiras íonles de riqueza de todas as ciasses. Desde 1497 alé 1580, no periodo relativamente curto de oitenta e tres annos, o governo e os súbditos, suppondo inexofotaveis os lhesouros da índia, consideraram o tra- balho agrícola e a industria fabril como indignos dos bnos de uma nação poderosa, e confiados nos galeões abarro- tados de especiaria e de mercadorias preciosas, deixaram enredar de urzes e de mato os campos mais férteis, pa- gando com orgulho ao estrangeiro os productos, que snas mãos já não saliiain lavrar. Pouco valiam, a seu ver, al- guns teares ociosos, e algumas charruas de menos na la- voura, quando as nossas quilhas aravam os mares subju- gados, e todos os annlDs traziam riquezas muito superiores^ a umas poucas de colheitas. Pouco importava aos senho- les de vinculos, que o numero de suas geiras arroteadas diiiiiiuiisse, ou que os fructos das terras devidas á libe- ralidade do soberano cada anno fossem menos. Tinham as capitanias e as viagens do oriente para compensarem as perdas, e esperavam depois de pouco prolongada ausên- cia voltar tres, ou quatro vezes mais ricos e opulentos para restaurarem o lustre dos solares, e satisfazerem to- dos os encargos. No começo do século xvii os lucros que podiam colher-se, mesmo de governos subalternos, ex- 1 Raoke, Otnuaãit e Ifyspanhoeê^ cap. ra, Dwenu Eitadt» e tua Aimimtira^, «Os grandes de Castella*. — Memoria sdbre a Ori- ym, Proffreuoê ê Vartaçõeê áa Jurítpmdenda ãot Morgado» m Púiiagal, por Thomá» Antonio de Villa Nova PortugaL — £l«ci< dario, verbo «Capella*.— Onlenofâd Manuelina, liv. ii, tít jxxv, * Digitized by Google ■ I»aS SÉCULOS XYU £ XVUI 361 cediam o que' a imaginarão mais audaciosa se atreveria a aii«1ii«i» conceber dois ^pciili is antes. A íortaleza de Mombaça dei- xava livres para o capitão no triennio 30:000 cruzados, e a de Sofola âOO:000. Onnuz 180:000» Mascate 30:000, Diu 60:000. DamSo 50, Baçaim 40, e Ghaul 80. Godum reiiília IS contos de réis, Bracellor 42, e Manar na costa de Coromandel outros lá. No mar do sul iMalaca podia enriquecer o seu capitão com 130:000 cruzados nos tres annos, a fortaleza de Maluco com 50:000 pardaus, a de Amboino com 20:000, e Solor com 15:000. A viagem aimuaí da China pai a u Japão dava á pessoa provida no commando 80:000 e iOOróiX) cruzados, a de Meliapor para Malaca âO:000, a de Goa para Moçambi* qae 30:000 pardaus, e a da índia para as Molucas 35:000. Os ofiicios de feitor, de alcaide mór e de escrivão das fortalezas eram taiabem muito rendosos. No de alcaide inór de Moc^bique podia o agraciado tirar 20:000 a ââ:O0O pardaus em tres annos. O de feitor de Ormuz va- lia â5:000, e os de escrivão nas feitorias prindpaes or- çavam por 6:000 cruzados no triennio. Os togares de jui- zes das aiíandegas calculava-se nas mais uiiportantes, como Goa, Ormuz, Diu e Chaul, que poderiam produzir DOS tres annos entre 10:000 e âO:000 cruzados. Estes eram os proveitos lícitos; mas a comip($3o e a falta de escrúpulo sabiam triplica-los, abusando de tudo e de to- dos. Para se íormar idéa dos excessos, que as auctorida- des fiscaes e militares da Índia ousavam commetter. b praticavam usualmente quasi com plena impunidade, basta consultar o depoimento sincero de Diogo do Couto nus seus diálogos do aSoldãdo Praticoi> , Ali se vè com que artes e por meio de que violências conseguiam os capitães das fortalezas e a máxima parte dos empregados juntar riquezas immensas, com as quaes, por mal adqni-: d by Google mnOBU OE PORTUGÀI. AMkMâ ridas, aorescenta o efarooiflla da Aaia, muito ponoa ma- draram, eogolíDdo os mares, ou apresando as naus ini- migas os galeões em que as transportavam ^ As ordens militares oilereciam á noi)reza coilocaçdes vaDt^osaa* e os readímeatos das commandas eram am grande parte monopotisados por ella, assim como os be- nefícios mais piíjgufs dos cabidos e collegiadas, e os lega- res da Magiòlratura no Desembargo do Paço, na Mesa da GonscioDda, nas Relações e no Senado de Lisboa. As clas- ses aristocratias, com exclusSo quaâ completa das clas- ses medias e dos filhos do povo, requeriam e alcançavam os melhores cargos civis, militares e juiliciae^ pai a mui- tos dos quae> su os desceudeates de sangue illustre se podiam julgar aptos em presença das habilitações exigi- das Das leis. Os plebeus deviam cooteotar-se, e de feito se contentavam, com os empregos menores da judicatura e do ensino puljlicu, não subiuJo os mais felizes ás jerar- chias superiores senão peias portas dos claustros» porque diante dos religiosos laureados com as palmas universitá- rias, ou acadeinícas, desappareciam as diíOculdades e apla- navaia-se os caminhos. As ordens militares eram muito ricas. A de Christo, fundada por D. Diniz, e locupltílada com os bens que haviam pertencido aos templários, pos- saia víDte e uma villas, e quatrocentas cincoenta e quatro coromendas, avaliadas em 94 contos de renda, sem con- tai' os dizimos, as decimas, e as terras das ilhas e do ul- tramar, A de S. Thiago não contava ineno^ de quarenta e sete villas e legares sujeitos á sua jurisdicçio, e cobrava 1 Livro de toda a Fazenda e Real Património (íoi Beynos de Por» iugaí, ordenado por Luiz de Figueiredo FalcSo no anno de 1607, pig. Ii9 8 I3e.--Di0go do CoatOi Mod» Pralicê, dial^g. i S u» pmiai* « Digitized by Google » DOS S£CULOS X¥U £ XVUl 363 mate de 36 contos de réis annuaes de soas eeDto e cm* kn^tm coenta commendas, A orderii de S. Bento de Aviz, a mais antiga de Portugal, devia á liberalidade dos soberanos, em premio do auxilio prestado m luta contra os sarrace- nos, dezoito viUas e quarenta e oito commendas orçadas em 93 contos de renda por anno. Finalmente a de S. João de Jei usalem, ou do Hospital, herdada com launificencia pelos nossos reis, principalmente na provinda de Entre Douro e Minho» tinha vinte e uma villas e legares, e vinte e quatro commendas com o rendimento annual de 35 contos Aílonso V, sempre com os olhos na conquista de Afri- ca, impetrara em 1463 de Pio U a graça da creação em Ceuta de tres conventos» um para cada ordem de Mílicía Religiosa, sendo os mestres obrigados a enviarem a terça parle dos cavalleiros por turnos, a fim de i*esidirem á sna custa n aquella praça e de se familiarisarem com os traba- lhos da guerra. Esta prescripçao, por motivos de interesse pessoal, não chegou a cumprír-se, e D. Manuel buscou diverso modo de obter quasí o mesmo fím. O papa Leão X, por supplica da coiôa acrescentou a ordem de Clitisto com as novas commendas instituídas em 1513, e subsi- diadas com o rendimento annual de 20:000 cruzados ef- feciívos separados das rendas dos mostoiros e inteirados com os fructos das igrejas parochiaes do padroado real. Estas commendas só podiam ser concedidas aos que as ganhassem servindo contra os indeis. Mas o rigor do t Dvarto Kiineg dt Leão, iVoiídá» d$ PortMç^l, diíe. n, { i7.« Ests calcula poueo diflbro do que apresenta Luíx de Fisueiredo Fal- cSo, citedo no capilulo enlecedente. O pequeno exeeeio que appa- me no computo de Duarte Nunes ó faeU de justiOcar, deoonridoe dee^le annpe entre oe escríple» da FateSe e d'el|e. Digrtized by Google 364 HISTOhlA Di:; PORTUGAL Anoiínu preceíto não resistiu muito tempo aos valimentos, e na epocha de D. Sebastião, para se j^^uardarem ao menos as apparencias da sua observância, duas bulins pimtiíicias limitaram a tres, ou qualio annos o.praso prescripto ao serviço militar nos presídios aâicanos, e igualaram â guerra contra os mouros em Ceuta e Tanger e nas galés da costa do Algarve a guarnição dos navios de alto bordo do oceano, sob pretexto de íjue o exterminiri dos turcos e cursados nâo era menos agradável a Deus, de i\uv o dos piratas do Ríí! e dos cavalleiros de Fez e Tarudanle K A concessão aos reis de Portugal em 1516 do padroado dos mestrados das ordens» e a encorporação de todos tres na coroa em 1550 também consummou por este as- pecto a concentração de poderes, que desde o reinado de D. João II íòra o pensamento constante da monarchia, acabando de reduzir á dependência absoluta do throno os nobres que aspiravam a participar dos proventos, com que só as religiões militares podiam recompensar os que (lesLja\am imir á profissão guerreira a fruição dos bene- licios ecciesiasticos 2. Á proporção que as emprezas militares tomavam maior corpo^ e se alongavam mais da pátria, e que o nosso im- pério se dilatava pela Asia e pela Africa oriental, crescia a emigração dos fidalgos e cavalleiros, tanto da capital, como das províncias. E não eram sò os fidalgos, eram lambem os lavradores e a parle mais viril e activa das 1 Bulla de Lefo X, datada do anno de 1513, Goncedenão 20:000 crazadoB de renda doe ihielos e rendimentos dos mosteiros e ig re- jas de Portugal para D. Manuel ftuidar commendas da ordem de . Chrísto. Hi$toria GeMotogica âa Cata Real, tom. n de Provas, pag. M,—Elueidano, verbim «Decimas». 2 Bulla QmUamH /Úb de 30 de julho de 1516.— Bulla Prmstara eharisnm de 30 de deiembro de 1550. Digitized by Google I 4 DOS SÉCULOS xvn K ifm 365 classes medias, (jiie imjlei ía á obscura mediania da vida Aiwbi^» rural, ou do trabalho fabril» os laoces por vezes ditosos das carreiras tão concorridas das armas e das navegares. Na lavoura e nas arfes manuaes os lucros corriam escas- sos e incertos, as condições humildes não achavam modo de sul)i'esair, e as probahiildades desfavoráveis todos os dias augmentavam. Para a nobreza os estímulos, apesar de diversos, não tinham menos força. Os grandes pro- prietários ecciesiastieos e seculares temiam, que a resi- dência nos coutos e sulai tj> os lizesse esquecer, e acudiam a cuisar o paço na esperança de conservarem e robuste- cerem a influencia. Dentro em pouco o agrado e o favor dos soberanos tinhamros tomado cortezãos a todos, e os mais d*eHes saíam do paiz a pelejar na índia e na Africa, e a sulcar o oceano como capitães de el-rei. As guerras da Asia depressa devoravam os soldados ÍDlrepidos, e os reis, carecendo de homens decididos, que sustentassem n'aquellas partes o prestigio do nome portuguez, não poupavam promessas aos que voluntaria- mente se otíereciam pMt a continuarem as proezas dos primeiros conquistadores. £$ta necessidade politica, cada dia mais sensivei, deu em resultado o que o poeta mora- lista Sá de Miranda com tanto sabor critico já notava no seu tempo, e o que Luiz de Camões com tanto \\^ov en- careceu no seu poema. Os senhores, e nmilos mesmo que o não eram, abrasados na séde de gloria e de rique- zas, principiaram a viver ausentes das terras, olhando a exist^icia campesina e a sua laboriosa obscuridade como occupaçSo imprópria das gerações aventurosas, que a Europa admirava. A unidade moiiarcbica triumphante conGrmava estas idéas, premiando os que as traduziam em factos, e avivando em todos a emulação e a impaciên- cia de igualarem as grandes acções. A corrente dos que Digrtized by Google m HISTORIA DE POBTUOAL Aasfeiwa trocavam o socego e a modéstia da vida retirada pelo bu- lício da côrte e pelas fadigas e inquietações das cousas politicas e militares cada vez engrossava mais, e os po- derosos começaram a reputar os antigos solares quasi como desterros, nlo os visitando senlo de corrida e de longos em longos intervallos. Longe das herdades e dos costumes siítgelos, ao passo que tantas distracções lhes iam apagando do coração o amor do solo e do berço na- tal, o exercício ou a imitação das funcções aulicas, que- brava-lhes o animo e enfraquecía-lbes a rijeza do cara* cter ISo firme e inteiro em ontras eras K 0 reinado de D. Sebastião colheu os IVuctos envenena- dos amadurecidos na epocha anterior. Quando o desdi- toso mancebo sonhava a conquista do império de Mar- rocos não lhe chegavam já as forças para sustentar as armadas e os presídios da índia, causa do desfòllecimento do paiz. Da grande raça, que tantos prodígios obrára, restavam apenas poucos capitães illustres e um punhado de soldados intrépidos. A geração nova, de que no paço eram representantes D. Alvaro de Castro, GhristovSo de Távora, Francisco de Távora e outros mçços, amoilecl- dos na ociosidade da còrte, aprendia o trabalhoso exer* cicio das armas nos sai'aus e nas festas, fugia da escola pratica de Ceuta e de Tanger, e simulava nas corridas do campo de Sant^Anna as evoluções e combates, com que se proponha vencer os árabes, os primeiros cavalleiros do seu tempo. Fínghido^se fragoeíros e adustos para ca^ piarem a benevolência do monarcha eram tSo mimosos e feminis, que por costume não davam dois passos senão encostados ao bombro dos pagens, como depois usaram 1 Sá de Hiranda, Qtrta n, a Antonio PMra, senhor de Basto. — toiz de Gameefl^ Iunádcw, cant iy, dt zcrr a enr* Digitized by Google BOt SÉCULOS XVU K XTID 367 as damas, mesmo para jogarem a péla. Qualquer movi- ADobwn mento mais forte lhes arrancava exclamações doridas, e a moda queria que as falias imitassem a suavidade e o requebro da voz mulheriL A maior parte, resolvida a fii- nesta expedíçSo de 1578, só coídou em se singnlarísar pelo gosto e lustre, não só das telas, mas dos feitios e inven- ções dos vesiidus. Dos quaiiueentos e cincoenta homens, os mais deiles fidalgos» de que se compunha o esquadrão de Glirislovfio de Távora, nem um s6 deixára de empe- nhar todos os bens para apparecer deslumbrante, no- tando com raslo os observadores doestas loucuras, que mais se assimiliíavam a convidados de um noivado real, do que a cavaiieiros aífcitos á aspereza e rigores da guerra activa. Não se viam, affirma uma testemunha ocular do suc- eesso, senSo brocados de oiro e prata, velludos, damas- cos e tecidos de seda custosos, realçados com rendilhas, passamanes, torchados e alamares, Ijotões preciosos, tranças de chapéus ornadas de rubis, diamantes e esme- raldas, camafeus, medalhas e cadeias de oiro de grande valia, couras bordadas com enfeites de pérolas e de crys- tal, capotes de setim com torçaes de oiro, arreios de ca- vallos magníficos, mudiilas e mandis de velludo, e atrás de cada um doestes abortos das modas toda a sua gente vestida de raxa de mescla, ou de grS, com a libré das co- res da flunília, e um séquito numeroso de escadeiros, pagens, lacaios e escravos com gíb?^es, calças e meias de seda. Na escolha das annas igual primor. Cru pos de aço com os brazões de cada fidalgo em campo de esmalt»), couras e coUetes, de anta, couraças de laminas, sáías de malha e gibanetes lavrados, rodlellas tauxeadas de oiro, lanças com os contos e engastes doirados, espadas, ter* çadus e montantes de ímá tempera e das melhores íabri* Digitized by Google a68 HISTORIA DE POUTUGAL kvuhmA cas attrahiam e encantavam a vista. Até as tendas de guen'a piuclamavam a vaidade dos doiius feitas de seda com giimpas doií-adas e bandeiras. Dir-se-ía que toda?» aquelias companhias partiam para um torneio, e que se confiavam mais das pompas e apparatos luxuosos para derrotar os inimigos do que do esforço pessoal e da ri* jeza do íerro *. Foi com estes descendentes degenerados dos Alhu- querques, dos Almeidas, dos Pa checos e dos Castrob, que o ultimo rei cavalleiro aportou ás praias africanas, aonde a morte o estava esperando. Continuar as proezas de AffonsoYcom os homais que se vangloriavam da sua fragilidade, corno seus avós se tinham ufanado do vigor corporal e do soffrimento, ei a intentar empreza mais do que temerária e de antemão condemnada. O desastre provou-o desgraçadamente. A ignorância da sciencia da guerra, a frouxidão dos laços da disciplina, e a falta de uso das armas. inútil isaiani o valor dos ([ue Fabiani com- bater, e desculparam os que, não sabendo pelejar, sou- beram morrei' ao menos. Tudo desappareceu em poucas horas, e Portugal achou*se de repente desarmado, sem 1*61 e sem defensores f O maior peso da catastropbe recaía sobre a nobreza. A derrota de Alcácer não só decepára n'aquelle malfadado campu a lloi d;i mocidade, esperança das casas mais antigas, como \eiu acabar de atleuuar com o captiveiro de centenares de íidaigos, cujo resgate ^ Caria de um átihade da Beira a «m amigo em noticias da ctirte de D. Sebaeíião, Bibltotbeca Real da Ajaàa, códice n.« Caria de Guia de Coiodoe por D. Francisco Manuel de Mello, nova ediç. Lisboa, 1S53, pag. ^i.-^Rtíaçõo da Jornada de Elrey D, Se- . hasiUto e do ApparaÊo da armada e ffente que por seu mandado se fez para pasior a Africa no ano de 1578, BibliophilO; n." 1, al)ríl de i8&9, pag. 91 a 98. Digitized by DOS SBCULOS XVn £ XVfll 369 custou avultadas sommas, os rendimentos de muitas Anobreia (i'eUa$. Os poderosos, para lisoDjearem o rei» tinham - gasto qaantias superiores ás suas rendas. Estas despezas tínham-os forçado a vender muitas herdades e casaes, ou a hypothecar os bens por baixo preço, e a empenhar as commendas e os morgados por muito menos do que va- liam os rendimentos alienados» desfazendo-se ao mesmo passo até das baixelas e dos moveis preciosos pelo que lhes offereciam. Quando o immenso revés de agosto de 1578 feriu o reino quasi todas as familios j:í lutavam com gr andes apuros» e a necessidade de aggravar estes sacri- ticios com os gastos enormes dos resgates pagos na Bar** bería foi um novo e profundo golpe, que as esgotou, con- strangendo-as a esbanjarem o resto das rendas e das pro- priedades, a íim de pôr teniio ao captiveiro dos [íarentes *. Os capítulos das côrtes de Thomar descrevem com ver- dade o estado das ciasses media e aristocrática» quando Filippa II subiu ao throno. Os fidalgos, imaginando achar a salvação no domínio estrangeiro, acceitaram-o, não se esquecendo de estipular as clausulas mais vantajosas ao seu engrandecimento futuro e á prompta restaurarão da sua fortuna decaída. O rei catholico n3o lhes regâteou ent^o as mercês, nem as promessas. Âs cédulas, citadas por Fai ia e Sousa, e a correspondência do duque de Ossuna e de Christavão de Moura mostram até onde che- gou a sua avidez. Da sua parte o rei» por mais alto que fosse o preço, não julgava comprar cara a unidade poli- tica da península ibérica. O estado da nobreza requereu, que segundo o uso da còrle de Borgonha, o monarcha admittisse no serviço do paço os iidalgos portuguezes 1 Carta de Um Abbade da Beira a Um Amigo j Bibliotheca tíeal da Ajuda, códice n.« B-1. TOMO V 'ik 370 HISTORIA Di!. POhlDGAL i qoe, vagando bens da corèa» os nio eneorporasse, mas os concedesse aos i^ai ciiícs dus que os tivessem fruido, e que longe de serem supiii imidas as tenças vagas, as desse a pessoas dignas de premio por seus merecimentos. As tres sappUcas encerravam o mais essencial para a conservação e augmento de suas regalias pecuniárias. Acerca dos benefícios providos pelo mestrado das ordens militares insistiu, em que se guardasse a leti a dos esta- tutos e das definições, não se auçtorisando dispensa das provas» senSo em remuneração de grandes serviços prés- timos na guenra, ou na administrarão. Quanto às capitanias da Mina, S. Thomé, Cabo Verde, Brazil, e ilbas do arehi- pelago dos Açores, pediu que todas as nomeações recaís- sem em fidalgos antigos, e não em magistrados, como ul- timamente se praticára» recommendando ainda as pessoas nobres com exclusão de quaesquer outras para os car- gos de almotacés mores, contadores mores, coudeis mo- res, provedores dos armazéns, lhesoureiros mores, pro- vedores da casa da índia, provedoies da alfandega, e capitães das naus de viagens e das armadas, ollicios e com- missões» que pelo seu lucro e representação a casta pri- vilegiada entendia pretencerem-lhe quasí de direito. Por ultimo, lembrando a urgência de um preceito legal para atalhar o abuso dos dotes excessivos nos casamentos das mulheres nobres, e a conveniência dos mosteiros e igre- jas serem compeliidos dentro do praso da Ordenação a venderem as heranças de bens de raiz, ainda procurava proteger os interesses das casas illustres, diminuindo-lhes os encargos, e facdii imlo-lhes o meio de airedondarem os seus domiuios rmaes K • Patmte das Mercês, Giaças, e hHvil0gm,deque El-RnD,fÍ' lippcj Nmo Setihor,fez mercê a estes seits RmoSflâthoi^ Digitized by V DOS SECUL08 XVn E XTUI 37i D. Filippe não contrariou abertamente nenhum dospe- Auobrou didos» Bias reservou em mente para si e para os successo- res a liberdade de procederem segundo a occasiSo e as cir- cuinstandas aconselhassem. Filippe III, que ainda temia o desconteiilainento dos súbditos, respeitou as apparen- cias, e aljsteve-se de romper abertamente com a no- breza, rasgando a carta de seus fóros jurada em Thomar; mas Filippe IV» seguindo os conselhos de Olivares^ e cansado de disfarçar, tratou os fidalgos portuguezes, como tratava os hespanhoes, niío poupando aos mais soberbos ns demonstrações de desagrado. A politica do conde duque propunha-se debellar osprincipaes elemen- tos de resistência, e enfraquecer as classes poderosas» dimlnuíndo-lheâ» quanto possível, as riquezas e os meios de influencia. Pouco receioso da hostilidade do clero, n3o duvidou ofifender ao mesmo tempo a aristocracia, ferin- do-a na vaidade e nos interesses. A carta regia de 23 de junho de 16âi obrigou os detentores de bens da corôa a justificarem a legitimidade da posse e a submetterem os seus titulos a exame, a fim obterem a confirma^ião regia. As dividas á fazenda foram cobradas rigorosamente e pre- miado o zelo das denuncias e execuções. Os cargos mais elevados eram providos nos amigos e clientes do ministro. A còrte de Madrid n9o fazia caso dos brazões, nem dos ser- viços. Desprezando as capitulações de Thomar, concedia os oliicios, os governos, e os commandus reservados por ellas aos nacionaes a hespanhoes e a italianos, e uma es- pécie de ostracismo calculado desviava de todas as posi- ções eminentes as famiiias mais antigas. As honras, as Cnpitulos das Cortes celebradas na villa de Thoinar em abrU dê 1581, encorporados a'éÚA, CapUuhs do Estado da Noirrna m, iv^ V, X, zi e XY. Digitized by Google 372 HISTORIA 0£ PORTUGAL DOS SKGULOS XTIl E XYiU Aoobreu comiiiendas, e os habitus das oi deiis militares davam-se quasi em almoeda, sendo constante o leilão das graças. A estes aggravos juntava-se o atrazo nos pagamentos das tenças, moradias, dotes e padrões de juro, roubando-se a muitas casas a base essencial da sua representação. A co- ròa, não contente com isto, apretexto de pedidos, ou com apparencías de empréstimo voluntário, arrancava qoasi to- dos os annos avultadas sommas aos menos arruinados. Os senhores donatários, alem das derramas extraordinárias, pagavam ao íisco a quarta parte do rendimeuio dos bens da corôa e das coinmendas sem contar os quartéis de ten- ças e de juros de padrões» comprados, ou concedidos em remuneração de serviços, que o estado lhes retinha, eos preceitos dú imposto da meia .'miiata, ou direitos de merctí, extorquido de todos os despachos rendosos, ou honorifi- cos pela lotação de metade dos proventos, ou pela taxa de uma pauta aonualmente revista. Fundando-se a opu- lência das famiHas pela máxima parte nas r^das dos mor^ gados, e dos prédios rústicos, nas dos bens de corôa e or- dens, e nos honorários dos grandes empregos, não será facíl apreciar o estado de attenuação, em que muitas se achariam, vendo systematicamenta cerceados os seus ca- bedaes, e desfalcados os recursos, de que podiam valer- se Aposição das classes medias e do povo era mais cruel ainda, como mostrámos^. A declinação precipitava-se, ar- rastando a todos na sua quéda. A destruição améaçava ser geral e completa em pouco tempo. í Manifef^Ui do Heino de Portuyalj Lisboa, 1641, João Pinto Ri» beu'o. — I surpação, Edenção, Restauração de Portugal , pag 2o v. e 26.— TnrUo piiriiKiiicz por D. Francisco Manuel de Mello, liv. m. ^ Sobre o eslado (iecadeate das classes medias e do povo ud pri- meira parte do século xvii, vejam-se os cap. m, iv, v, do Uv. vi, no tom. IV á'esU Historia. L^iyui<-cu L/y GAPiniLO m o AS COBTES £ OS AUIILIAEES £0 GOYEMO RevolaçSo operada nas instítuiçdes politicas pelos progWMW diunMaiteiitniiaTdiiei.— O poder real. As côrtes. O principio da hereditariedade da copOt.— PariagunUM nacionaes. Epocha da entrada n\>lli;s do estado popular. Carrtcfcr e altribaições das cortes. Causas do mfraqaecimrnfn líf» suas prerogativas. — Forma di elcirào e da legalisa^ dos poderes dos procuradores aa sexuada metade do século xvi e MiniiMirado xTn. C^posiçlo Mcreta do podarical ao deanvolfiflifoto danpra- aenlaçio nackmal. —Novos prineifrios prodanados m iHl, EVmnalidadn naa de» liberações dos estados e relaçQes d'clles entre si e com a corôa. — O conselho po- litico dos monarchas nos séculos xv ^ ^vi. Creaçio do conselho d'estado. Filippe II. Fundação do conselho de Portugal cm Madrid. Pessoal d'elle. FoncçOes. Reformas por qne passos. O «onaflUio dTedado qnaai aenwllado «mUaboa. Ganiaa dadeior» ganl«a|ílio da administraçlo Mpetier.— Escri^aeadapBiidada. Saenlariai doestado. Atlribuições especiaes d'eilas caifo* a a soa iofliMncia. Seonlarios. IHfiilodos m* fotíoa pelas ioeretariae. Entre a monarchia portugoeza do século xv e a dos se- culos xvi e xvii as differenças eram gi andes e profundas. O tl)rono, que na gloriosa epocha de D. João I se levan- tava rodeado do& grandes vassallos e da milícia bellicosa dos concelhos, ergaia-se agora desamparado, e qnasi des- penhado, no meio do silencio e da obediência passiva de todas as classes. Estavam extiactas as reluclancias, e até esquecida a idéa de luta. Ninguém cuidava que valesse a pena defender os fòros próprios e muito menos os alheios. Em volta do sólio, affeiçoado â imita^So do throno dos Ge- sares romanos, viam-se ministros mais, ou menos aptos, 374 HISTORIA DE P0BTU6AL O R«i corteiSos mais, oa menos servis, clientes de todas as ca- tegorias, cuja voz soava só em louvor e para adulaçlo das paixões e dos erros dos soberanos. Conselheiros fir- mes poucos se honravam de o ser, e súbditos Hvres quasi que não existia um. Os reis, depositários supremos de to- dos 08 poderes e senhores absolutos, senão da bolsa e dos bens dos povos, que ainda por algum tempo simula? ram respeitar, pelo menos dos destinos da nação penden- tes de uma palavra, ou de um aceno, absorviam na sua individualidade todas as forças vivas, dispunliam d elias * como queriam, e não encontravam diante de si senão frontes inclinadas e submissas. As fórmas defensivas da liberdade, falseadas na pratica, ou viciadas na origem, haviam-se tornado puros simulacros, e os príncipes, en- ganados com o prestigio das grandezas, derivando de Deus todos os direitos, já não admíttiam entre a coròa e o paiz nenhum moderador, nem entre a sua vontade e a execução d'ella nenhuma resistência. Lei viva para todos, estendiam o sceptro sobre as cabeças mais alias, obrigan- do-as, 'assim como as humildes, a sujeitarem-se á igual- dade mais niveladora que se conhece, a igualdade do goTorno pessoal.  administração politica, civil e económica ainda recor- dava a variedade de elementos, que na mela idade tinha concorrido para a sua existência, porém, modiíicadus, pela acção do tempo, peia mudança dos costumes e pelas transformações soccessivas operadas nas idéas e nos fa- ctos. O principio tríumpbante da unidade monarchica fôra incansável em fundir umas após outras todas as insti- tuições no cadinho das doutrinas e das tendências da es- cola imperialista arraigada em Hespanha pelos arbítrios de Carlos V. Percorrendo a legislação promulgada desde 08 fins do século xv atè á prim^ metade do século xvi^ Digítízed by DOS SÉCULOS XVn B XTIU m consaltando a organisa^io dos tribimaes superiores» eana- oan lysando o verdadeiro sentido das reformas e das innovações introduzidas nos reinados de D. Manuel, de D. João III, de D. Sebastião e de Filippa II, facilmenle se aprecia a im* mensa distancia» que separava já o^aquelles dias a socie- dade portttgaeza das epochas, em que ás palavras da lei correspondia a realidade, e nSo o sophisma, e em que os códigos, confrontados com os interesses e com as aspira- ções dos povos, expi ímiam a harmonia entro os vassallos e o estado, e não a absorpção das immuoidades dos sub« ditos pelas invasões da exagerada ampliaç8o da preroga- tiva real e pela abdicação das classes a quem mais de perto cumpria velarem pela conservação das liberdades. Uma revolução lenta e hábil em pouco mais de um sé- culo havia demolido, ou alterado ns bases da antiga mo- narchia temperada. Esta revolução teve por executores os confidentes mais íntimos dos imperantes, e por instru* mentos activos o clero, a nobreza e a ordem judiciaiia, qne pelo predominin cí iMstiluia já uma hierarchia influente, ligada com a coròa peias necessidades da sua posição, e pela Índole das suas opiniões. A diíferença entre as attri- buições da realeza, quasi illimitadas nos séculos xvi e xvn, e o exercício da soberania moderado pelo voto e pelo con- selho das classes preponderantes desde o século xn até mais de metade do xv, depressa cavou um abysmo entre o passado e o renascimento. Os reis para se assenhorearem da plenitude do poder absoluto não precisaram de appellar para o auxilio de meios violentos. Debellada por D. João n a resistência dos grandes vassallos, e granjeada por va- ii()^as cuiicés.NÒes a adhosuo do clero, o caminho ficou desobstruído o não era preciso esforço notável para o tri- Uiar sem receio. Os municípios illudidos deixaram-se illa«> quear sem desconfiança, e até offereceram os pulsos aos Digitized by Google 376 HISTORIA DE PORTUGAL O Bti óculos na apparencia affectuosos com que os foram ma- nietando. A monarchia pnra adianíou-bè com precaução e sem roido, salvando sempre as exterioridades e affectando respeitar o que minava, ou destniia. Cobriam-a os raios luminosos da gloria de seus capitães, e as usurpações mais, uu menos disfarçadas, fam substituiíidí;» as ficções ás realidades sem provocarem queixas, uem aggi'avos. Aproveitando com destreza as prerogativas, geralmente acceitas, e medindo os passos para não arriscar nenhum em falso, a pouco e pouco apoderou-se dè todo o terreno, e alcançou por fim uma Victoria completa. Comparando os códigos e a letra das leis dir-se-ia, que a velha erga* nisação se conservára intacta no essencial, e que nenhuma liberdade importante succumbíra, mas, baixando a vista para o modo pratico da applicação, logo se apercebia a rede artíQciosa de restricções e de interpretações caijcio- sas, que envolviam, ou pervertiam tudo. O sophisma já não se podia esconder, e a decoraçíão mentirosa, rompen- do-se, mostrava a verdade nua e o engano desmascarado. Uma das bases mais solidas da antiíja constituição era a convocação dos principaes bracú> do estado pelo sobe- rano, a iim de deliberarem em commum sobre os assum- ptos graves relativos á honra da nação, ou á prosperi- dade publica. Estes congressos eram compostos dos ba- rões, dos ricos liomens, dos chefes politicos e militares, do clero representado pelos bispos e abbades, e dos pro- curadores das víllas e cidades. O direito de os convocar competia exclusivamente ao rei, que os reunia quando se tinha de proceder á eleição de.novomonarcha, quando este se ungia e coroava prestando juramento, quando o principe reinante se propunha abdicar nos íiliios, ou pa- rentes, determinava dividir os estados por testamento, ou Digitized by Google DOS SÉCULOS XYII £ XVUI 377 queria designar o successor*. Congregavam-se também or« para nomearem tutores ao herdeiro da corôa menor de qoatorze annos, se q imperante fallecia sem disposição expressa, para prorogarem a cobrança das contribuições temporárias, e para votarem os tributos, ou os subsídios precisos para occorrer ás despezas extraordinárias, ou á escassez dos rendimentos ordinários. Eram ouvidos, Unal- mente, sobre o modo de prover â segurança geral» á de- cadência e despovoamento do paiz, á ruina do commercio e da agricultura, á corrupção dus costumes, e sobre a necessidade de fazer novas leis, ou de mudar, cori igir, ou alterar as antigas. Ás côrtes nunca exerceram directa- mente o poder legislativo, e só tinham o direito de sup- plica e de representação, consultando e aconselhando ao rei o que julgavam util e vantajoso, e recordando-llie com respeito as suas obrigações. Cada um dos braços expunlia em separado os seus aggravos e os geraes, e pedia, ou propunha os remédios opportunos. N*estas conferencias se adoptavam as resoluções em virtude das quaes se re- digiam as leis, promulgadas sempre em nome do sobe- rano, porque os actos das assembléas não podiam obrigar senão confirmados pela corôa e com a sancção d'e)la^ As leis publicadas pelos reis n3o careciam do consentimento ^ Â8 côrtes datavam da monarchía gothiea, ciqoa ooneílios con- tinuaram na monaiehia neo-gothica successivamente modificados. — A lei II do tit vn, liv. vi da Recopilação explica o fim e as attribni- ções doestas assembléas com toda a clareza.— O prologo das Cârtes de PaUnda de il29 6xp06 com grande lucidez o objecto dos con* gressoB nacionaes, declarando as classes de que se compunham, e a quem competia convoca-los. Vide Entayo Biitoríeo-Critieo sobre la anHgua l^shciou y principales cuerpo» legalet de los reputs de Leon y Castilla, por el dr. D. Francisco Martinez Marina. Madrid, 1806. * Marina, Ensaco BistoriahCritico, pag. 48 e 49. Digrtized by Google 378 HISTORIA DE PORTUGAL OM dos subditos* Ao monarcha competia privativamente m todo o reino o supremo senhorio da justiça e da adminis- tração, e o supi emo império. Mas se as leis dictadas por elle deviam ser obedecidas pelo facto de emanarem da sua vootade, nunca se reputaram perpetuas, como as nas- ddas do accordo das côrtes. As que elle díctava só exe- cutavamn^e com o caracter de pragmáticas, ordenações, alvarás, provisões e cartas regias, porém não sendo de sua natureza inalteráveis o monarcha reinante, ou os seus successores podiam reforma-las, ou revoga-las. O que as* segurava desde o tempo dos godos ás leis a força, a ex- tonsUo e a perpetuidade era a approvação dos eoneiUos, ou congressos nacionaes *. Na velha monarchia gothica predominava para a esco- lha do rei o principio electivo. Nem sempre os filhos suc- cediam aos paes, e n3o existindo na legislação civil o di- reito de primogenitura o direito de successão hereditária tauibcíu se nao encontrava n'ella. Os concilios confirma- vam a eleição dos reis e assistiam ás ceremonias da sa- gração. No começo do século xii ainda não havia, ao que parece, em LeSo e Gastella lei fundamental expressa sobre este ponto, nem costume fixo e determinado* Morto Af-* fonso VI sem nomear successor, os castelhanos discuti- ram livremente se devia reinar a infante D. Urraca, ou Affonso Raimundo, seu filho, prova de que nenhuma dis- posição explicita os siyeitava. Em Portugal, desde a fun* daçSo da monarchia prevaleceu o principio da heredita^ riedade, mas sem preceito conhecido e authentico, que o estabelecesse, ou regulasse como regra fundamental. Sancho I succedeu a seu pae, Alfonso II a Sancho I, e Sancho II a D. Alfonso. A norma seguida constantemente 1 Marina, Entayo Butoneo-CrUieo, pag. 48 e 49. Digitized by POS SECOU» Xm E XTUI era o soberano desi^ar no seu testamento o príncipe, o que havia de succeder-ihe, não se desviando da íórma antiga quanto d preferencia dos prímogeDitos e á proxi- midade das linhas. As rasSes allegadas pelo dr. Joio das Regi as cm 1385 nas côrtes de Coimbra contra D. Bea- triz e contra o infante D. João nâo contrariaram esta regra. Tendiam a obter que se declarasse o throno vago pro- vando o adultério, ou a iliegitimídade, em que oa dois pre- tensores tinham sido procreados, argumento decisivo pe- rante o direito publico da epoclia. Nos primeiros tempos alguns monarchas associaram os herdeiros ao governOi e mais tarde fizeram-os jurar pelas côrtes, modo habii e pru- dente de conciliar a obediência dos súbditos com a affirma* çâo do direito hereditário pelo voto das asseaibiéas nacio- jaaes *. As leis gotbicas não consentiam, que as rainhas viuvas tomassem parte no governo. Estas, fallecidos os maridos, âe(viam despir os ornatos e as pompas e encerrarem-se em um claustro. Ninguém, nem o ju incipn herdeiro, podia ca- sar com elias. Este costume observou-se nos reinos de Cas- tella e de Leão até ao século x. O primeiro exemplo de regência de mulheres deu-se em D. Elvira, tía de Rami- i Marina, Bmayo ífiifortnhCrtltoD^pag. M e 8S.— No tealameiito de Sancho I publicado na part. ir da íionardUa I/usUana, escrí* ptnra ii, e noa de Affonso II, Affonso III e D. Diniz, Monarchia Lu- sitana, part. IV, escripturaxiii e escriptura ultima, e part. v, escríptu- ras XXXIV e xxxv, estfio as provas da asserção, que aventui ámos no texto. — Imprimis mando (diz Sancho I), ut fUius meus domnus Affm* sus habeat regnum meum cum eellarin et reditibusj eíc— Affonso U vai mais longe, porque accrt scenla depois de nomear o infaiito D. Sancho seu successor. — Et .s{ morhis fuerit sine semine legitimo maicr filins quirmiijne habuero de regina D. Urraca habeat re* gnum . . . Et si filium masctdum nua habuero . . . filia mta ínfans D. Liamr quam de ipsa regina habto, habeat regnum. 380 HISTORIA DE PORTUGAL ORd ro m. A falta de pessoa apta para assumir o poder, e o conceito formado da sua capacidade determinaram a eleiçSo. Na menoridade de AtÍDnsoV governou também sua mãe. Afifooso o sábio» conformando-se com estes fa- dos» estabeleceu nas snas cPartidasi, que ficando rei menor a mHe regesse o estado. No codicillo do seu tes- tamento D. Diniz dispoz, que a rainha D. Izabel fosse re- conhecida tutora dusprincipes D. Affonso e D. Constância, seus íiihos» governando o reino até á maioridade do her- deiro da corda. A lei salica nunca vigorou em Portugal. Affonso II no seu testamento, depois de declarar succes- sor a D. Sancho, accrescentava, que, se eliefallecesse sem descendência legitima, occupasse o throno o ii ruão que se lhe seguisse em idade, e não havendo filho varão, que cingisse a corôa a infante D. Leonor. A exclusão das princesas casadas com estrangeiros não consta de nenhum monumento authentico das primeiras epochas. Se exis- tisse, não podia ser ignorado em 1385, e o di . João das Regras, tão lido no direito pátrio, de certo o teria in- vocado nas côrtes de Coimbra contra D. Beatriz, e no pleito da successão em i579 os defensores dos direitos da duqueza de Bragança D. Gatharina seguramente teriam lançado mão de um argumento decisivo, que excluía da lide Filippe II, o mais poderoso dos contendores Fo- 1 Marina, Emayo Histórico- Critico, pag. 56 e 57. — Part. ii, tit. v, lei III. — Monarcha Lusitana, part. iv, escriptura xiii, part. v, es- crípturaxxxv. — c Mandamos e outorgamos, que a rainha D. Izabel, minha mulher seja guarda e titor de D. Affonso e de D. CostSça, voem lilhoe e seus, e dos outros se nolos Deus der, e mandamos que 08 guarde e críi, e os defenda e rega, e adeience os nossos reynos até que D. Affonso nosso filho seja de revora e de idade Udima e com- prida, ou aquel filho que dever ser nosso herdeiro...» Fernão Lo* pei,'—Chrmka de El^RH D. João I, cap. clxxiv e ctxxnc oon* tendo as rasOes de JoSo das Regras. Oigitized by DOS SÉCULOS xva £ XVlll 38i raiii as curtes do lG4i, advei lidas pela dolorosa expe- o rieiíoia do passado, que propozeram as bases da lei de successuo, que ainda boje vigora, regulando o priacipio da hereditariedade da corôa por modo tal, (jae só os príncipes nascidos no paíz e obrigados a residir n^elle podessem reinar com exclusão formal e explicita dos es- traugeirps e de seus iiihos. Os estados do remo justiâca- r9m estes preceitos com as memorias do governo de 0. João III, em que se discutiram regras análogas, que por desgraça não chegaram a ser sanccionadas Em algumas das cortes celebradas em Leão e Castella desde os princípios do século xi até ao reinado de S. Fer- nando não âguraram só os prelados, os hcos homens e os grandes senhores. As vilias e cidades também toma- ram parte n'ellas, assistindo aos congressos por meio de seus procuradores. No século xui a concorrência dos re- presentantes dos concelhos era já tão numerosa, que Fer- nando III foi obrigado a regularisa-la. Em Portugal tudo inculca, que os procuradores dos povos não entraram nas côrtes nos primeiros Ires reinados ; mas sabemos por um documento insuspeito, que já deliberavam com os ricos homens e os conselheiros da cúria do rei nas côrtes de Leiria reunidas por ÂfTonso III. Esta assembléa, aberta nos fins dc íeveieiro de 1254 e encerrada nos principies de abril, attendeii n'este curto praso aus assumptos mais im- portantes da administração interna. Não admira que só no melado do século xiii começassem os concelhos a intervir na gerência dos negócios, como membros vivos do corpo 1 Capituhs Geraes, apresentados a £l*Rei D. João IV nas côrtes celebradas em Lisboa, em 28 de janeiro de 1641, cap. ii e iii do Estado dos Povos e cap. i e ii do Estado da Nobreza, e xiv do Estado EccleMabliCO. Respostas de Ei-Uei, em ii de betciiibro de I1I8T0BU D£ POaTUGAL ORri politico, |nji'(|ueno reinado do conde de Bolonha é que u elemenio popular» lentamente constituído nas epochas interiores, assumiu a importância relativa, que devia de- cidir o soberano a reconhecer a sua influencia K NSo se cuide, porem, que os procuradores dos concelhos exer- ciam nas aní?í?as côrtes .1 mesma acção, que mais tarde lhes proporcionaram as circumstancias, ou que no exer- cício de suas íkmcçOes os estados do Reino reproduzis* sem na sua parte essencial as attríbnições, que nas monar* chias representativas modernas constituem a força e a importância do poder legislativo. Em primeiro logar, como notámos, as antigas còrtes não deliberavam, consul- tavam. O único e supremo legislador era o rei. Em se- gundo logar, mesmo em matéria de novos impostos, ou de subsídios, a unciativa não lhes competia, e sómente eram ouvidas sobre as sommas pedidas pela corôa, e sobre o modo menos violento de serem cobradas. N'es- tas occasiOes a voz do povo érguia-se mais de uma vez queixosa, ou severa, contra as prodigalidades dos sobe- ranos, sustentava a necessidade da diminuição das des- pesas supérfluas, e apontava os abusos e escândalos fla- grantes. Os ministros promettiam em nome do rei emenda 1 Marina, pag. 77 e 7S. — Lafuente, Historia Omeral de EtpaUãf tom. V, part. ii, líy. ii cap. xiii. — Herculano, Historia de Portugal, tora. III, liv. III, Liv. I de Affonso III, fl, 6 v. Antes das Córtes de Í3õ4 só existem vestígios de tres convocarões : das de Guimarães no tempo do conde Henrique, em que figurara exclusivamente ovtnes próceres portucalenses, das de Coimlwa de 12H, a que assistiram os prela- dos seculares, os homens de religião e os barões e vassallos da coi óa, e (ias de Coimhra tambeu) celebradas ern 1228-1229 nas quaes se acharam reunidos muUitKdo episcoporum, prucerum, el alioruin no- bilitm. A assembléa de 12o7 parece ler sido uma espécie de oôr- teii só composta de bai óes e lidalgos. Vide Historia de Portugal , pelo sr. A. Herculano, toin. m, liv. vi, pag. 34, nota* Diyiiizeo by Google DOS SÉCULOS xvil E xvm 38a prompta, apressavam o voto dos tributos, ou dos dona- om tivos, e simulavam-se abrasados em zêlo reformador, illudindo de ordinário a boa fé dos representantes das villas e cidades. Fechadas as côrtes caía tudo no esqueci- mento» menos o sacrificio consentido epontuabnente exi- gido, nSo existindo meio de lhes tomar effectiva a respon- sabilidade, porque se cobriam com o manto inviolável da realeza. Concorriam para o enfraquecimento do que hoje se diama a prerogativa parlamentar causas mui diversas e variadas, sendo uma das mais poderosas a Incerteza das convocações, porque a reuniSo das eòrtes nio tinha epo- chas fixas, e dependia inteiramente da vontade dos rno- narchas. A educação popular, por muito atrazada e alheia das questões mais altas de direito publico, e as idéas communs e acceitas em toda a Europa nKo ftvoredam, ou ^citavam qualquer tentativa, que aspirasse a modi- ficar em beneíicio do povo e do paiz a or^anisação e os poderes das assemblea^ iiacií inacs. Os jjrocuradores dos concelhos nos dias de crise e nas boi as de amargura, mais escutados, propunham remédios heróicos e até superio- res ás forças do enfermo; mas dissipada a cerração e des* viado o maior golpe da tempestade, os interesses oppos- tos das outras classes, o egoísmo dos imperantes e as tendências irresistíveis da escola dominante no governo annullavam sem custo as promessas, e a na^So, que nKo sabia apreciar amda os seus direitos, nio os defendia, e entregava-se resignada nas mãos dos que olhava como seus guias naturaes. Foi assim que a resolução tomada nas côrtes de Torres Novas de 1438 de reunir todos os annos uma delegação da assembiéa composta de dois pre- lados, cinco fidalgos e oito cidadãos, nunca passou de um bom desejo sem effeitos práticos. O mesmo aconte* Digitized by Google HISTORIA DE PORTUGAL O Rfli ceu no reinado de D. João UI^ qaando nas côrtes de i5!2õ e de 1S35 se ordenou a convocação do pariamento de dez em dez aimos. O ciúme da coròa, a opposição dos seus conselheiros e o receio de animar resistências perigosas, assegurando representação permanente aos estados do reino, e mais que tudo ao braço popular, sempre estor- varam a satisfação d*este voto expressado em mais de uiiia asseiiiblca especialmente no século xv*. Não podendo as côrtes ser convocadas senão pelo rei, era elie portanto o juiz único da necessidade da reunião, e, por assim dizer, o arbitro dos assumptos sujeitos ás con- sultas das assembléas, porque as cartas convocatórias, nSo só declaravam de ordinário o logar e a epocha da celebração, mas ate u numero dos procuradores que as terras haviam de enviar, os podeies que lhes deviam conferir, e ás vezes o motivo da reunião. Nem todos os concelhos mandavam delegados, competindo sómente esta apreciada prerogativa a algumas viUas notáveis, ou ás que por foral, ou privilegio tinham assento nos gran- des conselhos da liagao. No reinado de D. João III, no anno de 1535, os logares eram noventa, divididos por dezoito bancos. Ás côrtes de i642 sabe-se haver concor- rido maior numero. O costume era nomear cada con- cellio dois procuradores, mas citam-se exemplos de mais e de menos, suijsidiados por conta dos constituintes, que 1 Jo8ò Pedro Ribeiro, Memoria tobr$ as^Fonies do Código Filip- phio^ aeeç. i, «Disaertaçáo preliminar sobre as côrtes em geral», tom. n das Mmoriat de lÀUeratwa da Academia Real doe Sden* eku de lÀéoa. — Meauaiat para a Hitioria e Jheoria dat Cáries geraes, que em Portttgál ee cdebraram, etc, pelo Tisoonde de San- tarém, Lisboa, 1S27, parL i. Os povos requereram a reimiSo annual das côrtes lui assembléa de Coimbra de 1385 no cap. vni, e pedi- ram na de Lisboa de 1371 a sua convocaçSo tiiennal. Nenhuma das snpplicas foi deferida. Oigitized by DOS S£CULOS XVU G XVIU pai*a esse fim lançavam urna finta especial, quando as ohm rendas do municipio não chegavam. A pouca fidelidade de alguns procuradores fez com que as camarás discutis- sem e assignassem, antes de lh*os entregarem, os cader- nos especiaes do concelho, e até os dos negócios de interesse geral. Os cadernos nas primeiras côrtes de Afiíonso lY chamaram-se aggravamentos, depois até ás côrtes de Guimarães de 1301 intitularam-se ariigos, e desde as de Santarém no anno de 4406 capUulas, D'es- tes capítulos os geraes, propostos em nome de todos os concelhos, depois de resolvidos afiirmativamente, tinham força de lei, e ião podiam ser revogados sem expressa menção por cartas ou alvarás. Os especiaes, apresentados em nome de uma província, de uma villa e até de um grupo de operários, depois de approvados, vigoravam como privilégios, uma vez que d'elles tirassem instru- mento authentico os interessados. Finalmente o formulá- rio das resoluções do soberano também variou bastante, segundo as epochas. Em algumas representações as res- postas quasi que foimam uma espécie de dialogo. Em outras são dadas pelos ministros. Os monarcbas, alem dos capitules apontados pelos estados, dictavam de motu próprio as providencias reputadas utefs, ou convertiam em lei geral as decisões em que deferiam ás supplicas dos súbditos Na eleição dos procuradores votavam os homens bons dos concelhos e os magistrados populares em listas assi- gnadas, cujo apuramento se fazia perante o juiz da terra. Eram elegíveis as pessoas principaes pela sua qualidade ^ e riqueza. Por isso nos séculos xvi e xvu se introduzú:a í Joiio Pedro Ribeiro, Memorta sobre as Fontes do Codtgo Filip' puíOj «Dissertação prelimiuar». Tone r 35 Digitized by Google m Hv o 1190 do terceiro eslado deaigoar para seus represaDUm* tes, não só os fidalgos resídeotes nas terras, raas os litii- lai es e os .seuhuics da mais distincta nobreza da còrle, conciliando a economia com a satisfação de uma vaidade. NIo podiam ser eleitos os julgadores presentes» aem o juiz de fóra sem licença regia, nem individuos que Dio possuíssem bens de rala, oa que por seu procedimento tivessem má fama. Filíppe II valeu-se d'6sta clausula para delermiuar a exclusão de homens conhecidos pela slih lealdade ao prior do Crato. Os bispos e arcebispos», aeesar de pertencerem ao braço ecclesiastico, também podiam ser eleitos para o braço popular, e preferiam 8«Bpre a honra de o representarem, assentando-se bo lespeciivo banco. Se a eleição se não conformara com as solemnidades do estylu, ou euvolvia suborno, qualquer podia embarga-la, e, não lhe recebendo os embargos, po- dia aigravar para o desendiargo do paço. Esta jurispru* deneia foi estabelecida na segunda metade doaeeole xvil O exame da legalidade dos poderes competia ao tiibunal do desembargo do paço, o qual encarregava u procu- rador da coroa da verificação dos defeitos de fórma« aa os havia, para decidir a eicluaio do procurador, quando oe reputasse insanáveis. As procurações do braço da na» breza eram legalisadas pelo escrivão da puridade, e nlo deviam ser conferidas senão aos que de direito tivessem assento nas cadeiras d'aquelle estado. Os menores eram representados pelos tutores. As procurações do braço do devo, constituidas aos ecdestasticoa pelos seus cabidos e mandadas ao secretario d*estado, deviam seretáminadas pelo procurador da curôa *. No século xvi, e provavei- tugtd, pelo visconde de Santarém, |g C.**, 7.% 9** e 10.*- Digitized by Hf» 8SCUL0B XVÚ E XVHI 387 mento muito ant^s, os reis abriam as cortes, rodeados de obm liQCÍa a pompa a magestade. Um prelado» ou um magU* trado prenuiuÂava a fàlla de abertura, ou a proposição, e um, ou mais deputados respondiam em nome d'eiles. O costume de cada braço se reunir em separado para deli- bar^F eoBata de tempos mais moderuos K X epoiâia ^»|ignalada pela gaem da iudependeucta è pela acclamaçlo de D. Joio I foi uma das mais notáveis da possa historia, tanto pelos briosos feitos que a enno- breeeram, eugio peio rejuvenescimento dos elementos PQiilíooa 0 sociaea B'oatd aeguudo período da meia idade portagueia. As eonvocacOea das cArtes foram frequentes, porque o mestre de Aviz, lembrado de que devia em grande parte ao bi ciro dos concelhos a sua ccwm, quiz ^IPipr^ ^ tpdos 0$ lances arriscados, e em todas as rar formas importantes consultar a opinião d'elle. Á eip»- rl^ooia dos males recentes e a eminência do perigo forti- ficaram a intUiencia das yssembléas nacionaes, e a coroa, intimaoiente ligada com os seus deíensores, acceitou sem hesitação as nove bases de governo propostas pelos esta-^ dos do Coimbra am 13W. Estas bases, sendo fiehnente cumpridas, podiam afiançar os principies essenciaes da monarcbia reírenerada. O conselho do rei havia de ser com- posto dos cidadãos mais conspícuos das terras principaes do roiop, os povos haviam de ser ouvidos sobre todas as matérias de interesse commum, e não se lhes lançariam tributos sem com seu voto se buscar o modo mais suave de os distribuir e arrecadar. Por ullimu o soberano não bria a guerra, nem ajustaria a paz sem o consentimento 1 Vejam-se: Fana e Sousa, Europa Portuguesa, toiíi. ii. pai t. in, cap. III. — Barbosa, Memorias de El Rey D. SebastiUo, part a, liv* i, cap. xn, côrtes de i64i, i642, i645, etc. Digitized by Google 388 mSTOftIA m PORTUGAL O Kci do paiz *. Estas condições coniii madas pela promessa do Doestre de Âviz não foram illudidas» e no seu tempo as côrtes reunidas vinte e duas vezes, peio menos» tomaram eonbecimento de todos os assumptos graves. D. Duarte chamou-as quatro vezes em cinco annos de governo, e D. MoDâO V vinte e três ; nrias D. João II somente as con- vocou tres vezes— em 1481 e i4S2, em 1483 e em 1490, e D. Manuel apeias quatro em vinte e seis annos de rei- nado. A ultima assembléa do seu governo foi a de Lis- boa em 4502. O descobrimento da Índia e as grandezas do vasto império oriental, enriquecendo a corta e a ca- pital, e dispensando a cooperação dos estados para novos subsidies, abriram o longo interregno de vinte annos, em que o poder real, senhor absoluto de todos e de tu- do, resolvtíu os negócios de maior vulto sem consultar os conselhos da nação K As c6rtes procuraram sempre sustentar a sua preroga- tiva, e slo visíveis nos dias de Affonso Vos vestígios de suas lutas com a corôa nos congressos de i 451 c de 1455, sendo arguido o monarcha, por haver feito e revogado leis geraes fóra das assembléas nadonaes. Mas as q[ueixas feriam ouvidos surdos. As circumstancias favoreciam e ammavam as invasões da auctoridade real, o se não fosse o ruinoso estado da íazeiída publica, é provável que o so- berano reunisse menos vezes ainda os procuradores dos 1 Ribeiro, Memoria sobre as Fontes do Código Fiiippim, passim.— I). Agostinho Manuel, Vída do Serihor D. João II, pag. 55, 67 e se- guiiiles. — Soares da SUva, Memorias, liv. i, cap. xltii. — Prouas da Deducção chronologica, n." 52, pag. 121, etc. El-rei D. Manuel ou- sou mesmo laiiçar impostos fóra das córtes. Resistiu-lhe o famoso João Mendes Cecioso. Vide Damião de Goes, Chronica de El-Rey D. Manml, part iv, cap. lkxxvi, e Faria e Sousa, Europa, tom. H, pari IV, cap. i. d by Google DOS SÉCULOS XVU £ XVUI 389 concelhos, censores incommodos, que só tinham o me- o recimento de franquearem a bolsa do povo. A nobreza e o clero, m auge do valimento» olhavam-os como inimi- gos natmnes» e seguros de obterem do príncipe quanto desejavam, saerificaríam sem escrúpulo o direito de re- presentarem os interesses geraes quasi sempre oppostos aos seus como ciasses privilegiadas. Finalmente os juris- consultoSi já preponderantes» imbuídos nas doutrínas dos códigos romano e canónico, consideravam a menor limi- tação do poder dos imperantes como um attentado, e a existência das côrtes como uma superfluidade quasi monstruosa. Para legislar bastavam elles e o rei. Tudo o ouiis se lhes figurava nocivo, e envolvia, a seu ver, grande (piebra na superioridade inconcussa do mando supremo. D. João II, affeclando apoiar-so no voto dos concelhos, para debellar a resistência da nobreza, e ser- vindo-se da alliança do povo contra ella, soube manter illesa, todavia, a prerogativa real, e engrandece-la, con- vocando apenas, como dissemos, as côrtes tres vezes nos quatorze annos que reinou, e D. João III ainda foi mais longe, porque em trinta e seis annos somente as reuniu tres vezes. Todas as tendências e todos os actos se enca- minhavam a converter em fiches e em puras formalida- des as antigas instituições. O rei jurava na sua accla- mação o respeito dos foros e liberdades dos súbditos, e obedecia ao costume de convocar as assembléas da na- ção para reconhecerem o seu successor, ou para conce- derem subsídios e proporem os aggravos do paiz, mas na verdade tudo isto se reduzia quasi a um ceremonial vasio e sem eífeito pratico, e o povo, esquecido do que íôra e do que era, zelava tão pouco os seus direitos, e guardava tSo mal as velhas immunidades, que ao cabo de vinte annos de Meneio e de indifferença, desde 1505 até 390 HiSlOai D£ POEIUGÂL eiici dava-se por eontente eôm a {iromessa da etí^ m unir as côj les dc dez em dez aiinosí Nôlftlêso obteve *i A miiioridade e o governo de D. Sebastião cóntintia* ram as máximas dos reinados anteriores. Às côrles de 4579 retinidas em Lisboa, e as de tdSO eonvéeàdáâ m Albieiíim deixaram suspensa a questSo gráviáSlillà dá successlo, 6 quando Phêbud Moniz, appellando para o exemplo da assembléa de 1385, sustentou o direito de eleição do rei por parle dos concelhos, uma provisão dos governadores do reino dissolveu o congresso. Seguiu-sé a entrada das tropas bespanbolas, e a derrota dàs Ibl^s insubordinadas do priot* do Cratb. Filippi II pfòpi^ié legitimar a occupação armada, e para esse fim coíivdCótt etn Thomar a assembléa de 1581. Eleita debaix(3 da ameaça da espada de seus soldados» e etcluidos dos ban- cos populares por ordem eipressa todos os partidaHos de D. Antônio, a assetiibléa de Thomâr apenas sígbidicM um simulacro de representação nacional. Cada classe pe- diu para si, e só o paiz é que não teve quem devéras es- tipulasse a firmeza e segurança de seus fóros e liberdéh des. O rei oatholico prometteu mante-los, rèspeita-lôs d onvir sobre os negócios monàénlosos o vdtó dos vással< los; mas a promessa nSo se cumpriu, e eni sedsentà àb* nos de dominação só duas vezes se congregàrdm os es- tados, em 1583 para jurarem o príncipe D. Filippe, e em 1649 para reconhecerem como herdeiro da corôa o pri^ mogenito de Filippe III. Os soberanos da easa de Austtiai mo ousando abolir abertamente as cÔrteSf nèiâ offóndél' 1 Marina, TheoHa de Uu Cárta ò Grandn Jun»a$ Nèdom/kt^ tom. I, «Discirno Preliininar.» — Ribeiro^ Memoria ai FoHtè$ âó Cbd(^ PilippiníL-^YíiconâA áe Saniáréni, MénMà porá à #it» Digrtizeo Ly <jOOgle DOS SBGULOS Xm B IVHl 3M em seus princípios fundamentaes a antif^a constituição por ofcn um aUentado puhliro, preferirom espaçar o mais possí- vel as convocações, annuiiando por todos os modos a ac- (16 e a influencia dos estados. A subserviência dos sub* ditos coadjuvou o SKito d'este plano K A revoldçlo do I.* de dezembro de i640 vera mudais de repente as condições politicas de Portugal. A nova di- nastia, elevada pelo esforço heróico do reino, só nos bra- ços da nação podia achar forças, para combater o pode- roso isontendor que tinha diante de sía D. io9o lY reunitl immediatamente as côrtes em janeiro de 4644, e sem tae* ' sitar acceitou os princípios em nome dos quaes ellas con- • firmaram a legitimidade do seu direito hereditário. O assento dos tres estados» faltando linguagem nova até áqueila epocha» proclamou a doutrina da soberania na* donal, declarou o poder dos reis emanado na origem da vontade do paiz, e todas as questões relativas á succes- são da corôa dependentes da sua decisão. Sustentando 0 grande e também novo principio da íiscalisaçlo da obser- vância das leis pelos delegados da naçSo» aiiinnon» como odnsequencia d'el]e, que os povos podiam negar a dbe^ dieneia ao monarcha, quando pelo mau governo elle s^ tornasse indigno de reinar. Uma das accusações mais fbr- tés contra o regimen castelhano era o ter vexado os po- vos com tributos nlo consentidos pelas côrtes, e uma conquistas mais importantes da revoluçSo foi estabè^ leeér, oomo base fundamental da administração, que èé novas coíili iliiiiríjes não podessem ser lançadas e cobra- das senão de accordo com os evNtados do reino. Em todo t> reinado de D. João IV e no inquieto e infeliz governo í ProvíUi da Híòiuria Getiealogica, tom. ui, p£4j. 429. — Manna, 'ítona de las Cortes. Digitized by Cvjv.' v-c 392 HISTORIA DE PORTUGAL oad d6 seu filho a prerogativa pariamentar rão perdeu ne* nhuma occasião de se engrandecer, e em 1688 o seu ar- rojo subiu de ponto coin a deposição de AlTonso VI. D.Pe- dro U, aproveitando os resultados» e temendo o instru- mento, decidiu pô-lo de parte, e, nSo se atrevendo a quebra-lo publicamente, dispenaou-se de ò empregar desde 1698. Neni D. Mo\, nem D. José I convocaram côrtes As formalidades, que regiam as deliberações dos es- tados, eram curiosas. Parece que desde o tempo de AP fmisoV, pelo menos, cadabrago remiia em separado para conferenciar. No do povo exercia as lancções de presi- dente o procurador de Lisboa mais graduado, quasi sem- pre um fidalgo, propondo as matérias, dando licença aos membros para fallarem, sujeitando as questões á votaglo, e nomeando as pessoas que deviam de redigir as minu- tas das consultas. No braço ecclesiastico presidia o pre- lado mais qualificado, e no da nobreza o secretario eleito para esse fim. Os estados comniunicavam-se por meio de embaixadores, nomeados para darem conhecimento dos negócios, projectos, e consultas resolvidos em cada um dos grémios. Os embaixadores, admittidos no recinto em que estavam os deputados da ordem a que eram enviados, podiam acompanhar as mensagens de curtos relatórios oraes, mas nunca assistiam ás disciissues dos assumptos sobre os quaes vinham chamar a sua attenção. As commu- nicações do rei ás côrtes eram feitas por decretos lidos pe^ t Justa Âcdama^ do Sertnmimo Bey de Portitgal D. João IV, pelo dr. Francisco Yekwo de Gonveia, —Attmlo feito em Câr- te$ pelos ires Estados, part i, {f l.« a ft.* — Dedveção Chronotogiett, parL I, dÍT. zn, desde o g 646.* O Buurqnez de Pombal attriboe aos jeanitaa eatea novos prineipU» e hoiiorífla*8e d'eUe8. / DOS SÉCULOS XVU E XVIU 393 rante a assembléa, e as consultas sabiam á presença do om soberano apresentadas quasi sempre por uma depulação, cujo presidente expunha eoncisaniente ao monarrlia o seu obijecto, respondendo este de ordioario em termos va» gos, e deferindo a decisão para depois de ouvido o seu conselho. As còrtes duravam por costume um mez, mas, se a aíTluencia dos negócios requeria maior praso, o rei concedia a prorogação por outro mez, ou por quinze dias. O monarcha, antes do encerramento podia dissolver um dos braços, mandando continuar as conferencias dos ou* tros. Assim succedeu em 1563 com o do clero. O se- cretario de estado vinha ao seio de cada ordem propor os negócios, ou formular as respostas do príncipe, e ape- nas se retirava discutia-se logo e resolvia-se o que elle expozera â apreciaçSo dos deputados. As consultas das côrtes, em fórma de capitules geraes, ou de capítulos es- pecíaes, eram examinadas pelos ministros a quem o rei commettia especialmente o encargo de as estudar e de redigirem as respostas. Nas de i525 e de 1535 D. João III incumbiu esta missSo a Bernardim Esteves, procurador da fazenda e auctor de vários regimentos, dos foraes das alfande^ras e das leis promulgadas em harmonia com as resolurries dos estado^. Ás das còrtes de 1641 e de 1642 responderam Thomé Pinheiro da Veiga, Sehastião Cesar de Menezes» Pedro Vieira da Silva e Antonio Paes Viegas, sendo substituídos nos seus Impedimentos alguns d'elles por Luiz Pereira de Castro e Jorge de Araujo Estaco. Para as despezas da residência na côrte foram abonados aos procuradores dos concelhos de Coimbra e Porto 2)5500 reaes diários. Galculava-se, que os povos e cabidos do reino em 1642 gastavam com os seus deputados nas côr- tes 100,000cruzados,elançava-se em rostoa muitos d'el- Digitized by Google I 3H HISTORIA DE PORTDGAL 0R«i les espaçarem as deliberações, e occiiparera-se com pre- juizo geral e falta de decoro de negócios particulares, des- etirando os pnblicos K Nlo sô lias matérias graves, mas até para o exame dos negócios ordinários costmnavam os reis oavír o seu con- selho, e o voto dos homens de maior coníiança, aos qiiaes encarregavam da gerência das cousas publicas. A existên- cia do conselho datava das primeiras epocbas, da monar- chia, escolhendo os soberanos entre os prelados e ricos homens aqnelles com qnem desejavam illustrar-se, econ> sultando-os sobre as difíiculdades do governo, tanto in- ternas, como externas. Querem, porém, alguns escripto- res, que a organisaç3o mais regular do conselho do rei, como coipo politico permanente» n9o remonte alem do rei- nado de D. JoHo I, citando como prova a rennião con- vocada em Torres Vedras para apreciar as vantagens e os inconvenientes da empreza de Ceuta. O argumento nlo nos parece concludente, nem o exemplo decisivo, nlo sendo difllcílallegar outros anteriores. O conseltio existiu desde a Amdaçao da monarcliia, e todos os reis nos mo* mentos críticos escutaram a opiní9o dos vaifles prudentes e experimentados, embora seguissem depois a dos vali- dos e confidentes. Monso Y, apesar de haver nomeado 1 Meinvrins; para n Historia 6 Tlinyfia dm Cortea GeraeSy etc.,T^\o visconde de Santarém, 16 ". IS ". iO.-, 23.% 26.", 31.« 31«, 33.« O mais antigo cxeniplo da separação dos braços nas conferencias data pelo menns das côrtes de 1Í55. Na? do 1563 observou-se a mesma pratica, issirn como nas de Lisboa o Almeirim no reinado do Cardeal D. Henrique. — João Pedro Rilieiro, Memoria subre as Fofites do Ce- digo Filippino, pag. 100, 110 e 111. — Papel de El-Rei D. JoãoIY para se lançai* na ar ca das Côrtes cuin o nome do procurador dos descaminhos, Historia Genealógica da Casa Realf tom. iv de provas, n.* Í30.«, pag. 280. Digitized by Google um conselho numeroso, composto de homens re?peitadoS| oliA atteDdia de preferencia o voto do cardeal D. ioif e dá CSDètá nos pontos de administrado elvil e ecclesiastiòa, e o do desditoso duque de Jira^^ança D. Fernando, espe- cialmente em tudo o que dizia respeito ás facções de guerra. D. João li nunca admíttiu privados, e seguia as ot»ini5é8 que reputava mais oppottdnas. As listas extrahi- das dò livro das moradias da sua casa mostram, que o con^ selho de 1484 se compunha de dezoito indivíduos. O de Affonso V também lôra numeroso. D. Manuel, desejoso de attraliir as classes nobres» prodigalisoo, como mercô honoriBca, os titules do lionselho. A fflatficdla dos mó^ radores da sua casa accusa no primeiro quartel do anno de <518 nada menos de quatrocentos cavalieiros do conselho ^ Mas os conselheiros eííectivos, encar- regados de o auxiliarem no despacho, eram apenas em 1591 o conde de Vimioso, o baiHo de Alvito, o conde de Villa Nova, o conde de Tarouca e D. Antonio, escrivío da puridade. Christovão de Távora, e li. Vasco da Gama tanibem pertenceram depois a este corpo limitado e es- colhido. D. Jo3o III conservou os consélbeiros de sen pae 8 apenas substituiu os fallecidos, concedendo, com- Indo a D. Luiz da Silveira e a D. Antonio de Alhaide, conde da Castanheira, influencia decisiva. A rainha D. Ga- tharina de Áustria nos fins do reinado asstunitt grande importância, assistindo a todos os conselhos, ajudando El-Rei no despacho, e resolvendo até em mateiias de 1 Historia Genmlogica da C(ua Hea!, }h ovas, tom. iv, Trigoso, Mevwria sobre os secretariou dos Heis de Poi'tugal desde os antigoê tempos até á acclamação de D. João IV ^ loiíi, i, part. i da 2." =;erie dâs Mmorioi da Academia Eeal das Sdeneioi de lÀsboa, pag. 3i a34. 396 HSSTOiUA D£ POETUGAL O Rei perdões e de administração dcjuáliça, como se fosse o monarcha «. Na minoridade de D. Sebastião o conselho da regente D. Gathaiina de Áustria era formado do conde da Casta- nheira, do bispoD. JuliSode Alva, de Pedro ^'Alcaçova Carneiro, de Martim Aftonso de Sousa, de D. Gil Eannes da Gosta, e de Jorge da Silva. Em 13 de dezembro de 1^2 D. r«atharina abdicou» e foi investido nas íuncções, que ella exercia, o infante D. Henrique, o qual inrovavel- mente para dispensar sem ruído o serviço dos homens que tinham cuadjinado sua cuaiiada, instituiu, á imita- ção do que o imperador Carlos V em Í5i6 creára em Gastella, um novo conselho, que denominou de estado, nomeando logo para elle Lourenço Pires de Távora, pes- soa do seu seio honrada com elevados cargos. Quando D. Sebastião eui iO de janeiro de 1558 tomou posse do governo, propoz-ihe sua avó para ministros e conselheiros a Pedro da Alcaçova, Thomé de Sousa e D. JulUlo de Alva, mas a opposiçio do cardeal prevaleceu, e o rei moço. saindo repentinamente de Almeirim em 1509 para se apartar de D. Catharina, nomeou D. João de Castro e D. Martinho Pereira, e restaurou o ofiicio de escrivão da puridade, conferlndo-o a Mártím Gonçalves da Gamara. Este acto afastou para sempre do despacho a viuva de D. João III. No mesmo anuo deu el-rei corpo ao ensait), que seu tio esboçára, dictando pela provisão de 8 de se- tembro ao conselho de estado o regimento por que havia de proceder ao exame, expediente e resolução dos negó- cios. Os secretários d'estado assistiam ás sessões sem voto, tomavam nota dos despachos, e, communicando- os ao soberano, lavravam em livro especial a resolução 1 Trígoso, Memorias sabre os Secretários de Estado, pag. 38a43. « Digitized by Google DOS SÉCULOS X?il E XVm 397 ácerca de cada tim. No corto interregno de soa ephemera o dominação o Prior do Cialo designou Diogo Botelho e Cypriano de Vasconcellos para conselheiros doestado K Filippa lí alterou prohiadamente as fórmas do governo, intentando molda-las, quanto possível» em harmonia com o pensamento apparenle da reconciliação, e procurando respeitar o orgulho nacional e os foros mais apreciados dosportuguezes. Aorganisação do conselho de Portugal, cuja séde devia ser em Madrid, côrte do monarcha, nas- eeu d'esta idéa, córada com o pretexto de manter a* in- dependência do paiz e de a reconhecer nas mais ailas espheras da administração.  realidade não correspon- deu ás promessas. D. Manuel em 1499, por occasião de sua presumida successUo nos reinos de Castella, bavia traçado o plano de um tribunal similhante destinado a acompanha-lo em Hespanha. O que o rei catholico esta- beleceu era composto de um ecclesiastico, de um védor da fazenda, de um chanceller mór, de dois desembarga- dores do paço e de um secretario, todos portugueses, os quaes deviam seguir o monarcha para despacharem com elle os negócios da coioa de Portugal. O vice-rei, ou os go- vernadores do reino haviam de ser também portuguezes, salvo se o soberano escolhesse par^ esse elevado cargo príncipe, filho seu, irmSo, sobrinho, ou tio Os primeiros ministros nomeados para o novo tribunal /apenas D. Fi- lippe chegou a Madrid lòram D. Jorge de Athaide, bispo de i BarlKwa, Memeriat dê El^BH D, SdfOiHSo, tom. m —Huioria dos Varíhi Nkutrei do appàUidíí de Tao€ra,^Pnmt do Shhría Cr«- Mologica, tonL n, pag. S37. — Trigoso, Memoria ttbre ai SeerdUaioê de Eeiado, pag. 47 e 85. < Trjgoso, Memoria tábre os Seerdariot de Etlado, pag. 63.— D. Francisco Maniiel de Mello Axda PoUtiea, S 17, pag. 11, edição de Lisboa, aono de 1790. » « osii v|zea« p. Çbristovlo de Mourq» depoia marques de lello Rodrigo, e os ouvidores Pedro Barbosa e Franciseo Nogueira. Para secretario escolheu Nuno Alvares Pereira com dois escrivães de fazenda e dois escrivães da ca- mará. O regimento do conselho isaíu em %1 de abril de 1586 e o da secreMuiapubUcoa-se na mema data K Juataa eOBsidera(^6a fl?;arai9 díapeBwir a Qomeaglo do dia^ ler mór e riscar este offido do quadro. O eenselho de estado continuo a em Lisboa, entrí^ndo n'elle o bispo de Viz^u e D. Ghnstovão de Moura, alem dos governadores do reíoo escolhidos em iô93, que eram D. Miguei de Cas- tro, erpebispo de Lisboa, o coode de Portalegre, D. Joio da SUv4, o de Saata Cruz, D. Franoísco Masearenhas, o de Sabugal, D. Duarte de Castello Branco, tí o escrivão da puridade. Miguel de Moura*. £m maio de 1602 deu o duque de Lerma nova orga- mâa(j9o ^ seeretam do conselho de Portugal» dividiedo os negócios por quatro repartições, eada ama com sem- tario especial, competindo á primeira os de estado e jus- tiça, á segunda os ecclesiasticos e das ordens militares, á quarta as petições e mercês, e á terceira o património e faseada real. Os secretários despachavam em conseUio^ epviavam as consultas a el-rei, e commonicavam depois á mesa as suas resoluções. Os conselheiros jurísconsvdtos não podiam votar em matérias de estado. Au^niuTUado ex- cessivamente desde e^ia reíorma o numei o dos conselhei- ros, e contando-se a mais do quadi o legal quatro minis- 1 Trígoflo, Mmnia fofttv <» Sientamt ã$ ÈOnâo» pag. B. FiapciscQ Ifamiel de Meilo, ^sàa PdUiía, | i7, p$. li, «ii(i<íi de lÁúm, anuo de Í7t0. 0 oonaelho teve novo regimenfo datado d» 16 de oiitubiQ de iW, mfinnado pelo alveri de 88 de jidba de l^ii— Vide P. Fnpcm Ifanmi, EjNH^piira Mtim* < THgoeo, Jtfmom tobre ot Swreíaríot d»W«(iki pag* gSí . ij i^cd by Google DOB &(Gam lyn e tros e dois secreUriQS supra&umerarioti»» íoi craacU âiu o 1607 qma junta para propor a soa reorgaoisaf^o» ciqn consulta, datada de 32 de setembro, mereceu a approva« ção de el-rei. Em virtude d'ella o numero dos conselhei- ros tornou a ser limilado ao antigo quadro, nomeou-se presidente ao tribunal, que o não tinha, e decidiu-se que 08 vogaes magistrados deliberassem e votassem sobre to*» das as questões. Os quatro legares de secretários ficaram reduzidos a dois, as repartições da secretaria também a (luas, tí paiii íacilitar a execução da i tJÍorma ajjontou a junta em 31 de outubro, que um dos conselheu os supra- uiiiiierarios, Alfonso Furtado de Meodonça, passasse a presidente da mesa da consciência» e que o outro, Hen* rique de Sousa» fosse governador da casa do Porto Em IGIO uulia juala, composta do commendador mór de Leão e do confessor de ei-i ei, Fr. Luiz de Alliaga, ou- vida sobre proposta do marquex de Castello Rodrigo, eutlo vice-rei de Portugal, suggeriu novos alvitres para desaccumular do conselho o pessoal a mais, que ooerava a fazenda, e complicava o serviço. Uma das disposições lembradas foi que coubesse sempre a presidência a um prelado, e que se fixasse por uma vez o quadro do tri« bunaí. No reinado de Filippe IV a prepotência do conde duque não respeitou estas bases, introduzindo a confusão e a anarchia no expediente, especialmente quanto aoò negó- cios ultramarinos. A presidência do conde de Ficalho, duque de Villa Hermosa, a nomeação em i634 de Diogo Soares para secretario, o seu valimento wai OUvms» e as contestações, que rebentaram entre elle e o conde de Linhares aniquilaram quasi mteirameute a importância do 1 Xrígoso, Mmoria sobrê ot Secretários d'EiMità ^ ^ ^ I 400 HISTORIA DE PORTUGAL O Bá conselho. Em 1^7 tun decreto encarregou de novo Diogo Soares da secretaria dc estado do tr ibunal, e Gnliriel de Âlmeida da da fazenda, sendo transferido para Lisboa na qualidade de secretano das mercês Francisco de Lucena» victíma doeste despacho calculado para proclamar a in* fhencia de Soares O conselho de estado nunca deixára de funccionar em Lisboa, e em 1633, fallecendo o arce- bispo de Lisboa, ordenou ei-rei por carta regia de 10 de junho, que o conselho assumisse o governo do reino ató 22 de julho seguinte, em que tomou posse D. Diogo de Castro, tonde de Basto*. Os defeitos e a duplicação de serviços, que a existência e a analogia das attnbuições do conselho de Portugal e do conselho de estado comprefaendiam, aggravadas pela dis* tanda a que o primeiro funccíonava da séde dos negócios, desde lo^o se temaram visíveis. Collocado em.Madrid, e sujeito ás su^i^^e -toes mais, ou menos directas dos ministros e dos clientes dos ministros, a independência e a imparcia- lidade dasopiniões do conselho de Portugalhavlamdevacil* lar com frequência, e suas consultas resentirem-se dafalta de informação pi oxima e immediata. Não se ijovema com acerto e opportunidade, quando se é obrigado a ver pelos olhos de outrem, e se está longe do momento, em que os foctos pedem maior zélo e yigílancia. Ouvido sobre o pro- vimento definitivo dos oílicios, sobre as concessões de hábitos e commendns das ordens militaies, e sobre pré- mios e recompensas, o tribunal a cada instante podia ser iliudido, e de feito o era, umas vezes por omissões vo- luntárias nos processos, outras por artiflcios calculados para iiiaquear a sua boa fé. Exposto ás ciladas dos inte- t Trigoso, Memoria toltre m Searekarios deEtiado, pag. 66 a 73. 2 Ibidem, pog. 79. Digitized by Google DOS SÉCULOS Vm E XYOI 401 resses pessoaes, ávidos e nada escrapulosos, sísmpre o saía vencedor, e, tendo de altender ao mesmo tempo ás providencias mais altas de organisação da fazenda, de fiscalisação administrativa e judicial, e de defeza e con- servação da monarclúa e de suas possessões» repartia a attenção e os cuidados por tantas províncias diversas do governo, que não admira errar muito e muitas vesees, e deixar fugir as occasidesde occorrer ás necessidades mais urgentes. O conselíio dc estado, ausente o rei em Madrid, e avo- cadas á corte todas as matérias de governo para final de- cisão» pôde dízer-se que apenas era a sombra do que fôra« Impotente para o bem, e cúmplice em muitos casos dos males, que desejaria evitar, via os seus votos postos de parte, as suas iiidicaçues esquecidas, e a torrente das des- graças publicas engrossada sem remédio. Os conseibeiros reduzidos quasi ás honras e regalias do cargo serviam sã- mente nos lances mais apurados para esclarecerem os vice-reis, ou os governadores do reino, e para fazerem soar em Madrid poi* vozes conceituadas as suppiicas, sem- pre desattendidas, que a gravidàdo das crises dictava. A demora nas decisões, as despezas exigidas por qual- quer pretensão, a soberba e a arrogância dos empregados, e o desleixo, venalidade e confusão, com que os negócios cori'iam no conselho de Portugal, haviam tornado o tri- bunal assas odioso, e a sua auctoridade mais parecia aos súbditos uma invenção para os vexar e punir, do que uma instancia superior creada para os proteger e salvar. Diogo Soares não concorrera pouco para isso, e o conde duque, animando-lhe os excessos c ousadias, provara claramente, que o secretario, e não os conselheiros, é quem possuía o segredo de seus desígnios secretos. No despacho e informação dos assumptos, e na divisão 402 HISTORU DE PORTUGAL 6 attribuições das secretarias de Madrid e de Lisboa os inconvenientes saltavam do mesmo modo a vista, repro- duzindo, como não podia deixar de ser, em vez da mii- dade de pensamento e uniformidade dos methodos as diYergeocias, as antinomias e as resistências, qiie toma- vam t3o absurda e nociva na pratica a dualidade do go- verno instituída por Filippe II, mantida e exagerada por Olivares, talvez com a idéa reservada de apressar peio desengano a epocha da plena encorporação. No século xn e na prim^a metade do ivn, a organisaçSo da adminis^ trarào superior não coniiecia ainda as proporções dema- siado symetricas, e o encadeamento de liierarcluns, que O abuso da centralísaçSo modernamente multiplicou. O ex- pediente era muito menos papelista, os quadros dos em- pregos muito mais modestos, e as responsabilidades muito menos repartidas. O numero dos funccioiiarios menores, sem comparação, muito inferior ao que foi depois, não Absorvia as avultadas sommas que hoje custa. De ordi<» natío os chefes é que remuneravam os trabalhos de copla e a coadjuvação dos amanuenses, chamando-os e despe- dindo-os livremente. A formação das secretarias de estado e a distrit)uição por ellas dos negócios, foi r br i do tempo e de longos e hiterrompidos ensaios, fim 1640 já tinha adiantado passos importantes para se approximar do que ' havia de ficar sendo no xvm século, emt)ora estivesse ainda bastante distante da formação dos miinsterios, que nas monarchias constitucionaes representam por assim dizer os orgSos vitaes do poder executivo. Na cúria dos reis da primeira dynastía duas figuras, muitas vezes pouco appai entes, o chanceller e o notário, guiavam o braço dos monarchas nas contestações com a Santa Sé» com o clero e com a nobreza, tomando^se tão decisiva^ a sua influencia em alguns conflictos que a . _ j I. d by Google DOS SÉCULOS XYU K XVUl diaiiLclIaria romana ião hesitava em accusar os ministros otn pelos erros dos soberanos. Das attrihuições dos notários reaes, especilicadas na lei 7.* da Partida ii de Aífonso o Sabio, e de parte das do chaocelier, como confidentes a etecutores da Vontade real, nasceu com o tempo o officio de escrívio da puridade, ainda no reinado de Affonso I¥ inteiramente subordinado ao chanceller e circumscripto no sen exercício a lineamentos yn^os, (jue variavam se- gundo as circiunstaDcias e a inclinação dos imperantes ^ Entretanto no tempo de D. Pedro 1 já o cargo tinha as* sumido certa importância, como attesta Fem9o. Lopes^ descre\endo o modo por (pie el-rei costumava regular o despacho. Todas as littiçôes eram entre^^mes a Gonçalo Vasques de Goes, e distribuídas por eiie passavam ás mãos de um dos escrivães menores, o qual as enviava aos desembargadores a quem pertenciam. As nlio eon* tenciosas expediam-se logo, e as que envolviam conces*- sKo de praça, ou mercê sul)iam para um dos vedores as lançar em ementa, e o magistrado competente propor a resolução na presença do chanceller. O escrivão dapuri*" dade abria a correspondência diplomática, e a qualquer hora podia entrar na camará do rei. O costume de firmar com o sêllo menor, ou de camafeu as cartas, e de as remet* ter assi^niadas peio soberano por via do escrivão em todos os negócios não judiciaes, diminuiu muito a influencia do chanceller, augmentando a da repartição da puridade '4 D. Fernando pouco innovou, ou nada, n'esta parte, mas 1 As Partidas uoucluidas em 1258 exprreram grande inniipii- ria na legislação e costumes de Portuj^al. Vide Trigoso, Memona sobre, os Escrivães da Puridade dos Rris de Portugal, no tom. xii, pari. I das Memo) um da Academia ikal das Sciencias de Lisboa j 2 llíidem, pag. IGl a 163. »* Digitized by Google 404 , HISTORIA DL PORTUGAL Bli D. João I, desejoso de organisar melhor o serviço dos «oíliciaes do governo», que eram u escrivão da purida- de, os vedores da íazenda e o vedor da sua casa, consul- tou as memorias de Álvaro Gonçalves para conciliar a reforma, qae meditava, com as tradições de seu pae e de seu ayô. O oíGcio de escrivão da puridade era exercido SBn regimento, e por isso os seus encargos se trocavam e conÍQíididin murtas vezes. Vé-se da resposta de Alvaro Gonçalves, que o escrivão cobrava os emolumentos das escrípturas, e pagava aos empregados os salários que suppunha rasoaveis, que acompanhava o rei ao conselho, mas sem voto, e que expedia as cartas do serviço de Deus e de el-rei, isto é, todos os documentos relativos á ad- ministração ecclesiastica e civil. Quando td-rei assistia às audiências da Keiação estava ao seu lado, assim como sempre estava presente ao despacho dos negócios da fa- zenda, e ao das mercês de moradias e ajudas de custo para casamentos de pessoas nobres. Recebia da mão de el-rei os papeis e petições para os distribuir aos desembarga- dores. Nos dias do mestre de Aviz, Gonçalo Lourenço de Gomide, e depois seu filho João Gonçalves de Gomide, foram muito estimados no desempenho d'estas funcçõ^s, confiando o monarcha do primeiro os maiores segredos, commettendu-lhe a direcção das cousas, eiu que punlia mais cuidado, como lez com as obras do mosteiro da Ba- talha e dos paços de Cintra, e ordenando até que elle o substituísse no exaine das contas dos vedores. Doesta ac- cumulação de occupações resultou elevarem-se cada vez mais as preeminências do logar, á medida que o favor do príncipe e a aptidão dos indivíduos, honrados com a sua confiança, lhe alargavam a esphera de acção 1 TrígOíK), Metmria sobi^e os Eicrwõis da Puridade, pag. 171 a Digitized by DOS SÉCULOS ivn £ xvm 405 Apesar d'isso até ao reinado de D. Duarte nâo se en- or« contra notícia de regimento, que lhes definisse as attri- buições» regeiido o costume em m de lei. Na compila- ção das Ordenações concluída na regência do infante 1). Pedro lêem-se os regimentos dos oíTiciaes do reino e . da casa real, mas não se encontra uma S(') disposição ácerca d'elies, continuando excluídos dos privilégios das pessoas do conselho» do desembargo do paço e dos chan- cellerès K Foi Âffonso Y quem dictou as primeiras re- gras, e por assim dizer quem discriminou as bases da jui isdicção e competência dos escrivães da puridade no regimento passado a Nuno Martins da Silveira logo no principio do seu governo. £m virtude d'elle pertencia aos escrivSés da puridade a ^arda do sélio maior e a attribuição de sellarem as cartas e papeis do seu officío, pertencia-lhes receberem da mm de el-rei e conservarem os documentos diplomáticos e as cartas dos embaixado- res e todas as petíções e papeis» dando-lhes o destino conveniente; proporem os escrivães da camará, não po- dendo os que vencessem moradias exceder o numero de quatro ; nomearem dois escrivães para auxiliares do tra- balho, retribuídos por elles; cobrarem os emolumentos das escrípturas e repartirem parte d'elles pelos escrivães, segundo os merecimentos; despacharem com el-rei os negócios; superintenderem o serviço dos escrivães; re- ferendarem as cartas, alvarás e privilégios expedidos. O oflicio da escrevanínha da puridade era y\ tão importante n este reinado, que o bispo de Coimbra se prezou de o 173. Mâiiuscripto da livraria da casa de Castello Melhor, citado na unrsnia Memoria. • lí idem, pag. 185. — Ordenação Affonsina, liv. ii, tit. lxiv. — Um de D. João I encorporada aa Ordenação Affomim, liv. Jii* tit. iv. Digitized by Google 406 HISTORIA D£ PORTUGAL OM exercer, e que. no se^^uiiile D. João da Silveira, barão de Alvito, do conselho de D. JoSo 11, o serviu eraquanto vi- veu, e o deixou por morte a seu filho Fernão da Silvei- rt. No ceremooial estabelecido para o preito dos alcaides m6res quem lia em voz alta a formula das menagens era o escrivão da puridade*. El-rei D. Manuel regulou o despaciio e revestiu-o das exterior idades pomposas a que era inclioado em todos 08 actos da realeza. Dava assignatura tres vezes por s&> mana em publico com o escrívSo da puridade e os ve- dores da fazenda ajoelhados a um e outro lado da cadiu- ra, e com os escrivães da camará e da fazenda lambem de joelhos em roda da mesa. As audiências sempre as* sistiam o escrivão da puridade e um dos vedores da fa- zenda, ajoelhados ambos á sua ilharga. N'est6 reinado o officio de escrivão da puridade conquistou os íúros dt» primeiro na jerarchia administrativa, e a ordenação ma- nuelina assim o reconheceu, mandando que o chanceiler mAr prestasse o juramento nas mãos da pessoa, que o exer^ cesse, 6 tratando dos funccíonaríos a quem eram concedi- dos privilégios e liberdades esix^ciaes enumera por suaor- d^m o reíredor e o governador da casa da supplicação, o escrivão da puridade e o chanceiler mór. Uma das obri- gações do escrivão consistia em figurar em todos os actos públicos e solemnes da c6rte para os reduzir a escripto e os legalisar. No governo de D. João III serviram este cargo D. Antonio de Noronha, condo de Linhares, e D. Miguei da Silva, demittido em 154i por sair do reino sem li- cença regia» levando, diz uma carta do soberano, datada 1 Trigoso, Mmoria sobre os Escrivães da Puridade, pag. 174, 177, 186 e 18S. ManuBcripto da livnuiA da casa de Castello Melhor, citado n'eUa. Digitized by Google DOS mmm x\u « ;^yoi W de â6 de janeiro d'aquelle anno, escripturas de muita QM substan(úa e segredo, O logar não foi provido, e Pedro da Alcaçova GarDeiro exerceu junto do monarcha aa ínncçues d'eUe, intítulando^se secretario de el^rei, do seu conselliu o seu jiablico notário geral nos reinos de Portugal 6 S6US dominios. Na regência de D. Gatharinii de Áustria continuou o officio vago, apesar das côrtea dd 1568 terem requerido que se restaurasse, e de LoureuQo Pires de Távora na regência do cardeal infante haver re* novado a bupplica no papel, f|iift entregou a D. Henrique, acerca do bom governo do paiz. Em 1569 attendeu D. Se» bastião estea votos, nomeando Martim Gonçalves da Ça^ mara seu escrivio da puridade, e confiando-lhe os nego* t'ios mais gi aves da monarchia; mas sete annos depois, em Itj/Ó, tendo perdido o valimento, e sendo supplan- tado pelo partido dos lidaigos moços, Martim Gonçalves resolveu retirar*se do paço, e apartou-se de toda a acçio politica. O ultímo escrivão da puridade, que houve no se^ culo XVI, íoi Miguel de Moura, o qual chegou ^ ^çançar ainda o reinado de Fiiippe Uí *. 0 escriviio da puridade, espeoialmeute desde ps rebub dos de D. Jo3o II, D. Manuel e D. Joio m, exerceu grande predomínio, e podia reputar-se o ministro prin- cipal, porque, dadas as diííerenças do tempo, o seu cargo equivalia ao dos actuaes ministros do reino, Mas já nos dias de D. Miguel da Silva, em 1^25, as $m& ettríl)uições deviam reputar-se mais apparentes, do que effectívas. O bispo de Vizt Li notou, que os seus emulos as tinham re- duzido puramente aos actos externos e oíSci^es, (X}r* 1 Trigoso, Memoria sobre o$ Escrivães da Puridade, paff. 492 a ' 198. — Barjjosa, Menunia de Elrey D. SebaUião, tom. lu. — Vida de Miguêl dê Movera. * Diyiiizeo by Google 408 HISTORIA DE PORTUGAL oiw rendo os negócios de vulto e os segredos mais importan- tes do estado pelas mios de AntOQÍq Carneiro, e depois, pelas de sea filho Pedro da Alcaçova, que eram verda- deiramente os que possuíam a Confiança do monarcha e com cila a realidade do poder. O officio de secretario de el-rei, que ambos desempenharam, já então encobria sob a modéstia do titulo uma notável influeocia, mais qúe tudo recaindo em pessoas, que por sua capacidade e experiência sairiam realça-lo, tornando-se indispensá- veis. No governo de AíTonsoV o expediente foi despa- cl)ado pelos escrivães da puridade muitas vezes, e não poucas também pelos secretários, ou pelos escrivães da camará, ou da fazenda de el-rei, sem dependência dos chancelleres móres, salvo rm que respeitava á publicação dos diplomas. Entretanlu os secretários occupavam o se- gundo grau da escala entre os escrivães da puridade e os da camará, reconhecendo certa superioridade nos pri- meiros, e expedindo ordens aos segundos. Parece que lia\ia até uma tal, ou qual espécie de accesso. subindo os escrivães da camará a escrivães da fazenda, e elevando- se alguns depois â posição mais invejada de secretários. Pedro da Alcaçova, sogro de Antonio Carneiro, foi escri- vão da fazenda de Affonso V e de D. João II, antes de ser secretario de D. Manuel. Antonio Carneiro, seu gemo, capitão donatário da ilha do Príncipe e do conselho de el-rei, alcançou pela sua aptidão, alem das preeminências do officjo, a importância de verdadeiro ministro de esta- do, despojando, como vimos, o escrivão da puridade da parte politica e administrativa mais essencial. Pedro da Alcaçova, seu iilho segundo, era já secretario em vida do pae e repartia com elle o valimento do soberano K 1 Trigoso, Mmoíia sobi^e Oijsl&crivãe» da Puridade, pag. 48 a 03. Digitized by Google DOS SÉCULOS xva E XVIU 409 Foi talvez no reinado de D. Sebastião, pelo que podé- om mos depreheoder» que os secretários principiaram a en- carregar-se de repartições distinctas, n3o sendo facíl in- dicar, porém, quaes fossem os negócios commettldos a cada uiuii. O oíricio das petições, por exemplo, que pertencia a uni secretario, sabemos ter sidu exercido ás vezes por um escrivão da fazenda, como succedeu na re- gência de D. Catharina com Manuel Quaresma, nomeado para substituir André Soares. Mais tarde Manuel Quares- ma obteve a propriedade do cargo com o titulo de se- cretario das mercês, ao passo que Miguel de Moura, in- vestido na direcção politica superior^ era considerado como secretario do reino, igual em assento e voto aos governadores nomeados por D. Sebastião, e honrado com o deposito da boceta do sêllo real. Preeminências tão altas fazem suppor, que as attribuiçíjes d'esta secreta- ria correspondessem, pouco mais, ou menos, ás dos mo- dernos ministros do, reino e da justiça. Por esta epocha existia já também um secretario privativo dos negócios da fazenda. Em 1578 D. Nuno Alvares Pereira desempe- nhava as funcções d'este cargo em Badajoz junto de Fi- lippe II. Assim o expediente, ao que parece, dividia-se por tres secretarias, a do reino, a da fazenda e a das mercês, e cada um dos secretários despachava com o so- beiaiio. A nova organisaçâo traçada em 1581 pelo rei catho- lico depois da união, instituindo em Castella o conse- . lho de Portugal com secretaria e repartições especiaes, reduziu as do reino sdmente a duas, denominadas do es- tado e (las mercês. Quando rebentou a revolução de 1640, Miguel de Vasconcellos presidia a primeira com amplos poderes, e Francisco de Lucena, transferido de Madrid, regia a segunda, descontente pela inferioridade Digitized by Google ^iO HISTOIUA DE rO^TUGAI. D03 SEGUL03 XVH B XVUI iw do serviço a que o condemnira a má vontade de Diogo Soares e do conde duque *. Esboçámos os Iraçus [u iiaipaes administração po- litica superior, e apontámos as molas importantes que a moviam* Um pensamento único dominou» se aão nos en* ganâmos, todas as modiflcações operadas desde os fins do século XV, Foi o da concentração dos poderes nas riiãos (lo rni, <' o da successiva annullação clo> elementos, que na meia idade representavam o principio da resisten^ cia legal, moderador necessário das usurpações recipro* cas das diversas classes e freio salutar dos excessos da auctoridade real. A unidade monarchica triumphou, e seus passos encaminliaraiii-se depois para u estabeleci- mento do governo absoluto, valendo-se de todas as ar- mas para isso e do favor das circumstancias. Das garan- tias aGançadas na antiga constituição, e solemnemente juradas pelos soberanos quasi nenhuma nos fins da se- gunda rnetade do século xvi passava já de ficção, ou de pura formalidade. Tinham desapparecido as cousas e fi- cado só as palavras. Os resultados foram tristes. D. Se- bastião expiou como rei os erros do poder pessoal, O paiz, cúmplice voluntário na própria abdicação, e entre- gm freios que deviam dtÍLíude-io, pagou com a indepen- iluncia o silencio e a docilidade. 1 Vida dê Migud de Mnvra. — Trigoio, Memoria fíàrê ot &rri' Digitízed by « CAPITULO IV INSTITUIÇÕES ADMINISrilA TÍVAS, JlíDICIAiáS Divisio administrativa» jadielal c occhsinstira «lo reino em 16il.~VaiÍL)s flLiiuntna de qae nasr^ji ain as in<itiluiç503.— As anli^as rori pif fSes e a reforma de D. João III. — As municipalidaJí"! f a>- rn ífo-i dos ronrplld»^. Os provedores o os contadores das comarcoi. - Tnbuiiaeá ^iutteriureâ. u desuni barj^u do paço, a cn&n da supplica(ãO, a rdaçio do Porto, a chaoMllaria mór e a mesa da oonseicooia e ordens.— 'I^ibii- naas menores. Jiiizos da alfande^M, da rasa da Iihli i, iI>>civol e do crinio de Lisboa. Kíleitosda subdivisão das jurisdii . nos. Tnsuflirirni i i i\ii> ordfri:u?05:. rorniprSo dos julgadoreá e dos offimcn do justiça. — Auirmeulo dos voncimenloseinulilidadLMVclIe, ConsuKa do consellio de Portugal em i6ilá. — Eslado da jurisprudeacuedoforo.— • Systama da administraçio da ISsienda. Causas da stia ooinplicafio.— CoDsdbo da fiiunda. Casa dos contos. Antífas vedorias. Contadores e rOMbcdores das oomar> cas, Tenlativ.is di' icrnrnia ivt<; rppnrficiV' ítipmoreá. — impostos; iiidircdo^ p sua administrarão. Tribunal daalfandega. Setecasa*. ri^a»] i Imli i.- .Noiici ida^ron- tribuiçõCH no .scculozvii. Directas. Jugadasccoliicita:». ludnc-daji. Situ». Ttibutos monicipaes de veoda, eonsqmo e transito. Novos impostos. Consulado. Beal sobre a earoe c o vinho. Meia annata. iJenclicio do lMga(0 da MOitona. •^BjStemadaar* rematarão das rendas publicas.— Receitas e despesas; O reino de Portugal em 1644 dividia^se em seis pro- víncias desiguacs na extensão, na i niueza e na quantidade -dos fogos, e contava dezoito cidades iniixutaiilos, qua- trocentas e oito viUas e duzentos conceUio;iS A círcum- , 1 Duarte N^inosdoLeão,l}etmp^o/Íofi6ttioddPof1t(^jCap. XI.-- Fr. Nicolau de Oliveira, Grandezas de lAiboa^ tr&t. n, cap. n. A& maiores das seis provinciaa eram as do Alemtejo, E^^tianadura d Beira. Uma das mais pequenas, a de Entre Douro e Minho, medi'^ apenas 90 kUometros de comprido e 60 de laigo. Digitized by Google 412 HISTOBIA DE PORiaGilL iBttiuiiçoes scrípção ecciesiastica abraçava ires arcebispados, Lisboa, Braga e Évora, e onze bispados, Porto, Coimbra, Lamego, Vizeu, Guarda', Pinhel, Miranda, Leiria, Portalegre, Elvas e Silves*. As seis províncias subdividiam-se em vinte e sett» comarcas, ou correições, e um documento contem- porâneo calcula em grosso, e de certo exageradamente, a população total do paiz em dois milhões de habitantes^ A província do Minho já ent3o era reputada uma das mais opul( iit;is ciji lavuuras e cabedaes. Em >uas aldeias pro- jiagavaiii-se ann exlrerria rajiidez as lamilias ruràes. O arcebispado de Braga em Í6â0 sustentava cinco coUegia- das, treze mosteiros largamente dotados, e mil quatro- centas e sessenta parochias. A villa da Covilhã compre- licndla no seu termo trezentas e sessenta aldeias. A cidade do Porto avultava pelo seu trato mercantil. A vilia de Se- túbal, apesar de decaída, considerava-se ainda assás rica e negociosa. Coimbra resplandecia como séde principal dos estudos secundários e superiores. Évora, depois d*ella, recommendava-se pelas aulas da universidade e do colle- gio dos jesuítas, e pelas casas antigas e distlnctas herda- das com grandes bens de raiz. A administração geral e a local ainda se resmitiam da variedade e confusão dos elementos, que as haviam con- stituído, e a legislação retratava fielmente a espécie de cahos, d'onde, desde a primeira metade do século xv, 1 Desrnpruo tio Remo iJe Portuíjal, ii. O auctor apouU oiize bis- pados, mas na enumeração sóiut iili^ cita dez. 2 Duarte Nunes conta vinte ' sft»^ romarrns, Osrnpitulos ix exdas côrtes dp 4641 aitreseiitados pelo rst nlo da iiuhri'/.;! nnlani apenas 20'. Acerca imIcuIo lif díim inillífus il-' habiLantrs K-m 1641 consulte- se o p ipi l junto ao tlecreto de 10 de julho de íf)'*?. publicado na curiosa Synopíip dos Deci^etas do exíincto Comelho dt Ouena peio sr^ Cláudio Chaby. Digitized by Google DOS SÉCULOS XVil E Xm 413 começaram a sui^ com a promulgação do código Affoil- loiUtuíciíM sino os lineamentos de uma organisação menos incobe- l eiile e mais regular. GoUi^nndo das leis geraes publicadas desde o reiaado de AíTonso II as que o tempo e as cir- cmnstancias não tinham abolido» abrangendo as resolu- ções das côrtes e as concordatas celebradas com o clero, attendendo ainda ás disposiçíjes dos antit.M)s foraes e aos • velhos usos em vigor, e consultando como íontes princi- paes o direito romano e o direito canónico, as Ordenações - de AffonsoV riscaram um monumento, que nas propor- ções, no estyto e nas tendências representava com ver- dade o estado politico, social e económico, isto é, a tran- sição da meia idade para a renascença, cujos clarões bem frouxos começavam, comtudo, já a allumiar a Europa; Sessenta e oito annos depois mandava D. Manuel rever o primeiro código, e os seus jurisconsultos, assim como os de Filippe II mais tarde, respeitando a divisão, o systema, o espirito e os princípios geraes, limitaram-se a corrigir os maiores defeitos de redacçlo, e a incorporár as pro- videncias decretadas no intervallo decorrido entre uma e outra compilação. Mas as idéas tinham progredido, e as alterações, sanccionadas pelos legisladores, ou propostas por elles, cada dia accentuavam com mais ciares» o pensa- ^ mento da unidade monarcfaica. Ás instituições, conservan- do na máxima parte ds mesmos nomes, haviam mudado quasi inteiramente de significação, e a distancia moral, que separava os séculos xu e xui dos séculos xvi e xvu, cada vez se ia tomando mais larga e expressiva. Nem os ho- mens, nem as cousas se pareciam com a antiga sociedade, cujas feições a letra morta das rubricas apenas recordava. Outra alma, outros costuuií s, e outras aspirações domi- navam a nova epocba. Do passado sobreviviam somente palavras com applícação diversa, ou tradições quasi obli- Digitized by 414 HISTORIA DE PORTUGAL iiistiini$&e> teradas, de qoe os mais eraditos difiBcultosameDte já íd- leipretavam o sentido A oxaclidão doestas asseiçues pôde verificar-se, com- paraudo os factos e confirontando o modo de ser dos pri- meiros séculos da monarchía com os da idade, qae se lhe seguiu. Rei, còrtes, ttibunaes, magistrados locaes, íuucçues publicas, relações <r,'raes e par(ic!ilai"cs, senli- menlos, nsos e civilisaçãu, ludo sc mudiíicáia mais, ou menos pi ofundamente debaixo das mãos do grande trans- formador chamado tempo. Entre a vigorosa constituição dos municípios dos séculos xxn e xiv, tio ciosos de seus fóios, e Ião hostis á quebra d'e!les, e a existência niuni- cipal quasi sem iniciativa e Ião apagada, que nosrexela o título Lxvi do livro i da ordenação Filippina, resaitam differenças tão características, que não carecem de ser individuadas.  independência desapparecéra e a autono- mia dos concelhos, palavra que tinha valor antes, porque linha signiíicação, acbava-se reduzida a uma sombra. Al- gumas commissões temporárias, que a urgência das crises locaes, ou as exigências da necessidade geral tinham tor- nado úteis, arreigando-se a pouco e pouco, haviam-se converlido em logares permanentes. Os juizes de fora em todas as terras importantes substituíam os juizes ordi- nários, e julgavam as causas commettidas pelos antigos foraes aos homens bons dos concelhos, estendendo não poucas vezes a jurisdicção muito alem do território da sua alçada. Introduzidos talvez anles do governo de AíTonsu IV, e alguns até por suppiica de povos opprimidos pelas jus- í N5o lizemos de propósito nienráo especial da ultima refonna da Onloijação publicada em tOOiJ por Filippe III, poi*qup eui tudo lhe são applicaveis as reflexões suscitadas pela Manueliua, que rl!a seguiu e completou uo pensamento de ampliar e fortiíicar o princi- pio monarchico com sacrificio das antigas liberdades. Digítízed by DOS SÉCULOS IVU £ XVm 415 tinas (las terras, os juizes de lóra só se generalisaram no iMiitniçaes reinado de D. Manuel, o qual, por assim dizer, os creou de novo, declarando o seu exercício triennal, assígnando- lhes ordenados pagos pelas rendas municipaes, ou pela fazenda pabtica, prohibindo <|ae fossem naturaes do ter- mo, em que servissem, e exi-íindu como hal)ilitaçâo de capacidade o grau em alguma das faculdades jurídicas Nomeados e demittidos livremente pelo rei, e tirados da ordem judicial, cujos princípios representavam, eram ou- tros tantos auxiliares do poder pessoal, sujeitos ao arbí- trio do príncipe pela sua posição, e dedicados á conser- vação e ampliação das regalias e usurpações da coroa pelas idéas e pelo interesse. Um elo superior ainda apertava mais a cadeia hierar- cbica das magistraturas locaes. AUudimos aos corregedo- res das comarcas. Em tempos anteriores a administrarão dos districtos também se dividia em correições, porém muito mais extensas. No reinado de Monso III existiam seis em todo o reino, comprehendendo o Algarve. Em 1385 sabemos que apenas eram cinco. Mas quando al- guma occorrencia extraordinária o exigia, ou as conve- niências politicas o aconselhavam, as mais largas circum- scripcôes subdividiam-se» e um magistrado especial da escolha do soberano recebia a missão de as reger. Varia" vam muito os limites d'estes districtos. Umas vezes abra- çavam mais do que províncias inteiras, como as de Entre Tejo e Guadiana, de Entre Douro e Miotio, e de Entre Douro e Tejo» tendo por demarcaçíSo as grandes linhas 1 iosé Anastácio de figueiredo, Mimaria Mbrg a Úrigm dos /tit- set àe Fôra, no tomo i das Memória» dê tÀUenÉwra áa AsOidema Heol áa» SekneUu de ÍAtboa, pag. 31 a 60. O titolo lxv do livro i da Ordenação Fã^^pkia encena o JRejftmM» dosJmge» de Fóra. Digitized by Google 416 HISTORIA DE PORTUCAL imtuiiicOM iluviaes, outras vezes só abrangiam a área correspon- dente, pouco mais ou menos, á das modernas divisões do território, ou ainda mais restrícta, como nos dias de do AlToiíso IV as de Entre Douro e Tâmega, de Kiiti c, Doui o e Ave, e de Entre Douro e "Vizela. Nos tilulus con- feridos ás pessoas encarregadas de os governar liavia grande diversidade nas denominações, cliamando-se em umas epochas meirinhos môres e regedores de justiça, e em outras vedores de justiça, adiantados e ^governadores. O rei quasi sempre designava para estes cargos, por via de regi a perpétuos, fidalgos principaes e guerreiros dis- tinctos. D. João II, accedendo ás petições das còrtes de 1481 a i482, supi)rimiu os adiantados, cortando uma das influencias decisivas da iioljroza. Entrado o século xvi adianlou-se com elie o pensamento de concentrar e tomar mais forte a acção da realeza, es- treitando as relações entre o throno e os seus delegados - em todo o paiz. A demasiada extensão dos antigos dis- trictos do Alemtejo, Extremadura, Entre Douro e Minho, Traz os Montes e Algarve, e a desigualdade notada entre elies quanto á povoação e riqueza, inculcavam a oppor- tunidade de uma reforma, que, augmentando o numero das grandes unidades, facilitasse ao poder real os meios de governo e depredominio. D. João III intentou realisa-la. Precedeu a divisão administrativa e judicial (porque nas idéas do tempo a justiça era inseparável da administração) de um recenseamento ordenado em julho dé Í5â7, e, co- Ihidos os subsidios indispensáveis, foram nascendo suc- cessivamenle as novas comarcas, desmembradas das an- tigas correições, e postos n ellas com exercício triennal magistrados formados em direito. Para simplificar o ser- viço 6 diminuir o pessoal el-rei ordenára que os corre- gedores accúmulassem as funcções de provedores e de Digitized by Google DOS SÉCULOS xm £ xvm , 417 contadores, e que seus vencimentos corressem por conta insutuiçôes das roAdas das localidades. Queixaram-se, porém», os povos da união de attribuíções fôo amplas em mna só aactorídade, e representaram contra os encargos pecuniá- rios, que ella significava. Ambas as supplicas foram atten- didas. Em 1555 estavam outra vez separados os ofllcios de provedor» de contador e de corregedor» e os ordenados dos que os serviam eram pagos pelo thesouro K 0 officio dos corregedores comprehendia fiincçQes muito diversas nas espheras judicial, administrativa e eco- nómica. Gompetia-lhes conhecerem e devassarem dos ei- ros e abusos dos juizes das terras, reverem os processos suspeitos de peita, ou de parcialidade, sustentarem a juris- dicção real contra as invasões dos donatários e do clero, conterem os excessos e malfeiloi ias dos poderosos, e fis- calisarem o cumprimento dos deveres das camarás dos coDceUios e dos empregados inferiores. Representantes da realeza, instituídos para corrigir os aggravos, e cohibir a soltura e a impunidade das classes privilegiadas, a lei abria-lhes a entrada das honras e coutos, e deferia ao seu exame o procedimento das justiças locaes até nos iogares 1 Joáo Pedro Ribdro, Reflexões Hitíoríeat, pari n, n.* l.^Jíe- morta tobre a guhditnfão das Corregedoria» no reinado de D. João III, Para se formar uma idéa approxímada da extensflo e importância das antigas divisões, vamos eitar as que existiam em 1322 e em 1527. Em 4522 a correição do Alemtejo (Entre Tejo e Guadiana) niodia 838 léguas quadradas, e contava 79:182 fogos; a da Beira 726 loguas com 67:308 fogos: a do Minho 262 léguas e 22:256 fogos ; a de Traz os Montes 337 léguas e 21:440 fogos, e a da Extrernatlura C07 lé- guas e 50:040 fo^^os, o a do.Algarve 180 léguas c 11:235 fogos. Eni 1527 a corieição da Extreuiadura locensoava 04:178 fogos^ a do Alenitfjo 48:804, a dc Traz os Montes 35:016, a de Entre Douro e Minho 55:066, o a. do Algarve 16:000. Estes algarismos justilicam a subdivisão decretada por .D. João lli. «wo Y 917 416 • HISTORIA DC PORTUGAL bi«itoi«;oes aonde n^o era pemiitUdo penett arem os nfíenti ^ ordiná- rios da coroa. Protectores dos fracos e dos humildes, de- positários de poderes amplíssimos^ e só dependentes da confiança do monarcha, a sua intervenção suavisára mui- tos males, e reprimira attentados escandalosos, restabe- . lecendo o prestigio da auctoridade real pelo uso de suas mais altas e mais nobres attribuicõcs. Os corregedores, en- carregados varias vezes de missões extraordinárias, e con- fidentes discretos de actos políticos transcendentes, foram em momentos graves o braço visivel do príncipe, os men- sageiros da sua vontade, e os restauradores da ordem e da paz. No século xvi a*boa memoria d'estes serviços não concorreu pouco para a reforma, que determinou a sob- divislo das comarcas, e estabeleceu em cada uma a vigi- lância activa de ministros incumbidos de velarem pela segurança, policia, prosperidade e harmonia das circum- scripções^ As municipalidades nenhuma resistência oppozeram na parte politica. Satisfeitas com as regalias salvas do nau* fragio, em que tinha perecido quasi tudo o que na meia idade constituia a sua força, suspiravam pelo repouso, olhavam a obediência como uma de suas primeiras obri- gações, e nlo se afastavam um passo da estrada indicada pelos magistrados reaes, cuja influencia reconheciam e acatavam. A eleição dos vereadores era indirecta, esco- lhendo a assembléa dos homens bons e do povo nas oita- lit. t, tit xtnst também encerra o regim^to dos corregedores, qae primeiro foi promulgadev ^ parece em grande parte redigido pelás bases do regimento ordenado por D. Fernando talvei no prin- cípio do sen governo, sepndo suspeita o douto I080 Pedro lUbeí- to,^lH$$ertaçõe9 Chmuíogieas e Criiiea$, tom. m, documento n.« 37, pag. 93 a láS. Digitized by Google DOS SÉCULOS XVU £ XYUI 419 VHs (lu iNiUal cada aiino os seis procuradores, (jue em insuiaiç»» sen nome haviam de designar as pe>soas mais aptas para serem inscriptas na pauta do governo local, O corregedor, e na sua lalta o juiz de fóra, presidia ao escratinio. Os cargos mtinicipaes, alem dos da vereação, eram os de procurador e thesoureii'o do concelho, os de juiz e escri- vão dos orphãos (aonde se nomeavam por eleição), e os de juizes dos hospitaes nos iogares, em que não cabia esta ftincçSo aos juizes ordinários. Os vereadores repartiam en- tre si a adminístraçSo em pelouros, reuniam-se em sessKo duas vezes por semana, regulavam a pi licia do Iraii^ito, das feiras e dos mercados, geriam os bens concelhios e suas rendas, e proviam por ultimo á construcção, reparo e manutenção das estradas, pontes, chafarizes e calçadas, e á arborisacâo dos baldios, publicando as posturas mais adequadas á boa economia, t;i\;)[ido os preços aos officiaes mechanicos, e as soldadas aos jornaleiros e creados, or- denando as despezas e lançando fintas para acudir ás obras extraordinárias de interesse conunum. Os almotacés, si- milhantes aos edis romanos» tirados do seio das weações e seus delegados, promoviam o exacto cumprimento das posturas, puniam e multavam os infractores, inspeccio- navam os mercados, açougues e casas de venda, e man* tinham a observância das taxas, a lealdade dos pesos e medidas, e a limpeza e conservação da terra e de seus edilicios*. Entr e os corregedores e os juizes de lói a, exercendo funcções administrativas, e competindo-lhes o seu con- tencioso, figuravam os provedores e os contadores das comarcas, instituídos por D. Manuel em Gmnpria- 1 Ordenação FiUppina, liv. I, tit LXVI, ttVU e Livm.— Ordtf* nagâo Agomna, liv. ^ tit xzvn* 17. Digitized by Google HISTORIA DE PORTUGAL iMtitiiic8M lhes fiscalísarem a execnfão das disposições testamentá- rias relativas a legados pios e á gerência dos bens dos orphãos e ausentes, assim como á das capellas, hospi- taes, albergarias e confrarias. Tinham^ alem doestas attri- buições também de visitar todos os amios a circumscrí- pçâo da provedoria para verificarem o pagamento pontual das terras dos concelhos, a de examinarem as suas contas e a conformidade d'ellas com os documentos de despeza, a de approvarem as posturas, e a de repartirem as fintas pelas freguezías^ Um chanceller e um escrivão serviam com o provedor. Finalmente, no ultimo grau da escala en- conlniv.iui >e os juizes da vintena, nomeados pelos ma- gistrados municipaes nas aldeias para julgarem verbal e summariamente, sem appellação, até á quantia de 400 reaes, o máximo, os pleitos ruraes, as coimas e os dam- nos commettidos pelos moradores*. Nas instituições centraes accenluavam-se caracteres análogos. O mesmo pensamento, que na administração local a pouco e pouco fôra introduzindo e confirmando as conquistas da auctoridade monarcbica, cunhava com mais vi^^or ainda a iuíluencia nas espheras superiores. A c<)mi»ilaçáo aliousina começára no século xv a dese- nhar as tendências da reacção, então iniciada apenas em alguns títulos e regimentos encorporados no livro i, as- sentando como principio fundamental, que todas as ma- gistraturas e oílicios derivavam a sua jurisdicção do rei, e só ú'd\e recebiam a força e o poder. Nas honras e nas terras coutadas os donatários disputavam ainda á corôa a prerogativa da acção absoluta e suprema da justiça em nome de seus privilégios, e a da livre nomeação e demis- 1 Ordenação Affontina, Uv. i, tit. Dcxx. 2 Ibidem, liv. i, tit. lxv, gg 73.» ^74.* Digitized by Google DOS SÉCULOS XTII B XVin . 421 São de todos os funccíonârios como delegados de suacon- insutotcsM fiança. Mas» vencida a nobreza e interpretados esses pri- vilégios pelos jurisconsultos dedicados ao throno» toma- ram-se mais raras as resistências de anno para anno, e os conrelhos, que viam no soberano o protector das li- berdades individuaes e o defensor dos direitos de segu- rança e de propriedade contra a prepotência dos grandes vassallos, menos zelosos das antigas immunidades cone- ctivas, deixaram-as coarctar, diminuir ou sophismar, es- quecidos du preço por que as iiaviam alranrado. Os tribunaes, que representavam na corte a orgauisa- ção superior, exerdam promiscnamente funcções politi» cas, àdministrativas e judiciaes, em virtude da máxima ' acceita geralmente, de que todos os magistrados, embora não fossem juizes, eram competentes para tomarem co- nhecimento do contencioso das matérias da sua reparti- ção. O mais qualificado de todos esses tribunaes era a Mesa do Desembargo do Paço, presidida por um fidalgo principal. No século xv ainda ella funccionava, como prova o titulo iv do livro i da Ordenação Affonsinay ea- corporada com a Casa da Supplicação, e ídrmava (|uasi o que diríamos hoje uma secção d'ella. D. João II, ou D. Manuel separaram-a e definiram em um regimento es- pecial suas elevadas attribuições ^ Competiam-lhe entre outras a de rever em ultimo recurso as sentenças da Gasa da Supplicação, a de consultar sobre o provimento dos logares de corregedores, provedores e juizes de fóra, e 1 Coelho da Rocha, Ensaio sehn a Hulom do Governo êdaLe» giáação dê Portugal, epoch. vi, art. 5.* e 6.*— José Anastácio de Figueiredo, SynopsU Chronoloffiea, tom. n, regimento novo dos des* emhaifadores do paço de t! de jullio de 1581 --Fr. Nicolau de Oliveira» Orandesoã de Luhoa, trat vt, cap. v. — Ordenação Ha- iiii«Imm»j liv. I, tiL III, «Dos deaembargadorea do paçç». Digitized by Google tímORlk DE POBTUGAL iQiúiuifôes julgar os processos de residência, a de despachar os ne- gócios de justiça, nssim como tudo o que dizia respeito a privilégios» perdões» cartas de legitimação e de perfilha- mento, cartas^tuítivas e de restituiçlio de fama, e insi- nuações de doações. Pertencia-líie o conhecimento e de- cisão das duvidas e conflictos suscitados entre os juizes da Casa da Supplicaçâo e os da Relação do Porto» e por ultimo campria-lbe emíttir voto» ou conselho sobre todos os assumptos relativos á administração judicial e ásju- risdicções sobre que el-rei mandasse ouvi-lo. O l)i st^nibargo do Paço, como supremo tril)unal, era o depositário das tradições juridicas mais auctorisadas» e o encarregado de velar pela conformidade dos julgamen- tos com os princípios de direito. Era o conselheiro nato do rei no exerci cio da mais beila prerogativa, a commu- tação e o perdão das penas, despachando com elle, ou em nome d'elle as petições. Assistindo ás provas» cha- madas leituras» dos bacharéis que se propunham para os logares de letras, e inculcando os mais dignos, seguia-os desde os primeiros passos, e pelos resultados das residên- cias, que subiam ao seu conhecimento, habiliiava-se para avaliar a capacidade e as prendas moraes de cada um» abrindo-lhe, ou cerrando-lhe a carreira, porque as nomea- ções judíciaes dependiam de consulta e proposta sua em lista tríplice. De entre os juizes de ])rimeira instam la, que serviam com distincçâo, eram escolhidos os mais aptos . e bem reputados para os cargos de provedores e de cor- regedores, attendida a antiguidade em iguaes circum* stancias, mas preferindo o mento, quando se tomára re- Itivante. Da classe dos corregedores e provedores saíam de ordinário os juizes para os conselhos e tribunaes, e as informações do desembargo do paço não iníluiam menos para estes despadios» do que para os primeiros. Pôde af- Digitized by DOS SÉCULOS XVU £ XVUI 423 firmar-s6, por isso, sem receio de exagerado» qae Unha hmiíhíiíií eiri suas inàos a lioiira, a illustração, o prestigio e emíim a sorlo (la magistratura i)()rtugueza A Relação ou Casa da Supplicação, também presidida por um âdalgo illustre» denominado regedor da justiça» oompmiha-se de vinte e cinco desembargadores, dez dos aggravos e (juinze extravagantes, dos dois corregedores do crime e dos dois do cível da côrte, dos quatro ouvi- dores das appellações crimínaes, do procurador dos fei* ^ tos da justiça» do juiz da cbanceliaria» do promotor da justiça e de oito escrivães dos aggravos, sem contar o distribuidor, o contador, o Ibesoureiro dos depusiLos, u e-scrivào das íiancas e os empregados menores. Tinbam assento e voz no tribunal o procurador da coròa e o da fazenda, e serviam junto d'eUe na (pialidade de procara- dores letrados quarenta e ás vezes mais agentes encarta* dos, conforme o beneplácito do rei, do qual dependiam as aomeagôes. A Relação coiibecia por appellaçio desfei- tos, recorridos por aggravo da casa do Porto nas causas eiveis com alçada atè á quantia de iOOfjíOOO réis em bens moveis e de 80($000 réis em bens de raiz. Gonbecia igual- mente das appellações eiveis, inleipustas das sentenças dos juizes do eive! e dos orpbâos de Lisboa, assim como das de ouli os magistrados. Julgava, por íim, em ultima instancia todos os processos eiveis da capital e do reino, não comprehendidos na jurisdicção da relato do Porto. Esta iiliiiiia iMbd existira em Lisboa, dispensada da obrigaçàu de seguir a corte em suas viagens, como a Sup- plicação, até ao governo de Filippe II, apesar das repeti- das representações dos povos no tempo de AffonsoY, 1 Ordenofõú ManueUm, liv. i, tiU m, «Dos desembaigadores do paço». Digiíized by Google HISTORIA D£ PORTUGAL insutuições D. João II e D. João III, fundadas nas despezas e violên- cias, que padeciam os habitantes da Beira, de Entre Douro e Minho e de Traz os Montes, coagidos a snsteotarem na capital todos os pleitos e aggravos. As côrtes de Tbomar renovaram a petição, e o rei catbolico accedeu, transfe- rindo em 1582 pela lei de 27 de julho a Casa do Cível para o Porto com a sua chancellaria, e organisando-a com quatorze desembargadores, oito dos aggravos e seis extravagantes, com os corregedores do críme e do eivei da cidade, com os dois ouvidores do crime e com doze escrivães, dois meirinhos e um contador. Esta Relação foi estal)elecida para conhecer em segunda instancia das cau- sas das tres provindas do norte com alçada no crime e ' no eivei até iOOiSOOO réis nos bens moveis e 80^9(000 réis nos de raiz. Nas causas eiveis de maior valia aggravava- se d'ella para a Siipplicação. O seu presidente tinha o ti- tuio de governador, e como os do Desembargo do Paço e da Relação de Lisboa era nomeado sem limitação de tempo Para o cargo de chancetter mòr escolhia o soberano de ordinário um dos magistrados mais antigos e conspícuos. Decaído em parte das grandes pieemmencias, que na 1 Fr. Nicolau de Oliveira, Grandezas de Lisboa^ trat vi, cap. ui. — Coelho da Rocha, Ensaio iobre a Historia do Governo e da Legisla- ção de Portiifjal, epoch. vi, art 6.*, e epoch. vii, art. 5.*» — Figuei- redo, Synopsis Chronologica, tom. ir, pag. 198 e 207. Antes de 1551 ' no reinado de D. João III a Casa da Siipplicacão era composta do regedor, do ehanceller mór, de cincoenta e dois desembargadores, trinta e quatro escrivães, dois distribuidores, dois contadores» um recebedor, seis inquiridores e serviam junto d'ella trinta procura- dores letrados, e outras vezes mais» porque não tinham numero certo. Vidè Stimmario de algumas cousas ecclesiasticas e seculares da cidade de lÀAoa por Gbristovfio Bodrigues de Oliveira, Casa da SupplicaçAo. Oigitized by DOS SÉCULOS XVn E XVUI 4S8 meia idade tomavam este logar talvez o mais importante iiwiitiiifO« do conselho dos soberanos, ainda conservava, comtudo, multa preponderância, senão na direc^So política dos ne- gócios, pelo menos na esphera judicial, porque, alem do séllo de todas as sentenças proferidas nos tribunaes da còrte» e de todos os privilégios, mercês, alvarás e cartas, tinha, como orgSo vivo da lei, o direito de suspender com o seu veto, ou glosa, a execução dos actos, que jul- gasse contrários á legislação, estylos e costumes do reino. A influencia dos chancelleres móres começára a diminuir no reinado de D. Pedro I, em que a dos escrivães da pu- ridade principiou a crescer e a arraigar-se. No governo do mestre de km as circumstancias e as qualidades pes- soaes do doutor João das Regras e do bispo do Porto, D. Fernando da Guerra, elevaram-a de certo ao maior auge, mas depois sómente o conservaram na ordem ju- diciaria, deixando o chanceller de assistir mesmo, como ministro do despacho, ao expediente da assignatura real. Em todo o caso D. João III, repartindo ^ande parte da jurisdicção antiga da chancellaria mór pelo Desembargo do Paço e pelo chanceller e juiz da chancellaria da Sup- plica(3o, creados de novo, ainda attenuou bastante as re- galias d'esta dignidade. O officio do regedor da casa da supplicação desde a Ordenação Manuelina considerou-se como o pnmea o e principal oflicio de justiça da monar- chia^. Em dezembro de 1532 instituiu D. João III o tribunal, que intitulou da iMesa da Consciência e Ordensi . Foram 1 Trigoao, Mêmoria tobre m GumetUeres M6re$ Ío» Rm de Por- tugal, no tom. xif, part. ii, das Memorkê da Aeadmia Real das Seieneiat dê Luboa, pag. 91 ft 107. — Ordemição Affonsina, 11 v. i, tit n. — Ordenação ManuàUm, liy. i, tit. i e il — Ordenação Ftbji- pina, liv. I, tit I e u. Digitized by Google 4S6 mSTOBU UB PORTUGAL imtittticOiM seus primeiros vogaes o bispo de Lamego, mestre Affonâo do Prado, lente de theoiogia da umv^sidade, Joio Mon* teiro, desembargador do paço, Rodrigo Gomes Pinheiro» o bispo de Angra, e Antonio Rodrigues, prior de Mon* santo, e sen primeiro presidente o bispo do Funchal, Gaspar do Casal. Serviu o legar de secretario Manuel Coelho Yelloso*. Em 1582 Filippe II concedeu ao presi* dente os privilégios de desembargador já conferidos aos deputados ^ Filippe III, mandando rever em 1607 os an- tigos regimentos, dictou outro mais accummuiiado au tempo e ás circumstancias peio alvará de 23 de agosto. O tribunal da Consciência eín muitas das suas attribui- çQes exercia jurísdicçlo, e tinha prerogatívas iguaes ás do Desembargo do Paço. Consultava sobre o provimento de ofiicios e de varias liitu ces, exercitava o mais amplo po- der sobre a universidade de Coimbra, hospitaes, alber- garias, mercearias, administração das capeUas reaes, bens de ausentes e defuntos e redemp^ão de captivos e pro- punha as nomeações para todos os empregos que lhes diziam respeito. Creado para examinar os actos dos iri- bunaes, que julgasse oíTensivos da justiça, ou de encargo para a consciência do soberano, devia eipor-lhe suas ad- vertências sobre este ponto melindroso, como recom- mendava expressamente um dos artigos do regulamento. A Mesa, no desempenho das funcções que constituíam a segunda parte da sua instituição, representava o rei em tudo o que se referia ao governo das ordens militares com auctorisaçlo apostólica, usando das largas faculda- des em que a Santa Sé e os monarchas a investiram, ^ Hú lona õenêahsiM da Com Real, tom. m, pag. 48i e 485. ' Alvant de 2S de novembro de 1081.-^LiTro vi da cm da supplicaçâo, fl. 206 T. Digitízed by tanto na designarão das pessoas mais idóneas para os imuimm offidos e os beneficies, como na jurisdição sobre as cau* sas e os crimes dos cavalleiros, competindo-lhe o julga- mento em segunda instancia dos dii(]nes, marquezes, condes, o de todos os fidalgos, desembargadores do paço e da supplicação^ que fossem cavalieiros das or** dens e o de todos os indivíduos professos em alguma d'ellas. Cumpria-lhe igualmente apreciar as provas da pureza de saogae e de qualidade dos que requeressem mercês de babitos, excluindo os cbristSos novos e os que tíão justificassem os requisitos exigidos para recaírem n^elles as graças. A Mesa tinha aiictoridade para passar cartas de fiauça e de perdão, e na superintendência dos bens dos mestrados podia tomar contas aos tbesoureiros ge- raes e particulares do continente e do ultramar ^ Era fonnada de cinco deputados, dois clérigos {mu canonista e liH) tlitMiiogo) e de tres deseiiibargadores cavalleiros das tres ordens de Ghristo, S. Thiago e Aviz. O seu pre- sidente sempre havia de sér um fidalgo principal, eccle- slastico, de grandes letras e prudência. O secretario ge- ral com tres secretários especiaes dirigia o expediente, o primeiro na qualidade de escrivão do despacho, o se- gundo na de escrivão da camará da ordem de Ghristo, e o terceiro como escrivio das de Áviz e S. Thiago. Os em- pregados menores eram o contador, o thesoureiro, o porteiro e o cursor, ou correio. A Mesa celebrava tres 1 Alvará de 23 de agosto de 1607, incluindo o novo regimento da mesa da conaciencta.— Carta regia de 23 de deiembro de 1623 iòtn atírihnicõos da iriosa. — Trigoso, Colecção de Legislação^ tom. V, doe. IS. — Fr. NiooUu dc Oliveira, Grandezas de lÀêboa, tnl VI, cap. iT. --Borges Gameiro, Besum Chnmologieo, tom. iii, pag. 31ff. Digitized by Gov.*v.i^ 4S8 HBTOHU DB PORTUGAL iHititai(8M sessões por semana ás segundas e quartas feiras e aos sabbados K Estes eram os tribunaes de maior categoria por onde corriam os iiogocios jiidiriaes, ecclesiasticos e admini:^- trativos, e todo o seu contencioso. Outros existiam amda, postoque de menor vulto, assás importantes como au- litiares indispensáveis do complicado e conftiso systema das instituições da epocha. Citaremos entre elles o Juizo da Alfandega, aonde se processávamos delictos íisi aes perante um ouvidor, cuja alçada não excedia 10(9^000 réis, subindo as causas por aggravo á Relato, e o Juízo da índia, Mina e Guiné com tres escrivães, um distribui- dor, dois meirinhos e iim escrivão das justificações com a mesma alçada, aonde eram sentenciados com dois des- embargadores da supplica(3o os pleitos comprebendidos na sua jurísdicçlo'. O Juizo do Givel de Lisboa, encarre- gado da ordem e segurança da cidade, tinha dois juizes, nove escrivães, dois distribuidores e oito inquiridores. O Juizo do crime contava quatro magistrados, quatro es- crivães e um contador. Dois corregedores do eivei com seis escrivães e quatro corregedores do crime julgavam as causas da sua competen* ia anu recurso de aggravo para a supplicação. Os dois juizes dos feitos da coroa e fazenda proferiam suas sentenças na relação e no conse- Ibo da fazenda, O juiz dos feitos das ordens militares tam- bém despachava em relação. Havia mais o provedor dos residuos e captivos com quatro escrivães, o dos orphãos, capellas e albergarias, o juiz do Asco, o juizo da casa da 1 Trigoso, Collecção de Legislação, tom. v, doe. 18. — Fr. Nicolau de Oliveira, Grandezas de Lisboa, trat. vi, cap. iv. — Borges Car* neiro, Resumo Chronohgico, tom. iii, pag. 315. 2 No juízo da alfandega serviam oito escrivães e um distribuidor. Fr. Nicolau de Oliveira, Grandezas de làsboa, trat vi, cap. ii. Digiíized by Cov.^v.!^ DOS sficuLOs xvn £ xvm 429 moeda e os dois juizes denominados das propriedades, insuiuivões que tiubam a seu cargo os pleitos suscitados ácerca das obras da capital» demolições, coDStruccões e reedifica- ções. As varas orphanologicas eram cinco, tres no re- cinto de Lisboa, e duas no termo com seis escrivães, doze empregados incumbidos dos inventários e partilhas, chamados «partidores», um solicitador e um distribuir dor. Dois corregedores do eivei e outros dois do crime da côrte, com dez escrivães, despachavam os feitos rela- tivos aos processos das pessoas privilegiadas com o fôro da casa de el-rei, e julgavam os delictos commettidos dos logares, aonde residia o soberano e cinco léguas em re^ dor, com poder de passarem cartas de seguro, e de man- darem presos para as cadeias publicas todos os querela- dos compreheiidiíios na sua jurisdicção, pronunciando as sentenças em Relação com todos os juizes, ou com parte d'e)les, e mu voto do regedor da justiça sem appellação nem aggravo *. Esta subdivisão quasi infinita de attribuições por tan- tos juizos e pequenos tribunaes, este immenso pessoal de empregados judiciaes, esta variedade confusa de juris- dicções distinctas, cada uma com seu fôro próprio, longe de tornarem a acção da justiça fácil e prompla, serviam unicamente de oppressão ás partes, as mais das vezes veiadas e espoliadas. Não admira, portanto, que as cor- tes se queixassem do excessivo numero de magistrados e escrivães, e da pouca auctoridade com que applicavam o direito. Nas de Tliomar o braço do povo em tres capi- tulos difíerentes representou a urgência da reducção dos quadros da magistratura, a conveuienoia de serem esco- lhidas para os cargos de corregedores pessoas qualificadas ^ Fr. Nicolau de Oliveira, Grandezas de Lisboa, trai. vi, cap. ii. Digitized by Google 490 HUTOAIA OK PORTUGAL in>utiti(«ês e dignas da confiança, e os mans resultados dos jiilpradores nomeados para as devassas serem depois os juizes d elias. Filippo II annuiu a todas estas supplicas^ e prometteu attende4as^ Nas côrtes de 1641 os procuradores do ter- ceiro estado ainda foram mais expiicitos, e os ftmdamen* tos fie suas líetirões revelam o desconceíto e decadência a que a ordem judicial baixára n'aquelle tempo. Os povos lembraram a visita trienoal dos tríbunaes para premio dos bons e castigo dos maus }mm, a dindnoicao das con- servatórias dos contratos que etemisavam as causas, a suppressão das commissões extraordinárias, ou alçadas, como instrumentos de ódios e de vinganças, as residências obrigatórias tiradas de tres em três annos dos escrivães, offlcíaes de justiça e empregados dos juízos ecciesíastieos da legacia, do ordinário e das ordens militares, e por ul- timo a necessidade dos opnetarios dos ollicios os ser- virem pessoalmente; salvo nos casos de legitimo impedi- mento*. De feitoi um dos resultados da multiplicidade dos tri- bonaes, dos juizes e dos officiaes de justiça eram a ve- nalidade e a corrupção, ciue, desculpando-se com a in- sufficiencia das retribuições, nem quasi disfarçavam a oomípcSo. O braço popular» nas côrtes de Thomar, alle- gamdo o grande augmento nos preços das subsistências, pediu ao rei que acrescentasse os ordenados dos desm- bargadores e dos magistradDS, que não podiam susten- tar-se com os que recebiam, sendo esta uma das causas salHdas de muitos inconvenientes, e da administração da 1 Céiu de Tkmar, cap. %yi, XVu e tvin, «Í>o estado do povo». ^ Pàiente emqUeiMo encorpcràdtn òt Capiiuhs Geraei áos Tm Estados e Respoúa» a elUs dadas em eáiiet de tâtboa emifdete^ ttfmòro cfo iaH> cap. six a ixui. * Digilized by Google BOS 8ICUL0S xvn I vm 431 justiça nâo correr com inteireza. O estado ecclesiastico imtituirfte* insistiu nas mesmas idéas. D. Filippe respondeu que pro» veria com brevidade, e cumpriu a promessa, dobrando 08 vencimentos dos juizes, e em 1983 acrescentando os salários dos empreírados e olliciaes de justiça, com exce- pção sómente dos escrivães do desembargo do paço, e dos escrivães da matricula das moradias e dos âlhamen- tos, do da cbanceliaria e do thesoureiro mór^ 0 remédio n9o foi comtudo efficaz. ^te annos depois, em 1012, attesta um documento insuspeito, que o mal não só linha progredido e ramificado, como invadira as mais elevadas regi5es da magistratura. Este documento é a con- solta do conselho de Portugal de 12 de julho» relativa ao modo de restaurar a recta administrai ãD da justiça. As accusações, que refere, emanavam do vice-rei, do chan- celler mór, do regedor da casa da supplicaçSo, do mar- quez de Castello Rodrigo, do conde de Sabugal, e de D. Luiz de Lencastre, conselheiro de estado mais antigo, e comprehendiam os tribunaes de justiça, cuja séde era Lisboa. Os magistrados, na sua maioria, nlío ci]m[)riam os deveres do cargo. Ao desembargador Pedro Barbosa notava-se o fausto, em que elle e o filho viviam, tendo co- che e cavallos, servindo<«e as partes de mercadores para o peitarem, e de presentes de colchas ricas» estofos va- liosos e dinheiro. Os desemliar^rad i ts Lançarote Leitão, Antonio de Carvalho e Gonçalo Gil Velho também não pro- cediam com integridade, e ao juiz da Índia e Mina, Fran- cisco Cardoso, a voz publica nlio era favorável igualmente. 1 Cdiiet âe Thomar, cap. xv, «Do estado do poroji e vm, «Do estado ecdeÉiutieo».~^Lei de 7 de julho de 15^ deelintoria dá qae dòbrára os «klmoe aos empregadoe, a i^erímento dos potos em Lisboa nas cArtes em que Ibi jurado o priaeipe D. filippe (30 de jandro de 1683).— ^fnoptií QunmúíogiWi tom n, pag. Digiíized by Google 432 HISTORIA D£ PORTUGAL intítai$6« O corregedor da corte, Luiz da Gama, causava escândalo pelo accordo conliecido, que existia entre elle, o porteiro e o guarda mór da supplicação, infamados como seus cor- retores. Carlos Brandão» juiz da coròa e fazenda, dava tavolagem em casa, e á sua banca apontavam os nego- ciantes que havia de julgar. O desembargo do paço, mal conceituado, dizia-se, que despachava as petições com su- borno sabido, servindo os creados dos magistrados de in- troductores aos requerentes. O mais accusado dos juizes era Fernando de Magalhles, e o mais puro Sebastião Bar- bosa. A fama dos empregados menores ainda padecia mais. Os iiitMos propostos para acudir a tão extensa degenera- ção provam, que as forças d'ella assustavam o governo, o qual nunca se atreveu a combate-la senão com palliati- vos e com providencias indirectas^. ' A verdade era, qué a posição dos magistrados e dos officinos de justiça pouco melhorara com o augmento de vencimentos decretado em 1582 e 1583. Na Mesa da Con- sciência só em 1603 se arbitrou ao presidente o ordenado de kOOSOOO réis por anno, e só em 1607 foram elevados os salários dos deputados até perfazerem 300^000 réis annuaes*. Os desembargadores da Supplicação no mesmo anno requereram augmento de retribuição, mas o rei adiou o despacho para quando viesse á capital, o que equivalia a escusar a petição. Alem dos ordenados os juízes estavam no uso legal de receberem propinas e espórtulas, que de alguma fórma compensavam a escassez dos honorários, e á proporção, que diminuiam e se atrazavam os pagameu- 1 Consulta do conselho de Portugal em Madrid sobre o procedi- menlo de alguns ministros do dito reino. Manuscripto moii. ' Cartas regias de dO de seteud>ro de i603 e de 24 julho de 1607.— Lítio de registo da mesa da conscieiícia, 11. 32 e li8 v. Digitized by Google w» SBCULOS XVII B xvm 433 tos do erário, cresciam e alargavam as propinas. £m i609 insutatcoei foi augmeDtada a que denominavam da f consoadai pelo assento da Gasa da SuppHcação de 22 de setembro. Por outro assento, datado de 28 de maio d'aqQelle anno, ar- bitraram-se 3dOOO réis a cada juiz par'a a compra de sa- cos, em que trouxessem os autos para a Relação. A pro- pina, chamada «dos óculos», subiu em 1604 de 200 a 500 réis, «por causa da alteração e maior valia d^aquelle ar* tigo». Finalmente, ciii 1607, um assento da Casa da Sup- plicação de 11 de dezembro, invocando a íaita de paga- mentos e as necessidades e apuros dos magistrados, or- denou, que a Rela(ão désse dez cruzados a cada juiz por anuo para botica, alem das propinas. O costume era sub- sidiar o tribunal dois médicos para visitarem os magis- trados enfermos*. JNa maneira de contar e de extorquir as «espórtulas» commettiam-se grandes abusos e até ini- quidades. O alvará de 26 de setembro de 1606 poz-lhes termo, decretando a tabeliã em virtude da qual deviam ser cobradas de futuro*. A reforma das aOrdenações», determinada por Fiiip- pe 11, logo no principio do seu governo, concluída e pro- mulgada pelo seu successor em 1603, nUo cortára pela raiz os defeitos do Codino Manuelino, seguiiido-o quasi litteral- mente na distribuição das matérias e na sua classilicação e redacção. Adoptou, á similbança d'eile, como subsidia- 1 Assentos da Casa da Supplicaç3o de 22 de selpinhro de 1609, de 28 de maio de 16il, de 30 de janeiro de iti04 e de íl de de- zembro de 1007. 2 Alvará de 26 de setembro de IGOti subn- :\s espórtulas dos jui- zes. Manda, que dos feitos de 201000 nté 60i(KX) i lií cada lun d os julgadores possa levnr .'iOO j uis, de bO^OOO atr» lOOáíXiO. 1 òÕOO réis, e dos feitos de 100^000 réis para cima, S0:6U0() n is > juiz da causa e 30^000 réis cada um dos coUegas. Liv. vu da supplicação, tl 58 v. TOMO Y ' m Digitized by Google . UlfiTOBlA DE PORTUGAL Itiiiiuiyu0ã l i os O direito romano e o dii eito canónico, e aonde fossem omissos as glossas de Accurcio e Bartholo, quando o voto commom do8 doutores se não oppozesse, conferindo já no século xvn auctoridade eitrínseca ás opiniões con- demnadas desde o secolo xvi pelos jurisconsultos da es- cola de Cujacio. Estes queriam com todo o íuík lamento, qae as decisões nascessem do espirito e da rasão das leis, e não do arbitrio dos commentadores. Similhante atrazo nos princípios da interpretação jurídica nSo procedia só- mente da incúria dos compiladores, mas das doutrinas ensinadas na universidade, cuja decadência apontámos. As consequências d'esta disposição na pratica forense» tor- nando-se desastrosas, fiiToredanoi de certo modo a má dos juizes ponco Íntegros. Defendendo-se com o texto do código, e não consultando nas espécies duvidosas a rasão e a equidade, desattendiam o sentido e a analo- gia das leis» embrenhavam-se em labyríntos de dtagões e referendas, Aiglam da clareza para as trevas, e prece- diam as sentenças de longas enumerações de auctores, chamando não só â collação os jurisconsultos, mas até os moralistas e os casuistas, o que na linguagem da epo- eha se dizia consultar a opinião commmn. As dlegações dos advogados, trilhando os mesmos ca- minhos, ílrmavam-se na máxima parte na accurnulação extensa e fastidiosa de remissões intermináveis, quasi sempre copiadas e moitas vezes impertinentes. A este vi- do, já de si fão fonesto, jmitou-se outro não menos per- nicioso, o de decidir pelos casos julgados sem exame prévio e escrupuloso da identidade da espécie, ru rii dos motivos iegaes da sentença invocada como exemplo. As remoras, as cilladas e os subterfúgios forenses forjados pelos advogados e procuradores mais peritos na táctica fabiana dos auditórios, eteruisavam os pleitos, e arruina- rei by Google DOS SECCLOS XVii £ XVilI vam qaasi sempre os contendores. À folha da justiça, in- initíioiíMi cluiíido os juizes de fura, os provedores, os corregedores e os juizes dos diversos tribunaes, sommava \n)v anno 14:400^1000 réis. Esta diminuta somma explica» sem a justificar, tanta venalidade e corrupção. O systema de administração da fazenda também accu- sava a variedade de princípios, que tinha concorrido para a sua formação. O que sobrevivia dos elementos da meia idade quasi sempre lutava com as innovações successi- yamente introduzidas em harmonia com o pensamento centralisador, especialmentè desde o ultimo quartel do XV século. A revolução, Iraballio lento, e bastantes vezes imperceptível, mas nunca interrompido, operada era todas as relações politicas, sociaes e económicas, alcançara na segunda metade do século xvi uma Victoria completa, como notámos, e desde «sse período vão cessára de cu- nhar com mais força as suas idéas na forma da distribuição e cobrança das contribuições, procnr;mdo substiluii' á con- fusão a unilbrnúdade K ImpeUiam-a para esta direcção as * Na conta de receita e despeza do anno de 1557 appareceni m seguintes verbas assris curiosas : Para o n u i dor da justiça 3: 7773^800 reaes, e para 45 desembargadores, com os do paço e da fazenda; para o governador da casa do cível e 24 desembargadores e 6 al- caides, e 100 homens e outros offiriacs de justiça 1:664;;5200 reaes. Estcf? alsrarisnios provam quão insulliciente era também no século xvi a retribuição dn^ jnizfs p dos empregados judiciaes. Archivo Nacio- nal, gâv. 2.% maç. ix, n." 'òt. — O quadro dos desembargadores da Casa da Supplicação naquella epocha era já mui crescido, como vi- mos^ e existiam também já, alem da Casa do Civel em Lisboa, os Juí- zos da alfandega, da índia e Mina, da moeda e dos resíduos, e os do civel e do crime, dos orphãos e das propriedades. Havia ern ioda n ci- dade 46 tabelliiíes de notas^ numero a que só acrpsrrrrmi nuiis 2 (18) no século xvii. Todo este pessoal mal pago e quasi íámiiito coibia de meios iUicitoâ uma subaistencÍA parca e precária. 18. Digiíized by Google 436 ai:áTORIA DE PORTUGAL httitaíssw theorias na essência líveladoras do poder absoluto, e as necessidades cada dia iiiais apertadas da fazenda, mas, coarctavam-lhe ainda bastante os vôos as resistências da nobreza e do clero, ímmunespor seus privilégios de todos os sacriMos tribalarios» e o respeito das tradições e cos- tumes do povo, que seria arriscado contrariar abertamente em tão melindroso assumpto. Não ;i<iinii a, portanto, que as inslituiçncs íinanceiras revelassem nas base» e sua ap- piicação as duas tendências oppostas» e que na existência e attribuíções dos tribunaes, nos regimentos díctados por consulta d'elles, e nos meios de os executar se denuncias* sem grandes compiicaçues e uma espécie de anarchia, fdha até em vários casos da contradicção flagrante das Íeis com os factos, e em outras circumstancias das repugnancias, que ainda separavam o estado social da situação artifi- ciosa, que tentava impor-se-lhe.' A união a Castellafoi unia das epoclias, em que as trans- formações iniciadas por D. João li e D. Manuel adianta- ram os maiores passos. Fiiippe n, talvez o representante mais activo e inflexivel dos princípios da auctoridadé real e da obediência passiva na Europa cuidou sempre desde o começo do seu governo em Portugal, em o aflirmar em to- das as manifestações da vida politica e da administração. Nas suas formas e em todos os seus actos encontrámos caracterisadas n'este sentido as máximas inculcadas por Carlos Y, máximas, que não só reconheceram, mas exage* rai am os reis seus successores, a ponto de as tornarem absurdas, ou odiosas. Se os duques de Lernia e de Uzeda ainda^uberam disfarça-las, o conde de Olivares profes- sou-as::eom a violência própria da sua índole, e acabou por insurgir em nome d*ellas e contra ellas o principado da Ga- talunha e os reinos de Portugal e de Nápoles. Fiiippe II na reforma das Ordenações de D. Manuel, na revisão dos Digitized by Google DOS SÉCULOS XVU E XVIQ 437 antigos regulamentos fiscai.^s, e na reconstrucção de al- inuituiçftos guDS dos serviços públicos, nunca hesitou em assignalar a influencia doestas idéas e a submissão dos súbditos anxi- liou*o. £ verdade que os reinados de D. Jo9o III e de D. Sebastião tinham concluído metade da empreza, e que a nação, vencida, e sem iniciativa, se entregara nas mãos do governo pessoal, que a perdêra em i 578, e que a oppri- miu nos sessenta annos de dominação da casa de Áustria. O rei eatholico, no grau mais elevado da administra$ão de fazenda collocou um tribunal com jurisdicçãd privativa e independente, investido nas funcções de prover e con- sultar sobre os negócios relativos à gerência dos bens da corda, e á inspecção e melhoramento das rendas do tbe- souro, conferíndo-lhe poderes amplos, ecommettendo4be todo o contencioso de tão vasto e laborioso encargo. Foi o conselho da fazenda creado em 159i para substituir as vedorias, extinctas n'aquella data, pelas quaes corria em separado o expediente das questões do continente e do ultramar. Gentralisando em uma só junta as attribuicSes repartidas antes por ministros e repartições distinctas, D. Filippe, ao passo que suppunha facilitar a resolução de matérias tão importantes, confiava que um corpo as- sim formado prestaria cooperação mais prompta e eiiicaz aos desígnios do monarcha, fazendo chegar mais vigo- rosamente a toda a parte a sua vontade K Gomptinha-se o tribunal de conselheiros sem numero determinado, alguns d'elles desembargadores e letrados, chamados de «capa * Fr. Nicolau de Oliveira, Grandesasde Lisboa^ trat. vri, cap.Yi. — Sousa de Macedo, Flores de Etpana, ExceUencia$ de FÕrtvgal, cap. X.— Alvará de 20 de novembro de 1591, incluído no decreto de 7 de janeiro de 1641, pelo qual Filippe II creou o conselho da iazenda. — José Justino, Coller rã o Chronoiíogiea da Legislação Por- tii^uexa, anno de 1641, pag. 13. Diyiíized by Google 438 HISTORU DB PORTUGAL iMUtuijõcs e espada», do procuiador da fazenda com voto e assento, de escrivães, ou amanuenses ordinários, de alguns supra- numerários para servirem no Impedimento d'estes, e de vários empregados subalternos. Em 4 631 nomeou o conde duque outra jnnta donominada (uln íazt iiilaw, e formada do conde de Ci.síello Novo, conselheiro de estado e presi- dente do senado de Usboa, de Thomas de Hibio Calderon, e dos desembargadores Cid de Almeida e João Pinheiro da Gasa da Supplicação. Devia fnnccionar em uma das sa- las do Paço da Ribeira, observando nas conferencias e pre- cedências os lurmularios do conselho da fazenda, e cele- brando tres sessões por semana, mas só de tarde K Suas attribuicões, separadas das que pertenciam ao conse- lho, eram apurar as receitas livres de consignações, e propor os meios opportimos de melhorar e aii^inenlar os rendimentos públicos, applicando-os ás despezas das ar- madas contra os boilandezes, e mais em particular ao soccorro de Pernambuco. Tocavam ao seu expediente o emprego das sommas livres do imposto do consulado, o das terças dos concelhos, o dos direitos do assucar nos Açores e Madeira, e os sobejos das sizas do Porto, Aveiro e Yianna, e foi auctorísada, igualmente, a junta, a ap- provar os contratos de composição com os arrematantes alcançados das rendas reaes, e a proceder á compra dos galeões, e do material de marinha e de guerra necessários para as expedições^. Em 13 de abril de 1633 todas as il- » 1 F^. Nicolau de Oliyeira, Grandezas de Làhoa, trat. vir, cap. vl — Sousa de Macedo, Floret de EspaSía, Excdlendae de Poriugtd, cap. X.— -Alvará de 26 de juibo de 1631, instituindo uma junta de fiuenda. — CoBeefào Chronologiea de lêgiàafio Pofiusueza, anno de 1631, pag. 206 a 207, liv. cc da casa da suppllcaçAo, il. 196 2 Alvará de 22 de junho de 1631. — Pegas á ordenação, tom. m, pag. 476. Digitized by DOS SÉCULOS XVII E XVHI 439 lusões estavam desfeitas, e uma carta regia declarava ex*- Uimaím tinctas a junta da fazenda e a coiiipanhia do commercio, outro sonho de Olivares, e incorporava suas funcções no Gonseibo da fazenda, já presidido em 1637» não por um vedor, como até abi, mas por um fidalgo principal, a conde de Miranda, aposentado da intendência das naus 6 da fabrica das armadas para se occupar exclusivamente doeste serviço *. Seguia-se a Gasa ou tribunal dos Ciontos, especialmente incumbido de processar e liquidar as contas dos adminis- tradores de rendas reaes, tanto no reino, como na índia e nns conquistas. O quadro do pessoal correspondia á im- portância do encargo. Era composto de um contador mór, doze contadores, dezeseis escrivães, cinco provedores, quatro procuradores, ou requerentes, um juiz descontos, sempre desembargador, e outros oíTiciaes, superintendi- dos pelo contador mór, ao qual competia o exame e ap- provação das contas feitas e apuradas pelos contadores e o julgamento das differenças. N'este tribunal estava, pois, centralisada toda a contabilidade da fazenda publica, tanto do continente, como do ultramar. Parece quasi indubitá- vel, que a Casa dos Contos fosse instituída na epocba de D. João I. Nos antigos documentos não se encontram an- teriormente vestígios d'6lla, e o primeiro regimento, que se Ibe passou, e de que ba memoria, è datado de 22 de março de 1434 no reinado de D. Duarte. Outros diplomas de 1420 mostram, que já existia e funccionava a esse tem- po, e mesmo trinta e um annos antes, porque em i389 * Carta regia de 13 de abril de 1633. — Alvará de 7 de outubro de i637. Do conselho assim organisado dependiam os tiibuiiaes dos contos, da alfandega, da índia e Mina, doaalmazens, sete caflas, paço da raadeiía, tenencia, casa da moeda, casa dos cídoo e portos seccoe. Digitized by Google 440 HISTORU DB PORTUGAL iMtitoiçsei nma carta datada do 1.^ de julho dirigida a EstevSo Ao- nes Lobato, entSo almoxarifé das avenças da cidade de Lisboa, estabelece o que haviam de vencer os empregados dos coutos Os logares de vedores da fazenda, extinctos no goverio dosFilippes, e restaurados logo depois 4a acclama^o de D. JoSo IV, representavam em parte as attribuições re- partidas entre os antigos ovençaes do rei e os thesourei- ros mores, e começam a iigurar distinctamente no reinado de D. Fernando. Os vedores despachavam com o sobe- rano, e na qualidade de ofiiciaes superiores da fazenda tratavam de todos os negócios relativos á gerência finan- ceira (lo Ucino e da Africa, dos contos e das terças, e da índia, arsenaes, e armadas. Nas ordenações fiscaes de D. Manuel datadas de 17 de outubro de 1516 vem in- cluído o regimento doestes funccionaríos, cujas attribui- ções os equiparavam aos ministros do thesouro e fazenda modoinos, salvas as variedades próprias da epoclia. Ser- viam sujeitos á sua inspecção o contador mór de Lisboa, o vedor da fazenda do Porto e Algarve, e os provedores, contadores, thesoureiros, almoxarifes, recebedores, ren- deiros, escrivães e mais oíficiaes do fisco, podendo no- mear pai a todos os cargos de sua dependência, menos para os de contadores, almoxarifes, recebedores, escri- * Fr. Nicolau de Oliveira, trat. vii, cap. i. — Sousa de Macedo, Excellencias de Portugal, chancellaria dc D. João I, liv. v, fl. 113 v., nomeaçíío de thesoureiro ni(')r a Vasco ^íai Uns, em que alliide aos contos. — Regifiieiilo d.i mesma daki (14iO) ao thesoureiro mór, liv.v, íl. (). — Carta a Estevão Annes Lobato do de julho de 1389, manda abonar aos contadores dos conlos 1(X) bbras a cada um, ao juiz 100 libras, aos escriviles 50. e aos mocos 25. Estes diplomas encontram- 86 na integra no relatório publica Ju polo sr. SanfAuna e Vascoacel- los sobre o ImjmtoJ^ consumo, Lã$boa;Ji870. Oigitized by DOS SÉCULOS XTU £ XYIU 44i \ães dos contos e das alfandegas, juizes das sizas de Lis- UMtfim boa e Santarém, e oíTicios da índia, Guiné e Arsenaes, e escrivães dos parinos, das herdades» e da marçaria. In- cumbia-ibes attender ao provímenlo de subsistências» miinIçOes, e obras dos logares de Africa, á fiscalisaçUo e cobrança das rendas e direitos reaes dos Açores e Madeira, ao serviço de todns ns ♦'[iipiegados de fazenda, á execu- ^ ção pontuai dos contratos, ás contas e entradas dos the- soureíros e recebedores, e» finalmente» ao reparo das le- zírias, valias, paúes, paços, armazéns, tercenas, castellos e fortalezas, e ás arrematações das rendas reaes com am- pla jurisdição administrativa e contenciosa*. Os vedores arrecadavam para si avultados emolumentos por direitos de mercê em virtude dos despachos de todos os officios de fazenda. Em 15 de fevereiro de IS03 D. Manuel, al- legando o aumento progressivo dos rendimentos publi- ^ cos, concedeu ainda mais GOíJOOO reaes de ordenado a cada um, assentados no trato de Arguim, nas rendas de Setúbal» Évora e Beja, e oas decimas dos officios*. 0 pessoal empregado na administrarão, flscalisaçlo e cobrança das rendas publicas em todas as localidades do reino era assas numeroso, e suas attribuições variavam segundo a Índole do cargo e a diversa natureza dos im- postos. Os mais importantes doestes funccionarios, os contadores das comarcas, arrematavam no i.^ de janeiro de cada anno os direitos reaes, assentavam as dividas 1 Ordena^ de Fazenda de El'Rei D. Manuel de 17 de oatubro de Í5i6^ cap. vin e ix a xv, xx e xkl Estas ordenações ainda vi- goravam na primeira metade do século xviii em grande parte. 3 Ordenação da Fazenda de 17 de outubro de 1516. No se* cuk) xn, em iãâi, a casa dos contos constava de nove contadores» dei etemSe», um contínuo e um porteiro. Christovâo Rodrigues de Oliveira, Swmario, «Da casa dos contos da cidade». Digitized by Google ut HISTORIA DE PORTUGAL lHiiBi(OM dos contratos anteriores, rlesignavara os recebedores pro- visórios na falta de licitantes, oii quando julgavam os lan- ços lesivos, tomavam contas annuaes aos almoxarifes e recebedores, nomeando pessoas idóneas para substitui- rem os que achavam alcançados, visitavam as comarcas para descobrirem os dolos, usurpações, descaminhos ou , . sonepfaçôes de capellas e padroados, jugadas, fóros, tri- butos, censos e direitos, e coa.Líirein a sua restituição. Deviam ter um registo ou tombo minucioso das terras» doações, e rendas e as darezas necessárias para o bom exercício do loí?ar. Em cada comarca havia uma casa, denominada dos contos, aonde estes empregados despa- chavam tres vezes por semana, ouvindo as partes. Ti- nham todas escrivão e porteiro. Os contadores, por ulti- mo, eram obrigados a prestar contas de dois em dois annos perante os vedores, passando-se-lhes quitação em presença dos livros e documentos. Em iri lô apenas exis- tiam as contadorias de Lisboa, Santarém, Leiria, Alem- quer, Setúbal, Évora, Beja, Coimbra, Vizeu» Guarda, Porto, Guimarães, Moncorvo e Algarve. Desde o tempo de D. João III, subdivididas as antigas correições admi- nistrativas e judiciaes. augmentou provavelmente tam- hmi o numero das comarcas íiscaes Inferiores em jerarcbia, mas ainda munidos de grande acção, os almoxarifes expediam em suas cireumscrípçlHes ordens aos escrivães das sizas e aos recebedores e ar- rematantes das rendas publicas, vcriíicavam as íianças, percorriam o districto para exigirem as contas dos rece- bedores, pagavam aos quartéis as despezas legaes assen- tadas na folha da sua gerência e passavam recibos ás par- 1 Regimento dos contadores das comarcas, dictado por £1'R6Í D. Manuel e indoido nas auaa Ordenações de Fazenda^ * Digitized by Google Dog SÉCULOS xvn E xvm 448 tes. Os almoxarifes não podiam recebe^ os dinheiros das in«tttiii$8« rendas reaes senão na presença dos escrivães. Os escri- vães dos almoxarifados percebiam 649 reaes de ordena- do, alem dos emolumentos do officio, cpie avultavam muito. Os recebedores venciam em ras?ío de uma per- centagem sobre as sommas cobradas, 1:500 reaes o má- ximo. Os escrivães das sizas ganhavam 1:000 reaes por anno, afora os emolumentos. Os escrivães dos almoxari- fados tsci ipUiiavani -iimnalmente toda a receita, e tanto a elles, como aos almoxarifes, recebedores e mais offi- ciaes de fazenda, era rigorosamente probibido acceitarem peitas em dinheiro, ou em valores» ou negociarem sohre mercadorias e rmidas reaes. Eram-Ihes vedadas também, assim como aos thesoureiros, a alienação dos bens, ou quaesquer fianças que obrigassem suas propriedades, emcpianto estivessem no exercício dos cairos. Os contadores e almoxarifes, recebedores e porteiros podiam entrar nas terras coutadas dos fidalgos, prelados e commendadores, para citarem, emprazarem, ou penho- rarem os devedores das sizas, ou de quaesquer direitos. Aos contadores e almoxarifes concedeu el-rei D. Manuel, em 4514, 15|j(000 réis de augmento annual nos ordena- dos, e em especial favoreceu os de Lisboa com maiores vantagens. Afora estes empregados, os mais responsáveis e considerados, engrossavam as fileiras do pessoal da ad- ministração fiscal os recebedores e escrivães dos portos, os escrivães da Ribeira e guardas das caravellas, os por- teiros das lezirias e re^niengos, os pedidores de pão, os homens das terceaas de Lisboa e das dos almoxarifados do reino, os selladores de pannos e vários outros^. 1 Regimfnto para os almoxanfei^ e recebedores, «De como vem servir seus oflicios e de tiidn o rpio hor ditos oflirio^ porteuce isaer*» CoUecção do$ Regimentos Heaesj tom. i, pag. 62 e seguintes. 444 HISTORIA DE PORTUGAL D. Manuel, na sua ori^^aiiisação tinha procurado intro- duzir alguma ordem no cabos, deliíiiiuio as atlrihuições dos diversos agentes íiscaes, e determinando as bases da sua responsabilidade, mas resistíam â letra da lei multas vezes os costumes, e repugnavam meompatibílidades de- rivadas da natureza das cousas e da força das Iradicões. A confusão das funcçoes de exactor com as de adiiiuiis- trador» e a absurda accumulação na pessoa dos mesmos empregados da arrecadação e da guarda e deposito dos rendimentos com a sua applica^ ás despezas, tornava impossível a verdadeira fiscalisação, e illusoria a contabi- lidade, mesmo montada sem tantas omissões graves e com outros elementos de clareza e de exactidão. Para se formar idéa do que siguiOcava na realidade aquelle sys- tema em vigor por mais de duzentos trinta e nove annos bastará sabermos, que os almoxarifados do reino eram trinta e um, e que muitos abrangiam em suas circum- scripçôes cinco, oito e dez vilias, trezentas e mais aldeias, e muitos concelhos e julgados. Ajuntemos depois a va- riedade e a multiplicidade das receitas, que entravam nos cofres da corôa, parte em dinheiro e parte em prestações de géneros, como trigo, cevada, azeite, vinho, legumes, aves, peixe, assucar, queijos, sabão e até escravos. A longa enumeração dos artigos, considerados como direi- tos reaes, comprehendendo desde os pedidos de subsí- dios extraordinários e o lançamento de novas contribui- ções até ás portagens e recova<íens cobradas nas barreiras dos municípios, é mais do que suâicienle para nos dar idéa da rede de tributos locaes e geraes, que oneravam as populações, e da diversidade de encargos e obrigações, que os almoxarifados deviam atlender *. 1 Consuitem-se ácerca da extensão dos direitos reaes e da fórina das liquidações das contas dos exaetores os capítulos das Ordena- Digitized by D(w s£GULOs xm £ xvm 445 Não deve espantar, que us inconvenientes visíveis de instituições simiUiaute organisação se denuaciassem na pratica, e que os abusos» encaneceDdo, se fossem eoraizando. £m 1621 já eram elles visíveis, tanto em referencia á demora e dif- ficaldade das liquidações para o ajuste das contas dos exactores e responsáveis, como em relação á urgência de rever e melhorar os regulamentos. A carta regia de ^0 de maio, nomeando uma junta de reforma composta de Ruy Lourenço de Távora, do doutor Simão Soares de Carvalho, do conselho da fazenda e de Luiz de Figueiredo Falcão, e incumbindo-a de propor com audiência de pes- soas experimentadas e sabedoras o modo opportuno de simplificar e de abreviar os processos e promover a co- brança das dividas ao thesouro, è a prova evidente do mau estado d*este ramo de administração. Em 46^ ín- stitiiiu-se nova jiiiiLa, mas não coi respondeu, segundo se depreiíende dos seus trabalhos, e em i633 o governo resolvia crear quatro commissões na Gasa dos Contos, en* carregadas do apuramento das dividas e alcances contra a fazenda Nasceram logo conflictos entre ellas, e para se remo- ■ verem foram todas encorporadas em uma só junta for- mada de cinco deseoibargadores e dois provedores, e investida nos poderes mais amplos de avocar todos os fa- ctos executivos, autos, denuncias e tomadias no estado em que se achassem perante quaes(juer tribunaes, com alçada absoluta sobre os contadores e recebedores, e au- ctorisações para çoliocar ins{»ectores de sua confiança em çdeÈ da Fazenda , jiuhlicados em 1516, cap. nnxxXTO, e CLXXXVI a CLXXxix, e o Be^inmio dot Vedores da Fazenda, cap. XLm a XLvm * e L a LU. 1 Carta regia de SO de maio de 1621. — índice Chronokigieoj iouL it, pag..307. Digitized by Google 446 HISTORIA DE PORTUGAL intíiiiiftiii todas às comarcas do reino. Continuaram, porém, as queixas mesmo depois crestas providencias, e os do- cumentos são conformes em accusar a repetição de iguaes e peiores defeitos na gerência e fiscalisação das rendas publicas. O alvará de 7 de outubro de 1637 pouco ou nada atalhou estes males K Na administração e na liscalísação dos impostos indire- ctos superintendiam, alem do tribunal da alfandega, as r^artiçdes das sete casas e da casa da índia» com um pes- soal numeroso e largas attribuiçdes, que também abran- giam o contencioso. O tribunal da alfandega governa- va-se pelo foral decretado em 15 de outubro de 1587 por Filippe 11 em 129 capítulos, e comprehendia, sujeitas á jurisdicção do seu provedor» a «Gasa do Paço da Ma- deira»» aonde se despachavam» alem dos artigos incluí- dos debaixo d'esta denominação, como arcos, aduelas, lenhas preciosas, o bacaliiau e as fmctas sêccas de fóra do paiz, como nozes, avelãs e peros da Galiiza, a «Mesa dos Portos Seccos»» na qual se pagavam as taxas das mercadorias entradas por elles» a «Mesa das Entradas»» em que se fozia o registo dos navios e fazendas, presidida por um guarda mór, e encarregada da visita e vigilância da caiga e descarga das embarcações, a «Mesa Grande» com as mesas pequenas do despacho do sal e do consu- lado» a «Mesa dos Pesos»» aonde se aferiam na balança 08 volumes que pagavam pelo peso, como o assucar, e por nlliiiK) a «Casa dos Cinco», na qual se arrecadava o qumto das mercadorias transportadas por terra» como 1 Caria regia de 17 de novembro de 1633 e alvará de 20 de iiiarço de 1634. Ein 1628 e 1631 outras providencias tinham jd ten- tado a reforma parcial, que dois annos depois se mnsummoii. O al- vará de 7 de outubro de 1637 adoptou providencias de pequena im- portância» mais em referencia ao expediente» do ^ue ás attribui^ Oes. I Digitized by Google DOS BECULOS XVn E XVIU 447 pannos da Covilhã, de Portalegre, Segovia, Toledo e ou- io«tiioiçih» tras pailes> paoDOS de linho e ferragens. Dois grandes armasens recolhiam as fozendas de maior preço até á saída para o consumo. As apprehendidaspor tomadia tinham deposito esfiecial com um escrivão e um guarda, e o assiicar era arruinado em seis espaçosas casas exclusivamente destinadas para elle. Ás mercadorias, que váo corriam perigo expostas ao tempo, ficavam no pateo interior. O quadro de todas estas estações compunha-se do provedor, do guania mór, de dezoito escrivães, qua- tro thesoureiros, um juiz do peso, seis leitores, dois al- moxarifes, quatorze guardas, seis sacadores e um medi- dor, pagos quasi todos pelo cofre da alfandega que, alem da folha própria, occorria directamente á satisfaço de vários juros, tenças e outras despezas, entre as quaes fi- guravam os ordenados da magistratura e dos officiaes de justiça. No século xvi (1550), em que o movimento com- mercial de certo í6ra muito mais activo, o pessoal d'esta casa fiscal acudia a todo o serviço com um provedor, iiiii juiz, um thesoureiro, dez escrivães, dois feitores, (juatro sacadores e quatorze guardas. O trabalho J}raçal empre- gava Tinte carregadores efièctivos, e os extraordinários qae se tomavam precisos. Em Belém assistiam um mei- rinho, um escrivão e quatro guardas *. Na repartição já n aquella epocha denomiuada das «Sete casas» despachavam-se os géneros de consumo da cidade, cobrando-se os direitos de portagem e siza do vinho, azeite, carne, pescado, fructa, carvão, lenha e es- cravos. Dividia-se em diversas mesas. Eram estas a das 1 Fr. Xicolau de Oliveira, Grandezaft de Lishoa, trat vn, cap. ii. — Summario das comas ecdesiadicas e wculares da cidade de Lisboa •Casa da aiiaudega». 448 HISTOBIA DE POBTUGAL iMiiidi«8M «casas», das «Fructas», dos «Escravos», da «Portagem», da «Imposição nova e velha», do «Real de agua», das «Carnes» e do «Pescado » . A cada uma das mesas presidia ma almoxarife. A escripturação corria pelas mãos de vinte e dois escrivães, auxiliados por mais ciuco chamados das entradas e por quatorze feitores. Alem d*estes fancciona- rios havia um juiz tia l)alança, e um chanceller ( uiii o seu escrivão. As quatro mesas da «Casa da índia» exerciam cumulativamente fancções fiscaes, administrativas e con* tenciosas. Na primeira ou «principal», em que tinha assento o pro- vedor com dois escrivães, um lhesoureiro e um olheiro, despachavam-se as roupas e pedrarias da Asia. Na segun- da, a das «Drogas», as especiarias e artigos da índia; na terceira, a da «Armada», matriculavam os soldados, que iam servir nas conquistas; finalmente, na ultima, a da «Cuiiiadoria ethesouraria», escriptnravam-se e davam en- trada todas as quantias produzidas pelos direitos, para se- rem applicadas ás consignações do cofre. O provedor ven- cia 2(^4^ reaes de ordenado, o guarda mór 3(^(000 com a propina de 10;$000 para um escravo e para uma arroba de especiaria, o juiz da índia e Mina tinha 43^500 reaes por anno, o lhesoureiro 95i$000, e o guarda livros 30f$í000. Cada um dos sete escrivães, incumbidos dos as- sentos e escripturação, recebia 4OiSI000 reaes por anno, e cada um dos dezeseis guardas 24^)1000. O serviço bra- çal occupava sessenta e cinco homens permanentes e mais quarenta na occasiâo da descarga das naus ^. 1 Fr. Nicolau de Oliveira, Grandezas de Lisboa, trat. vit, cap. iii e IV. No século xvi ainda as repartições fiscaes do imposto de con- sumo da cidade não estavam encorporadas em uma só casa, corno no século xvii. Existiam, pois, em separado as «Tres casas de A ver do peso, Marçam e Herdades* da «Siza da fructa», da «Siza da Digitized by Google uúb dLCiJLua XVU £ XVIU Resta esboçarmos uma noticia abreviada ácerca da in- ímuí«í|8ií dole e importância das contribuições, e da fórma por que eram administrada^, as receitas publicas na primeira me- tade do século XVU. A classiíicaçâo dos impostos» e o modo por que se lançavam e arrecadavam em harmonia com o atrazo das idèas económicas da epocha, reproduziam ainda na maior parte, em sua diversidade multíplice e le- siva, as feições da organisaçâo tributaria da meia idade. D. DiuiZy deânindo no começo do século xiv em que con- sistiam as immunidades dos territórios coutados, distri- buia os encargos dos n3o isentos em tres categorias, que na realidade os abrangiam a iodos n aquelle periodo. Eram a Hoste, Fossado e Anaduva, serviço pessoal de peões e cavalleiros para a defeza commum; o Fôro, isto todos os outros serviços pessoaes e tributos pecuniá- rios, ou em géneros, directos, oú indirectos, impostos so- bre a terra como instrumento de pruducção, e sobit os valores creados pela agricultura, pelas artes labris epelo commercio; íinalmente a Peita^ expressão equivalente de eaiuimma, que resumia as numerosas multas penaes applicadas ao fisco, formando uma parte avultada das contribuições municipaes. Estas bases, modificadas e alteradas nos séculos xv e XVI, ainda mais quauto aos accidentes, do que em rela- ção aos elementos capitães, representavam no século xvii um dos aspectos mais valiosos do systema fiscal. Mo ol- videmos, também, que n^aquelle século a nobreza e o clero continuavam a desíi uctar com seus beus as largas mercês e doações da corôasem concorrerem com o povo eaniejj. do "Paço da madeira», da «imposição nova e velha», da «Siza do ppixH« e da «Siza do peixe do duque». Summario dat oou- iOi ecciesiasiicas e seculare$ da cidade de Ltsboa. TOMO T ^ Digitized by Google HISTOMA D£ POBTUGÁL i pira a soluto de nenham encargo. O privilegio traçava entre as classes iiniiiuiies e o geral da população uma li- nha divisória, que as leis e os soberanos não ousavam Uanspor, laas que procaravam a pouco e pouco ir estrei- la&doe apagado. O imposto» como observa o sr. A. Ber- «Olano em referenda á meia idade, era o marco de sepa^ ração erguido para estremar o hoiaein dc liabalho das aristocracias que o expioravam. A vilania resumia-se no imposto, a fidalguia na isenção d'elle, e n'e&ta parte a in- 4ole intima da sociedade pouco se transformára. Havia a^s privilegiados, mas existiam menos priviiegios^ Duas contí itiiiii òe^ directas, uma de quota, a jugada, e outra de repartição, a colheita, feriam o trabalhador con- vertido em pmprietark) livre. Nos foraes do typo ou for- WBkíL ée Santarém, a distribuição das leiras era sempre acompanhada da distincçlo ordinária entre jugadeiros e não jugadeiros, attribuiíido o pafiameiiio iln laiposto pre- dial aos primeiros e o servicn militar aos segundos, k ju- gada devia ser satisfeita até ao natal, dando o contri- iHUttte um moio de trigo, de milho ou de cereal cultivado por cada jugo de bois. O que lavrava de parceria com um cavalleiro, não possuindo h^is, nãi) pagava. Ao íia- balhador de enxada pedia o íisco uma teiga de trigo ou de milho, e ao peão a oitava parte do vinho e do linho, lá se vé, pois» que a jugaâa significava um tributo mo- irei e proporcional em relaçSo à extenso das proprieda- des, elevando-se para os grandes lavradores conforme o numero das charruas, transformando-se para os peque- í Archivo Xacional, Chancellaria de D. Diniz, liv. lu, fl. 7f. — Vido A. (".aeíano do Amaral, Memoriff^ di Academia Rfiol das Snen- das de Lisboa , tom. vi, part. ii, pag. 120, e o sr. A. Hercuiâiu^ -fito- toria de Portugal, tom. iv, liv. na, part. m, pag. i/H. Digitízed by UOi» »líJ(XUm XVU K XYUl m nus eui contribui gào lixa. Ao linho e no vinho a quota iBsiitaicMi era determinada pela abundância, ou líela escassfv. da produção Nas municipalidades da ExireoMduni ape- nas peneirou o typo do foral de Santarém, ao passo qtte se estendeu muito pelas terras do sd. Entretanto, mesnin n*eslas, e em alj^umas das mais importantes, como Beja, Extremoz, Silves, Castro Marim, Faro, Loulé, Tavira e outras, os foraes declaram dijugada abolida. A cMeitã, jatUãr, ou parada do rei era ins dos poslos mais antigos, e dos que o cFÒro velho de Gastetta» considera annexosao summo imf)erio. Este imposto, mais gerai que u da jugada, era pa^t» <'ni iodos os dislrictos, aonde aquelle dho estava estabelecido, liirecto» mas não individual, e não aíSectando uma^ classe com exeinsto das outras, a eolkeita, paga collectivamente peio eonon* lho, repartia-se entre os seus moradores na proponção do que possuía cada um d elles. É provável, mas nio pôde ailirmar-se, comtudo, que a jugada sub^tiluisse este imposto nos grandes municípios da primetra foi«»> ia, porque á sua universafidade e ao prineipto absoluto, em que assentava, se juntam provas irreíragaveis de ha- ver sido cobrado em grémios, cujo foral o nao refere, dobram nos concelhos da segunda Ibrmula, e ainda nos das outras os testemuÉtos para mostranem, fie m exi- §tàOf i^esar das cartas conslftaltvas da povoaçio o ain citarem. A fórma é que variava. £m uns municipios logo no acto da organisação se determinava a quota, coín que cada um dos vlunUos devia conttibuir, e a obn^açio osl- 1 Historia de PartugtUj tom. m e iv, part m, Ur» m A.CM9- naçãoFilippina inseriu no liv. 11, tit. xxxiii o regimento para a ar- noada^^ das jugadafl,' a ao g l.<* declara, ^pié 4 misito de\'« ler ein- coenta e seis alqueires pela mt^dida velha usada em GoimiiiaeSlfr tarem no tenpe de D. Manueâ. Digitized by Google UíSTOhlA DL POhíLGAL MMiifOM lectiva quasi se convertia assim em encargo individual K Em outros enunciava o foral a totalidade da colheita, quando em vez de ser pa^a em géneros, se reduzia a mna quantia certa em dinheiro. Os ricos homens e os prela(k)s também recebiam dos colonos a coUieiia como fòro ou pensão. A medida que as victorias contra os sarracenos foram Hbertando o paiz dos flagellos da conrjuista, e que a se- gurança publica, a facilidade das permutações, e os outros indícios de um grau mais elevado de civilísação se mani- festaram, tanto os encargos que significavam o serviço pessoal, como os que eram solvidos em géneros, se mo- dificaram por composição entre o rei e os concelhos, e uma somma lixa e annual, repartida pelos habitantes re- presentou a sua importância* Esta revolução na íórma do imposto e na sua admínbtraçio principiou a apparecerno reinado de Sancho II. Cada vez mais acceita continuou a arreigar-se nos de Alfonso III e D. Diniz, conquistando sempre terreno até se generalisar^. Havia para isso moti- vo. A transformação, não só facilitava, símplificando-a muito, a percepção dos impostos, mas era prenuncio vi- sível da prosperidade progressiva e material do povo, e mais um fiador valioso das condições de liberdade, que ia alcançando. Por estes contratos ou substituições, os grandes concelhos, e depois até as aldeias de pequeno vulto, conseguiram resgatara dos vexames da cd>rança das rações, direituras, foragens, colheitas e de todos os multiplicados ónus locaes, que as opprlmiam, a troco de uma renda certa em oiro ou prata. Ao mesmo tempo a aristocracia bm*gueza, que se começava a robustecer, 1 Historia de Portugal, peio ar. A. Herculano, tom. iv, liv. vni, pari III. 2 Ibidem, tom. iv, liv. viu, part. ui, e tom. ui, liv. ?i. Digitízed by DOS 8EGUL08 XYH B Tfm 453 comprava por este prego^ embora em muitos casos sape- iMtttai90« ríor aos encargos remidos, garantias solidas contra a pre- potência dos ricos homens e dos prestameíros, e contra os abusos dos oíriciacs do rei. O fisco, vendo iia terra a principal e (juasi a única fonte de receita, procurava tirar d elia o maior proveito. Alem dos serviços pessoaes da milicia, e das jugadas e colheitas que constituíam o tributo predial de quota ou (1 ' repartição, mais rendoso, mui las contribuições locaes pesavam directaineiíle sobre a producção agrícola, ou so- bre as artes dependentes d^eUa. Entre ellas figuravam o moniado^ direito real pago pelos rebanhos apascentados nos termos de alguns concelhos, e o eonéMOs menos commum, lançado sobre a caça, a pesca, o mel e a côra dos enxames alpestres. Ainda não era tudo. Se muitos municípios concorriam para as despezas publicas com es- tes impostos e a avultada verba das multas criminaes, arrancados sempre com a desigualdade e as irreíralari- dades pro()rfas de uma administração ainda nos rudimen- tos, em outros grémios, e até em districtos inteiros sobre- viviam algumas imposições anteriores á sua fundação, como, por exemplo, em Traz os Montes a martinadega, quota fixa solvida pelo cabeçada família, quando a renda annual excedia um certo limite, e como em outras pro- vincias a almocremria^ recovagem ou carreira gratuita exigida dos almocreves para o serviço do rei. Libertarem- se de todas estas taxas, mediante uma somma fixa e de- terminada, paga aos quartéis, era um grande allivio para os contribuintes e um grande passo para o principe. Am- bos lucravam muito ^ l São niilosrís estes contratris de snbsfitnirõps, (juf alguns fscri- ptores pouco attentos confundiram coia os diplomas de fundarão de iioyoft momcipioft. £m Melgaço o rei justou com o concelho em L.iyui<-cu Google 164 HiSXOlUA DE PORTUGAL hmú0m Outra fonte tambeíii copiosa para a corôa eram as suas propriedades, ou, mais exacto, os bens do estado, consti- liiiilos noa primeiros tempos da moDardiia pelas terras doa nouros teocidos, pelas terras fiscaes dos sarracenos, pélM que és partieiiiares podiam perder i)or crimes, ou por motivos analof^os, e pelas que o direito de matiínha- ãego, ou manerin fazia cair nu doiniiiio real, assim como pertenc&am iguatmente a esse domioio os tributos lis- caes, as contribuições sobre eompras e vendas, as por- tagens, as multas eríminaes e as heranças jacentes. As terras da corôa produziam luira a íaziuda real como qual- quer prédio particular para seu dono, e a sorte dos seus cultivadores oão se reputava ipellior, que a dos colonos que subsistiam do dominio util, ou a dos malados que agricultavam os terrenos do clero e da nobreza, k posi- ção dos primei n i> em pouco ou nada diíTeria da dos se- gundos. Os prédios da corôa, em geral, reduziam-se a tres classes: a dos reguengos simplices, cujo titulo era a avoenga ou a residência dos antepassados; a dos reguen- gos aforados, e» que havia certa translação parcial do dominio, e aonde se aílirmava de novo a hereditariedade em virtude de iiin i espécie de adscripção voluntária, e a dos reguengos Uansteridos a colonos ingénuos em tem- pos remotos por contratos livres. As terras usufruídas sem liiulo podiam ser tiradas e aforadas de novo, e por vexes as que um colono desamparava por causa do ex- cessivo peso dos encargos, ou de que era expulso pelos converter lu renda certa de 350 morabitinos todos os fóros, calU' mnias e direitos. Em Vianna, por t : 100 morabitinos, e em Vinhaes, por 600 libras. Em 1261 o concelho dc Leiria dissolveu a conversão por lesiva. D. Diniz contratou com o concelho de Lamego a somma an- nual de 100 libras em troca da colheita. UisfariadiPíHiugalg tornam, Digitized by Google não solver, se convertiam em herdamentos jugadeiros, ou ítt44U»içô«» se arrendavam aos annos por quotas de fructos e rações. Os reis, alem d'estes bens tinham tambm os que erao propriamente patrímoniaes, herdados» con^prados» ou ad- quiridos por doaçiSo ou por industria, e podiam dispor li- vremente d'elles, dando-os, vendendo-os ou alienando-os. Os da coroa, porém, inalienáveis por sua natureza, erapro» hibidopeiasleisfundamentaes dissipa-los sobqualquer pre- texto. Gomtudo, as necessidades, do governo, a raridade da moeda, e as idéas religiosas da epocha influíram logo nos primeiros séculos na prodigalidade com que os sobe- ranos distribuindo avultada parte d'elles ás igrejas e nM>s- teiros, aos ricoshomens, e ás ordens militares desfalcaram o seu cumulo. Nas epocbas seguintes o predomínio das classes privile^Madas, a escassez de meios pecuniários para lhes pagar as quantias, e outras circumstancias nlo con- correram menos para os próprios da coroa e as contri* buições municipaes serem desbaratadas pela excessiva e reprehensivel largueza, com que foram concedidos em al- caidarias, em prestamos, em jurisdiccôes e em muitas ou- tras íóraias de Jiiercês lucrativas aos senhores ecciesias- ticos e seculares, não diminuindo só e estancando os ma- nanciaes mais abundantes da receita publica» mas ferindo essencialmente os príncipios de harmonia e de subordi- nação do coi po politico ^ I J i^slas diversas e variadas ver- bas de rendimento, mais ou menus modificadas pela le- gislação, pelo tempo, e pela alteração das idéas e dos 1 Herculano, Apontamento para a BUtoría dos foraett e àoi hem da eoréa, no jornal o Panorama. — Marina, EnMOffoHktorko^mHeo tobre la antigvu leyislacion y prindpales cuerpos legaie$ de loe rey» 710$ dê I^on ff CaMía, etc, pag. dl a 64.»irfSfom de Portugal, p.elQ ar. A. Herculano, tom. ni, liv. viii, e tom. nr, liv. vi e vn.— Fr< NicoUn da Oliveira» GrandeMoi do Uthoa, trai ix, cap. il Digitized by Google 456 HISTORIA DE POBTUGAL lastHmQOM costuíues, SB coHipunhain as receitas dos almoxarifados no século xvi e na primeira metade do século xvii, arre- cadando em rendas dos reguengos, jogadas, lezírias e paúes» lermo médio jpor anno» dois mil e duzentos moios de trigo e mil cento e cíncoenta de cevada, sem contar setecentas e setenta e sete arrobas de cera das propinas, e as qu;iii(ias pagas em moeda. Os impostos indirectos sobre impuriagòes e exporta* çQes de mercadorias estrangeiras» sobre compras e ven- das por grosso e por miúdo, sobre a mntaçSo dos bens de raiz, e sobre o consumo, de origem municipal ou de preceito geral, representa v;im desde o século xv, espe- cialmente» uma parle avultadíssima dos rendimentos pú- blicos, sem a qual a administração não poderia manter-se, nem occorrerao augmento progressivo das despezas. En- tre estes impostos sobresaía o das asizas>s sempre mal visto dos povos pela oppressão da cobrança, detestado das classes aristocráticas, porque não haviam sido eiu^- ptaadas d'eUe, quando se decretara, e defendido pelos monarchas e seus vedores da fazenda como a ancora mais segura de todo o syslema. Daremos uma rápida informa- rão «icerca do n iodo por que Ibi introduzido, da maneira por que alleciava os contribuintes e da fórma por que se procedia na sua arrecadação. O estabelecimento das si- zas, como contribuição geral, representou um passo im- portante adiantado na organisação da fazenda e um pro- gresso scnsivel no sentido da igualdade de todos os súb- ditos perante o imposto, porque d'esta vez os privilegiados foram comprehendidos no rigor da lei sem exclusão de nenhum ^ 1 M(».capitulos (los fidalgos na» córtea de Coimbm de 1398 figu- ram as queixas contra as sizas, e sSo claras as referencias á sua exis- tendft no tempo de Affonso IV, Pedro I e D. Feinando. A clausula Digitízed DOS SÉCULOS xm E xvin o tributo não era novo e tinha sido ensaiado parcial e iMtitiií绫i temporariamente no governo do Âíibiiso IV, de D. Pedro i e de D. Feroanâo. Âcciamado rei em 1385, e a braços com a guerra da independência, D. João I alcançou que as côrtes de Coimbra de 1387 lhe concedessem sizas ge- raes para as despezas da resistência nacionaí e [>ara os outros encargos da administração, e que no mesmo anno, em novembro, as de Braga se obrigassem ao pagamento d'6llas dobradas. Nas còrtes de Coimbra de 1390 e nas de Évora de 1408, os povos, apesar de queixosos dos ve- xames da cobrança, cuuíii iiinram o sacrifício, e em 1408 restaurou el-rei com assentimento d elles o terço das si- zas quitado no princípio da tregoa ajustada com o reino de C^stella, applicando-o á reparação das fortalezas, orí* gem do imposto permanente denominado depois «terças dos cm la lhos». Terminada a liitn, i' assegurada a paz, en- tenderam os contribuintes que tmha cessado a rasão da nova taxa, e requereram a soa abolição, ailegando as ex- torsões a que os sujeitava ; mas nem D. João I, ou D. Duar- te, nem Aflfonso V podiam dispensar[uma receita, com que acudiam ás necessidades mais urgentes, e todos os pedi- dos foram escusados com pretextos difíerentes. Naassem- bléa de 1 481-í 482 os procuradores dos concelhos renova- ram a supplica, e no capítulo cxxiv encareceram os males que resultavam ao paiz da arrecadação das sizas, e parti- cularmente dos nnilios e tropelias dos exactoi es judeus, com os quaes os monarchas contratavam as arrematações locaes. D. Joio ii foi mais sincero do que alguns dos seus mais oíTensiva para o clero e os nobres era a generaUdade do im- posto, e D. João I na soa resposta mostra, que e]Ia fôra sempre ob- servada nos tres reinados anteriores sem cxcepçSò de fidalgos e clé- rigos, e até do rei, da rsinba e dos infantes. Ordenação Aftmtma^ , liv. II, tii LIX. Digiíized by Google fBttítpitiw pred^eessores, e sem a menor lie»U(9o declarou, que o iniposlo (Ins si/.ns seria mantido como essencial á coDser^ vação do Bslado. Em 4498 D. Manuel, sustentando os loosmofi {iriivcipios. indeferiu Uiml>em o capituk> xm das côrtes de Lisboa, notando que o producto d*esta e de to* das as rendas publicas revertia em proveito dos povos, que teriam sempre de occorrer pni ([u iiquer modo á sa- tisíação dos encargos da administração ^. Os regulamentos e as declarações decretadas para pre* venir e aDouIlar as fraudes, e tornar o imposto mais ren- doso, apertavam cada vez mais os rigores fiscaes, e D. Ma- iiiiel, colliíifindo em (> de março de 1509 toda a legislação sobre o assumpto, íormou d'ella quasi um verdadeiro có- digo posteriormente emendado, interpretado e additado em conselho dos vedores e letradospor el-rei D. Sebastião. Cresciam entretanto os clamores contra a sua execução, o nas cortes de 4525 ( »> povos pedi i am e obtiveram de D. João 111 em Torres Novas, que demiltisse dos exacto- res reaes a cobrança, transterindo-a por contrato de uma somma determinada para os concelhos, que requeressem este beneficio, os quaes n9o eram todos, nem talvez a maioj ia dos do reino. Na assembléa de Évora de 1535, dez annos defmis, já arrependidos da reforma que a expe- riência lhes provara ser mais oppressiva, do que os males anteriores, o$ procuradores do terceiro braço solicitaram a revogação dos contratos, achando menos lesiva a acção dos mmistros do rei, do que a repartição concelhia dO enc^go calculada poi* certo em quantias superiores ao • Córtes i\n 1481- 1 'i8:f, Archivo Nacional, maç. 3 de ctlrtes, n." 5. cap. cxxiv, e resposta de Kl-Rei. — C«>i tes de Lisboa de Í49b, cap. xiii, e resposta Uc £l'Rei, Archivo Nac^ional, maç. 4 de aoJamagto e cOf - tdft, 4. Digilized by Google producto da contribuição arrecadada pelo estado. Annuiu in*tàittiíõ*i o soberano, e a lei 17.^ das cortes de 1535 veiu satisfazer os votos da assembléa. Mas era grande a vaotagem de aaferír uma renda segara, afiançada pela responsabilidade ■ eollectiva dos concelhos, e no governo de D. Sebastilo, ao qual este rarnu de admiaistração mereceu nrn cuidado especial, o systema da arrecadação por via dtt i endeií os foi abolido, substituindo-o o dos «encabeçamentos», partidas pelos moradores proporcionalmente as sommas fixadas em harmonia com o regimento promulgado para facilitar a execução do novo principio A origem das sizas, introduzidas em Castella por San- cho IV, como tributo real, datou, segando vimos, daepo- cha de D. Joiio I; porém a saa existência como imposto popular e concelhio remontava pelo menos a 1311, con- forme aííirma o chronisla Fernão Lopes, citando entre outros exemplos o da vi lia de Setubnl. A cidade de Lis- boa valeu-se d'e$te meio pnocipaimente para acudir no tempo de D. Fernando aos encargos da guerra e ás es- treltezas do cerco posto pelos castelhanos. As sizas con- sistiam em ló por centit (i soldos por lihra), sobre todos os artigos comprados, vendidos e trocados, menuà pão cozido, oiro e prata, pagando o comprador 5 e o vende- dor outros 5, e isto tantas vezes quantas esses artigos entrassem em venda, ou em troca. Os preços estipulados entre as partes serviam de base á contribuição nas compras e veadas, e á avaliação previa que recaía sobre as per- * Regulamento das sizas de 6 de março de 1509, impresao eu a mui nobre e sempre leal cidade de Lisboa em casa de Manuel Joam, anno mdlvi.— Côrtes de Torres Novas e de Évora de Í525-I535, cap.xcv, e resposta de El-Rei. — Regimento dos encabeçamentos das sizas, provisão de i3 de janeiro de i30&— - Sjfstema ou coUecçio de liaiBMHitne geay, tom, l Diyiíized by Google 460 HISTORU I»E PORTUGAL iBsutuiçòes mutações. O sal devia dar 10 libras por alqueire. O tri- buto abrangia, portanto, na sua generalidade todas as mutações de propriedade e todos os géneros de consumo, e em especial os de maior uso e de primeira necessidade. NIo havia transac^^o em que o fisco ião interviesse, nem valor creadu i)ela agricultura, pela industria, ou |)elo com- mercio que elle não ferisse. Nos cereaes o imposto co- brava-se no momento da circulação. No vinho repartia- se entre o comprador e o vendedor, em partes iguaes, quando se negociava em grosso, e caía sómente sobre o dono quando se consumia a retalho ou atavernado. O lavrador, ao que parece, não era collectado pelo vinho gasto em sua casa, ou bebido pelos trabalhadores occupa- dos no amanho das fazendas. A quota da contribuição su- bia mais alto em Lisboa, do que nas outras localidades, e as pipas só podiam entrar na cidade por uma das cinco por- tas de Santo André, da Cruz, de S. Vicente, de Santo An- tão e de Santa Gatharlna. As que saíam do reino pagavam direitos de exportação. Nas carnes a imposição affectava igualmente a venda. Dos carniceiros arrecadava-se a siza pela compra do gado e pelo talho, e dos creadores no acto da venda para o açougue. O peixe não satisfazia só o tributo ao fisco no mercado, mas até o pagava na saída por mar ou por terra das villas e logares. Finalmente, o imposto do sal recaía também sobre a venda, dividido em partes iguaes entre o comprador e o vendedor, mas este ultimo é que respondia pela totalidade. D. Manuel, para facilitar o abastecimento de Lisboa e da côrte, isentou de direitos de siza e de portagem as aves domesticas e as de caça, e de dizima e siza as carnes, legumes, queijos e manteiga de íúi a do paiz, e, logo depois, com a idéa de captar as s} mpathias do clero, declarou-o exceptuado do pagamento da siza, portagem e dizima, mercê a qae os Digiiized by DOS 8EC0L0S XVU E XTin 461 íQteressados se moslraram gratos. No século xvit, até tatutuicsM i640, as alterações na contribuição geral de consumo fo- ram de pequeno vullo e só tendentes a exacerbar-lhe o rigor*. As conlnbiiições muaicipaes de consumo, de venda e de transito, consignadas nas cartas de foral dos conce- lhos, muito anteriores ao tributo das sizas, continuaram a ser arrecadadas em todo o xvi século, e na primeira me- tade do XVII, com as moililicações inseridas í)ela reforma de D. Manuel para esclarecimento dos pontos duvidosos em relação a alguns encargos, â variação dos antigos pesos e medidas, e á moeda* Estas pautas locaes, diversas umas das outras, e muitas vezes hostis até contra determinados grémios e classes, colleclavam á entrada, á saídíi, oa nos mercados os géneros de consumo, e restringiam de pro- pósito deliberado em muitos logares a liberdade das trans- acções. De ordinário estas taxas indirectas moldavam-se em três formas distinctas, que eram a portagem, a açou- gagem e a passagem, A portagem recordava o moilci no direito de iiarreiras, até porque, sendo as villas muradas e fortificadas, se arrancava também ás portas. A açou^ ga^em cobrava-se no sitio do consumo, na praça, ou mer- cado diário. A passagem ou peagem^, em alguns docu- mentos denominada partagem, era ás vezes direito de transito, de que apparecem íúra dos concelhos vestigios frequentes, e pesava sobre as mercadorias entradas nas terras, embora sem destino de serem vendidas n'eUas'. * FernSo Lopes, Chronica de El-Rei D, João I, paií. ii, cap. cem.- — Regimento das sizas de 6 de março de 1509, cap. i, xxii, Lvir, e cap. II, X e lvhi. — Ordenações da fazenda de 17 de outubro de 1316, cap. ccxxii. — Coelho da Rocha, Eiisaio sobre a Hútoria da Legislação e do Governo de PortuyaI , ''pijc. \ i, ai t. * A. Herculano, Histoi ta de Fm^tugai, tom. iv, iiv. viii, paiU lu. Digitized by Google «KToaià M mitJâAL £ inutíl acrescentar» que, sendo a variedade o caracter essMKial das institulç^tes da meia idade, a acougagem em nns municípios era assás coiíiniuiii, a passagem não exis- tia em outros, e a put tiujvín vigorava em todos, não ha- vendo» porém» ttniíormidade, nem quanto á^quota do tri- bulo, nem quanto aos géneros collectados. O principio mais seguido em relação á portagem con-* sistia, peio menos com resjjeito a diversos objectos, em í>e pagarem direitos, tanto pela entrada, como pela saída, e nas operações duplas, isto é, de importação e exporta- çio, em serem sã oneradas as mercadorias importadas. Os mercadores naturaes do concelho por melo da soldada, espécie de avença, podiam liliertar-se do vexame das barreiías. (|ue oppi iHua (juasi exclusivamente o.> tie fóra do municipio. Mas não se reduúam só a isto as exacções, qoe entorpeciam e «nbaraçafam os actos de compra e venda, e, se nio oocorria vulgarmente a aocumulaçao de todas no mesmo concelho, em nenhum deixavam de coexistir comtudo algíunas. A alcavala, a alcaidaria, o jul§êdú^Q9L relegagem, ou relego, appareciam com mais frequência acompanhadas de vestigios de outras da mes- ma índole como as aehaws e fangas. As feiras captivas, semanae®, feitas em <lias determinados nos armazéns, ou alíandeíías reaes, e sujeitas ás foragens cpie se íjue- riam impòr ao mercado, completavam o quadro, mos- trando até onde aicançava a per^icada fiscal para en« xertar novos irihntos ao tronco dos geralmente acceítos. Grandes defeitos accusavam este systema, ou, mais exa- Os direitos de passagem sao mais vpzfs nliudidos nos íoraes para os abolir, (lo que para 08 manter. Os tiabitantes do concelho podiam in- troduzir livreiDeáte ^ IractoB ée mas prédios ruraes para o cos- sumo dojaestieo. Digitized by Google eto, eâta espécie úe cahos tributário. O primeiro era o tMiMnii^wi exereito de agentes e de exactores lançado eontfà os contrilmintes, aggravando ainda o mal a pratica das ar- rematações, que subslituiam o interesse particular ao éo âsco na cobrança. O segundo derívava-se daisençlo co^ cedida aos vizinhos de maitos conoeltios e aos homens e eòlooos dos fidalgos e clero de pagarem, privilegio de que nasciam mil fraudes e contestações. As pautas e os iiri[)Ostos municipaes sobre o consumo oppunham um obstáculo permanente aos progressos da lavoura e da indtt^ria e paralisavam a circula^ e o commerdo, co- Ihendo-os em uma linha de postos, que, separando qnasí como individualid;nles estranhas e adversas as povoações umas das outras, estei)diam sobre todo o paiz o braço dos exactores para lhes suffocar o desenvolvknento. Na prí- men metade do século xvii a tetra e ^ encargos éos fSoraes reformados ^Istíam ainda. A vida, a força e a hi- cíativa e que haviam deixado ha muiio aqueiles corpos * A Alcavala coiisislia em uns Uulos dinheiíos sobre a carne vendida no inorcado, c por isso andava unida á açougagem. A al- caidaria era uma foragoni estalickM-ida em favor do alcaide mórde 2 dinheiros por cada carga de peixe posta na pmra. O julgado vi- nha a ser igual á alcavala e análogo a í//eííítí«r «a, porque sepa^^ava ao magistrado jurisdicional em vez de aleaide niór. A reiegayem liuha por objecto facilitar a venda do viídio, que o eslado receljia do tributo, marcando o praso de (res mezes. do 1.' de janeiro até ao 1." de abril, para o exclusivo do mercado real. N*este praso nenhum particular podia vender o seu género. Esta prohibirão abrangia só a producçâo do couceiiio, a de íóra entrava e veudia-sc pagaiido um almude de relegagem por carga. Vide sobre o relego no século xvii a Orden. Filip., liv. ii tit. xxix. O tributo das ocliarns era um di- reito sobre os géneros vendidos ao alqueire, ou ao alruude nns fan- pas, mercado especi?^! do <»ereaes, aonde concon'eriawi em âíHi- mas partes íructas d« casca e iegumes. Digitized by Google 464 UiSTOUâ DK MftTOOàL buttaífOM Os direitos de importação e de exportação iião eram menos pesados e lesivos, e cobravam-se ás vezes sobre o mesmo artigo em muitas estações fiscaes. O commercío uppniiiido por elles e pelos vexames da íiscalisação mal podia respirar, \arias mercadorias pagavam 10 e em mui- tos casos 20 por cento do valor, compreheodeudo a siza e a decima* Sobre o vinho exportado recaía a taxa da im- portância de almude e meio em dinheiro por tonel na casa da Portagem. Os pannos e estofos do lã registados e selladus nos logaies da producção, alem do imposto de *èO por cento (de decima e siza), não traospuntiam as fronteiras sem serem ioscriptos e dizimados nas alfande- gas dos portos seccos. As pautas feriam sem dlsttnc^ão á tiíitrada e á saida os artigos fabris e os géneros alimen- ticios. Foram exceptuados unicamente da regra os cereaes estrangeiros, que entravam livres de direitos, a cortiça despachada em Lisboa, que só pagava 5 por cento de siza, e iO de decima, o tabuado para constnic^s quite de tributo e as armas fabricadas em Biscaya. Ás madei- ras da America poi tugueza e ao pau Brazd não so pedia senão metade da siza, ou ô por cento K Ás especiarias ven- didas em Lisboa não ae exigia também senio meia siza, devendo circular depois sem novos ónus ou despachos. As laxas calculavam-se sobre o valor das mercadorias avaliadas pelos feitores sobre declai ação dos interessados, e a lei concedia o deposito e os pagamentos em prasos. As fazendas de AUemanha, Flandres e Inglaterra não po- diam entrar por terra, e as de Gastella, satisfeitos na raia 20 por cento de siza e decima, transitavam sem outro ^ No lom. Pí, Uv. VI, cap. iv, v e vi se eneoairurio laigamfinie dBMVohidas todas as notieias rdativaa ao ngímeD dat aUuidfigai deaâe o aeeulo ziv até á primaira matade do xva. Digitized by Google DOS SÉCULOS XVU S XTOI 465 embaraço pelo interior do reino munidas das respecti* biUtwgBw vas guias * . £m io92 (á8 de novembro) creou Filippe II em Lis- boa o tribuaal denomiDado do cGoDsalado», instituido» diz elle, á similbança dos que existiam em outras na- ções, composto de homens de negocio, de um letrado accessor, de um juiz de appellação e de quatro conse- lheiros com seus escrivães, feitor, thesoureiro, conta- dor, e marinho privativos, presidido por macheie com a designação de prior. Esta organisaçio fôra planeada no tempo do cardeal rei D. Henrique, e o monarcha hespa- nhol, ao que parece, engrandeceu o primeiro risco. A casa, ou mesa dos negócios mercantis foi investida em afctribuições amplissimas, competindo-ihe o julgamento das causas entre os mercadores e seus agentes, os pleitos dependentes do tracto commercial, as duvidas sobre câm- bios e seguros, e todas as questões sobre fretamentos e marinhagens. D. Filippe, para prover ás despezas dos or« denados do pessoal da repartido e sustentação das arma- das aprestadas contra os corsários para segurança dos na- vios, lançou um novo Imposto, chamado do cconsuladoi, sobre as mercadorias ;j})ortadas a Lisboa, ou a outros pontos marítimos do reino de 3 por cento de entrada e outros 3 por cento de saída, alem dos direitos fiscaes em vigor, lâo exceptuando senio os ecclesiasticos, e obri- gando-se a abolir a taxa de i por cento applicada á forti- ficação dc S. Julião da Barra, e a auxiliar a esquadra de guarda da costa com ^0:000 cruzados annuaes tirados dos seus cofres^ Filippe III, em 1602 achando óptima a contri- 1 Alvari fie 28 de novembro de lo9á, livro do registo do con- sulado, íl. â. — Dissertações chronologicas, tom. iv, pag. 199 e á06. 2 Alvará de 13 de fevereiro de 1602. — Áictiivo Nacional^ liv. ii de leis de 1593 até i636, fl. 54. TOMO V 90 Digitized by Google HISTOniA DE PORTUGAL MMiito bnicSo, e superflao o tribunal, que servira para a introAa- zir, extinguiu em 13 de fevereií o o juizo do consulado, e maiidou (jiie as matérias da sua competência corressem perante o& tribuuaes ordinários. É inútil acresceiilarmos, que ao imposto escrupulosamente arrecadado se deu mui* tas vezes destino diverso da sua aprof»*iação, e que os corsários impunes nunca interromperam os roubos e sal- tos ás iiu^sas costas. Ao imposto de um real sobre cada arrátel de carne e oada canada de vinho, consumidos no paiz> deu-se tam- bém a côr de contribuição de defeza, allegando fil-Reios immensos gastos das frotas enviadas nos últimos annos em soccorro das conquistas c os encargos das consigna- ções estabelecidas para o pagamento dos juros dos «m- • préstimos. £ste imposto, que abrangia as compras a retalho de dois géneros de consumo qaasi geral, f6ra proposto pela cidade de Lisboa como o mais suave, que podia (iecrclar-se. Para velar sobre a sua fiscalisação e cobrança, e obstar ás fraudes e d escarninhos em todas as cidades « villas, o procurador da camará foi incum- bido 4as funcções de administrador com a percenta- gem de 1 por cento sobre as receitas, que entregasse. Os juizes de fora deviam todos os mezes conferir os li- vros dos exactores do real com as contas, e o dinheiro arrecadado em um quartel havia de entrar nos cofres dos recebedores das cidades e villas dentro de vinte dias, o mais tardar, cabendo aos provedores das comarcas a su- periiilciidencia da nova imposição ^ O tributo sobre o «Bagaço da Azeitona», cujo regulamento saiu em iú de outubro de Í6d0, consistia em o Estado, á shniihança do í Regimento de 31 de outubro de id3ti em 35 artigos, artigos 1.% 1», 3.», 26.« a 29.» e 3i.» Digitized by Googlc DOS SECDLOS XVU £ XVUl 467 que pratíeára em Gaatella em 4699, emnprar o bagaço paio iMiitiitiNt preço médio de cada moio no mercado, ou por avalia- ções seguidas de expropriação e em o tornar a espremer nos lagares» pagando as moediiras e indemnisando com a quarta parte do producto bruto os lavradores forçados a promptíficar^ novos apparelhos. O caleulo aliás fal- livel dos alvih istas afiançava, que do Irabalbo de uiua vai a em um dia se tirava bagaço para uma moedura nocturna K Em 1631 segundo regulamento com o titalo de «Addiçlo» dictava preceitos ainda mais rigorosos ao admioistrador geral e aos administradores das comarcas e dos lagares. £^ odiusa e absurda especulação do íisco não conse- golu» joaturalisar-se comtudo, vencida pela resistência passiva dos povos ^ As mesmas rasões, que desculparam o estabelecimento d'estes tributos, delenuinaram cui 1631 (31 de maio) a taxa decrelada com a denominação de «Meia Annata», equivalente aos modernos direitos de mercê, >e igual ao valor de metade dos ordenados, 4iFeito8 e emolumeiitoa de um anuo sobre todos os offioíos e cargos meiios4« ecclesiaslicos e os soldos dos soldados. O regimento de 1^ de setembro d aquelie auuo tornou o novo iiK^[)0Sto . extensivo ás 9|judas de casio, serventias de offictoeeierar pregos de justiça, incluindo escrivães, alcaides e juizes ordinários, licenças de renuncia de cargos eni parentes, procuradores, almotacés e solicitadores. Por ultimo a 1 Regimento para a admissão dobeaefido do bagaço da aieitoiía jq;»plicado á real fazenda nos reinos da corda de Portugal, datado de i5 de outobro de 1630 em 56 artigos, Trígozo. — CoUteçSo ds lê* guia(tt0j tom. vi, doe. 30, traz appensa a fórma de obter o benefleio. * Aááksão de 28 de julho de i6dl, Tiigo«».-O)lb^ éâ U- §ÍÊlaçSo, toBL VI, doe 33. ao. 468 BBTOUIA DB PORTUGAL iMiiiyittM carta regia de 2 de dezembro de 1631 revogou a exce- pção feita em favor dos empregos, cujo salário nSo exce- desse cincoenta cnizados *. O alvará de 4 de agosto, orde- nou o estanco do sal por conta da fazenda com prohibíção ao8 particulares de o venderem, ou comprarem por gros- so» ou por míttdo, adquirindo o fisco a terça parte de todo o que se lavrasse no reino pelo preço taxado em cada anno pelos seus ollioiaes. As inslrucções para a execução fo- ram datadas de 1 de dezembro do mesmo anno, e a mais severa observância recommendada cuidadosamente*. Se a estas fontes de receita, assás onerosas, juntarmos o qae se arrancava directamente da lavoura com os dizimos, primícias e oblações geiíei alisados entre nós desde prin- cípios do século xu, e cuja solução regida peio uso se- gundo a máxima do direito canónico variava de umas para outras parochias na quantidade e na qualidade, e se notarmos todos os direitos arrecadados por diversos títulos pelas chancellarias, pela mesa da consciência e por vários tribunaes, acharemos que o peso de tantas contribuições aggravado sempre peio modo violento por que eram iis- calisadas e percebidas, devia ser intolerável em um reino desfaUecIdo por táo repetidas perdas e consumido de forças pui tão cruéis e continuadas calamidades ^. a 1 Caria regia de 31 de maio de iH63. Livro da correspondência do desembargo do paço, fl. 45. Carta regia de 9 de agosto e 12 de setembro do mesmo aurui e o reí?imento de igual data, livro da cor- respoiídeiicia do desembargo do paço, fl. 92 e liv. Ill de leis do Archivo Nacional, fl. 179 v. , * Alvará de 4 de agosto de 1631, livro da correspondência do desembargo do paro, fl. 125. 5 João Pedro liibeiro, Reflexões Históricas, part. i n." 9. Elu- cidário, verb. Decimas. É asstóíi curioso o documento inserido por Santa Rosa de Viterbo, a pag. 3o0-3ol. — De feito a constituição que Digitized by Google DOS 8E0DL0S im E xvm 469 O tabaco de cheiro e de fumo constituía eutão mono* kiiiMiict ' poUo do Estado. Pagava 50 reaes de direitos de entrada por arrátel e 30 de direitos de moenda, e na exportação solvia a taxa de 3 por cento de consulado. Mais tarde é que principiou a offerecer peio maior consumo base van- tajosa aos calcoios fiscaes K Entretanto, como se ainda nSo bastasse esta rede de impostos» que restringia de mil maneiras as transacções, paralysava a circulação e estan- cava a producção em suas origens, rêde de que apontá- mos apenas as malhas mais fortes, o governo de Madrid não cessava de aggravar as más ciremnstancias económi- cas do paiz, amiudando os pedidos, os empréstimos for- rados e as contribuições extraordinárias. Citaremos al- guns dos mais notáveis mencionados pelos documentos da epocha no praso decorrido desde 1625 até 1639. Em 18 de janeiro de 1625 pediu o governo um milhão de ducados para despezas extraordinárias. Em 1631 exigia um subsidio par;! a .guerra do Hrazil, e suspendeu ao mesmo ternpo o pagamento da» tenças e mercês lucrati- vas. £m 1636 extorquiu um donativo real. Em 1639, fi- nalmente lançou um subsidio geral e um empréstimo para a defeza do reino. Estas incessantes e copiosas sangrias em corpo tão desfalcado apressavam a decadência e de- nunciavam eminente a ultima ruína ^. 0 systema de arrendar os impostos iocaes e geraes, D. Martinho, art luspo de Braga, fez publicar no anno de 1304 so- bre o modo de serem pagas as decimas, assim reaes, como pessoaes, e as primicias lança, grande luz sobre sobrê o assumpto. 1 Alvará de 3 de agosto de 1642 sobre a aboiiçáo do estanco do tabaco. 2 Cartas regias de 28 de maio e i de dezembro de 1631. — Por- taria de 7 de fevereiro de 1636, decreto do 18 dp janeiro de 1625 e carta» fdfstíA de IS de íevereiro e 24 de dezembro de i639. Digitized by Google 470 mnoBUL DE ramrGAfr taitiuriçM abdicando o Estado nos particulares uma das mais im- portantes attribuições, e reconhecendo a sua incapacidadB como admimatrador, junto á muhipUcidade das reparti- ções 6 dos cofres fiseaes, nlo só opprimia os contribuin- tes, como complicava a escriptnração e a contabilidade, concorrendo para animar pela impunidade os desvios e as dilapidações. 0 confrabando» por outra parte» cada dia mais solto e ousado, zombava da vigilância e amiuUava 08 esforços empregados para promo^ er o auginento dos impostos indirectos. O principio da arrematação dostri- liiiios por quantias certas datava das primeiras epochas (ia monarcbia e não influíra pouco para tomar ainda mais odiosos 6 mal vistos os judeus e depois da sua expulsão 08 ehrístSos novos, os quaes, por seus avultados capitães eraiii quasi sempre os ren< h^u us preferidos. Em 1 516 o ga- binete de Madrid, desenganado pelo mau êxito de alguns ensaios de administração directa» suscitou de novo o pre- ceito geral da arrematação de todas as rendas publicas, e effectivamente foram postos em praça e contratados os im- postos mais jiiii)orlan(es, como o consulado, osportossec* cos e molhados, o pescado, as terças dos concelhos, os es- tancos do sal e das cartas de jogar, e diversos outros. As alfandegas de Lisboa eram administradas pelo governo, mas os direitos reaes de Lisboa, assim como os das outras cidades e viilas do reino, corriam arrematados. Os re- sultados não corresponderam. Muitos rendeiros ficaram alcançados em sonunas de vulto, e os fiadores pouco segu- ros não cobriram as perdas. Só em tres contratos, o dos portos seccos, consiilado e cartas de jogar, perdeu o Es- tado em menos de dez annos 96 contos. A falta de uma theeouraría central bem constituída, e o uso vicioso de eonsignar os rendimentos dos diversos colVes ao paga- mento das despezâs correntes, juros, tenças, fokias dos d by Google DOS asGULOâ XVII £ vm tribunaes, moradias e outros encargos, tomando confosa lÊãtíiaiifim e quasi impossível a escripturação e a iiscalisaçào, gmentavam as probabilidades eontra o erário ^ Âs receitas publicas orçavam na sua totalidade por l.744:CMX)^000 reaes, entrando para esta somma os ren* dimentos das alfandegas e casas fiscaes com 839 contos, os dos almoxarifados com 238 contos e os das tres or- dens militares com 638:00CMiO0O reaes. A alfandega áè Lisboa com as do reino rendia, termo médio, 170 con- tos. Em 1553 só a da capital era avaliada em 60 con- tos. As sete casas produziam aiiíiualuieiite 90 contos. As chancellarias de Lisboa e Porto 7 contos. O consu- lado arrendava-se por 80 contos, e os estancos das car- tas, do búzio e do pau brazil por 3i. £ntre os almoxari* fados os mais rendosos eram os do Porto e Évora, qoe davam mais dt3 J 1 contos, os de Beja e do Algarve, que davam 9, e os de Santarém, Portalegre e Braga, que não baixavam de S. O maior numero oscillava entre 6 e 7 contos de renda annual. As conquistas também concor- riam para a receita, Angola e o Congo com 26 contos, a ilha de S. Thomé com li. a Mina com 40 eraquanto não caiu em poder dos liollaiidozes e o arcliipelago de Cabo Verde com 14. A índia ok ava por 41^. Estes al- garismos è provável, que não fossem mais exactos do que o são os dos orçamentos da actualidade na avaliação de alguns rendimentos, mas bastam para se formar idéa . do que a fazenda real cobrava no continente e nas pos- sessões ultramarinas. iSo anno de 1557 calculavam os 1 Carta regia de 6 de setombro de 1616. — índice Chronologteo, tom. II, pag. 29^. S£k> repetidas as providencias contra o contra- bando n'este período, e mais que tudo em 162S. — Vide Livro de Toda a Fazenda « Real PcMmoniOy lendas do reino, pag. 20 a i7. Digitized by Google 472 UISTORU DE PORTUGAL DOS SÉCULOS IVU E XVm MioiçOM vedores a receita total em 326:000^000 reaes e no de 1477, no reinado de Affonso V, em 43:OOOálOOO reaes. Comparado, pois, o rendimento geral do reioo no pri- meiro quartel do século xth com o qae se computava no principio da segunda metade do século xvi, vé-se que em 58 annos esse rendimento bubii .i a mais do quintuplo, o que nau se explica só pela diíTerença no valor da moeda, mas pela creação de novas e copiosas fontes tributarias. As despezas seguiram a mesma proporção. As alfandegas e as casas fiscaes gastavam 174 contos, incluindo o paga- mento pelos seus cofres das folhas da capella real, da jus- tiça e de outras verbas. Os'alraoxarifados despendiam 1 34 contos em juros» tenças, ordenados, moradias, fortifica- res e diversos encargos. As denominadas Casas de Lisboa consumiam 521 contos em occorrer ao soldo e provimento das armadas e tropas enviadas ás conquistas. Por ultimo, as possessões ultramarinas, compreliendendo Ceuta, Tan- ger e Marzagão, guarnição» administração e defeza, ab* sorviam 563 contos. Só o Estado do Brazil consumia por anno 54. Eis em resumo o quadro. N9o cabe individuar- mos aqui senão as feições mais proeminentes ^ ^ Fr. Nicolau de Oliveira, Grandezas de iÀtboa, trai n, eap. i, n e nt e trat. x, cap. i a v. Archivo nacional, gav. naç. 9, ]L««i6 6 3S. Dígitized by LIVRO X PART£ X L/iyiii^ed by Google LIVRO X PART£ X INSTHOICÕES E COSTUMES SOCIAES CAPITULO I CAIUDADE £ POLICIA SANIIABIA Ectabel^maatos do beneficência. Hospitaes. O de Todos os Santos.— lliMríiedl^nãt. A de Lisboa. — Serviço de saude publicn na capital. - Policia iiiodira. — Morta- lidade emLUboa. — Mendigos, vadios o ciganos. Frovideacías acerca d' elles. — ' Preço elofsdo dai sobtÍBteiMltt. —Pobreza geral. A caridade, a mais snave e formosa manifestação da lei moral ensinada por Ghristo, deveu entre nós e na Eu- ropa os mais valiosos esforços na meia idade» não á aeçSo dos poderes poblieos, mas á iniciativa dos particulares, á libei alidade dos príncipes e aos aiixilios das igrejas e mosteiros. Junto das ricas abbadias benedictinas e depois junto dos conventos das outras ordens e de alguns paços episcopaes, tudo inculca que existiam casas destinidas a recolher e a tratar os pobres. A orgamsaçSo doestes aoc^ cerros, inconipíeta e quasi sempre deficiente, ou irregu- lar, segundo as idéas actuaes, se pódc merecer este nome a cooperação dos elementos dispersos que a constituíam, proclamava, comtudo, a excellencia do principio evange^ lico — o amor de Deus e o amor do próximo. As albergarias, Inndadas pela piedade de instituidores nobres e abastados, e quasi sempre administradas con- forme a vontade d'elles, abriam as portas aos peregrinos e passageiros desfallecidos, alegados e enfermos, e acu- 4 Diyiíized by Google 476 HISTORIA DK PORTUGAL Cvidade diam a suas misérias coiii os confortos da hospitalidade. De ordinário não passavam, porém» de pequenos hospícios mantidos com esmolas e legados, que umas vezes eram um encargo e como que um appendtce de rendosos mor- gados, o í]uo oulras depcínliam das Sés e dos mosteiros, que as sustentavam com uma parte das rendas dos testa- mentos e doações oneradas com essa condição. O tem{X) ampliou as modestas proporçQes de algumas, e acabou com o maior numero d*eUas. Eram frequentes na mesma epo- clia também as gafarias, ou asylos de leprosos, chamadas igualmente casas de S. Lazaro. Levantadas fóra das povoa- ções, e sequestrando os doentes de toda a communicação com os outros homens, a mio benéfica da fraternidade chhstã miligava-lhes os padecimentos, e amaciava-Ihes, quanto possível, o supplicio atroz da solidão, a que a so- ciedade os condemnava *. As chronicas são omissas em noticias ácerca d'este as* sumpto, mas os documentos dizem, comtudo, o que basta para deprehendermos, que em PoituL^il, á simi- Ihanra da Itália, havia nos primeiros séculos da nionar- chia muitos doestes hospícios e hospitaes. No governo de Affonso III, o bispo do Porto e outros prelados, quel* xando-se ao papa de que o rei lhes usurpava a admi- nistração e os bens dos estabelecimentos pios, mostra- vam bem, que esses não eram insigmlicantes. O zéio dos benfeitores não aíirouxou com o correr dos annos. Os * Vide FJwidario, verbos wAlbergaria» e «Gafaria». — Cibrario, Histont! (hl Kronomia Politica na Meia Idade, tom. i, liv. ii, cap.iii. Bartholomeu i>omingues, senhor do solar de Carvalho, instituiu a aJbergaria de Santo Antonio do C intnro. Na Guarda havia a do Mondego chamada de Cabadoudi. D. TluMeza, innlhor rundc Hen- rique, fundou as de Pena Cova e de Mesão. Kv.ini eoniniuiis as dei- xas em i)enetioio dos leprosos dos testamentos dos ricos tiomeos, d by Google DOS SÉCULOS XYll E XVIII 477 hospítaes multiplicaram-se, e poucas seriam as terras cnidMit importantes, que nao possiiissem um, mas em regra at- p^J^ tendia-se mal o futuro e procedia-se sem a prudência indispensável para prevenir os abusos. Nos fins do sé- culo XV os perigos de temeridades até certo ponto des- culpáveis advertiram os soberanos, e inspiraram-lbes a idéa de intervii em de mais perto na gerência. Foi o que praticou D. João II, encorporaado no hospital de Todos os Santos os principaes hospitaes de Lisboa com seus rendimentos. Foi o que D. Manuel continuou, creando a dotação denominada da «obra pia», em i516, pela deducção de 1 por cento de todas as receitas publi- cas, dotação augmentada pelos seus successores^ En- tretanto, apesar da tendência dos monarchas para centra- lisarem n'esta parte a administração, algumas das casas, que existiam, con.^ei \;iirim-se separadas, e depois de aberto o hospital de Todos os Santos encontrámos ainda cinco assás antigos, sem contar o de S. Lazaro, vivendo independentes de suas rendas e das esmolas das confra- rias e dos fieis*. 0 bello hospital, fundado por D. João II, que lhe lan- çou a primeira pedra nos alicerces em 15 de maio de 1492, foi concluído por D. Manuel em 1501, pccupando- se activamente nove annos na sua edifica(^o. Formava uma cruz de quatro braços iguaes com quatro grandes 1 PfovjsSò de f de agosto de Í57S e alvará de 90 de março de 1579, ampliando a dispodçSo do ci^. ocvi da Ordenação da Fit- zenda de Í5Í6. > Estea hoepitaea eram: o de Itoa Senhora das VirtodeB pm doentes incuráveis, o de Sanf Anna também para incuráveis, o dos Palroeifos para hospido de passagdros pobres, e tns dos pescado- res. Ghristovaò Rodrigues de Oliveira, Summario, «Eqnritaes que ha na cidade». L/iyiii^ed by Google 478 mmtQÊãà. W POMVGAL ctdiíit claustros nos aoguios^ Jborta e dois tanques de agua. Um (Jas teaçosdacruz era aígr€^> frooteira á praça do Ro- cio, «ubindo-se para ála por uma escadaria de pedra de ■ \ iníe (• um degraus. O templo, inagiiiíicu, espaçoso e de- corado com opulência, linlia entrada digna d'elle. Um portai, DO estylo manueliDo, com os pelicaoos, emblema de el-reí D. Jo^ aos lados do baldaquioo suspenso so- bre a estatua coroada do monarcha, e com a divisa de I). Manuel, a espiíera armilar, alçada no remate da fa- chada, todo cobei to de lavores e arrendados custosos, jtf^ificava o conceito geral de ser uma das obras mais formosas ii*«ste género da architectura portugueza K A administração compeCía no secolo xvi a tres padres da ordem de S. Juãtj l]\aii<,íeiista, um na qualidade de pro- vedor, o ouli o na de almoxarife, e o ultimo na de veador com mando e alçada sobre os-enfermeiros e o despensei- ro. -O edificío encerrava tres muito grandes enfermarias em cruz, a das febres para os bomens, a das febres para as mullieres, e a de ciriii f^ia para os feridos. Alem does- tas seguiam-se outras duas menores para tratamento das moléstias sypbiliticas de ambos os sexos. Basgava-se por lMixod'eHas o vasto aposento, aonde se agasalhavam to- dos os peregrinos naturaes e estrangeiros, dando-lhes somente a</iia e caTiin. I odas as eiifermarias comprehen- <iiam cento e tres ieilos, noventa e oito de enfermos avul- sos, e cinco reservados para os frades capuchos de alguns mosteiros dos arredores de Lisboa. O movimento ordi- ^ Veja-se a estampa do portal na bella gravura do n." 27 do jor- nal o Aniltwo FUtortteOj tom. iv, anu. 1861. O papa Xisto IV na ImUa Ex dMo ãotídiuéiim anctorisoa a eneorporayâo de todos os bens no hoqiilal de Todoe ob Santas «para a caritativa hospitali- dade .éOÊ jMèves, peregiinos, invaUdos^ eoiienBoiB^ e outras pessoas miseráveis». InnocencioYin confiimoo-a. Digilized by Google iM MdMs xvit « vm nario era de cento e cincoenta doentes» e ás veees mis, Md«dtf deitando^ dois na mesma cama. 0 quadro do serviço medico comiHiiiiia-se de dois en- íem^FOS môi^es, dois médicos, ires eirui giões, dez eu- fermeiros e duas enfermeiras. A casa ^a botica de par> tido. As dietas fiiziam-se em doas cozinhas secadas, ad«i9 febres e a das doenças sypliililicas. Gs enlermeiros ven- ciam 25 cruzados por anno de ordenaflo e racTío. Os mé- dicos e cii urgiões recebiam 450 cruzados e tinham mo- rada paga. O sangrador ganhava trinta alqueires de trigo, e a cristaleira uma ajuda de custo. Havia visita diária dos etiífM inos enl!'ados, assistinrlo o provedor, os enfermeiros luóres e os médicos. Capitulava-se n'ella a moléstia, e os doentes, depois de confessados e sacramentados pelo cura, eram enviados para as enfermarias. O hospital de Todos os Santos recolhia tamfbem as creanças expostas és suas portas, As da Misericórdia e em Ioda a cidade, prestando- Ihes os primeiros soccorros duas amas eíTectivas, e sendo • depois a creaçSo feita por mulheres das aldeias vidinhas, que todos os annos na véspera do orago da casa deviam comparecer ])ara serem pagas. Os expostos do sexo inas- culiíio. (jiie alcançavam a uhúv da ad(ile^cenc!a, ]>assa- vam a aprender algum oâicio manual, e as rapari^ ti- nham dotes, e, n!ío casando, serviam «orno ereadas com a 9<Mada de orphiís. Os paes podiam pedir os filhos en- geitados em qunlqiipr tempo, jurando que eram seus, e satisfazendo, se quenam, as despezas da educação. A casa dos doudos constituía outra dependência do hospi- tal, cujas rendas em l$50 orçavam por lO^OOOmizades (4 contos de réis). O numero dos expost08ii'acpMllla ^o- cha oscillava amiualmente entre 400 e 500 ^ 1 GhríitoYad BDdrigaes da Oliveira, Summam, «O Esprítal de toddBososSnilOB». UnOBIà DB fOnOttAL ouiáêà» Na primeira metade do século x?ii todas estas propor- ia ções haviam quasi dobrado. O deseDvoivimeDto da casa ' e do serviço acompanhára em todas as relações o desen- volvimenlo da capital nus ulliiuos oitenta annos. A admi- nistração fôra coiiliada á Misericórdia de Lisboa com o direito de nomear e despedir os empregados, e o seu provedor desempenhava as funcções de enfermeiro mór. Nos impedimentos snbstituia-o o thesow^iro da fazen- da do hospital, que era sempre um fidalgo principal. Dez irmãos serviam por turnos mensaes, um de mor- domo da Capella, outro da bolsa» seis de mordomos das enfennarias, dois de mordomos dos pleitos do estabe- lecimento perante os tribunaes, e dois de mordomos dos expostos, ou engeitados. Estes quatro últimos tinham exercido annaal. Tratavam dos doentes dois médicos, tres cimigiQes e sete praticantes de cimrgia» que» depois de examinados ali, tiravam carta para cm^rem em todo o reino. Havia vinte e Ires enfermeiros e enfermeiras, sem incluir as ajudantes. O quadro abrangia ao todo en- tre ofiicios maiores e menores dentro e fóra do ediâcio ^ pessoas. O numero das enfermarias também crescê- ra. Gontavam-se nada menos de quatro para moléstias cirúrgicas: «S. Cosme, S. Damião, Madre de Deus e Cor- redor»; cinco de moléstias diversas conhecidas pela de- signação geral de Febres: cS. Vicente» S. Francisco» S. Bernardino» Camarentos e Loucos»; tres de doenças syphiliticas do sexo masculino» e uma do sexo femini- no; tres para mulheres: «Camarentas, Chagas e Loucas»; uma para convalescentes, e duas vagas: «S. Pedro e S. Diogo»» para occorrer ho veifio» especialmente» á maior afluência dos enfennos*. ^ Fr, Nieolaa de Oliveira» Grandtsoi de Luboa, trat v» cap.T. d by Google DOS SÉCULOS xvn E xvm 481 A vigilância e a íiscalisação de todo o serviço das caridade enfermarias corria a cargo dos mordomos, que as sii- ^"[^ perintendiam, dividindo-se por cada um, segundo o tra- balho» a população e a responsabilidade d elias. Âs die- tas consistiam em carneiro, gallinha, p9o, ovos, assucar, vinho, biscQUtos c mamieiada, conformo as indicações dos facultativos. O movimento anniial dos doentes rnl- culava-se, termo médio, em 3 026, dos quaes faileciam 620» e saiam curados â:l50^ O numero dos expostos entrados nunca baixava de 200 por anno. O tratamento dos doentes era, ao que parece, cuidadoso c caritativo. A botica recebia 600)5000 reaes todos os annos i)elas drogas e medicamentos fornecidos. O jantar no verão dava*se ás onze horas da manhã, e de inverno ás dez. A ceia no estio era ás quatro, e na estação invemosa ás cinco. As raçijes vinham repartidas em tal)uleiros para os eníernios. Os módicos e cirurgiões venciaiu por anno réis, os enfermeiros pela maior parte 25^000, e as enfermeiras I44Í400. 0 hospital^ consumia annualmente cento quarenta e quatro moios de pão, cento oitenta e cinco cântaros de azeite, e cincocnla e seis pipas de vi- nho. As suas rendas mon la vam in\ inl a I idade a 1 2 : 727^^688 reaes, e as despezas ordinárias a 8:781iS^01. Os médicos 6 dmi^ões todos os dias visitavam as enfermarias, e receitavam na presença dos mordomos. Os outros hospi- taes do paiz procuravam, a pouco e pouco, e na medida de seus meios pecuniários, a[)])roximar-se o mais possi- vel dos exemplos, que lhes oííerecia o estabelecimento ' Fr. Nicolau de Oliveira, Grandezas de Lisboa, trai. v, rip. v. Fr. Nicolau refere estes dados estatísticos no anno de 1616-1(>17, mas acrescenta que não deve espantar a quantidade de géneros oon- snmidos pelo hospital, porque o movimento dos enfermos era muito grande. TOXO T 31 Digitized by Google 1^1 HISTORIA DE PORTUGAL MM mais bem regido. Em outobro de 4004 um gnnde in- cendio abrasou parte do edifício de Todos os Santos, mas os estrajros depressa foram reparados^. Coube á gloriosa epoeba de D. Manuel a realisação de um dos mais nobres pensamentos, qae a caridade ebristã podia inspirar. EmquantoYaseo da Gama suleava as so- lidSes ignoradas do oceano e descerrava as portas do oriente, abria m-se de par em par no reino as da benefi- cência aos infelizes e desamparados. Fr. Miguei de Con- treras, heq[)anbol de gerado distíncta e religioso trínita- rio, foi o instrumento predestinado de um dos maiores progressos moraes, que entre nós illustraram o alvorecer do século x?i. Passando a Portugal em 1481, os sermões que prégott, ungidos de verdadeira eloquência evangéli- ca, edificaram os fieis. Cresceu a finna dos milagres da sua palavra, concorreram as multidSes a escata*lo, e o povo começou a appellida-lo o «apostolo». Elevado á posição eminente de confessor da rainha D. Leonor, mu- lher de D. Joio II, sua humildade ainda augmentou, vol- tando todos os extremos para os desvalidos, sooeorrendo a pobresa envergonhada, as viuvas miseráveis, os enílw- mos sem abrigo e as donzellas orphãs, e pedindo esmola pelas casas para acudir aos infortúnios descurados pela sociedade. Este léio não podia deixar de produzir fru- * Fr. Nicolau de Oliveira, Grandezas de Lisboa, trat. v, cap. ?, «rDas rendas do hospital— Da despeza das rendas do hospital». Acfirca dos «Engeitados» é curioso o pedido dos povos nas eórtes de Lisboa de 1498 para que os exitostos não fossem enti pernes aos paes, ou mães, se os pedissem, senão pagando primeiro a creaçlo; e ficando com as cmnças até aos sete annos, qup as pessoas estra- nhas, em cujo poder estivessem, não as largassem, emquanto os mo- ços, ou moças, ou os parentes lhes não compensassem as despezas e euidados» cap. xxti. Digitized by Google BOS SÉCULOS jm B xvm '483 ctos de ben(ão. Commoveu-se o animo da rainha» cijyo cmím nome corre vinculado á fundação de alguns dos nossos principaeí? estabelecimentos pios, e coadjuvaram-o todas as classes. Mas aqiiella mâo l)enníica, mesmo auxiliada, não conseguia enxugai todas as iagrimaSi e muitos es- trangeiros doentes, e até moribundos, recolhiam-se nos adros das igrejas debaixo das alpendradas e sob os arcos do Rocio. Este doloroso espectáculo renovou os brios e avivou os espíritos de Fr. Miguel. Subira ao thruiio D. Manuel, e partira com sua mulher para Toledo, a lim de serem jurados ambos herdeiros e saccessores da corôa deCastella, e ficára ^carregada da regência a rainha viuva D. Leonor. As sementes lançada.^ no seu coração tiiiham lido teinpo de germinar, e o confessor, sem diflicuidade, obteve d'ella o apoio e protecção, de que a grande idéa, amadurecida em suas meditações, tanto carecia para se converter em fecunda applicação. No dia 15 de agosto de 1498 foi instituída com solemnidade no claustro da Se- de Lisboa, na capella da Virj^^em da Piedade, a confraria de Nossa Senhora da Misericórdia, e o senado concedeu para asylo dos enfermos sem amparo as casas junto de Santo Antonio, aonde antigamente se faziam as audiên- cias da Casa do Civel. A confraria, cujo compromisso havia sido modelado em parte pela instituição análoga, que desde i'ò'õO existia em Florença, afiançava sob os auspicios da rainha todas as promessas da Misericórdia Divina aos desgraçados, porque tornava i^^^naes e irmãos diante do Evangelho to- dos os humens. (3s mais afortunados uiiiam-se nos laços do amor do próximo para trazerem consolação e alhvio aos que padeciam. O proprietário repartia com o men^ digo, o rico estendia a mão ao indigente, o fidalgo lavava os pés ao mendigo, o pae de familia cortava ao orphão 31. Digitized by Google 484 HISTOIUA DE PORTUGAL caiidiíb uma fatia do pão de seus filhos» levava os remédios do corpo e a esperança da alma ao alvergue dos desditosos, acompanhava os culpados sem deíensores aos tribunaes e ao estrado do throno, e subia com eiies» condemnados, os degraus do patíbulo para lhes adoi;ar a aflronta dos ulti- * mos momentos.  fMíserícordia», como Fr. Miguel a concebeu e soube crea-la, não desmentiu nenhum dos grandes desígnios do instituidor. As donzellas infelizes receberam dotes para casar, as viuvas pobres au&ilio op- portuno, os expostos recolhimento e educação, os enfei^ mos agasalho e curativo, os peregrinos necessitados pou- sada e ajuda, os captivos resgate e transporte paia a pátria. Os presos, alem do sustento nas cadeias, tinham advogado . para os tiibunaes, e protectores para o derrar deiro recurso á corâa. Os padecentes achavam conforto no oratório e no transito para o supplicio. Finalmente os mortos sem meios de se enterrarem preces e sepultura. Eis em resumido quadro o que era ao nascer a obra pie- dosa do apostolo trinitarío» e o que «m grande parte continuou a ser em todo o século xvi e na prhneira me- tade do XVII D. Maiiuel, regressando de Ilespanha, quiz associar a sua muniíicencia á generosa empreza, a que sua irmã acabava de pôr os alicerces. Largo por índole em to- das as aspirações, e t9o mimoso da fortuna, que até os impossiveis lhe aplanava, tomou sobre si a nova construcção, e traçou-a com tanta magnihcencia, que o 1 Consu1tem-se sobre a instituíçio da «Misericórdia» e do sca fundador Pjr. Uigiiel de Contreiras o n.* 29 do jornal o Archivo PU* tore$co, tom. iv, ann. de 1861 ; Christovão Rodrigues de Oliveira^ Summarío àe algumm amm a$$m Ecdesiasticas, como Sectdares, quê ha na ddade de Usboa, a «Misericórdia»; Fr. Niodau de Oli- veira, Oraundexat de Li^toa, trat v, eap. in. . kj: i^cd by Google DOS SÉCULOS xvn B xvm 485 monumento de pedra correspondeu nas proporções e na candad* belleza á immensa elevação do monumento humanitário. f^o o viu el-rei concluido, e só treze annos depois da sua morte é que foi inaugurado, em 25 de março de 4534, transferindo-se para elle a confraria ainda hospe- dada na Capella da Sé e nas casas junto de Santo Anto- nio. Fr. Miguel de Contreiras tinha fallecido em 1505» e a única recompensa do grande acto, se alguma podia cubi« çar alem do êxito, coiiíeriu-lh^a a posleí idade, mandando debuxar a sua Imagem após setenta annos nas bandeiras da Misericórdia ^ 0 templo, que D. Manuel alevantou, reputava-se, de- pois do de Santa Maria de Belém, o mais sumptuoso da cidade. O seu portal lavrado no cstylo golliico nondo olhava para o oriente» e para avaliarmos bem o que se- ria bastará contemplarmos a porta travessa» que sobre- viveu ao terremoto de 1755» e serve hoje de porta prin- cipal á parochia da «Conceição Velha». Vinte altíssimas columnas de mármore, cobertas dos primores do cinzel, seis dividindo a igreja em tres amplas naves, e quatorze embebidas nas paredes» sustentavam a abobada toda for- mada em laçarias e artesões, altemando-se nos ornatos os emblemas da fé com as divisas do fundador. A^capeliamòr, 1 Archtm Pittoresco, tom. rv, ann. de i861, n." 29. Offerece a estampa do baixo relevo, que ornava o vSo do pórtico da porta tra- vessa da Misericórdia, hoje principal da parochia da Conceição Ve- lha. Este grupo de figuras, se corno obra de arte revela pouca per- feição de esculptura, como objecto histórico e arclieologico é de grande valia, porque de uma pnrte representa o papa Alexandre VI e Fr. Miguel de Contreiras, e da ouh-a D. Mnnuei, a rainha D. Ma- ria, sua segunda mulher, e seus liliio^. — (^íiiislovíTo Rodrigues de Oliveira, Sum7na7'io de algumas coKsas assim Ecdesiasticas, coma Seculares^ da cidade de LUboa, «A Misericórdia»* . kj. i^cd by Google 486 HISTORIA DC PORTUGAL Caridade eni talha reicvada de esculptura deslumbrava a vista. Dois recolhimentos de orphãos, um hospital e espaçosas salas para a secretaria e os cartórios completavam com vastas officlnas o soberbo edifício. Em i550 a confraria recenseava ppi ío de trezentos irmãos. Entre elles todos os ariiios elegia treze, um fidalgo para provedor, e seis nobres e seis mechanicos para constituirem a mesa tres vezes por semana, tratando aos domingos dos presos, ás quartas feiras dos pobres, e ás sextas da a|)plícaç^o das esmolas da casa. A mesa nomeava do seu grémio escri- vão, thesoureiro e quatro visitadores dos doentes pobres e das viuvas desamparadas. Outros dois deviam duas ve- zes na semana ordenar o jantar dos presos, p9o, carne e agua. Na cozinha da casa preparavam-se dietas para os enfermos e rações para os indigentes, e tinlia duas boti- cas, uma pai a us pobi es que tratava de porias a dentro, e outra para fornecer os remédios aos infelizes de fóra. Um medico, úm cirurgílío e um sangrador com ordenado fixo deviam acudir aos que os irmãos da mesa lhes desi- gnassem. A Misericórdia arrecadava de esmolas, termo médio, 30:000 cruzados, havendo annos em que alcan- çou até o dobro. Em i640 a confraria das obras de misericórdia não contava menos de seiscentos e vinte irmãos, incluindo tre- zentos nobres, sendo o primeiro o rei de Portugal desde D. Manuel, e trezentos inechanicus uiíiciaes de ollicios e vinte letrados. O provedor e a mesa eram ainda eleitos e fiinccionavam como no século xvi, com pequena difife- rença. Não podia ser admittida na irmandade pessoa, que não provasse limpeza de sangue som quebra de parentesco judaico, ou islamita, A maior igualdade existia entre to- dos os confrades nos actos próprios da associação, ser- vindo condes, marquezes e senhores ao lado dos plebeus. Digítízed by DOS sficuLOs xvu E xvm 487 o provedor, fidalgo seriipre distincto, passava as cartas o^úê de guia aos pobres doentes» que se recolhiam á terra natal ^^1^^^ 6 ao8 peregrinos iodigentes para serem agasalhados nas misericórdias, que encontrassem no camfaiho. Todas as semanas mandava distribuir 5^5000 réis nas quartas fei- • ras aos mendigos que concorressem á portaria. A casa tinha vinte capellães com ordenado certo, um mestre da capeUa, um organista e quatro moços para ajudarem ao serviço divino. Em i6li, um dos mais escassos em ren* dimento, entraram nos cofres 42:839 cruzados, tendo-se no de 1606 elevado esta receita a ^5:000. £m iÔ4^ sur biu a 67:000 de esmolas» rendas e juros empregados com grande acerto em acudir a todas as obrigações do instituto. Foram applicados ás dotações necessárias para sus- tentação do hospital de SanfAnna, aonde havia trinta e cinco camas e duas enfermarias com trinta e dois doentes do hospital dos incuráveis, sob a invocação de Nossa Senhora do Amparo» debaixo dos arcos do Rocio» com ciricoenta e nove enfermos, e o recolhimento das donzellas de Santo Antonio com treze orphãs, quatorze porcionistas e onze creanças desamparadas. N'esse anno, alem doestas despezas certas, disseram-se por conta da casa tres mil duzentas oitenta e dnco missas, alimaita- ram-se na cadeia setecentos oitenta e oito presos, dos quaes os irmãos livraram quatrocentos noventa e nove, e á custa da confraria embarcaram cmcoenta e oito, que saíram a cumprir degredo, alguns com mulheres e filhos» correndo ao mesmo tempo com as custas de vinte e nove appeliagões e de muitos processos crimes. Pagaram-se mais de 4 contos de réis de dotes ás orphãs» mais de 1 conto de réis para resgate de captivos, e soccorreram-se quinhentos e noventa pobres envergonhados, e cento quai eata 6 seis eiilrevados, visitados com esmolas sema- Digitized by Google 488 HISTORIA DE PORTUGAL CwUada naes. Havia outros visitados todos os mezes, aos quaes a casa abonava botica, medico e dietas*. Eram estes os serviços prestados peia coaírai ia todos os a&nos em nome da caridade evangélica, e por elles gran- geava a admiração e o applauso, não só dos conterrâneos, mas dos estranhos, unanimes no louvor de obra tão pia. D. Manuel, que a muitos respeitus justiíicou por grandes acções e nobres instinctos as maravilhas do seu reinado, não contente com a protecção liberallsada ao pensamento de Fr. Miguel de Contreiras, cuidou com zélo sincero em implantar desde logo cm todas as terras principaes do reino confrarias análogas regidas por compromissos si- miihantes ao de Lisboa. A sua carta á camará do Porto e às de outras viilas e cidades é um dos documentos mais bellos do seu governo, e um dos mais fecundos. D'elie nasceu a instituição de todas, ou da maior parte das mi* sericordias, tão úteis n'aquella epocha e tão efiQcazes nas seguintes como auxiliares dos progressos moraes. £m Í6i8 o gabinete de Madrid approvou e confirmou o novo compromisso proposto pelo provedor e irmãos da Mise- ricórdia de Lisboa, alterando, ampliando e melhorando o antigo estatuto de agosto de 141)8 K 1 Fr. Nicolau de Oliveira, Grandezas de Lisboa, trat. v, cap. iii. — Impresso avulso sobre a receita e despeza da Misericórdia de Lisboa em Í642, inserido na CaUpirão de LerjUíarão Portugneza do sr. José Justino de Andrade o Silva, aiin. 1613 a 1019, png. 318 a 320. N'esse anno, aiem de muitos defuntos poljrcs, foram sepultados de graça pela confrari.i duzentos o oitenta escravos. A despeza com esmolas orçava por 12:000 cruzados por anno e a dos dois hospitaes por 3:700. 2 (>arta de el-rei D. Manuel á camará do Porto em 14 de março de 1499, no principio do compromi^í^^o da Misericórdia d'aqnolla cidcide. — Alvará de 19 de maio do 1618, impresso ^ivulso pm 1674. Vide Cdlecção de Legislação Portvqueza do sr. José Justino de An- drade 6 Silva, ann. i613 a 1619, pag. 283 e seguintes. Digitízed by DOS SECOLOs xvn E x\m 489 Lisboa, como terra marítima, pela accumulação dos caridada seus moradores, e pelas más coDdições hygíenicas da cob- slroc^o das casas, offerecia alimento fácil aos contágios e epidemias, e por vezes fôra cruelmente despovoada pelo flagello da peste. A devoção dos soberanos e dos habitan- tes no maior incêndio do mal pimiia só o coração e os olhos no céu, e abraçava-se com a fé, em umas occasiões promettendo festas e novenas á Senhora do Rosario e em outras soleiíinisando a entrada das relíquias de S. Roque, pedidas â republica de Veneza por D, Manuel. Datam da epocha de D. João 111 as primeiras providencias preven- tivas, que, apesar de incompletas e de imperfeitas, já moeram que alguns progressos se haviam adiantado em tâo importante assumpto. El-Hei, notando que na ampla bahia do Tejo fundeavam duzentos e mais baixeis mer- cantes, 6 que muitos, e em especial os do norte, navega- vam de portos ínQcionados, ordenou, antes do anno de 1537 a primeira organisação de polícia de saúde, creando na igreja de S. Sebastião da Padaria, situada então no centro da capital, uma repartição composta de dois pro- vedores, um meirinho, um escrivão e um medico, incum- bidos de occorrerem a tudo o que dizia respeito a este serviço. Nos dias de sessão do senado assistia na mesa um vereador com o titulo de provedor mór. Vinte e nove delegados dos provedores com a deno- minação de «Cabeças de saúde» cumpriam e íiscalisa- vam nas freguezías as ordens da junta central, passando as guias para os enterros depois de verificados os óbitos por certidão dos facultativos. Em Belém existia um posto formado de um provedor, escrivão, meirinho e dois guar- das, encarregado da visita das embarcações entradas. Os capitães dos nàvios não podiam seguir sem primeiro lhe apresentarem os passaportes acom^auiiados de uma de- Digitized by Google 490 HISTOBU DE PORTIMUkL Círidade clara çao jiirada da procedência do navio, tempo da via- gem e portos em que tocara. O posto, achando que eile vinha de terra infestada de peste, expedia aviso aos pro- vedores da cidade, e mettia logo os seus dois gaardas a bordo. Uma quarentena de trinta dias era de ordinário prescripta, mas sem cortar inteiramente a coininunicaçSo dos navegantes com a população, o qtie em grande parte annoUava o sea effeito. O senado pagava os salários dos empregados, e o governo o dos provedores, que vmiclam iO^OOO reaes cada um. Em 4537 o alvará de 3 de de- zembro comniiiiou a pena de desterro para S. Thomé e de sequestro das fazendas aos que saíssem sem licença dos navios suspeitos, e igual castigo para as pessoas que os recolhessem sendo sabedoras da infiracção. Esta organí- sação conservava-se ainda em pleno vigor na primeira metade do século xvii. Em rebentando um conta- gio em Málaga, adoptaram-se com certo vigor medidas até certo ponto acertadas, mandando passar por vinagre e fogo todas as cartas e papeis recebidos d'aquella localidade e das vizinhas na presença de um dos provedores da saúde, e inquirir do correio mór quaes os indivíduos a quem antes tivessem sido distribuídas. Vedou-se por mar e por terra toda a correspondência com Málaga, Antequera e Izeda, e prescreveu-se aos corregedores, juizes de fóra e provedo» res das comarcas, que negassem entrada pelas fronteiras a todos os passageiros vindos d'aquelles pontos Pertencem igualmente ao reinado de D. João III as leis promulgadas para acautelar e prevenir os abusos 1 Fr. Nicolau de Oliveira, Grandezas de Lisboa, trat v, cap. Alvará de 33 de junho de 1627 sobre providencias contra a pesto de Málaga. Colleeçu/o de Moruenhor Gordo. — Alvant de 3 de dezem- bro de 1537; «Dos que vem a Lisboa de terras impedidas de pesle». Comp. de Duarte Nunes, part iv, liv. x. Digitized by Google BOS SBCULOS Tm B xvm 491 dos empiricos e charlatães no exercício da cirurgia e me* cmm»<í dicina. Segundo as disposições do alvará de 4 de novem- ^.^«^1^ bro de i545 ninguém, mesmo que fosse bacharel, podia curar senão depois de obter o grau de licenciado em ar- tes com oito annos de cnrso na faculdade, seis para o bacharelado e dois para a pratica, se^i^uindo a clinica de al- gum dos doutores da universidade. A multa de $0 cruza- dos castigava a menor infracção. Em 1506 foi modificado o rigor d'estes preceitos, concedendo-se que os estudantes approvados nos cursos thooricos e práticos da ac^d mia cu- rassem livremente sem dependência de exame e de aucto- rísaçlo do physico mòr. £m i56i foi probibido nos Ioga- res aonde houvesse mais de um medico e de um boticário, que o medico vendesse remédios manipulados em sua casa, ou receitasse com parceria de parentesco, ou de in- teresse para qualquer botica. Ácerca dos cirurgiões não eram menos severas as provisões, não podendo nenhum individuo usar da arte sem a estudar dois annos comple- tos no hospital de Todos os Santos de Lisboa, salvo os que frequentassem as universidades de Coimbra, Sala- manca e Guadalupe, os quaes, depois de exaniíaados pelo cirurgião mór, ficariam dispensados de outra habilitação. Ao cirurgilo môr competia verificar a capacidade dos alumnos, e, achando-a sufficiente, passar-lhes carta para exercerem. Os cirurgiões e sangradores convencidos de curarem sem licença eram processados e julgados pelo . cirurgião mór**. As attnbuições do physico mór definidas no seu regi- ^ Alvarás de 4 de novembro de 1545 e de 90 de março de i666 sobre o tempo de estudo doe médicos. — Alvará de 7 de julbo de 186i sobre parcerias de médicos e boticários. — Alvarás de 26 de jattio de 1559 e de 3 de mar^o de 1565 sobre drargiOes e san* gradores. Duarte Nimes^ part. iv. Digitized by Google 49S HISTORIA DE POBTDGAL cari(Ud« mento datado de 25 de fevereiro de 1524, assim como y^^^^. as do cirurgião mór consignadas no regulamento de i'Á de dezembro de 163i, alem das faiiG(^es propriamente technicas, abrangiam as de policia e de fiscalisa($ão me- dicas do reino com todo o contencioso, constituindo uma espécie de visiriato assás absoluto e oppressivo. Cumpria ao physico múr visitar as diflerentes províncias^ a íim de verificar o seu estado em relação á observância das regras de policia medica» ordenar todos os triennios a taxa do preço dos remédios, compellir os facultativos a indica-lo em suas receitas, e examinar as drojPfas na casa da índia e na alfandega de Lisboa para rejeitar as que achasse corrompidas. Nos outros portos este exame per- tencia aos corregedores das comarcas. Era ainda attríbui- ção sua, finalmente, prohibir a concessão de cartas de cfmr- gia aos boticários por incompatíveis com o seu oílicio *. Ao cirargiâo mór incumbiam funcções quasi análo- gas na soa esphera. Devia fazer também a visita do rei- no» e cohíbir as infracções dos regimentos de saúde na parte que lhe respeitava, conservar em um livro espe- cial o assentamento de todos os cirurgiões habilitados, livres e de partido» appiicando a pena de degredo para fóra de villa e termo aos que curassem illegahnente» e examinar com dois cirurgiões escolhidos por elle os qae se propozessem para exercer a arte, uma vez que provas- sem saber latim e ter pratica de quatro annos no iiospital da terra. A sua carta de approvação pagava um marco de prata de direitos de chanceilaria. Assistido de dois bar- 1 Regimento do Physico mór de 25 de fevereiro de 1321.— AI- . Tnrá de 29 de junho de 1637 sobre taxas de remédios, e de i5 de novembro de 1623 sobre policia medica. O physico mÓr podia sus* pender, autuar e proeessar as pessoas encontradas em contraveaçio das lás em qualquer terra do reino. Digilized by Google DOS SÉCULOS XVU R XVDI 403 beiros peritos examinava igaalmente os sangradores, que cntdad6 justi (içassem dois aniios de bom exercício. Por ultimo, era examinador também de obstetrícia e passava as licenças ás parteiras, assim como podia expedir aos curandeiros de escrófulas, chagas e feridas simples auctorísações para usarem de seus bálsamos e unguentos particcdares. As licenças custavaiu tres cruzados, e a multa dos sangra- dores sem titulo 2)Í000 reaes Entretanto, como notámos em outras parles, os estu- dos médicos haviam declinado muito desde o ultimo quartel do século xm, e em 4604 o governo, para os re- animar, decidiu estabelecer partidos destinados ao soe- corro dos alumnos pobres, dignos de incentivo pela sua vocação. Creou para isso, pois, trinta legares de porcio^ nistas na universidade de Coimbra e dois de collegiaes em S. Pedro e S. Paulo com ^0^)000 reaes por anno cada um em tres pagamentos. A admissão dependia de óptimas informações locaes tiradas pelo reitor e tres len- tes de medicina, devendo os candidatos provar capaci- dade, pureza de sangue e procedimento irreprebensivel, e prestar fiança de frequentai em até final appi uvação to- dos os cursos. Os que perdessem algum, ou o interrom- pessem, alem da suspensão do subsidio, ficavam obriga- dos a restituir o que houvessem recebido. O fim doesta instituição era habilitar sujeitos aptos para clínicos e pro- fessores. Crearam-se mais vinte pensões para boticários com i6i$000 reaes annuaes por espaço de seis annos e a condirão de praticar quatro em Coimbra, ou em outra ci- dade. A despeza total subia a l:600(jMX)0 reaes reparti- dos pelos concelhos e comarcas mais ricos, e arrecadados 1 Begimeiilo do círaigiâo mór de 12 de dezembro de 1631. Coí- kefão de Rê^inm^ Reaes^ tom. vi, pag. 343. Digitized by Gov.*v.i^ 491 aiSTORU DE PORTUGAL pdo prebMidarío da oniversidade. Apesar, camtiido, d'esta disposição benéfica, e das restricções e seveiida- des penaps, o exercido da medicina p dn cinir^ia nas terras pequenas e nas aldeias corria peias mãos dos em- píricos, e das maUieres de virtude, e a rudeza popular fugia dos facultativos habiUtados para os que promettiam alliviar«1hes as dores com segredos e orações, e ás vezes com sortiloírioí?. As razms poiíciaes do pbysico mòr e do cu urgião mór, dODunciadas a tempo, raras vezes coibiam os in- firaetores, e a cumplicidade do povo cobria do castigo os que mais abusavam da sua boa fé. O atrazo da scien- cia p a ignoraucia anatómica e pharmaceutica dos mi- uistraiites habilitados tornavam alem d'isso tão nocivas e arriscadas suas prescrípções, que os enfermos tre- miam. Dão sem motivo, de caírem debaixo da ferula dos esculápios leí.'aes. A mortabíiadt' accusava todos os dias a sua incompetência *. O numero dos médicos que exer- ciam clinica em Lisboa em i5âi orçava por cineoenta e sete^ o dos drurgiOes por setenta e o dos boticários por quarenta e seis. Em 4620, isto é, sessenta e nove annos depois, a capital contava sessenia jjhysicos, ou médicos, cento cineoenta e tres barbeiros de lanceta com loja aber- ta, quarenta cirurgiões e quarenta e tres boticários. Ape- sar doesta facilidade de soccorros, a mortalidade accusava as más condições hygienicas e a alimentação insufficiente, ou nociva das classes populares, subindo poí-anno us óbi- tos, termo médio, a rini o mil, sem contar os dos hos- pitaes e das galés e prisões, proporção assás elevada para 1 £ncontra-se o Regimento dos Partidos de Médicos e Boticarin no fím cios estatutos da universidade de ifiôl e aviilao nas ooUec- (ôes de Tiigoflo e Moiueiihor Gofda d by Googl DOS SÉCULOS XVn E XVttí wna população que não excedia cento sessenta e cinco mil almas, porque representava só por si uma perda con- stante e avultada, perda de certn muito maior se podes- semos incluir todos os algarismos, que deveriam escapar ás imperfeitissimas estatísticas da epodvi^ A mendicidade, pondo todas as mascaras, e cobrindo- se com todas as capas, invadia as terras príncipaes, e era o flagelio das povoações abastadas, sobretudo das ruraes, aonde esta lepra se alastrava com menos pejo, bio- qaeando as portas das casas mais ricas. Nas viUas e ddades os pedintes enxameavam nas portarias dos con- ventos, á entrada das igrejas, e pelas ruas mais concop- ridas. A sua destreza em simularem chagas asquerosas, aleqdes e moléstias repugnantes, a fim de attrabirem a eompaixlo» era tal que chegava a constituir ama arte, assim como a vida de mendigo constituia uma profissão lucrativa. O governo intentou oppor-se aos maiores abu- sos; mas a obsLiiiaçào dos exploradores por um lado e a credulidade dos illudidos pelo outro, frustravam na exe*> cução as melhores disposições, e o numero dos que fol- gavam á custa do património dos verdadeiros pobres to- dos os dias augmentava. Em 1604 os excessos tocaram o extremo, e auctoridade para os cohibir publicou uma provido bastante severa. Ninguém podia esmolar sem ^ ceoça dos corregedores e dos ouvidores das comarcas, sob pena de açoutes e degredo para dez Icguas de distancia da terra, aonde a infracção fosse commettida. £m todas as localidades deviam os magistrados mandar lançar pregão, citando os cegos, os velhos e os aleijados, ím- & Christoviò Rodiifues de Oliveiía, Summam, «Gente de offl- eioa ^ ba on liaboa.— Fr. Nicoian de OUvoira, Ormidejun dê Luèoa, tnk, iv, cip. vm e vl No hoqiital de Todot ot Statos or« çsfi a wiwiiflHdadt por rinwfmla indivíduos por hmi» 4M mSnilIA DB FOttTUGAL possibilitados de trabalhar» para comparecerem em dia certo em um logar determinado, e só d^ts de exami- uados se expedia a cad i um licença por seis mezes para iovocar a caridade publica. A licença não podia ser re- novada sem o parocbo, ou o cura attestar a miséria do individuo. Estas prescrípções depressa ficaram qnasi em letra morta, e decorridos quatro annos, em 1608, o al- vará de 25 de dezembro suscitava a sua observância, avivando o zéio dos juizes do crime dos bairros de Lis- boa contra os pedintes, que arrancavam esmolas, não só fingindo enfermidades, mas valendo-se de caixas com imnpens de santos pintadas, e de biocos liypocritas para arnuii eni i\ devoção dos fieis*. I^ão menus impotentes tinbam sido, e continuaram a seir, os esforços empregados para expeiiir do reino as quadrilhas de ciganos que pululavam por toda a parte, e especialinenti.' nos districtos do sul e do centro, zombando do rigor das leis, que desde o primeiro quartel do sé- culo ivi não baviam cessado de comminar em vão penas contra os que entrassem de novo, ou insistissem nas abo- minações de sua existência errante. Estes homens, conhe- cidos em França pela denominação de «egypciost e de cbohemios», em Itália pela de «zíngaros», e em Inglaterra peia de cgypsies», descendiam de uma raça emigrada dos paizes do Levante, que no xv século se espalhàra pela Eu- ropa, raça exótica, tenaz na conservação da individuali- dade do seu typo, e incorregivel, então, como hoje, no exercício das industrias illicitas, dos roubos furtivos e dos 1 Provisão 4e 9 de janeiro de iG04, contendo o regulamenío r!a mendicidade auctorísada, — Alvará do 25 de dezembro dc 1608, art i3.% provocando a obsenanria d'f lie.— Coliccrão Galhardo junto á lei de 25 de julho de 1760.— Carta regia dc 29 de janeifo de Í6i9, auscitaiuio a execução das leia vigeates contra oa vadios. Digitized by Google DOS SÉCULOS XVlí E XVIII 49? contratos fraudulentos. As mulheres liam a huena dicha, caridada iiiti oduziani-se nas casas e facilitnvani o cnmiiiho aos seus. ^^^^ Os ciganos, sem crenças reli^nusas, mal conceituados com motivo, e iião se c onrundindo com neoimm outro povo por allianças matrimouiaes, justificavam com seus costumes torpes e más artes a aversSo geral e a aspereza com que os poderes i)ul)licos os puniam. A perseguição começou contra elles em Pui lugal em 15á6 e em 1538, e recru- desceu em 1557 e m% D. João 111, O. Sebastião e Fi- lippo II, auxiliados pela inquisição, muiliplicaram as di- ligencias para varrerem do nosso território aquelles acam- pamentos de nómadas, parecidos com os aduares dos árabes salteadores, que sempre deixavam apoz si tristes vestígios. Resistência passiva, soílrimento, astúcia e perseve- rança superior aos maiores obstáculos foram as armas que lhes oppozeram os proscriptos, armas invencíveis por que triumptiaram })or lim das leis e dos seus exe- cutores. Debalde se dictaram prasos fataes á sua saída e se decretou até a pena de morte contra os que fossem en- contrados em rancíios peias terras, a própria exageração do castigf) desarmava os juizes, e o rei em 1606 era obrigado a estranliar a muitos d elles a concessão de «cartas de vizinhança a ciganos» e o esquecimento da or- denação penal. Em 4613 succedia o mesmo, e nem os látegos dos verdugos, nem os ferros das galés alcançaram nunca desterrar do reino estas colónias de vagabundos tão audazes no furto e tão babeis na dissimulação do crime ^ 1 Em 1838 ealculava-se ainda em 4 milhflés de alnias a populaçSo errante doe ciganos na Asia e na Europa. — Alvari de 13 de mxrço de :Lei 24.* das de 26 de novembro de 1S38.— Ordenaçãio, Uv. tit LXtx. — Alvarás de i7 de agosto de i^7, 14 de março de 1573 e tom» T 31 Digitized by Google 498 HISTOHIÀ DC PORTUGAL A miséria, porém, era em grande parte verdadeira, e de anno para aimo crescia mais que tudo nas províncias pela diminuição e raiDa da lavoura. Lisboa disfarçava me- lhor a decadência, mas os padecimentos das classes infe- ríores traduziam-se no augmento da mendicidade e na insuíBciencia da alimentação. Se havia quem gastasse o supérfluo e deslumbrasse a vista, provocando a inveja, a maioriâ escassamente acudia ao necessário, e a pobreza envergonhada chorava em mnitas casas, aonde a fome nmica entrára, e qae o aperto e a desgraça dos tempos ha- viam deixado sem meios. Os preços dos artigos indispen- sáveis subu'am gradualmente, e tornavam ainda mais dilfi- cil e dolorosa a vida das famílias arruinadas pela guerra marítima e pela declinação do commercio, consequência inevitável d'ella. Por 1552 o tr igo vendia-se nos annos re- gulares em Lisboa a 67 reaes o alrpieire, e a 4?>000 o moio, o milho a 40 reaes o alqueire, e a cevada pela mesma quantia. Saíam por dia do terreiro, aonde se de- positava e media o pão, 420 moios, e por anno 3:456*. O consumo do milho calculava-se em 5:000 moios, e o da cevada rui I <»:()( )0. Os moinhos da cidade e dos ar- rabaldes reduziam aanualmenle a farinha 51:560 moios de trigo, avaliados a rasão de 61SIOOO reaes o moib em 327 contos de réis. Mas os annos regulares cada vez iam sendo menos freijuentes. A popidarão da capital tinha-se elevado de 100:000 almas, recenseadas na primeira me- tade do século XVI, a 105:000, ou mais, no século xvn (4620-1640). A revolução operada pela diíFerença do va- lor nos metaes preciosos, junta a todas estas causas con- de 28 de agosto de 1592.— Alvará de 7 de janeiro de i606 e carta regia de 29 de janeiro de JGiO. * Manuscripto d;i Bibliolhcca .Nacional de Lisboa, sem Utuiu e referido á csULiblica de LisJjoa, no anno de iòòi. Digiíized by Ci. DOS SÉCULOS XVII £ XVIII 499 corria para todos os géneros encarecerem, aggiavando a caridade posição dos infelizes*. ^Yuàa, 0 moio de trigo, queem 1G67 valia iâiJOOOreaes» custa- . vanos dez annos decorridos desde 1626 até 1636, 19^500 e 205000 reaes. O niuio de milho, que na mesma epocha se vendia na capital por i-yÀOO reaes, não se comprava ao período que apontámos, por menos de lljíSOO. O vi- nho em 1552 orçava por 8^000 reaes o tonel de doas pi- pas, e entre a cidade, Alfòma e a Mouraria gastavam-se por aaao 10:080 pipas. Em 1617 uma pipa de vinho nlo descia de 7^000 reaes. Em a 1636 baixára muito, porque não excedia k^2&0 e 5^000, mas do mais ordi- nário. O azeite também quasi que dupiícâra o preço. A carne igualmente. Em 1534 nlo passava de 5 reaes o arra- iei, e em 1620 quadruplicara. Em 1620 a imposição sobre o vinho rendia ao fisco 40 contos, e o real de agua 10. A Siza da carne arrendava-se por 23 e a do pescado produzia 14. No açougue publico decepavam-se por anno 100:000 carneiros, 1 1:000 bois, 24:000 porcos e 15:000 chibatos. Os mercados da fnicta, da hortahça, das aves e do peixe eram abundantes, e vendiam peia taxa lixada pelo senado, á excepção do pescado, que era livre como pediam as circumstandas espedaes de uma industria sujeita a tão grande variedade de contingências ". Esta alteração no custo dos artigos essenciaes, reagindo sobre a escassez dos salários e sobre a apathia de todos os mananciaes de rendimento, multiplicava e exacerbava as 1 Fr. Nicolau de Oliveira, Grandezas de Lisboa, trat. iv, cap. vil, e trat. v, cap. v. 2 Ibidem, ibidem. O total dos Vciloies representados pelo consumo annual de Lisboa em 1552 calculava-se em 640:000(^000 réis. Em 1640 devia ter mais do que triplicado, apesar lias restricçGes impos- tas pela pobreza geraL 3S. fSfíO HISTORU DB PORTUGAL DOS SBCDLOS XVII B XVIll Caridade cFÍses, e íazía qmú iosupportavel a condição dosquesub- poiLa sis^i^n^ trabalho manual. Não corria por causas aná- logas menos avéssa a sorte das classes medias, que as transacções mercantis e as vingens <!a índia e da America enriqueciam antes de manifestados com toda a inlensidade os effeitos desastrosos da união a Castelia. Os naufrágios e apresamentos das naus da carreira, as perdas succes- sivas de seus preciosos carregamentos, a falta de segu- rança ]iiiiriliiiia, não S(3 nos mares oulr'ora avassallados pela nossa bandeira, mas ale nas aguas da costa de Por- tugal, e a estagnação do mercado das especiarias e das raridades da China e Japão, haviam convertido quasi em pobreza a antiga opulência. As casas remediadas acba- vam-se indigentes, e as que vinte annos antes giravam com grossos cabedaes, íallidas de n^cnrsos, quebravam arruinadas peia guerra. As íamiiias nobres não padeciam menos pelos motivos apontados em outro capitulo» e mui- tos fidalgos escondiam nos solares meio caídos das pro- víncias a estreiteza das rendas, desterrando-se volunta- riamente da còrte, e encurtando as despezas aijaixo da mediania, sem com isto se desempenharem das dividas, que os opprímiam. * Digiíized by Google , GAPJTCJLO II SEGURANÇA, CIVILISAÇÃO E MELHOMMENTOS OrganUaçSo da policia era Lisboa. Crimes em diversas terras do reino. Soa impunldadí^. Desacatos e escândalos —Fnli;) de segurança. — Desafios. Inutilidadp dos meios repressivos.— A trazo da ctvdtiaçáo cm algumas de suas maiufe$ta${^e$ . bsLilagens. Grapeiomór. Serviço dMcorraspoodendai. Calçadas êm Lisboa. EdificaçSo de pré- dios. Abastacimanift de aguas. Teatatifas pm o meUiorar. Rápido esbofO do as» pecÁo da cidado. O Terreiro do Pa^o c o Rocio. Rlias prioeipaes. Palaoios dofel— A iiaveiga(8o do Tijo nos fios do século xn. A tranquiiliiiade do reino era mais apparenle, do que real. O profundo desconteDtamento que lavrava» e a cor* rupção, não menos extensa» que dissolvia os vínculos so- cíaes, revelavam-se em dadas occasiões, rompendo o freio, e annullando os esforços dos poderes constiluidos. As más paixões rebenlavaiii ao menor pretexto. O governo não inspirava coníiança» nem soubera alcançar o amor dos povos, e as anctorídades, constrangidas a firmarem na força qoasi exclusivamente o império das leis, faltando- lhes multas vezes esta, viam-se obrigadas a tolerarem os abusos privadas da acção eHlcaz da influenria moral. A ve- nalidade dos empregos e das liunras, a cubiça de não pou- cos magistrados, que administravam justiça, e a conhecida devassidão dos*agentes, que os coadjuvavam, entretinham Digitized by Google 502 HISTOIUA DE PORTUGAL segniMça esta anarchía mansa, o peior de todos os estados, porque mrfhft^Twm denunciava a quebra do rospoilo e do prestigio do poder, a indíílerença do espirito publico, e os progressos da gan- grena social. Em i603 um regulamento previdente intentára acudir aos excessos, que a todas as horas do dia e da noite des- honravam ainda os togares mais frequentados da capital. O alvará de de março, creando a policia urbana, e abrindo os olhos de uma vigilância óontínua sobre os crimes e seus perpetradores, adiantou alguns passos no sentido de modiQcar o mal, mas não conseguiu veiice-lo, nem podia. Mandando recensear pelo presidente, verea- dores e oiliciaes do senado da camará nas parochias de Lisboa os moradores mais honrados, residentes n*elias, que trabalhassem por seus oflicios, formou com elles o corpo dos quadrilheiros da cidade, e impoz lhes a obri- gação de servirem tres annos. Vinte vizinlios em cada fre- guezia deviam auxiliar á primeira voz as diligencias, ar- mados de lanças de dezoito palmos, de diuços, ou de alabardas. Para máior facilidade das repressões foram nomeados mais dois corregedores e mais dois juizes do crime, perfazendo todos os julgadores o numero de dez, repartidos por outros tantos bair i os compostos de varias freguezias. Os juízes haviam de rondar o seu bairro pelo menos duas vezes por semana, e os alcaides todas as soi- tes. Cumpria-lhes mais devassarem os costumes dos mo- radores, visitarem as estalagens, e prenderem os vadios, os jogadores e as pessoas suspeitas. Aos alcaides compe- tia aquietarem as brigas e motins, sindicarem do compor- tamento dos habitantes de cada rua, para serem punidos os que achassem em trato deshonesto em casa, ou fóra d'ella, e castigados os blasphemos e armadores. Aos qua- drilheiros, por ultimo, toava a prisão dos vadios e fai- Digilized by Google DOS SÉCULOS XVil £ XVilI 503 SOS mendigos do bairro, a expulsão das mulheres de má stgmm vida, e a defeza da ordem e da propriedade dos vizinlms. ,neUuMiu»ani Um dos coi i egedores du crime devia percorrer todos os amios o termo da cidade ^ Mas as melhores iDSlituic5es pouco aproveitam, quando as não auxilia a coadjm açâo dos súbditos. Foi o que suo cedeu n'este caso. Doze annos depois, em 1615. as ruas e a praças de Lisboa, mesmo á luz do sol, eram eusaa- guentadas pelas rixas particulares e por tumultos repe-> tidos. De noite o transito era quasí tão perigoso como nas estradas infamadas de salteadores. As esperas, as vin- ganças e os roubos succediani-se, assusLaado os habitan- tes, que não se ali eviam a sair pelo escuro sem grandes precauções. As contendas dos fidalgos e seus deiicios to- caram tal extremo, animados pela impunidade, que el-rei para os conter mandou que os julgassem na. correição do crime e no juizo dos cavalleií os, e que fosse enviada para Madrid uma liota com o nome dos culpados a fim de se- rem excluídos de todas as graças e mercês. Não obstou esta prescripção, porém, a que pouco depois recrudes- cessem os ódios e se renovassem nas ruas scenas violen- tas, em que o saii^j^ue correu i)or imiitas vezes. Por causa de uuia d"éllas entraram na cadeia do Lmioeu'0 em i(i2í4 tres nobres e foi posta uma guarda na casa de Gaspar de Brito Freire. No paiz ainda os crimes se desenfreavam com mais soltura. Em Elvas os bandos entre as famílias dos Lobos e dos Matos lomaraia proporções assustadoras * Sobram os documeiilos paia jii>liric:\r o quadro que traçámos. Para se convencer d*isso consulte o leitor as cartas regias de 21 de maio de lOli, '} de outubro de Ifiir), e fr e 20 de juidio de 1017, assim como as de 2o de janeiro de MrlO, 18 de maio de 1624, 10 de agosto de l()27 e 13 de fevereiro do 1030 na Coilecção de Legklaçúo ' j^ublicacU peio sr. José Justino de Andrade e Silva. Digitized by Google m BI8T0IUA DB PORTUCAL s«K«niiica em 1627, a ponto do governo intervir para as congraçar. rtiionmTiitni cidade da Guarda as inímisades entre seuhores e ca* valhelros da terra traziam a povoação tSo inqoieta, que o desembargo do paço consultou a urgência de providen- cias, e a côrte resolveu commelter ao bispo da diocese a concórdia dos desavindos, missão evaogelica cujo resul- tado ignorámos. Em Castello Branco assumiram as cousas mais feio as[)ecto ainda. Toda a comarca ardia em desa- venças e ai ruidos, assolada por quadrilhas de malfeitores e de amotinados, que talavam as aldeias e os casaes, e, crescendo em atrevimento, ousaram arroml)ar até a ca* deia da vilia, e arrancar os presos dos ferros da justiça. Em Alcácer travou-se uma lota entre os freires das or- dens militares e os ministros do arcebispo de Évora em 1630, caindo alguiis homens feridos. As dissidências re- ligiosas não accendiam conflictos menos perigosos, cau- sando graves cuidados as discórdias ateiadas entre os chrístios novos de Santarém e Torres Novas e os que suppunham provar o zelo e pureza de suas crenças per- seguindo os descendentes dos judeus convertidos. A religião não era mais respeitada. O terror incutido pela severidade do tribunal da fé avivára as exteriorida- des do culto, dera íóros de devoção exemplar á hypocri- sia, mas não fortificara o exercício das virtudes christãs, nem arreigára os sentimentos de piedade, ou a pratica dos deveres moraes. A veneração dos altares e o temor de Deus não suspendiam o braço audaz dos criminosos. As grandes festividades, em que o povo se accumulava nas igrejas, foram maculadas em muitas occasines com ho- micidios, violências e brigas. Em Lamego, em 1631, um sacerdote, que estava dizendo missa, caiu varado de uma bala no momento da elevação do callx. Em Santa Clara de Bragança, em 1633, Diogo de i igueii edo Sarmento, nas Digitized by Google DOS SÉCULOS xvn B xvni SOS EDdoeQças, estado o Sacramento exposto, ensangueotou s««iirao{a O templo crivado de tiros de espingarda. Em Portalegre o nwiiKM^i povo accasou os judeus de haverem desacatado a imagem (lo Redemptor, e para o socegar mandou-se proceder a rigorosa devassa. Na igreja do S. Fi aacisco de Extremoz e na de S. Francisco de Lisboa a noite de Endoenças cor* reu attribulada para os frades e para os fieis, travando-se rixas e assuadas seguidas de pris5es e castigos. O des- acato de Santa En^Tacia de Lisboa, em a noite de 15 de ja- neiro de 1G30. commovcu pi oíundamente a população da capital, e as precipitações da justiça no processo custaram a vida a um innocente, a Fernão Lopes Soliz. Estes, e mui- tos outros actos de irreligião, commettidos em todo o reino, mostram u gi au de desenfre amento e de scepli- cismo, que haviam attingido os vícios, a dissolução dos costumes e a falsa ostentação das crenças*. Nos logares da raia vivta-se em guerra aberta sempre e com o dedo no gatilho das clavinas e trabucos. Os par- ticulares decidiam todas as questões pelas armas. Tanto em Lisboa, como nas provindas, parecia mais fácil ferir, ou matar o adversário ou o inimigo, do que appellar para a protecção de leis sem força. Os presidentes dos tribu- naes e os ministros favoreciam os culpados movidos por empenhos, ou por peitas, e a côrte de Madrid estranhou com motivo estas negligencias voluntárias, imputando- ibes a impunidade de muitos deiictos. As omissões da ^ Outu regias de 24 de setemlnro de 1631, de 13 de abril de 1633, de 18 de nulo de 1630, e de SO de abril e iO de agosto de 1633. Aceroa da tragedia a que deu origem o desacato de Santa En- grácia veja*se o Agiohgio LtuUano, o ÂnnoHUtorieo, aHisforta da FMaçSo do UetU Convento do hmríçal, o Mappa de Portugal, por Jòfio Baptista de Castro, e o jornal o Panoramaj voL i da 2." seríe^ anno de 1842. Uiyilizea by LiOOgle m HISTORU PE POliTUGAL stsmçft justiça animavam a insolência dos poderosos e enfra(pid* lii^ii^JLi^. ciairi a acção do governo. * ISas eslradas salpicadas de sailcadoies e de assas^mus não se arriscava ninguém sem boa guarda. Manuel de Mello, pessoa estimada em Lisboa, acommettido de re- pente no caminho entre Extremoz e Elvas por uma qua* drilha de homens disfarçados com p^iialteiras de rebuço, escapou com a vida salva quasi por aúiagre, mas li espas- sado de golpes. Os creados do marquez de Ferreira, em Évora, defronte do palácio de seu amo, levantaram-se contra o meirinho da cidade, e maltrataram os alcaides e seus ofíiciaes. EiiviaiJo em alçada o corregedor do crime da côrte Gomes Leitão, pediu escusa, allegando rasões, que inculcavam receios vehementes do fidalgo, que pro- tegia os culpados; e para a justiça cumprir a sua obriga- do foi preciso que uma ordem do rei mandasse recolher o marquez de Villa Ruiva, e que o desembargador Fran- cisco Botellio, juiz das ordens militares, enlj^asse com uma forte escolta. Concedéra o marquez asylo em sua casa a um criminoso bomisiado, e, quando as auctondades o busca- ram, os creados espancaram-as. Na ilha da Madeira re- bentaram alvorotos de tão grave caracter, que saiu de Lis- boa uma commissão com poderes amplíssimos. £m Tor- res Vedras D. Francisco de Castro, irmão do conde de Monsanto, atreveu-se contra o corregedor da comarca a desacatos de tal magnitude, que o governo, mandando lançar pregão contra elle, promettcu 4:000 cruzados a quem o entregasse. Por ultimo os furtos eram tão frequen- tes na capital, que se ordenaram rondas dobradas em to- das as ruas ^ 1 Cartas re^'iasde 10 de outubro do lOlo e de 17 df tnaíodelt)!^, de 18 de dezembro de 1617 e de 30 de janeiro de iúiH, Digilized by Google DOS SÉCULOS XVII C XWl 1507 0 conselho de Portiifral em Madi id não olhava com in- segurança difíerença para este eslado, e as ordens e insinuações .^^Mato» succediam-se« mas debalde, para excitar o cumprimento das leis. Promoveodo a observância da provisão de 1570, assignada em Cintra por D. Sebastião, modiflcou-a nas disposições essenciaes, e procurou torna-la mais exequí- vel quanto á policia das villas e cidades do l eino. Na ca- ^ pitai organisoQ, como apontámos, o serviço de segurança e a guarda urbana. Mas os abusos podem mais, do que os preceitos, e os abusos, quando os alentam as enfermida- des sociaes, zombam dos legisladores. Os reinados de Fi- lippa III e de Filippe 1 Y renovaram em vão as comminações penaes, accusando ao mesmo tempo infructuosamente as reincidências dos delictos e a fraqueza da administração, incapaz de os reprimir ^ Outra infhicção, a que a moda e os falsos brios tiuhaiu conquistado quasi os fóros de acto glo- rioso, era a repetição dos desafios, não só entre militares, mas entre pessoas nobres e moças, com grande perturba* ç9o da tranquiliidade publica e do socego das familias. A causa mais leve servia de pretexto ás provocações, e os ca- sos de honra achavam sempre [)adi'inhos dispostos a aucto- risarem o desaggravo á ponta da espada. A ordenação Aiíonsina (iiv. i, tit. lxiv) limítára os reptos aos fidalgos e cavalieiros, admittira-os só nas accusações de traição contra o rei e contra o estado, e prescrevéra as formulas e as regras d'estes combales judiciários, derradeiros cla- rões dos costumes da meia idade. A ordenação Manuelina (liv. v, tit. Gxm) prohibiu a todos, naturaes ou estrangei- ros, de qualquer condição, «desafiarem outros parase ma- tarem com elles», sós, ou acompanhados, sob pena de se- . questro dos bens, de perda das moradias e de degredo 1 Alvaiás de i3 de março de 1603 e de 2$ de dezeoibro de 1606. Diyiíized by Google 508 H18T0BU DE POUTUGAL Segurança |para O uitramar. £m 1589 a lei de 7 de outubro, invo- m^o,^^,^ cando o decreto do concilio Uidentino sobre os desafios» suscitou o rigor da ordenado contra os que entrassem em duello, e contra os seus cúmplices e padrinhos, e o alvará de 11 de agosto de 1590 tornou as penas extensivas ás pessoas, que levassem cartel, ou recado oral para com- bates singulares ^ Mas a influencia das idéas e das pai- xões, mais poderosa do que a lei, passou por cima d'ella, e cm 1G08 os desafios haviam-se toniado tão frequentes, que a auctoridade quiz oppor novas barreiras á torrente, e aggravou o castigo, sujeilaudo o conhecimento do de- ]icto ao juizo do corregedor do crime mais antigo com processo em termos quasi verbaes e summarios. O remé- dio, apesar de heróico, ao que parece, nao extirpou o mal ■ pela raiz, e os (Jusafios atravessaram quasi sempre jiiipu- nes a primeira metade do século xvii, e mesmo a segunda, postoque mais diminuídos pela presença do inimigo nas fronteiras, e pela consíderacio de ser como que uma trai- ção arrancar da espada contra os íilhos da mesma pátria na occasião em que as armas do estrangeiro ameaçavam a todos 2. A civilisa(^o, postoque mui adiantada em relação á ru- duza de eras anteriores, estava, comtudo, ainda bastante atrazada em pontos essenciaes, e especialmente em tudo o que se referia a comiiiunicações internas, facilidade das correspondências e commodidades pbysicas. Âs estradas péssimas e mal seguras multiplicavam as distancias, em vez de as abreviarem, e poucas admittiam carros e liteiras* As viagens faziam-se quasi todas a cavallo em muares, su- 1 ConeiUo THdenHno, aess. xxv, cap. xue, ArchivoNacioiía], liv. i dd leis de 1576 até 1612, fl. 194 e fl. SOl 2 Lei de 7 de outubro de 1589.— Alvarás de 11 de agosto de 1590 6del6âejiinliode.l60a Digilized by Google DOS SBcoLOs x?n K xvm IS09 bindo ladeiras, costeando despenhadeiros e atravessando seguranç* lucUiorouienlos lameiros, em qae a vida e os membros dos passageiros a " cada hora corriam risco imminente. As estalagens sem es- trehnrias, mal abrigadas e sem caiua^ lirn[tas extorquiam aos camiuhantes preços exagerados» pagaodo-se do mau tratamento como se o dessem óptimo. Em 1498 as côrtes de Lisboa representaram a D. Manuel, pedindo-lbe que suspendesse os privilégios ás que abusassem, e em 1538 unia lei (Ití D. João III, procurando atalliar o mal, com- metléra aos juizes de fóra e aos ordinários a íiscalísação e policia das pousadas, devendo informar^se do estado d*ellas e do preço por que vendiam os mantimentos, eím- por-lhes a taxas dos preços, visilando-as lodos osmezes, a íim de saberem se estavam, ou não suíTicientemeníe pro- vidas. No século xvii estas más coadiçõcs uão iia viam me- lhorado, e as estalagens porttiguezas, comparadas comas de França e de Itália, segundo attesta Miguel Leitão de Ándrade, pareciam quasi verdadeiras pocilgas, e o via- jante fatigado, em logar dos confortos de espaçosos edifí- cios, de um trato acaricialivo e de mesas lautas, só en- contrava entre nós casas mui pequenas e sujas, e tudo misturado n'elias, almocreves, camas immundas, odres de azeite e de vinho, e até sellas e albardas. O estalaja- deiro, soberbo e desagradável, não afagava, repellia os hospedes, e em algumas terras os leitos não passavam de esteiras de tabúa moídas e asquerosas, como acontecia em Mugem, Porto Pereiro e Guja^. A correspondência epistolar entre as diversas localida- 1 Córtes de Lisboa de 1498, cap. xlii.— Lei 31 das de 26 de no- vembro de \b3S. — Ordenação do Reino, liv. i, tit. lxv, § 20.», e Mi- guel Leitáo de Andrade, MisceUanea, Lisboa 1629, dial. iv, pintam com vivas cores o estado das estalagens. Digitized by Google m HISTOBU D£ PORTUGAL Segurança des constituia um monopólio lucrativo nas mãos do cor- TBfiíMMwnfmiOT ^^'^ expedia, f/nstando, porém, uma carta de Lisboa parâ Villa Real de Traz os Moates mais tempo, do qae hoje pediria para ser entregue em S. Petersburgo. Doze correios a cavallo e trinta de pé constituiam o pes- soal d'este serviço sem regularidade e exposto a conti- nuadas contingências. As remessas da correspondência . eram semanaes, e nos logares, aonde não havia correios para a capital, isto é, aonde não existiam tenentes do Gor« reto mór para tomarem conta d'ellas, podiam os prove- dores nos casos urgentes enviar caminlieiros pagos pelas rendas dos municipios*. As ruas de l.iNboa achavam-se quasi todas calçadas, mas na maior parte estreitas, mal assombradas e cortadas de becos e viellas. O senado con- tratava a prasos com seis mestres calceteiros o reparo e concerto dos empedramentos, abonando animalmente oito contos de réis para a despeza. Cada carro pagava cem reaes por carga aos empreiteiros, e sendo írete de alve- naria para constnicção cincoenta reaes. De ordinário tra- balhavam na cidade quarenta calceteiros. Âs casas edi- ficadas sem obediência a nenhuma regra de alinhamento e sem as menores condições de eslylo architectonico, tor- navam irregulnríssimas as ruas» e a sua estreiteza era tal, qae em 1619 foi mandado consultar gravemente o des- embargo do paço sobre o modo de facilitar a passagem dos coches, que em algumas pejavam inteiramente a cir- culação, e muitas vezes causavam desgraças. No mesmo armo prohibia o governo a construcção de novos prédios fóra dos limites da cidade, e mandava melhorar os anti- ^ Pr. Nicolau de Oliveií-a^ Grandezas de Lisboa, tral.iv,cap. vin.— Regimento para o cunho da moeda, datado do de fevereiro de 1642| art. 24.« e ⣻.« solne os cofieíos e calcadas. Digitized by Google DOS S£cuLOS xvn £ XVIU 511 gos com app!*ovaç3o da caiiiai a. O abastecimento de aguas segurança potáveis, insLiliiciente para o uso de uma população quede n^|^p,*B,ninin, anno para anão augmentava, desde os meiados do se* culo XV tinha preoccupado muito os nossos monarchas. Um dos chafarizes mais abundantes era o denominado de el-rei, e o maior mimero dos habitantes de Lisboa já na primeira metade do século xvii se fornecia d'ellc. D'este antigo deposito descia até á muralha do mar o encana- mento mandado construir em i487por Monso Vpara as aguadas dos navios, mas a negligencia tinha sido tanta, que em 1517 ainda ja/ia descoliiM tr). uírcrccendo-sc Lo- pe de Albuquerque para o teljiai e resguardar. Na rua Nova erguia-se o chafariz mais notável da capital, vulgar- mente chamado dos cGavallos» pelos corseis de bronze que o decoravam. Algumas nascentes nos subúrbios e ou- trus maiianciaes mais pobi lís alimentavam o consumo, po- rém nas occasiões de secca ía-se buscar a agua em bar- cas á fonte da Pipa, situada na outra margem do Tejo^ A idéa de encanar e trazer a Lisboa a «agua livre de Bellas» é attribuida por Francisco de Hollanda a el-rei D. Manuel. Ficou apenas em projecto, conUudo, e só mui- tos annos depois tornou a suscitar-se no reinado de D. Se- bastião, mandando o presidente e vereadores da camará medir a agua de Bellas pelo mestre das obras da cidade, Nicolau de Frias. As inquietações e sobresaltos dos últi- mos annos d'aqueJI(^ governo, e as discórdias civis do pe- ríodo agitado que se lhe seguiu, atalharam provavelmente a execução do plano até á entrada de Filippo U. O sobe- rano hespanhol, desejoso de grangear o applauso dos súb- ditos, renovou as tentativas iniciadas por seu sobrinho, e ^ Veja-se o jornal OPanormna, Yol. ui, anuo 1839, vu* ÍSd, e o árcAteo fUkimco, toL t, anno iS62, n.* 25. Digiíized by Google m mSTOBU DE PORTUGAL scgnranfft Nícolau de Ffías por sua ordem repetia as medições» que QiiiorLcQtos ^^^^ approvadas, e o senado lançou uma nova contri- buição destinada especialmente ás despezas do aqaeducto. Em 1618 já exisLiam em cofre mais de 000:000 cruzados, mas a camará para lisonjear a côrte consumiu esta avul- tada soouna nos festejos, com (pie celebrou a entrada de Filippe Illem 1619. 0 rei visitára, entretanto, as nascentes da «agua livre», e, recolhido a Madrid, logo no anno se- guinte escreveu á camará recommendando-lhe «que pro- curasse dinheiío prompto para a conduzir á cidade por ter observado a falta que bavia d'ella». Dois mezes de- pois remettia um plano de Leonardo Turríano, em que se propunham quatro divèrsos traçados, e no ultimo se indicava a vantagem de serem aproveitadas as ruínas do aqueducto romano, por correrem dez palmos mais altas que a estrada, e poder-se levar assim a agua aos dois pon- tos elevados de S. Boque e de Santo André. MallograraoK se também estes esforços, e nada se adiantou até aos fins do século XVII, talvez por sustentarem os architeclos da cidade, que a nascente não chegava para o abastecimento de Lisboa, e que por isso não compensaria os gastos enor- mes da obra K Lisboa, no ultimo quartel do xvi século, merecia a admiração dos estranhos pela sua posição e opulência. Contcmplando-a do rio, dir-se-íam duas cidades populo- sas, ligadas pelo mesmo cinto de muralhas e de torres, tão dlstincta se caractçrisava a physionomía dos bairros antigos aninhados em volta da alcáçova e da catbedral, ou pousados nas encostas das eminências, do aspecto das ruas e viellas enredadas no profundo valle, rasgado ao 1 Veja-se o jornal O Panorama, vol. ni, aiino 1839, n.* 123, e o Archivo Pittoresco^ vol. v, anno 1862, n.° 2o. Digitized by Google DOS secuLOS xvn e xvui 513 sopé dos montes e parallelo ao Tejo *. Na primeira metade segurança do século xvii os principaes lineamentos da íuí mosa ca- raeihoraiMntí» pilai de D. Sebastião e deFUippe II pouco ou nada haviam mudado. A cidade baixa, no período de i030 a 1040, con- tinuava a formar a mesma rede de ruas e de becos estrei- tos, tortuosos, emmai anhadoseimmundos entre o Rocio e o Terreiro do Paço, que o padre Sande e outros auctores descrevem com traçosmais, oumenos vivos* O bairro Âlto, que hoje, comparado com os arruamentos ríscados pelo marquez de Pombal, nos parece t?ío pouco bem assombra- do, passava n ii fiuelia epocha pelo mais nobre e mais bello, louvando-se muito a regularidade e largueza de suas di- visões. O bairro da Lapa começára a povoar-se nos dias de Filippo III, e a rua do Alecrim datava de D. Mo III, depois do terremoto que subvertera o bairro denominado «Villa Quente», e da posse da ermida de S. Roque to- mada pelos jesuítas. Lisboa, ainda cercada pelos pannos de muros levanta- dos por D. Fernando, muros rotos em muitos legares pela população comprimida, que a pouco e pouco se fôra esten- dendo pelos arrabaldes, contava trinta e oito portas e se- tenta e sete torres no circuito de suas muralhas. Quarenta parocbias, cento e trinta igrejas pertencentes a mosteiros, conventos e irmandades, ostentosos palácios de fidalgos, sete bospitaes, e muitos edifícios públicos justificavam o conceito de sua grandeza. Dentro d*aquelle recinto conti- nham-se duas villas, t Villa Nova de Gibraltar» e «Villa Nova ^ Vejam-se O Panorama,v€L tv, n.* 152, e o ÂrtMoo Pittoremj vol. vj, n.* 10. — LMott em 158&, artigo mui rico de noticias extra* hido do Cofhquio xvi dú Diorio da primeira Etnbaixada do Japão à Europa, pelo padre Duaile de Sande. A povoação de Villa Quente ficava na encosta septentríonal da encosta do Castello, e foi submer* gida pelo terremoto de 1631. TOiw V 33 . kj i^L.^ l y Google M4 tmmm de AndradeB . A origem da primeira perdia-ae nas trevas •ikvLeDUM tempo. Assentada á beira do rio, fóra do lanço do sul e sueste da muralha árabe, que rodeava a <:i(l;i( le antes do XIV século, recebia no rosto os primeiros raios do soi urien- tal. Villa Nova de Gibraltar» a villa dos judeus, era o bairro da £snoga. No amagjo da povoaçlío> em logar elevado, a vdha Sé erguia os seus dois campanários. Ao norte» no valle enroscado a seus pés, apinhavam-se em volta da mes- quita as casas do bairro dos infiéis, a Mouraria. Ao sueste alastrava-se a judiaria juuio da£snoga. Em 1504, conver- tida em templo christão a synagoga, diotou D. Manuel o regimento da nova casa de Deus erigida sob a invocaclo de Nossa Senhora da Conceição. A Esnoga caiu proseri- pta com a raça bebrea. A judiaria desappareceu ferida pela intolerância da unidade monarcbica^. A Villa Nova de Andrade corr^ mais auspicioso o des- tino. A cidade, crescendo rapidamente na epoeba dos descobrimentos, galgou por cima dos lanços occidentaes dos muros, devuí aíidu os terrenos, que depois se cha- maram Bairro Alto, Chagas e Santa Catharina. A rua do Alecrim, principiou a orlar-se pelo lado oriental de casas na segunda metade do século xvi. Este chio montnoso coroava«se no alto com a muralha, que da porta de Santa Catharina alcançava até á torre junto da poi la do duque de Bragança. O Thesouro Velho chamava-se então a «Cor- doaria Nova», e só tomou o nome que hoje tem em 1640, porque o paco dos duques ficou servindo de tbesouro da casa de Bragança. Quando os padres da companhia de Jesus fundaram em S. Roque a sua casa professa, todo aquelie sitio se achava fóra da povoação junto da qumta > Veja-se o jtírnal O Panorama, Tòl ií dá !• Mfie, anuo 184^ n." 104, artigo do sr. A. Herculano sobre a Conceição Vfikê, Digrtized by Google DOS SÉCULOS XVII E XViU m de Nicolau de Altero, a qual occupava a área aonde agora stBuwKa existe o Bairro Alto. A (luinta dividiu-se em ruas, e n^hofLwioí foram-se povoando de ediíicios e de moradores. Todo o espaço CQmprehendido entre Santa Catharina (hoje Loreto) e a Esperança, e entre o mar e os Moinhos de Vento (Pa- tríarchal Queimada), eram campos cultivados. Em Í62S esses campos estavam aíorados, as ruas íam-se alinhando n'elles, e o bairro nascente appellidava-se «Villa ISova de Andrade»» do nome dos senhorios do terreno^. 0 palácio real, ou paços da Ribeira, fundados por D. Ma» nuel, e muito acrescentados em epochas posteriores occu- pavam primitivamente parte do lado do norte do Ter- reiro do Paço, no logar em que estão actualmente as se- cretarias do reino e da justiça. Depois alargou-se muito para o lado de oeste da praça até á margem do rio. Era edifício digiio (ia iiiuiulicencia do rei, (|ue o levantara. O padre Sande e os escriptores, que trataram d'elle, des- crevem*o quasi deslumbrados pelas sua magniíicencia. Soberi)os pórticos, columnatas, grandes pateos, heliasvar randas e eirados, salas espaçosas e ricos aposentos coQr siitiiiain uma residência própria em tudo da realeza. Fi- lippe II mandára construir o forte, que rematava sobre a praia» guarnecido de artilheria, e do alto do qual a vista se astendia sobre o Tejo povoado de navios. Um jardim, plan- tado de formosas arvores, com frondosas alamedas repar- tidas emtaboleiros deflores, offerecia agradável recreação aos olhos e ao gosto. Junto do palácio erguia-se o edlQcio, que D. Manuel tinha construído para deposito do material de guerra, com uma vasta sala de armas, ornada de cor- pos brunidos de aço e de estatuas equestres de cavalleiros, 1 Arckm JHIIomeo, vol V; Miguel LeitSo de Andi-ade^ MUcel' Umea, as. Digitized by Google ■ {;i6 HlSTOniA DE PORTUGAL S49nnnva e com amplos depósitos de espadas, piques, lanças, arca- criiprjiMmto, cíjnliues de todos os calibres fundidos em ferro e bi oiíze. No tempo de D. Sebastião ainda se podiam tirar d'este arsenal armas offeasivas e defensivas sof&cientes para um exercito de setenta mil homens. Em continuação do arsenal seguia-se a casa da índia com os grandes ar- mazéns, em que se arrecadavam as merca* m ias e a espe- ciaria do oriente. O desembargo do paço, a mesa da coo- sciencia, o conselho d'estado e o conselho da fazenda ce- lebravam suas ses^es nas salas dos paços da Ribeira** Adiante d'elles, no sitio hoje denominado da cRibeira Velha», aonde na epocha de D. Fernando eram as «Ter- cenas Navaes», estava o mercado principal de Lisboa, em um terreiro maior do que a praça do commercio na actualidade. Do lado do sul tinha por limite a praia. Pelo centro corriam as barracas de madeira, aonde se ven- diam, para uma [iaiie, ovos, sal e aves, para outra Iru- ctas seccas e verdes, mais longe hortaliças e legumes, e ainda alem peixe e marisco. O ediíicio do Terreiro do trigo, riscado e concluído no governo de D. João Hl» re- colhia, como dissemos, os cereaes do Alemtejo e de ou- tras províncias, merecendo o titulo de celleiro de Portu- gal. Era contíguo á í^Casa dos contos», que, pouco mais ou menos, se erguia no local, aonde esteve a secretaria 1 ArrJuro PiUorcsco, vol. VI, Primeira Embaixada do Japão á Eu' ropa pelo padje Du.irlr de Sande, colloquio xvi. O arsenal, chamado Armazém das Armas, obra de D. Manuel, occupava todo o hdo Ue oeste do Terreiro do Paço, aonde hoje estão as secretarias dos ne- gócios estrangeiros da fazenda e o tliesoiiro. Segiuain-sc cm conti- nuarão a casa da índia, e por cima de todos levanluu-su iiíii.t <í.í- leria de salas r aposciitos para hahitanio regia, hgada com os paços de D. Manuel por uiu arco, aberto aonde agora coraeçi» a rua do Ar- senal. Digitized by Google DOS S£CULOS XVU £ XYUl 517 do reino, e qne perlence agora â alfandega, emquanto o s«gorança Terreiro se estendia para o lado da rua hoje appellidada ^diiomiiíBi «Nova da Alfandega», defronte da igreja da «GoAceiçao Velha»* O Arsenal da Marinha ahrangia quasi o mesmo espaço, que o Arsenal actnal oecupa, e denominava-se «Ri- beira das Naus». Fechado em parte pelos muros da ci- dade, e em parte pelas obras do paço real, empregava grande pessoal no fabrico e apparcdho dos navios do es- tado. O padre Sande cita com louvor a Immensa copia de materíaes de constracç3o e a boa escolha e perfeição das machinas e de engenhos usados n'aquelle estabeleci- mento. Em 1584 calculava-se em 8:000^000 réis (20:000 cruzados) o casto de uma nau. Em 1620 um galéão, posto á vêla» e provido de tudo importava em 51 :000yjM)00 réis, ou 120:000 cruzados. Trabalhavam na Ribeira das Naus ordinariamente seiscentos calafates, seiscentos e cincoenta carpinteiros de machado e trezentos homens de serviço K Ao terreiro, que se rasgava defronte do paço, concor- riam a pé e a cavallo os fidalgos e os burguezes, convi- dados mais que tudo no estio pela frescura das brisas marítimas. Carros com pipas regavam todos os dias este passeio, d'onde partiam as artérias principaes da drcu- iação interna da cidade. A primeira, a cRua Nova», me- dia sessenta palmos ua maior largura, fôra aberta por el-rei D, Diniz, e corria por onde hoje se estende a dos «Capeliistas». Orlada de altas moradas de casas de mui- tos andares, recommendava-se aos estrangeiros e aos habitantes pela riqueza de suas lojas de telas de seda, veliudo, damasco liso, lavrado, ou bordado, e de ianiíi- 1 Mmtíra Embaímda do Japão á Ewopa, colloquío xvu — Fr. Nicolau de Oliveira, Grandesai de Uthoa, trat iv, cap. y. Digitized by Google 518 UISTOIUA D£ PORTUGAL sogurança cios do í( idas as qualifiades, representaiido valore? orrn- mtíiitftTmtttoiíi muitos milhões de oiro. £m um ponto, resguar- dado com uma gradaria de ferro, costumavam juntaNM os homens de negocio, cujas tranisacções, apesaf* de nául diminiiidas, oram ainda importantes com a Ilespanlia nas cidades de Sevilha, ÍUii gos e Vadadolid, e com a Itália por via de Génova, de Veneza e de outras praças. Se- guía-se ji roa cAurea», aonde trabalhavam os ourives em obras delicadíssimas e os lapidarios em pedras predo*' sas. Na terceira rua figuravam esciilptores, cinzeladores, fundidores e latoeirus, não sendo menos visitada a dos «Cionfeiteiros», aonde se fabricava infinita variedade de doces e fructas cobertas para consumo e exportação. Em outras tres ruas encontrava-se quasi uma exposição permanente de artigos de prata lisa e lavrada, de tecidos de linho e de lã, e de muitos uijjcctos de preço pelo tra- balho e pelo valor intrinseco. Por qualquer d*ellas se en- trava no Rocio, praça quasi quadrada, situada no meio de Lisboa, e cercada de ediQcíos grandiosos, entre os quaes sobresafam o Hospital de Todos os Santos e o con- vento de S. DuiiiiníTos, que entestava com elle, fundado por Sancho II e reconstruído por D. Manuel. Do outro lado avultavam o palácio e os jardins dos «Estaos», obra feita por D. Mo I para hospedaria dos embaixadores, e tida por um dos sete monumentos da cidade. A inquisição e&labelecêra n'elle o seu solar desde melados do sé- culo xvT. As cavallariças leaes eram continuas. Já nas terças feiras se usava em i584 abrir ali um vasto mer- cado volante, a que acudiam nobres, plebeus e até donàS illuslres sem apparato de creados*. 1 Primeira Embaixada do Japão á Europa, colloquío xvi. — A feira do Rocio, que dopois se mudou para o cainpo de âanfAu- na, era a abanada da Ladra. Digitized by Google DOS SECDLOS XVO B Vita Os reis de Portugal n'aquella epocha tinham cm Lis- seftmnt boa diversos paços, mas a sua residência proililoctâ desde i^dmii^yj^, D. João III foram os da cRibeira», os da « Alcaçova» e os de cXabregas». Os soberanos» aló aos dias de Afiònso III sem palaefo propriamente seu, aposentavam-se, quaado vinham á ridade, aonde adiavam mais commodo. O coiiíle de Bolonha edificou os «paços de S. Bartholomeu» janto do casteUo e da parochia doesta invocação, paços que no século xti eram já propriedade particular. Os setiB snccessores habitaram, porém, mais veces os apo- sehtos coiiíiguGs á Sé, depois convertidos em paço epis- copal, e outra casa, que successivarnenle serviu de repar- tição da moeda, de palácio real com o nome de paços da Moeda ou de cApar S. Martinho», de morada das com- mendadeiras de S. Thlago, e por ultimo de cadeia pubU«> ca. O tribunal da supplicaçao reunia-se e guardava os seus cartórios em algumas salas d'elle. Os paços f1a Alcaçova foram construídos por el-rei D. Diniz, e muito melhora- dos, ou quasi renovados por D. João I, que os habitiott sempre, designando os da Moeda para residência de Sèu filho e herdeiro o infante D. Duarte. O palácio de S. Chris- tovão, celebre pelas magnificas festas do casamento dè D. Leonor, irmã de MonsoY, com o imperador Frede- rico ni, pertenceu ao primeiro duque de Bragança, e ein 1584 estava já na posse d'el1e a família Telles de Menezes, elevada mais tarde á grandeza com o titulo de condes de Aveiras e mnrquezes de Vagos. O palácio de Santos começou por uma pequena casa de campo, ligada com o convento das commendadeiras de S. thiago. t>. João II desde príncipe mostrou-se affeiçoado ao sitio, e, mudando as commendadeiras para o novo claustro que lhes edificou em 1490, no lado opposto, em Xabregas, transformou em paço o antigo convento e acres- Digitized by Google UmORlk BE POftTDGÂL sc«mf» centou-o. Este palácio ficava muito fóra da cidade, i u]a jj^jiJiijjijj^g porta pnra aquella parte era a do fCoi po Santo» no lo- gar aoiide vemos hoje o largo do uiesiiio nume. Alem de D. João 11 residiram em Sautos D. Manuel, D. João ill a D. Sebastião ^ O paço dos cEstaos» desde I5d4, em qae o Santo Officio se estabeleceu definitivamente n'eUe, cha- raoii-se o palácio da Inquisição. O de Xabregas, fundado pela rainha D. Leonor, viuva de D. João lí, reverteu para a coroa por morte d'elia. Assistiram n esta resi- dência» também reputada campestre pela distancia que a separava de Lisboa, D. João III, sua mulher D. Gatha- rina de Áustria, sendo regente do reino, e D. Sebastião, depois de assumir o governo. Os paços de Santo Eloy junto do convento dos cónegos seculares de S. Joàò Evan- gelista foram levantados igualmente pela rainha D. Leo- nor, já depois de viuva, e parece que em 1584 eram ainda propriedade da coròa*. A idía de communicar directamente Lisboa com a liespariiia pela grande via fluvial do Tejo occorreu a Fi- lippo II. Em 1580 consultou acerca da sua execução o famoso architecto hydraulico João Baptista Antondli. Começou o engenheiro os estudos por ordem do rei, e navegou vinte e quatro léguas de Abrantes até Alcantara, repetiu os reconhecimentos, e redigiu um relatório de tudo datado de 'iú de maio de 1581. No anno seguinte (1582) adiantou os ensaios em uma chalupa, subindo de Alcantara a Toledo, e aportando em 19 de janeiro áYeiga da Ribeira d'aquella cidade, com assombro dos morado- 1 Primeira Embaixada do Japão á Europa, coUoquio xvl~ yíâ» Jreftwo Pitforew, \ol vi, anno 1863, n.*" 13 e 14, artigo in- titulado PiOadoi ÍUm áe JJtboa m 1S84 pelo ar. L deVilheDa ' IbicteDi, ibidem. Digitized by DOS SÉCULOS XTIl E lYIlI 811 res. A atravessou a veiga até á margem opposla para segurança evitar as presas, levando o barco em uma carreta de qua- tro rodas, e de tarde contiDuott a navegação até Âran- joez» entroQ no Jarama» e pelo canal avizinhou-se de Ma* drid e do Pardo. De volta tomou a passar por Toledo, e a 3 de março seguiu rio abaixo até Lisboa Então D. Filippe propoz nas cortes de Madrid a em- preza de tomar o Tejo navegável desde Toledo até Lisboa Oppozeram-se os procuradores de Toledo, mas os outros approvaram e offereceram 100:000 ducados a Antonelli para a obra. Principiou esta t in 1584, e em 1587 ben- ziam-se em Toledo sete bateis carregados de trigo, com os quaes Gbristovaio de Roda^ sobrinho de Antonelli, des- ceu o Tejo, gastando quinze dias na jornada até Lisboa. Em 1588 e 1589 renovaram-se as viagens. El-Rei, fal- lecido Antonelli, contratou cora André de Udias a con- clusão dos trabalhos, e alguns barqueiros de Abrantes obrígaram-se a ir a Toledo em quarenta dias. £m 45d2 promulgaram-se os regulamentos, isentando de direitos as carregações e a navegarão chegou a ser tão activa, que os paiiiios de Toledo e de Talavera vinham por agua bus- car o mercado de Lisboa. O reinado de Filippo IH matou este grande progresso sem se conceber porque. £m 464i, Filippe IV intentou renovar as communIcaçOes fluviaes entre Toledo e Alcantara para obter o mais rápido trans- porte das munições de guerra, os engenheiros Carduchi e Martelli riscaram soberbos planos, mas nada se reali- sou, e todos os melhoramentos ficaram em pkmo. ^ Yià» Pmmroim, voL iv, n.* 166, e Antonio de Herrera, Ou» lOm âi la auioriã dê Fmúgal mUtttOudê 168t y 1883. Digitized by Google CAPITULO m LUXO, SUPERSTIÇÕES, FESTAS omCIAES E ÉELIGIOSAS CofrupçSo dos costuincâ. Progreasoa assQ&Utdores do jogo. liaiiifMtft(8M êiagiradas àb Hm. fHgmítím, Sttá fnelteada. Onadro da ntiiioM dinláu!» 46i ímIoi « aionies na primeira metade do Mcnloini. Miséria oocBlU.Venalidades.—IfMO- rancia qnasi trornl. — SnpprstiçScs populfirp"?. Feilicpiros. Penas dn? rofiiíjo? e das constituições dos bí<ipadns coiilra ell<?s. — Heerrações publicas. ileccpçuCs e feste- jos offieiaes nos séculos %n e xvu. Romanas e fuueçSed rel^osas no século xtu. A cofrupção dõs costun^es progredtt^ com passoá agí- garilados desde a segunda metade do secnlo xvi. Todos queriam ostentar o que não Uubam e parecer o que não efák&. A âéde de deleites e as loucuras do luxd asiático, inoculâda^ pela conquista da índia, tinham pervettido a antiga Índole, transformando os soldados em mercado- res, os capitães em cortezãos, e as virtudes, que nos ti- nham tornado temidos e poderosos, em vícios incuráveis que de dia para diá se arraigavám mais. As leis trabàlhá- ram dehalde pára cotnbater e supplahtar o mal. A gãn- grcua, mais forte do que ellas e do que a vontade dos so- beranos, continuava a subir e a apoderar-se de todos os membros. O jogo, sempre reprimido com mais ou menos severi- dade^ haVia-se generallsado por todod os grada da eUcàla social como paixão irresislivel. Os que despendiam aietíi Digitized by Google 524 HISTORIA DE PORTUGAL uio de soas rendas esperavam dever-lhe o equilíbrio dos gas* MHiiçse* aii uinados pediam-llie a salvação. São frequen- tes as prescriprões coiiUa os qm davam «tavolagem» em sua casa, ou se associavam para abrirem aos pródi- gos mais este precipício. O jogo da bola, apesar de licito, nSo escapou á comm!na(9o das OdenaçQes de el-rei D. Manoel, qne o proHibiram aos fidalgos e cavalleíros nos domingos e dias santificados antes da missa e aos of- ficiaes mechanicos e aos homens de trabalho em toda a se- mana. Em 1521 os abusos cresceram a ponto de ser indispensável decretar a multa de 300 reaes pagos da cadela aos indivíduos encontrados nas varandas do paço, jogando o «tiiiUm »*. Na primeira inrtade do século xvii s3o. unanimes as queixas contra a extensão assumida por este vicio, e reconhecida por todos a impunidade dos que se entregavam a elle. Os funestos estragos, de que era cau- sa, nSo assustavam só os moralistas. Os poderes públicos vlam-os, e deploravam a sua impotência para os conter. Os jogos lícitos, como a bola, u xadrez, as damas e a pella, que antes se apostavam a vintém cada partida, em 1622 levavam grossas sommas, e por caros saíam ruino- sos. Havia jogo de pella ajustado a 10 dobrOes o mate, e a 20, 100 reaes e mais a partida. Nas tabulas e no ganba- perde as menores entradas, que não excediam antiga- mente 2 vinténs, e cada pedra 5 e ti reaes custavam em 1630, 4 e 6 dobrões, e o bolo valia quantias enormes. Jogava-se em toda a parte, e os próprios magistrados nSo duvidavam apontar contra as pessoas, cujos pleitos haviam de jal^^^arf Morgados empenhados, baixelas ven- didas, propriedades, tenças e commendas bypotheca- 1 Orátnação MaunHina, liv. tit. uvra. — Alvará de 8 de ju- lho de 18S1, liv. ni da Supplícação, fl. 11 t. Digitized by DOS SÉCULOS xvn E XYin 525 das puniam os desvarios das classes aristocráticas, ao passo que a miséria, o hospital e as galés terminavam g^p^^yç; muitas vezes a triste e desenfreada carreira dos jogado- res das classes medias. A avidez do fisco poz o remate aos excessos» contratando o estanco das cartas de jogar» e auctorisando os jogos em que ellas entrassem. O ren- dimento d esta especulação era de 16 contos de réis, e o governo, para o arrematante, João de Olmedo, não alle- gar pretextos de indemnisações» e não quebrar no preço» prohibiu os dados, e quasi dispensou nas leis contra a ta* Tolagem. É inútil, acrescentarmos que o jogo creou no- vos brios, e que dois annos depois invadia já os corpos de guarda do castello e do Terreiro do Paço» exigindo providencias promptas e repressivas Outra manifestação do luxo, n3o menos característica como symptoma de declinação, foram as exageradas des- pezas nos trajos, na mesa e nas exterioridades vaidosas do trato pessoal. Ás leis sumptuárias feriram em vão umas após outras este perigoso erro» origem do aperto e desgraça de muitas famílias. Entre outras è assás curiosa a de 28 de abril de 1570 sobre os gastos demasiados, porque no seu ardor de extirpar os abusos chegou a intro- duzir-se nos segredos do governo interno das lamilias» regulando o numero de pratos, que deviam apparecer na mesa dos súbditos. D. Sebastião, dominado pelo nobre desejo de restaurar a velha sobriedade portugueza, es- tranho á epoclia em que vivia, decretava com pasmosa ingenuidade a economia domestica» suppondo concori er com suas disposições inexequíveis para a reformação dos í Tempo de Agora, obra composta pelo diferes Martim AíTonso de Miranda, Lisboa, tom. i, dialog. iv. — Alvarás de Í7 de março de 1605 e 24 de novembro de ié07 e carta i^a de 17 de julho de 1629. Digitized by Google m «wroiiià w rannoAt eostumea. Uoiíido çê conselhos patemaes á sev^dacle fiersMw ^Si^^^^v** ordenava que ninguém gastasse mais do qqe tivesse, antes moios, empregando as sobras em bens de iíiíi e em prata, e não em cousas desnecessárias. Passava depois a dispor que niaguem podessG comer mais de um assado e de um cozido, de um picado, ou cusemt» ou ar** roii sem doee algum» como manjar branco, bolos, ovos meiidos, ou outras confeitarias, e recommendando aos fidalgos e pessoas principacs, que agasalhassem e susten- tassem os parentes, seguindo o uso antigo. Para limitar as dotes pedia a todos os vassailos, que casassem os li* lhos e as filhas com igualdade e grande moderafSo» e suscitava a supplica dos povos nas còrtes de Torres N<^ vas, sem todavia auctorisar a taxa proposta pui' ellas. Por ultimo estabelecia, que m iiliuin moço íldalgo com moradia tosse elevado a escudeiro, ou a cavaileiro, seoão depois de haver militado em um dos presídios de Aftiea, cm na» armadas da corAa, nSo se lhe consentindo traser capa no serviço' do paço até á idade de quinze annos'. D. Joio III, e antes d'elle vários monarclias tiniiam já envidado os maiores esforços para corrigirem a excessiva opolenda nos gastos, e as galas dispendiosas nos ador* nos paasoaes. Na epooba da regência, na minoridade de D» Sebastiio, o alvará de S2 de novembro de 1566 tam- bém se pi opoz coliibir as demasias n este ponto, vedando os capuzes, lobas cerradas, ou abertas, e os tabardos, e declarando os creados de que podiam acompanhar qual<- qpier pessoa* Em 1609 Filípçe III, estranhando o cuatoao preço da tela e feitio dos trajos, e notando a ineffloada dos preceitos impostos pelas pragmáticas dos setis ante- ce:>ãores. tendo mandado rever á legislação ^obre este t Lei de da abril da Í(l70.-rGc»lla6(A> de Fhtndseo Goneíe desde pag. 6 tité pag. 17. « . ij i^cd by Google oos sieuLOS xvn b xma aisonipto, (irqhibiii em geral o uso doe brootdoa, telas Um de oiro, ou de prata, lavores de aljofre em seda, ou pan- ^^^^ no, passamanes de oiro, ou tecidos de fio precioso, ou bordados da índia, ássim como as joiaâ esmaltadas, a mo ser em cintilhoa» habites e aimeia, e os bordados, barras» serrilhas» entretalhos e pospontos, e os eártes de seda imprensada, ou cinzelada. Ás pessoas, que possuíam Ca- vallo, eram permiuidus terçados, punhaes, talab<)rtes, doirados, guiões e bandeiras. Os iidalgos e desembarga- dores podiam traser barretes, gorras, psDtulos, calçaa de golpes direitos, meias e ealçSes de seda, ornados de e»* piguilhas e passamanes. Ás mulheres corisentia vestidos de seda, ou de paiino com barras e forros ricos, e touca- dos com guarnições de oiro e prata K Estas prescdpções, apesar de muitas exeep^es auctorisadas para maior £i- eilidade da soa' exeoncio, e a despeito das graves penas impostas aos iníiactures pela provisão da mesma data, não alcançaram suster a torrente senão na apparencia, esmorecendo logo os rigores, e afrouxando o zèlo dos magistrados^ As ostentaciòes não se tomavam menos reprehensiveis nas pompas fúnebres e no luto, chegando a um grau tal de exageração, que varias casas ficavam arruinadas para úffm annos. Filinie n publicou a lei de iO de julho de 1001, concebida com o intento de atalhar os excessos» e 1 Lei de 19 de novembro de 1666.*— Lei de 22 de novembro de i$66.— Duarte Nunes, CmpUávão, part 1V3 tit i, lei 4, ú. llS e i 16. — T.pi de 29 de oututeo de i60t^.— Avobiví» flaúiraAl, IÍV4 1 de leis, à. 174. - 2 Lei de 29 de Outubro de Í609.— ftrovisâo da meflmA data.— PtoiúSú de 29 de janeiro de iélO sobre 0 registo das cousas defe- sas iiela pragmática.— Carta rej^ia de iO de «biil de áS19, ftotii- bindo nos Ingás ds bdidados é nótnxis. Digitized by Google m Uno sea filho inclaitt na pragmática de 1609 alguns preceitos <^<^Mos para obter o mesmo fim. Os resuitados não corresponderaiii, e a repetição lias clausulas, tantas ve- zes illudidas quantas renovadas, prova o grande poder da opinião contra as restrícções dos legisladores. As pra- gmáticas, requeridas nas côrtes de D. João III, de D. Se- bastião e nas de Thomar convocadas por D. Filippe, como o remédio único e eíTicaz que [)odia oppor-se aos gastos demasiados, aiem de não curarem o mal, porque os po- derosos, 6 á sombra d'elies os abastados e toda a dassiò media» zombavamabertamente das prohibiç9es»OQ desco- briam modo de as annollar, cansavam ao commercio e ás industrias praves perturbações, expellindo do mercado as fazendas de maior preço, e reduzindo á miséria os operários e artíQcas» qae subsistiam do trabalho proscri- pto em nome da econonda domestica regolada pelo Es- tado. Sem entrarmos na questão da eony^iencía do lu- xo, tão discutida, e em que os pareceres tanto variam, para se apreciar o que essas leis reslrictivas da liberdade individual e da Uberdade industrial signiâcavam, basta observarmos que repentinas e sem transição feriam inte- resses Importantes, e roubavam o pão a multas famílias. Não adiiiiia (|U(^ a resistência fosse forte, e que, auxi- liada peia moda e pela vaidade, duas potencias que se não subjugam Êiciimente» acabassem por triumpbar sem- pre*. A prova encontra-se nas paginas dos escriptores da epocha, cujas censuras mostram como a moda se ria das prisões, em que a legislação cuidava enlaça-la. Um d'el- les» descrevendo em iQ^^i a corrupio do tempo, não 1 Lei de 20 de julho de lo91. — Archivo Nacional, liv. i de leis de 1576 iúf' 1G12, fl. 215 v.—Vide Roscher, Príncipes d'ÉconooM PolUmue, traduits par YVoiíncski, tom. u, liv. tv, cap. u. Digitized by Google DOS SÉCULOS xvu £ ivm hesita em afirmar, que os homens traziam a honra nas iaxo costas e o interesse no rosto, e para o persuadir traça cora .^p^ um lápis rápido» e muitas vezes feliz» o esboço do qua- dro dos costumes e dos vícios dos seus contemporâneos. Fidalgos, que possoiam 15:000 cruzados de renda» tra- tavam-se como príncipes em Lisboa, sustentando em casa entre pagens, lacaios e creados de ambos os sexos mais de cincoenta, com grande estado de cavallos e de cães de caça e de regalo. Nos séculos xv e xvi a modéstia e com- postura das mulheres ainda mereciam os louvores de na- cionaes e estrangeiros, que elogiavam com motivo a tem- perança das casadas, o recolhimento das don/elias e a honestidade das viuvas» tanto nos \estidos e toucados» como nas maneiras e na companhia» de que se rodeavam. Aquellas toalhas de hollanda e àe panno de linho, diz o auctor que estamos ciLando, aquellas iáias de fazendas de lã com sua barra, nas mais urbanas e cortezãs enfei- tadas de debruns da mesma tela, os gibões de canequin, 8 os mais ricos de tafetá» o recato no andar» os olhos no chão, os chapins envernizados» e nas senhoras titulares e principaes os chapins de Valença, tudo inculcava logo a virtude, a simplicidade e o desprezo dos vãos ruídos do mundo. Um pagem, ou um escudeiro compunha todo o seu cortejo para saírem a fazer visitas» ou para firequenta- rem as igrejas, e a mais nobre para se transportar apenas tinha uma cadeirinha com suas cortinas de encerado. Os mantos eram de fdele (tecido de lã de Barberia), ou de sarja, e os mais caros cortavam-se de burato» espécie de cendal preto» ou de cores» e passavam de mHes a filhas em morgado *. 1 Tempo de Agora, por Martim Alfonso de Miranda» part. i, paf. 67 6 163. Esie livro em dialogoB é uma obra curiosa e instra* etiva como pntm doa coslumeB da epoisha. fim T 34 Digitized by Google mo HISTOmA DB PORTUGAL Em i&it Iodas as nmlbares Iriyavam sedas e veUudos, ô todas se queriam servidas e acompanhadas com das- peza superior aos meios. As saias appareciam ornadas de torçaes custosos e golpeadas de mosqueia. Os aiíaiates das Malgas mais opulentas eram requestados para se ea- earrogaFem dos vestidos das que não cessavam de im« poiimiar os paes e os maridos, cegas pela loucura de quererem hombrear com a nobreza. Mulheres de hcmiens de condição ordin ai la gastavam 4íJ000 i oaes em uma toa- lha para a cabeça, e usavam corpetes, ou gibões, que pa- reciam cossoletes pelo oiro e prata dos recamos. Chapins de 41000 e de êH/OQO réis de preço, e mantos de seda um diSMPença de fidalgas para mechanícas, que valiam mais do que antes importavam os dotes com que se contenta* vaui os (jao as pediam para esposas. Não lhes bastando (ras&erem sedas sobre sedas contra o preceito das pra- fimiicaa» prodigalisavam as pennas, a prata e o oiro em bordados de sáias, fraldelhíng e outras peças, e os rubis, as pérolas e os diamantes até nos chapins M Gontayaiu-se na capital mais de setecentas cadeiras (cadeii iaiias), no feitio similhantes a ataúdes. Custavam algumas 504^000 reaes por serem forradas de damasco, ou de brocado, e os portadores nSo recebiam menos de âQ^jlOOO reaes por amio. As senhoras nobres enfadadas dos coches e liteiras, preferiam este vehicn It • ] ara as visitas, e foram lo^^o imita- das pelas da classe media ^. Os iiumens não eram mais liados, comprando vestidos e galas custosas sem olha- rem aos gastos. Nos gibões, calças, feiragoulos e roupe- tas São se viam sonio sodas alastradas de passamanes tio dispendiosos, que uma casa poderia sustentar-se mezes * TMifwdfil^^tttB. i,díatoi.ai,pi(^Í63al6K. * Ibidem, tom. i, dúlo§. pi, pag. 166 a 167. Digrtized by Google 004» SeCULOSi &VU l. xwi m tiom o que krieavam assim wsm dó aog mmadam e i)« im faiates no maio da injbieza geral m^Mi O luxo e a falsa riqueza cresciam á proporção que a mioa do pai£ se adiaaUva. Ás moda» ealrajigairas «oirih vam appiaudidai e gii0cedíaiii*4e varmdo oa eolfvs das aauí admiradores. Tudo [imeia pimoo e pequeno pira eníeilar o moribundo, a^^onisante debaixo fbs pompaí> que o suífocavam. Miguei Leitão de Andrade, euire as iODOvaç&ea mlraduzidas por aquelles annoa aponta trea oono notevaia, aa meiu de seda» as ohraiai waaaHm pm eerrar as cartas, e os wMêê de inver&o, que o mar* quez de Castello Rodrigo, D. Cl)ristuvâo de Moura, pri- meiro cultivou 00 seu paul da Gliamufica^. As damaa deslumbravam com os adereços. Wwélm e topei riooe nos ehapius^ collarea, Vm* #argaDtilÍMS, cm aCsgidovaa de oiro, era^jados de pedras ao peito, braceletes earis* simos lios pulsos, arrecadas, anaeis, memorias, frasqui» nbos de cheiros, capotilhos» volantes, Um»^» espâUutt e jóias para ornar a testa» oonauniam gfoasae loiomík Os dianuntes de Deein e Bíanagar* aa aaphiraa do Fagn, ai pérolas de Ceylão e de Borneo, os alambres de Lubecb, os camaieus da Allemanha, as àúbaiiuas e as martas de Moscow, os aroúttiioi» da Suissa, Oà espelhos de Yeueiae de HoUaoda, as peimas de abestw» os legues daCkíMU as (elas da Pérsia e de Itália, oa damaseos de GMiova o de Florença figuravam nas lojas mais bem sortidas da rua ISovíi o da rua Áurea, tentando o ^o>U) e apregoando OS desvarios da geração que só curava de modas e aiior* QOS, Viando em volta d'eUa tudo desatava^. Motejevi-se í Tempo de Agora, tom. i, dialog. iii, pag. 170 e 171. 2 Miguei Leitão de Andrade, Miscellanea, Lisboa, 1629, dialog. iv. ^ Mspuel Bernasdaa» Nmt Fimm^ ^ V« f Aaior Divi- no», xxxn, pag. i77 a Si. Digitized by Google mSTOBIil DB PORTUGAL uto do antígo recato e dos costumes sóbrios como de velha* MH^tiç&M ndiculas. As mulheres saíam de casa com o valor de uni morgado sobre si. Os noivos seguiain as solteiras a toda a parte, cainiiiliavam descobertos ao lado das ca- deirinhas, e Miavam-lhes de joelhos. As casadas joga- vam largo como qualquer tafbi toda a noite, corriam as ruas sós com as amigas, trazendo o rosto coberto pelos rebuços dos mantéus, e viviam com estranliaviM liberda- de. No interior das casas o recheio de mobílias e curio- sidades coDcordava com a pompa externa. Bahus e con- tadores esculpidos» ou embutidos com primor, bofetes e «escriptorinhos» preciosos, cadeiras torneadas, gnarda- roupas para camarins, cofres de tartaruga, baixelas lisas e lavradas, apparelhos da China e do Japão, eram outros tantos pretextos para avultadas quantias se lundirem sem proveito. Os toucadores das damas constituíam um mundo abreviado de fhtilidades, todos enfeitados de jarras, de redomas de crystal, de bocetas ricas, de caixas de luvas e signaes pai a o rosto á franceza, de fitas e de reloginhos esmaltados de Inglaterra. Meias de seda com grandes rendas de oiro, sapatos de âmbar, baleias para desenru- gar justilhos e perpoeSos, e cabelleiras de seda e cabello completavam estes arsenaes das vaidades femininas*. Quando os que deviam dar o exemplo da austeridade eram os mais zelosos em escarnecer das leis, calcando-as aos pés com ostentação, como haviam as auctoridades e os magistrados de punir nos outros as culpas de que el- ies próprios eram réus convictos? Não admira, sendo estes os usos e os vicios da epocba, que a venalidade, a corrupção e uma completa falta de a I80.^]ligiiel Lflitfio, HtteittaiMa, dUlog. nr. Digrtized by Google DOS SÉCULOS xvn s xym «33 escrúpulo, de decoro e de pontualidade no exercício das Lm» fuDCCões publicas e nas relações particulares concorres- (^«^ sem para ainda escurecer as tintas do triste painel que estamos debuxando. É o que attestam os documentos, e o <]ue o testemunho dos contemporâneos corifinna. Fa- zia-se tudo por dinheiro, lima cubíça insaciável devorava a todos. Desde que os fidalgos tinham trocado o antigo pelote, que os cobria desde o coUo até ao joelho» petos ' trancefíns de jóias, pelos camafeus, pelas cadeias de oiro bem lançaíLis, pelas mangas perdidas e pelas meias de cores, a vellia honra e os brios portuguezes haviam sal- tado pela janella. Os mais primorosos ião se envergo- nhavam» de que lhes apontassem os actos inmotoraes praticados para se pavonearem nas praças vestidos de damasco avelludado, c não sentiam o menor pejo em cru- zarem as portas dos mercadores e alfaiates, devendo-lhes o custo das fazendas e o feitio dos trajos. Já não trabalha- vam pela gloria, e punham só os olhos na riqueza. Mui- tos, rodeados de legiões de pagens e de escudeiros co- bertos de vistosas librés, viviam interiormente nos maio- res apuros quasi sem meios para acudirem ás despezas quotidianas. Até nas barbas entrára a vaidade. Uns tra- ziam-as largas e compridas, outros curtas á castelhana» tingindo-as os velhos para representarem de mancebos. Depois usou-sc o rosto rapado, e cabelleira para enco- brir as calvas, porfiando bastantes, comtudo, em en- crespar com ferros quentes as longas madeixas. No meio do luxo e das bizarrias da cArte a pobreza dilatava-se e a caridade diminuía. Os homens do povo vestiam baeta, ou panno grosseiro, trajavam capotes de burel e carapuças de lã, e lutavam com a miséria K * Retr(tío de Portugal CoftelhanOj «Declamação ecclesiaslica e Encómio idtimo sobre o pelote de £1-Rei D. João de Boa Memoria», Digitized by Google um A rudeza das províncias íilimentíiva o fanatismo e a in- -Jk-ji tokirancia, [hh' vezes rHtií'fil;ii ,iiii em corii]agra(;í)e3 p«*igosas e em assoadas vioienias contra os chrisiãos no* vos e M CuDíiias sispeítas de pouco firmes na fé. A igno* itucit em profeada. Poucos individuos ^nreiídlaiD os primeiros rudimentos de leitura e de escripta mesmo na côrte. O ensino das disciplutas, que lioje constiuiem em parte a instrucção primaria e secundaria, acliava-sc quasi todo conceolrado nos edlegios dos padres da compnihia <te Jesus e tm aulas dos outros claustros, obedecia, co* mo notáfRos, i trsdi^ da anctoridade, e podia dizer^se absolulaaienle ecclesiaslico. A i^n eja, uu. inais exacto, o clero regular dominava o espirito das novas gerações, encerraudo-as com ciúme no circulo iníleiivel de suas idias e aspirai^s, e ap^gmdo eok nome da uuidwle das creiíçis qualquer darão mais yívo^ que da fóni iriesss avivar a meia treva, em que vegetavain quasi adormeci* das as írilellíL^inicias. A nobreza, subordinada por inclinação e por interessas 90 MRerdociu, cooperava txm elle para supplanUir a ferro 6 ftigvs seiKto pitciso, a nenor tentativa de resistência, e os fidalgos maiis illiistres honravam-se de verem os seus noUM^ inseri] )t(Ks nns livros do santo offieio na qualidade de seus familiares, e de acceitarem, ate para os actos mais iotinos da vida domestica, a tutela dos mosteiros, ciqos monges tluham sido se«s Hiestres e educadores na puer»- eiS) e se tomavam seus eonselbeiros e árbitros na idade viril. As classes aristocráticas, pouco alumiadas em geral, nâo hobítísafam peia cultora do engenlio, nem pela scien- áã, e salvo o efigulfao nobiliário, pouca vantagem levavam por Fr. Luiz da Natividade, aiuio Kk^S. pa^. 436 o seguintes.™ 7*#wpo de Agcrei, toni, i, dmlog. iii, pag. 57 a — Monarchia LmUam, fêtt fiy. xvin, cftp. xxxft. Digitized by Google DOS SÉCULOS XVII £ XVUl ^ ás classes medias no saber, acompanliaiido-as em aiuitus Lmie preconceitos. A leligião, quo todí)s 1 1 ,iziam na bôca, e ra- * ros 00 cot ação, conciliava-se com a elasticidade da con- sciência tolerada pelos casuistas» e com as sapersli^Dea Cfam gentílicas herdadas das epocbas mais obscuras. Ckm- íundia-se o divino com o profano, a devoção exterior com a verdadeira piedade, e a relaxação dos cosluineri chegára até a ponto de se oOerecerem arrhas a Deus e aos Santos pelo êxito de projectos iofames, ou crimiDosos. Os vicm mais torpes, os rasgos mais escandalosos^ cobríndo-se com o véu do íeuii>l(t e com a sombra do confissionario, julgavam sufficiente expiação o horror da heresia e a li- beralidade em favor dos ministros do altar K 0 clero» que o Evangelho aponta como o sal da tem# nem pela palavra, nem com o exemplo combatia frnctuo- samente a corrupção. Nas parochias, v fora d'ellas, o ce- iil)ato clerical vingava-se dos rigores disciplinares sem observar mesmo o mais leve resguardo, e a lei apenas mandava açoutar e degradar as infelizes que, sedusidas, tinham sido muitas vezes victimas apenas dos que as per- dinm em logar de as guiarem-. Nas Constituições dosBis- pados euconlram-se traçados por mãos insuspeitas os li- neamentos do estado moral do povo e da decadência da austeridade monástica e sacerdotal. Uma credulidade quasi infantil, que poucos procuravam esclarecer, abra- çava as abusões mais ridículas como verdades, e as pra- 1 Sobtam as ^vas do que diiemoSb Nos documentos da epoeha sSo repetidas as Gomminaçdes contra a impunidade dos peoeados escandalosos, e as allus^es á rdaxação dos costumes. As fogueiras da inquisição puríficavam, porém, tudo aos olhos dos verdadeiros crentes. » CdHM áê Liáoa dê 1498, cap. xuv e OmstMfHm 4u Bú* jMiof passim. Digitized by Google ^6 HISTORIA DE PORTUGAL Lttio tícas mais supersticiosas como actos religiosos. As cren- wntí^ ças populares (fuasi que davam os foros de dogmas ás invenções absurdas e aos embaímentos grosseiros. A despeito da celebre postura, com que a camará de Lis- boa em 1385 resolvôra agradecer a Deus a Victoria de Aljubarrota, as cjaneiras» e as «maias» continuaram a canlar-se ás porias, os feitiços não deixai aiu de povoar de terrores os dias e as noites dos bons calholicos, e os maus olbados, adivinhações e conjurações diabólicas con- servaram o seu terrível império, apesar mesmo da vigi- lância da inquisição. A Constituição do Arcebispado de Évora, impressa em Lisboa no anno de 1534, não só de- dica um capitulo inteiro aos maleíkios dos «feiticei- ros», «benzedeiros» e «agoureiros», como enumera ex- tensamente todos os sortilégios» suas formulas e as di- versas espécies de encantamentos, de que a imaginação popular accQsava os suppostos sequazes de Satanaz. Deprehendc-:50 da leitura d*estc venerando monumen- to, que as artes infernaes eram vastissimas e as habilita- ções de seus adeptos assás variadas. Uns operavam rou- bando dos logares sagrados as pedras de ara dos altares e os corporaes. Outros invocavam os espíritos malignos em círculos, ou fora d'elles em encruzilhadas. Estes possuíam varinhas magicas (de condão), com que descubriam the- souros escondidos, ou veias de agua. Aquelies adivinlia- vam o futuro por meio de conjuros feitos com íigoras» imagens, ou cabeças de homens mortos, trazendo comsigo dentes, ou baraços de enforcado, para fazerem damno, ou favorecerem e lançarem sortes amorosas, obrigando as pessoas mais indiUerentes a quererem bem a outras ^ Ccnttítmçõo do Arcebispado de Evwa, cap. xxv, «Dos Fei(i« ceiíOB, Benzedeiros e Agoureiros» . Vide Constituições do Arcebispado Digiii^uú L>y Google DOS SÉCULOS xvn E xvm 837 Nâo era menos copiosa a citação das más artes impu- Laxo tadas aos benzedores e agoureiros, feiticeiros secunda- ^^^i^ nqSy menos graduados nas aulas da côrte diabólica.  QmsíUuição, que estamos referindo, prohlbia-lhes passa- rem os doentes por silva, ou machieiro, por l)aixo de tro- visco, ou por lameiro virgem, benzerem com espada que tivesse morto bomem, ou passado o Douro e Minbo tres vezes, cortarem solas em fileira baforeirai ou sobro em limiar de porta, e ameaçarem imagens de santos de as lançarem á agua se não despachassem suas preces. Pro- bibia iguaUuente revolver penedos e atira-los á agua para baver chuva, darem a comer bolos para saber de algum furto, ou benzerem com palavras ignotas, com cutelos de taxas pretas, e usarem camisas fiadas e tecidas em um dia A maior parte d'estes bruxedos e aírouros corria entre o povo das outras províncias e até da capital com a força de verdades incontestáveis, e o santo officio, assim como a legislado penal, processando os mágicos e ag- gravando-lhes o castigo, concorriam ainda mais para for- tificar os crédulos no seu erro. Em 1516 um alvará de D. Manuel, alem das penas da Ordenação, mandava mar- car os feiticeiros com ferro em brasa em ambas as faces, estigma mais cruel de certo do que a morte, porque equi- valia á cxcommunhão social. As leis faziam clara distincção entre a grande e a pe- quena bruxaria, porque a primeira era punida com a per- da da vida, assim como as invocações ao demónio e as comidas e bebidas enfeitiçadas. A segunda incorria na mai ca de ferro quente nas faces e em degredo perpetuo de LMoa âefSide agosto de 1536, tit. xxv, «Dos Feiticeiros, Ben« zedeiroB e Agoureiros». 1 Dndem, ibidem. Digitized by Google m iUBTOfilA D£ rORTVGAL ijm parâ a ilha de S. TIioiihí, e as outras superstições, que não n*^] d^ndiaiii na opinião dos criminalistas (\n> s( culos xvi e XVII á& trato com fielz6i)iit, corrigiaui-se com pregão e açoutes nos plebeus, e degredo de dois aimos para os to- gares de Aftiea nos vassaUos e escodeíros castigos ainda suaves de certo para réus convictos de familiaridade com o demónio, e de pacto com as potencias invisíveis. Mas o que a severidade d'estas penas appiícadas a charlatães, que só deviam ser punidos como embaidores por vive- rem á custa da credulidade publica, provava com eviden- cia era o atrazo das ídéas e dos conhecimentos, ao qual a Km n|)a inteira mais, ou menos 8<í associava, participaiiflo da inesiiia j>tírsuasão, e admittindo com oò ííuísos legisla- dores a possibilidade dos sortilégios, maleúcios e adivi^ nhamentos. £m I6lâ suscitou-se um conflicto entre os prelados ordinários e os inquisidores sobre a jurisdic^io ácerca das pessoas que curavam com psalmos, e o rei or- denou que os ordinários decidissem se este modo de cu- rar era licito, ou nâo. £ em 1654 D. João IV concedeu a um soldado licença para continuar a usar da rara habili* dade que possuía, de afugentar as moléstias com pala- vras'. A estulta superstição dos chamados dobisbomens», ou dos individuos ladados a (ransformarem-se de noite em auimaes, quasi que alcançou os nossos dias. As recreações do vulgo resenti»n-se do estado de in- fância em que o conservavam. As romarias e festas de igreja, as farças ignóbeis, e os jogos rústicos e bárbaros, a que serviam sempre de complemento obiigado os fogos 1 Alvará de 9 de agosto de 1516, — Ordenação Filippim, liv. v, tit. III. 2 Carta rpgia de 24 de outul)ro dc. iGii.— Alvará de io de ou- tubro de 1654, impresso iio Jornal de Coimbra, Digitized by Google m de artificio, e que de'ordiiiai lo termina vajii pur íji íí?as, uso homicidios e actos de embriagaez» constituíam m primeiri i^ft^njm metade do século xvii os divertiinentog pnncípaes daa mnltidões. Em certas epochas o transito das más tornava- SC perigoso. Voavam de um lado ao oiilro ;is laranjadas e os arremessos, c jorros de agua inuiidavain os passa- geiros. Os i>aiies dos negros em Lisboa deram ongem a armidos taes, que foram prohibidos> assim como o uso de espingardas nas víllas e cidades de dia, e nas outras terras depois do toque de «Ave Maria». Outra disposição do goveniu de Madi id, ainda mais desagradável aos súb- ditos, foi a que impoz uma pena relativamente grave aoa que nas fúncções religiosas queimassem foguetes, ro- das de fcj^o, ou artificios iguaes. É provável que a pre- texto de manter a tranijuillidade o gabinete de Filippe IV levasse em mente privar os mais inquietos de todos os meios de resistência ao seu domínio K Na policia dos cos- tumes o governo hespanhol innovou pouco em rela^ a Lisboa, mas cabe-lhe a honra de haver sustentado a exe- cução das providencias decretadas em le>70 por el-rei D. Sebastião, prescrevendo a sua observância aos cor- regedores dos bairros* Algumas d^essas disposições offisi^ diam a Ub^dade individual, como succedia com a que mandava que nenhum individuo, não sendo de quali- dade e vida conhecida, podesse mudar a residência de uma freguezia para outra sem certidão do parocbOi que o declarasse isento de culpas de visitaçUo; mas outras fo^ ram dictadas com grande acerto e cuidado pela moralida- de publica, e entre cilas figura a que ordenava uma in- formarão severa acerca das mulheres, que se propunham a de 1610 e carta legia de 30 de ^oeto de 16S2. Digitized by Google 540 HISTOBIA 0£ PORTUGAL Laxo ensinai meninas, negando a licenra escripta ás que pelo seu coraporlamento a não merecessem, e punindo com acoutes e degredo as que abrissem aula sem auctorisa- ção^ Não nos parece menos digno de louvor o alvará de 2 de junba» que veiu pôr termo ao escândalo e indecen- cia das «mulheres solleiías» (meretrizes) vi\erem nas me^nas i uas, e ás vezes de paredes meias com as farni- iias honestas^. Nas recepções de príncipes, ou de embaixadores, nos festejos reaes e nas fancções religiosas ordenadas pelas ordens monásticas, uu [)or devotos opulentos, o eiiiiiLiilo popular concorria semi)re, mas em posição inferior, oc- cupando a nobreza os iogares principaes, e tomando usualmente para si o prímeiro papel nas ftincções que re- presentavam suas antigas proezas e virtudes. A entrada do cardeal Alexandrino (Miguel Bonello) legado do papa Pio V, offerece-nos exemplos curiosos e instructivos do modo por que na segunda metade do século xvi (1571j figuravam nas solenmidades publicas as diversas classes, e dedara com bastante individuação a parte que a cada uma d^ellas podia caber. Á porta de Elvas encontrou o le- gado um formoso cortejo de mais de trezentos e cincoenla cavalleiros com D. Constantino, tio do duque dc Bragança, e muitos pagens, cavalgando todos á gineta, isto é, com a perna curva, os pès em grandes estribos, que os cobriam quast todos, e esporas sem roseta e armadas de om só bico mui agudo. Veiu depois o bispo, e scguiram-o as * Alvará de 2 de junho dp !570. - Alvará díi nifsíiia data sobre as prostitutas. Mandava-as arruar jios becos dos Assacares, nos becos travessas, alem dos Fieis de Deus, uas travi ss js e rua dos Yinn^Tt irns, ni rua d:is í':tnastras, na travessa de Santa Marinha, e oas casas chaiuadas da Mancebia, por traz doft EstauB. Digitized by Google DOS 8BG0LOS JYtt B XVm 8&1 justiças da terra, corregedor, juiz, oavidor, meíríDho e alcaides, com suas. vestiduras talares e varas nas nãos. Do meio (l'este préstito é que o cardeal desfhictou as dansas formadas em seu obsequio, homenagem do [jovo, voluntaiia, ou forçada, que apparecia sempre em todas as recepções apparatosas desde remotas eras. A primeira dansa, a «folia», era composta de oito hcnnens vestidos á portngueza com gaitas e pandeiros acordes e guizos nos artelfins, pulando em roda de um tambor, e entoando caniigns alegres. Volteavam, como loucos, trocando ges- tos e ademanes congratulatorios da boa vinda do prelado. A segunda, a «captiva», constava de oito mouros agri- lhoados, que, saltando á moda da Barberia, se fingiam es* cravos do legado. A terctMi a, chamada a «gitana», trazia oito rapari«^as era trajos ricos e galaúle^ de ciganas com uma grinalda, ou antes diadema de folba delgada de prata na cabeça, cheio de botões do mesmo metal, em fórma de laços, serpes e flores, dos qnaes pendiam pequenos espelhinhos, ou laminas de variado lavor. Os cintos, á an- tiga, de velludo, as faxas de íiaa tela mourisca, tomadas com laçarias de oiro, saios de pamio encarnado e sóccos de feltro de diversas cores comidetavam este gracioso vestuário. Entre ellas realçavam duas moças mascaradas de mouras com uma rapariga sustida em pé sobre os huiiibi os, e toda coberta de oiro e de vistosas galas. Ape- sar d'aqueilo peso bailavam com ligeir eza ao som de um tambor, fazendo esvoaçar um lenço, ora na mão direita, ora na esquerda, umas vezes segurando-o debaixo do braço, e outras nas costas. Repetiram depois os mesmos momos com facas, variando infinitamente os laiices de destreza. Esta dansa tambeiu se denominava da «pella», corrupção visível do vocábulo latino puella* £m Evoia novos momos e novas dansas applaudiram o enviado HHirOBU BR MKfWAL poatifiaio, sotoMoiíido as dos cromeiros» e dos icigi- noa»** At gnmdes fintas da eôrte portugueza nos casamanto» de reis e princif^es, e em outras occasiões solemnes. já lio stículo XV eram tão brilhantes e iiaviam tocado tão ele- vado grau de parfai^o» que sua magnifleaiicia no tempo de Aft^nso V mgmAoa ob emiiaixadom do imperador da ÁllenaBha» arrancando ao cavalleíro andante Jorge Von Ehingen, depois de visitar as capitães mais opulentas da Europa, a confissão espontânea de que o esplendor e riqueza dos jogos guerreiros da rua Mova, e os íoigares a sKeiía doa paçoa reaea em paiz algorn podiam ser exce- didoa. Nio aos occi^Moido n'eaie moDieoto daa ju&taa, tor> neios e corridas de destreza, que coDStituiam a parte es- ««icial, de certo a mais aristocrática e pomposa de todas ellaa, em qua cousistiam estas festas tão elogiadas e con- corridas de nadonaea e estrangeiros? Nas soberbas iilu- nina^Bea daa frontanaa e das salaa do paiado doa reis; noa cnatoaos pamioa de Arras, que de alto a haixo eo- Li iam suas pai cdtis, l epresentaiido, trasladados pela agu- lha e a lançadeira os personagens uiais celebres da an- tiguidade, euja existeneia e aventuras os artilices caiu- iBiiavam nos letreiros, que Hies saiam da bôea, aos trajos anaehronieoa de que oa vestiam, e nas aocQes abaurda que lhes fa/iaiii praticar. Umas vezes era o grãomagko Aristotelos nrmado de cerviiheira, cota e braçaes, rom a bààiA armada e o virote apontado ao peito da oeatauro, outras era Alexandra Magno de erux vermdba nos hom- * Vida Pmiorítmaj voL v, anua iSii-— Artigo Archeologia Por* tugwza. Viagem do cardeal Alexandrino, legado do Papa Pio V eoi 1571, extrahida do códice de 1607 da bibllotheca do Vaticano. O nome de folia, em italiano hueun, eomspondia aoa IregeitM e etnCos mais do joviaes doa ^ entfavwB B'alla. Digitized by Google ttS bros sobre am oavalio acobertido braodiiMk) a lança omi' í«m tra um esquadrão de mouros ás portas de jéruaalem. Pria- ^^'^ mo, Ajax, Achilles, Moysés, David, Absalão, e outroagr»' gos e hebreus illuslres padeciam aleives similhantes, figu- rando entre OKHistros e arabeseos» e do meio de disparates e incorrecções de deaeubo» que a palbelamaisbamikle a boçal de hoje se envergonharia de conmietter^ Deltaixo dos tectos e das abobadas artezoadas, la- vradas de ouo nos penduroes e bocetes acotovelavam- se as dansaSy riam pageos, atravessavam figuras doa momos, pulavam anões, ou corcovados» e tiniam oa aaa- caveis dos manmellos e tmhões. Nos momos eontinbt-te já, postoque em embryâo, o modci iio drama. Encerra v uii de ordinário uma aUegoria próxima ou remotamente li- gada com os suocessos recentes e notáveis, e o mais in* teresaante n'estas scenaa informes eram as visualidades, apenas cortadas de algum monologo rústico, e avivadas pelos gestos e visagens de pauluiaaiias extravagantes e exageradas, d^onde os actores tiravam o epitUeto de «tm» 1 Para se formar tileu do qno ornni no^seculo xv ostas festas, con- 8«lte-se, entre outros nionnim íilns. i Diário da Evibuivada ãe Jacob Motz (' Nicolau Lanrkiuaiiii lic Yalkr^t- ui, oradores e procuradoras do iuiperador Fretlt i 1( 0 111 para o representarem no acto do seu ( uii- sorcio com a iníanta I). Leonor, irmã de AíTonso V. Este ihario, composto Hia latim por Valkestein e pijl)licado pelo auctor da His- !nrn! Genealógica da Casa Real, em um dos lolll(»^ tias «FroAas«, encHfra cnriojias particularidadí^s sobre os costumes e a magnificên- cia da côrte du coiitjuistador de Arzilla. O sr. Vilhena Barbua.i ys- tampou no tom. iv, anno de 1861, n."* 3o, 36 e 40 do Archim Pitto- rêíco um extenso e animadr^ extracto da narração do embaixador jjerrnaniro. Consulte-se igualiui ílIi a Ckrouieados Valeromi e Insignes Feitos d El-HeiD.JoãoII. por (j.ík la de Rezende, cap. cxvia uiíxxui, aio m&am insiructiva como pmiura do íamto a úpukiuàa da BOiia cdrte na ultima década do xv século. Digitized by Google HISTOBU SB PORTTOAL Lwo geiteadores» por que eram conhecidos. O gosto dos prin* ier!tiç5ei ^ ^ oobreza tão primava por delicado» e as jograll* dades, chufas, allusões e bufonerías dos chocarreiros, em- bora iiiuitas vezes fossem grosseiras, obscenas e aggressi- vas, não causavam estranbeza, e alé as damas se não cor- riam de as ouvir e animar como seuriso. Obobo e o truhão tinbam-se tomado indispensáveis nos paços dos monar- chas e nos solares dos senhores como contraveneno para o tédio das longas horas de ociosidade e de enfado. Os jugraes, mais elevados em condição, do que estes repre- sentantes domésticos dos «momos», aarremedilhos» e «escameosi» eram coqjunctamente instrumentistas» bai- larinos, cantores e até repentistas de trovas. Em velhos manuscriptos de cantares, compostos por barões e cavalleiros distinctos, encontram-se ainda os si- gnaes indicadores dos tonilhos para o acompanhamento do rithmo dos trovadores repetidos pelos jograes, e restam mais» ou menos confusamente desenhadas ainda nas iliu- minuras da epocha as fórmas dos instrumentos músicos mais usados, o adufe e as castanhetas, que marca\am o compasso ás dansas dus jograes e ás pellas, ou dansas das jogralezas, e o laude, a guitarra, a harpa, a ayabeba, a re- beca, o anafil, as charamelas e o orgSo, de que se compu- nham então as orchestras^ O século xvi herdou mais ou menos modificados estes elementos, aperfeiçoou alguns, supprimiu outros, e, polindo e aperfeiçoando o que não poucos ainda conservavam de rude, deu-lbes verniz mais palaciano e feições menos aq[>eras. No reinado de D. Se- 1 Muitos dos traços d'esie quadro são tirados da admirável des- eripçfio das festas do tempo de D. João I feita pelo sr. A. Herculano 00 cap. xxfr do seu romance histórico, o Moingê d$ Cister, estudado sobre os documentos da meia idade com o eserapnlo que feUa a mntloe lime de liiatQiia. Digitized by Google DOS SEGOLOS XTIl £ XVOI bastião ainda se passavam pela sua cliancellaria cartas de i-uw jograes a indivíduos habilitados para o e&ercicio d esta ^pM^íi^ profissão. As festas do casamento de D. Leonor celebraram-se em julho, agosto e outubro do anno de 4 451 . Começaram pela entrada triumphal dos dois embaixadores do imperador, Jacob Motz e Nicolau Lanckmann de Valkestein, e pela au- diência publica de ei-rei em toda a pompa do seu estado. Continuaram no dia, em que na presença da còrte o arce- bispo de Lisboa lançou a benção nupcial á formosa infanta na Capella real, e concluiram cora as dansas, representa- ções 6 torneios determinados por seu irmão para engran- decer no animo dos enviados allemães o conceito do seu poder e generosidade. Bancjpietes esplendidos, bofetes co- bertos de Yelludos carmezins orlados de franjas e com as armas do reino bordadas a oiro e seda, credencias de carva- lho esculiiido ricamente com as prateleiras carregadas de vasos e de peças de prata de exquisito feitio e de preciosa baixella ornada de relevos e esmaltes primorosos, salas espaçosas alumiadas por grandes tocheiros de prata la- vrados de bulhões e pilares, iguarias e vinhos finissimos na mesa de estado e nas outras, e por ultimo, todas as sumptuosidades que podia e sabia accumular um rei pró- digo e magnifico, deslumbraram nos paços da Alcaçova a vista dos ministros de Frederico III e. do luzido concurso que os rodeava. Seguira m-se uma ceia e um sar au no palácio de S. Cbris- tovão, aonde D. Leonor se hospedou depois de recebida. O infante D. Fernando, irmão de Monso Y, entrou de- pois da refeiçlo na sala com um numeroso séquito, co- berto de galas de uma só còr, e entregou á nova imperatriz, sentada no throno, uma carta simulada, em que elle e os seus paladinos se figuravam attraliidos pela lama d aquel- TOMO T 39 u\^u\^cú by Google m HlSTOfUA DE POUXUGAL Smxú las opulentas núpcias. Logo apoz entraram outros momos ijjjjjj^ representando uma honla de selvagiMi^, (Jin esquadino de guerreiros coberlos de armaduras briltiantes. No gentil maccebo, qae os capitaueava, conheceu a infaula el-rei. Por fim appareceu uma cohorte de autígos germanos com os cabelios longos e crespos soltos até ás espáduas e o trajo histórico, e, feito por ella um desafio cortez, íi avou-se no meio do sarau mn combale fingido, em que a agilidade e a destreza dos cavalleiros grangearam justos applausos^ No dia 17 de outubro, mal raiou a luz do dia, soaram na rua Nova os instrumentos, que acompanhavam as dan- sas e folias dos cliristãos, dos mouros, dos judeus e dos ethiopes, e d'ali se encaminharam todos ao paço. Ás sete horas veiu abrir a liça com vistoso séquito Rodrigo Ailonso de Mello, que servia o cargo de almirante do reino na minoridade de Lançarote Peçanha. Uma hórrida figura de dragSo com o coUo alçado trazia em cima de si um caval- leiro, que desaliuu em altos brados todos os valentes. De- corridos minutos assomaram na arena por lados oppostos duas luzidas quadrilhas com arautos e charamelas, uma governada por Âffonso Y e a outra pelo infante D. Fer- nando. Duraram dnco dias as justas, sempre variadas de novas invenções. A imperatriz distribuiu por suas mãos os prémios aos vencedores. Houve ainda corridas de can- nas, em que tomaram parte os fidalgos principaes e os mo- mos populares, rivalisando todas as classes em se singula- rísarem pela novidade, ou pela riqueza. Os estrangeiros residentes em Lisboa, e em especial os inglezes, escocezes e flamengos, imaginaram entre outros folguedos, e execu- taram na rua Nova uma caçada simulada, em que saíram leões, ursos e javalis imitados com grande propriedade*. * Diário de Valkestein, Archivo Pittore$co, tom. lY, n.« 36. s Ibidem, ibidem, tom. iv, n."* 40. Digiii^uú L>y Google DOS S£GULOS ITH £ XVIU 547 Tniita e nove aiiiius depois resiílaiidecia a cidade de J-nio Évora solemnisando o casamento fio herdeiro de D. João II ^np^^ji^ com a íiiUa de Izabel a Gathoiica. Fora tal a alegria cau- sada pela noticia d'este consorcio, desterrando todos os receios de guerra entre as duas nações vizinhas, que mes^ mo de noite saíiaoi ns daiisas e folias ao clarão das to- chas, e que das ruas j>i iiicipaes velíios e mulheres hones- tas, loucos de alvoroço» vieram cantar e bailar debaixo das janeUas do paço. A princeza castelhana entrou em Évora a 37 de novembro de 1490. No dia 39 renniu el- rei a côríe cm uiiia ceia grandiosa. A baixela e a copa ostentavam riquezas admiráveis. Apenas o soberano e os noivos se assentaram ao som dos instrumentos appare- C6Q mna carreta tirada por dois bois grandes assados, tra- zendo dentro muitos carneiros inteiros também assados. Um moço fidalgo de pelote, galião e carapuça de velludo branco picava a junta com uma aguilhada disfarçado em carreiro. Pavões, aves, caça, manjares e doces deliciosos espertavam o appetite dos convivas. Logo no meio do ban- quete entraram varias figuras representando o rei de Guiné com tres gigantes espantosos e uma retorta mourisca en- cerrando duzentos mascarados tintos de preto, e todos grandes bailarmos. As justas não foram menos ricas e apparatosas, que as de Affonso V em I45i. Precederam-as muitas representa- ções mímicas, sobresaíndo a do «cavalleiro docysne», que desembarcou de uma nau com vélas de tafetá branco e roxo, gáveas de brocado e cordoame de oiro e seda. A nau movia-se por machínismo, e de dentro d'ella salta- ram el-rei e muitos senhores, D. João para romper o baile com a princeza e os cavalleiros com as damas. Nâo aca- baram, porém, n esta dansa as suspensões da noite. No intervalio entrou outro entremez não menos vistoso que 35. Digitized by Google 54S * mSTORU DB POIIT0GAL Ltt»» O primeiro. Consistia em orna fortaleza entre rochas e ma- tas virentes cora dois selvagens corpalentos á entrada. Um liuinem de armas saiu a pelejar com elles, venceu-os, e, descerranrlo as portas, saíram logo por ellas muiLus mo- mos» e uma nuvem de pombos, perdizes e outras aves, que, esvoaçando soltas, se deixavam apanhar á mão^. Dos monólogos, ou «arengas», como os denomina o ciironista doestas mímicas, nasceu em 1502, com o alvo- recer (lo stículu XVI, o primeiro Anto Pastoril, composto em caslelliano por Gil Vicente para celebrar as matinas do Natal, auto em que figuravam seis pessoas, e que foi representado na presença da rainha^. Os esplendores da eôrte de D. Manuel corresponderam aos novos destinos que a fortuna do descobrimento realisado por Vasco da Gama acabava de aliançar â pequena naçào. Lisboa, tor- nada a Veneza do occid^nte, Portugal sustendo nos bra- ços um Immenso império, o seu nome citado entre lou- vores e invejas na Europa, temido e respeitado nos mares da Africa e da .Vsia, e as sciencias e as artes cultivadas e protegidas, eram lances tão venturosos e tào pouco espe- rados antes, que uão devemos admirar-uos, de que o rei e o povo se deixassem desiumbrar, julgando todos os commettímentos e opulências inferiores â sua grandeza. As festas reaes d*aquelle tempo, as pompas de que se ro- deava o monarcba, e o manancial que todos então suppu- nham inexgotavel dos thesouros que as alimentavam, fize- ram na realidade única na existência do paiz esta epocha ) Garcia de Resende, Chromea de D. João U, cap. cziv, csn, cxm e cxTin, e cap. cxsan, cxxiv, cxxv, cxxvi, cxzvn, e czxvm. 2 Todos sabem que Gil Vicente compoz o seu monologo, ou Vi* titação para commemorar o feliz successo da rainha D. Maria, fiil- lando só uma figura, e entrando todas as outras como personagens mudas para offerecerem presentes ao príncipe lecemnascido. Digitized by Google DOS SÉCULOS xvn £ XVIU tão depressa eclipsada, o reinado seguinte, sobretudo luxo nos iiltimos quinze annos, viu mais trevas, do ípie luz, ^^^J^ mais amea(;as de revezes, do que promessas de trium* phos. O peso da luta já excedia as forgas» e os apuros da íázenda cresciam de amio para amio. Assim mesmo foram - notáveis as ceremonias e a niagnificencia do recebimento do duque de Bragança, D. Theodozlo, com sua prima co- irmã em junbo de 154:^, realçando a sumptuosidade do banquete e do sarau dados no paço dos Estaus. Mão me- receram menor elogio as núpcias do duque de Âveiro, filho do Mestre de S. Thiago, com a fdha do maiT[uez de Villa Real D. Juliana em 1547. Mas a manitestação mais estrondosa n^este sentido do tempo de D. João III foram os torneios de Xabregas, antes de 1554, para o príncipe D. Mo, herdeiro da coròa, estrear as primeiras armas. Resta-nos uma bella e miúda descripção d^elles, escripta pelo auctor do a Palmeirim de Inglaterra» com a viveza, brio e castidade de linguagem, que recununendam tanto as formosas paginas da sua novella. As galas dos cortezãos, as soberbas decorares da liça, e a destreza e perfeição dos cavalleiros em todos os jogos e exercidos revestiram este arremedo das antigas justas de magestade singular. O principe, a despeito da idade juvenil, arrebatou a to- dos pelo seu garbo, louçania e vigor, conquistando sem favor o premio mais galante ^ Outro aspecto muito mais popular das diversões pu- ' Recebimcnlo de D. Theodozio, duque de Bragança, coin D. Iza- bel de Lencastre, sua prima co-irmã, em Lisboa a 25 de jiiiiiio de 1542. — (Casamento do dut|ue de Aveiro, filho do Mostre de S. Thiago, com 0. Juliana. íiilia do marquez de Villa ReaL — Carfa que Fran- cisco de Moraes eju iou á rainha de França, em que lhe escreve os torneios o festa que se fez em Xabregas em 155... — Miscellanea ma- nuscnpta em meu poder, pag. 115, 119 c 167 a 183. Digrtized by Google 550 HlSTOaiA DE PORTUGAL i4w blicâs nos séculos xn e xvn eram as fancções religiosas J^fj^ desde a procissão de Corpus Christi alé ás roraarias e festas (lo.> ui apos mais venerados das parochias urbanas e ruraes, e ás invenções e riquíssima ostentação das or- dens em suas commemorações festivas. A procisslío de «Corpus» já no século xiy constituia um verdadeiro es- pectáculo dividido em scenas, que nem todas se descul- pavam com a ingcnuirlade dos devotos, que traçavam e executavam, cuidando agradar a Deus. A concorrência dos oificiaes de oíiicíos e jornaleiros com staas represen- tações allegoricas, a presença de mascaras e monstros ' fingidos pouco edificantes, e a longa serie de incidentes ridículos, ou lirii toscos e de visualidades muitas vezes pouco reprehensiveis diíTicilmente podiam ser disfai çados pelo longo séquito de todos os institutos monásticos» des- dobrado pelas ruas da cidade e composto de frades, cujos hábitos reproduziam todas as cores tristes, bentos, agos- tinhos, bernardos, dominicos, franciscanos e beguinos, e pelo esquadrão luzido dos cavalleiros de Christo, do Hos- pital, de Aviz e de S. Thiago, precedidos dos seus mestres 6 commendadores^. 0 povo enchameava em todas as praças e ruas por onde havia de passar o préstito, applaudindo com vozerias a Gato Paul (<?at'o montez). insiornia dos pilliteiros, o «dra- gão» dos sapateiros, a cserpe» dos alfaiates, eo «Sagitá- rio» dos pedreiros e carpinteiros. No século xvf, mais polido e correcto na fé, muitas d'estas praticas pareciam já offensívas com motivo do decoro e do respeito devidos ás cousas sagradas. Na sua carta á camará do Porto em 15()0 a rainha regente, D. Calharina de Áustria, estra- nhou eprohibiu os velhos abusos auctorisados naprocis- 1 Archivo Hnnicipal da Liaboft, Uwo doi Pr^goi. Digitized by Google DOS SÉCULOS xm E XfUl 8io do Corpo de Deus, apontando entre btitros o escan- dalo, de que em repelidas occasiões haviam sido causa .aparluç^M innocente as seis moças formosas, filhas de uliiciaes me- chanicos, tomadas quasi á força jiara íigurarem Santa Ma- ria, Santa Catharina e a sua donzella, a Magdalena» a dama de Drago e Santa Clara com duas freiras e muitos mou- ros em roda, vociferando chufas obscenas. A municipali- dade portuense defendeu os antií^os usos pela voz do seu procurador Bartbolomeu de Araujo» masa rainha insistiu» e as moças foram eliminadas» com excepção sómente de Santa Clara e de Santa Catharina. Escaparam também aos golpes da reforma as péllas e algumas dansas, os reis e os imperadoi es e os jogos honestos *. As romarias e festas iocaes tomavam em muitos casos grande vulto» e duravam dias» correndo as despezas com largueza e sendo assàs variadas as recreações profanas a que pôde dizer-se quasi que os actos religiosos serviam de pretexto. iMiguel Leitão de Andrade deixou uma ex- tensa e particularisada pintura das representações feitas em louvor da Virgem Senhora da Luz na vilia do Pedro* gSo Grande por um devoto no primeiro quartel do se- eulo xvn. A festa compoz-se de muitas diversões. Pro- cissão, musica vocal e instrumental, dansas, jogos de cannas e da argolinha» touros corridos e espectáculo thea- IraL O ferrador da terra recebeu ordem de ferrar de graça os cavallos, e o festeiro mandou ás estalagens que dessem a todos ração gratuita. Os músicos eram tocadores de harpa, rabequinha, charamella e trombeta. Pagou alem d'istoas «folias» e cchacotas» convidadas para avivarem a alegria. A mesa aberta para todos consumiu arrobas de í })/:<^rrt Uives Chronolofficas, tom. iv, pag. 156 a iri8. — Livro tliis Pojituras da Gamara de Coimbra, chamado da Correia, fl. 96* Digitized by Google BSt BISTOftU BB PORTUGAL uxo ^ vacca e de carneiro» toneis de vinho, que fazia manar mlú^È fontes, e uma infinidade de aves mansas e de caça. Nos episódios d'esta larga serio ilivertimentos entra- vam uru colloquio em nome de ires pessoas da Santíssi- ma Trindade» e a daosa das nove musas guiada por Ciio e intercalada de trovas. Por meio da procissão, rica e vistosa, entreteciam as «chacotasi, as cfolias» e os bai- lados de donzellas seus passos e cantares ao som das do- çainas, charamellas e cometas, ("orreram-se depois touros em um pequeno terreiro, e jogaram as cannas oito cavai- leiros contra oito. Representou-se por ultimo a comedia ainda nlo impressa de Lope da Vega, D. Juan de Haro o la ocasitmperàida, e outra peça intitulada O salteador fidalgo livrando o pae da morte. Os actores eram nos primeiros papeis moços nobres, o bobo e as outras figuras vieram de varias terras. £ inútil acrescentarmos, que poucas íunc- çSes doesta espécie podiam ser dadas com esta pompa, e que na máxima parte as romarias se reduziam a um ar- raial ao diviau, auinuido por volleadores pagos, e por uma, ou outra «folia* assalariada, arraial em que o vinho e os brios rústicos levantavam com frequência arruidos, que sempre custavam sangue, quando não custavam al- gumas vidas ^ As lestas, com que a religião da companhia de Jesus na província de Portugal celebrou a cauooisação de Santo Ignacio de Loyolae de S.Francisco Xavier no anno de excederam em grandeza e apparato nas terras principaes do reino tudo o que até ahi excítára admiração, ou mere- céra maior applauso. Em Lisboa, em Évora, em Braga, em Villa Viçosa e no Porto attrahiu o |)oderoso instituto por oito dias consecutivos as multidões embevecidas, va- 1 Miguel LfiítSo de Andrade^ Miteàtlanea, dialog. xi e zn. Digilized by Google i ]K>S SÉCULOS XVU £ XVIU 553 riando os espectáculos e as visualidades. Em Lisboa liou- lmo ve procissão solemne cora muitos e ricos andores desde ^^^g^ a Sé até á Gasa Professa de S. Roque, e nessa mesma nj^ite representacio da Defeza do Castello de Pamphm combatido por canh?)es vindos do armazém do duque de Aveiro. Seguiu-se um vistoso préstito, em que entravam as virtudes personificadas e varias imagens de varões illustres por santidade, passando em carros tríumphaes» entre luzidos cortejos allusívos. Em Coimbra á mesma opulência e profuslo de episódios, acresceu, segundo o costume jesuitico, a af)[)arição de um soberbo carro, armado em lionra das sciencias e letras, precedido pela figura symtM)lica da cidade de Paris a cavalio, e encer- * rando no logar mais alto as sciencias e as artes caracteri- sadas com seus distinetivos, a theologia de branco, a philo- sophia de azul, .i rhetorica de cores \ ai ias, e a grammatica de verde e morado. Em um dos dias jogaram-se as canoas ás cinco horas da tarde annunciadas pelas «folias» do Cartaxo e de Mour temôr e pelas «chacotas^ de Leiria, Pombal e Montemór o Velho com suas trombetas bastardas e charamelas, seus jograes, ou «folgadorcs», e muitos mascarados, que tocavam e cantavam. Entre as dansas causou certo espanto a das andas, em que um saltador obrou prodí- gios. Em Évora, alem da profissão, dos alardos de estu- dantes, dos fogos de artificios, e de diversas inventes, o que grangeou maiores louvoies aos padres foram as danças dos «Ànjosi», dos «Sete Dias o e a dos «Montes de Roma», admiráveis pela riqueza esmerada dos tra* jos e pela perfeição mimica dos passos. A representarão da tragic(»nedia intitulada a Tomada do Castello de Pam- plana poz o remate com suas magnificências a estas re- creações saudadas por innumero povo com vivas e brados. Digitized by Google 054 mSTORU DE FORTUCUUL DOS SÉCULOS XVn E XVm Um fim Brap foram terminados os festejos pelos torneios do NnyfOM ^^^^^^^ oitavario (7 de agosto), em que dez aventu- reiros disputaram o campu mantenedores ale ás oito ho- ras da noite» rodeando a liça muitas tochas e cobrindo de palmas os cavalleiros as acdamaçdes de qoasi tudo o qae tmha valia na provinda de entre Douro e Minlio^ 1 Relaçílo Geral das Festis que fpz a Religião da Companhia de Jesus na provincia de Portugal na canonisaç5o dos gloriosos Santos Ignacio de Loyola, seu fundador, e S. Francisco Xavier Apostolo da índia oriental, no anno de 1622, Lisboa, por Pedro Craeabeeek impressor de £l'Rei, anno de 1613. CAPITULO IV CONGLUSiO Lançados os ultímos traços do estado económico e so- cial da monarchia no momento, em que findou a domina- ção da casa de Áustria, e subiu ao tlirono a dynastia por- tugueza de Bragança» cumpre-nos reduzir os liaeameQtos esboçados a um quadro, embora incompleto» anvando» apesar da imperfeição do pincel e da deflciencla dos sub- sídios, as lei iões mais proeminentes da epocha. Do passado glorioso, de qiie um século de distancia a separava apenas, só a saudade sobrevivia. Das grande- zas de D. Manuel e D. João UI restavam s6 as minas alastradas pelas remotas regiões por onde as nossas con- quistas se haviam dilatado. Da raça privilegiada, que a aus- tera escola de D. João II educara para edificar tão \on<^Q o maior império, dos liomens fortes, que tinham avassal* lado os mares, ennobrecido a pátria e engastado na eor6a de seus reis os mais invejados florões, sAmente a fama apregoava os nomes sobre os baluartes derrocados das fortalezas da Africa e da Asia. Aos esplendores da pri- meira metade do século xvi succedéra a escuridão das primeiras décadas do século xvn. Milicía, marinha» coló- nias» instituições, esforço guerreiro^ infadatíTas fmnda;» 556 HISTORU D£ PORTUGAL coQduíao e desenvolvimento moral, tudo diminuíra e se acaniiára, minado pela mais funda e incurável degeneração, tudo estava alluido e vacillava. A matéria matára o espirito, e os homens da decadência» muito pequenos para imitado- res dos avós» vingavam-se da inferioridade, forjando pla- nos ohimericos, bordando de europeis a mortallia da pá- tria, e alguns até escievendo-lhe por suprema irrisão epitaphios gongoricos sobre a campa. Acordaram d'esie somno doloroso os mais briosos pun- gidos pela dor, irados pelo resentimento das afiErontas, ou coagidos pelo receio do ostracismo, de que os ameaçavam as ordens de Madrid, e bastou um levo impulso para o governo estrauiio, odiado e sem raízes, baquear. Os paes, em i5Bi, esquecidos da sorte do paiz e do futuro dos fi- lhos, estipularam nas córtes de Thomar as condições da sua adhesSo, proclamando o rei catbolico. Filippo m vira em Lisboa, submissos e reverentes em volta do seu throno, os lidalgos mais orgulhosos. Em 1637 os povos subleva- dos em Évora e em diversas terras do Alemtejo e do Al- garve em v3o supplicaram o auxilio da nobreza, que fa- cilmente podia converter os tumultos n'ttma Insurreição geral. A iiohi oza cruzou os braços, e deixou passar o cor- tejo lugubie das alçadas e dos verdugos. A familia de Bragança, se Olivares não perturbasse os ócios opulentos do seu chefe, é assás duvidoso que se atrevesse a arriscar em um lance temerário os fructos da munificência de tan- tos soberanos. Só depois de posto o dilemma pela incapa- cidade do ininistro de Filippe IV entre a corôa e uma quéda terrível e estrondosa, é que o duque D. João se lançou nos braços da fortuna, optando pela corôa. Os factos s9o unanimes nos seus depoimentos. Não car- regámos as tintas, nem exagerámos a expressão da physio- nomia social. Reproduzimos a vei dade como eila se nos Digitized by Google DOS SÉCULOS XVn E XVIR ^7 manifestou. Nos sessenta aonos, decorridos desde lõ80 Ganciiiin> até 1640, nao encontrámos senão revezes, infortúnios, desmoronamentos e declinação, e, imparciaes com a ra- são e com a lustoria, não attribuimos as culpas de todos os males á dominação estrangeira^ porqae achámos as sementes, ou as raízes d*elles em tempos anteriores es- condidas debaixo das pompas, já mais apparenles, do que reaes, das falsas prosperidades cuin que nos suicidámos. O patriotismo sincero não carece de calumniar as cinzas dos adversários. Os reinados dos tres soberanos hespa- nhoes ainda foram mais funestos a Portugal pelos erros da sua politica externa, do que pelos abusos da sua adminis- tração interna. A ambição da casa de Áustria arruinou a Hespaoha e as corôas dependentes d'ella peia tenacidade dos propósitos conquistadores, peia infelicidade das em- ' prezas guerreiras, e pelo justo desforço das nações assus* tadas com o pi-oposito da i-ealisação da monarchia univer- sal. Filippe II, senhor dos mares depois da união de Por- tugal, e senhor das vastas possessões dos dois estados na África» na Ásia e na America, intentou subjugar a Ingla- terra com a invencivel armada, e aniquilar a liberdade e o commercio dos Paizes Baixos coai o peso dos exérci- tos e a exclusão de todos os mercados, aonde a sua ban- deira âuctuava. A Gran-Bretantia triumpbou, e a Hollan- da, expulsa dos nossos portos, foi directamente ás índias buscar os productos, que lhe negávamos na Europa. Dentro de poucos annos as esquadras das duas poten- cias assobei bavam o oceano, e suas armas, combatendo- nos em toda a parte, castigavam a louca esperança dos que nos haviam fadado invencíveis desde que nos entre- gassemos á Hespanha. Sós, neutros e pacíficos teríamos demui ado seguramente a desmembração. Ligados á casa de Áustria pelo vinculo pessoal, e, cúmplices involunta- Digitized by Google fl0MM» rios qam sempre dos seus desigmos» expiámos eom a monarehia castelhana, e ainda mais do que ella, a ousa- dia (Je suas aspirações. Nem a Hespanha, nem Portugal podiam já no século xvii com o imiiK uso império de alem mar» que autes dividiam, e que em 1 580 o colosso ibérico eucorporou em seus dominíos. A Hespanba em guerra com os paizeslnais bellicosos da Europa sentla-se ferida nos órgãos vitaes» e procurava encobrir a lesSo assumindo novas responsabilidades e Uavando lutas desproporcio- nadas. Portugal, destinado pela Providencia para inicia- dor da GommunicaQão dos povos mais apartados, e para ser um áoê agentes mais activos da civilisa(^o, tomando* se conquistador, ^osou do prestigio do nome e da Victo- ria, e coiiU ahiu nas delicias do oriente a enfermidade mor- tal, de que os gregos e os romanos tinham adoecido tantos séculos ante^ d'elle. Os testemunhos contemporâneos, conformes na cen- sura dos vidos, confessam extínctas as antigas virtudes, e amortecidos os brios, que haviam feito o nome portu- guez tão illustre. Falias a-se ainda de trabalhos, mas só para fugir d elles; sonhava-se ainda com a gloria, porém já se Dão abraçava senão a sua sombra. As nossas naus encolhiam as vélas diante das inimigas, resgatavam-se a peso de oiro do dever de pelejar, ou escondiamnse no Tejo, receiosas dos cruzeii os que insultavam a bandeira portii^nie/a mesmo á bôca da barra de Lisboa. As con- quistas levaram-nos tudo sem exceptuar a rigidez dos cos- tumes e o cuito immacnlado da honra. A emigração for^ çada ou vohmtaria para os presidios da índia despovoava as províncias e destruía a lavoura. A corrupção asiática, inoculada nas veias da metrópole, depressa a gangrenou, decepando-lhe o vigor. Em vez das realidades, que a ha- viam tomado poderosa e temida» apparendas mentidas Digitized by DOS SÉCULOS XVU E IVIU Ulodiam apenas os menos perspicazes. Cada anno abria «mnio mais largo e mais fundo o abysmo debaixo dos pés das gerações successivaiiii;iite abastardeadas, e o turpor, nún- cio falai da niorle, ia-as tomando umas após outras. Em quando FUippe II subiu ao tbrono, mais de dois terços d*esta via dolorosa estavam andados. Os aconteci- mentos acceleraram a mina final, mas qtíasi todos a re- putavam inevitável desde longos annos. Todas as íorças, cujo equilibrio e saúde robustecem a compleição das nações, estavam minadas. Nenbum ele- mento solido e vivaz existia intacto. A paralysia era geral, e poucos confiavam que podesse haver remédio. Uma apa* tliia profunda gelava us aaiiiios c esmorecia as crenças. A calastrophe de Alcácer parecia ter sepultado com o rei e a flor da nobreza o corpo e o espirito da monarcliia* Os mais altivos, inclinando-se diante da vontade de Filip» pe II, allegaram, para se desculparem, os decretos da Pro- videncia e a necessidade imperiosa de l)uscar o porto de- pois da tormenta. Os outros, o maior numero, sem alle- garem nada, rebateram por mercês tangiveis as cédulas e as promessas de D. Ghristov2o de Moura e do duq[ue de Osauna. Esta apagada tristeza durou sessenta annos« Ao cabo d'e11es, o reino, despertando do letiiargo, abra- çou-se com a independência, que fôra para o povo no ca- ptiveiro a saudade de todas as horas, e quiz tomar a ser Portugal. O preço da emancipaçio custou-lbe largos sa- crífidos, muitas lagrimas e muito sangue. Era ajusta ez« piaçSo do passado e a necessária propiciação do porvir. A revolução de 1640 rebentou de um rasgo sublime de desespero. A paciência e o soíTrimento estavam estan- cados. Todas as classes padeciam, e, correndo a vista em volta de si, não descobriam senão desasires, misérias e prenúncios de um porvir maisisombrio ainda. O povo Digrtized by Google 860 HRTOBtÀ DE POftTUGAL coMhifio gemia carregado de impostos, desfallecido, e dizimado pelos recrutamentos para os terços de Gastella e para as companhias de soccorro das coiumas. A fidalf^ia. aílron- tadn no orgulho nobihario e Das ambições It^ intimas, de- testava em Miguel de Yasconceilos o inimigo conheddo da soa raça, o instnmiento e o açoute da política aggres- siva do conde duque. Separada dos negócios, e desviada dos oílicíos e dos clev ulds cargos, que servira sempre, queixava-se de que o gabinete de Madrid só a conhecesse para lhe extorquir avultadas sonmias por meios artificio- sos, ou violentos, deprimindo-a na representação pessoal, na influencia e nos interesses. A idéa insensata dé a des- terrar de golpe para os caiikpu.^ de batalha cU Catalunha, foi a ultima gota de fel no cahx que trast)ordava. Entre a ruina e a morte fóra da patna com as armas na mão al- guns preferiram acabar, ao menos, pelejando pela conser- vação dos fóros ultrajados. O clero, offendido, vendo suas immunidades desaratadas, e o sen rico património quasl saqueado pelas exigências de repetidos subsídios, opprí- mido e desconsiderado, convenceu-se de que só lhe res- tava um caminho único de salvação, e, unido com a aris- tocracia e com o povo, nos púlpitos, nos confissionarios, nos livros e nas cadeiras do ensino declarou pruerra sem quaitel á dynastia estrangeira, accusada de incompatível com a igreja depois da sua ímpia perseguição aos bens e ás pessoas dos ministros da Deus. O duque de Bragança, finalmente, alvo nos últimos tem- pos das suspeitas c da má vontade da côrte, rodeado por eila de ciladas, nem podia já dissimular aos outros os pe- rigos que o apertavam. Mais do que neutro nos tumultos de Évora, não acudira pelo paiz, quando o chamava cheio de aíllicção. Ojlliia Mt^nra os fnictos d'esta indiíTerença. Olivares, temendo n eile o luiico ciíeíe possível da resis- Digitized by Gopgle ■ DOS SÉCULOS XVII E XVHl ^61 teacia nacional, não ce.s.sava de excugitar pretextos para conciosao o arrancar da calculada obscuridade de Villa Viçosa, e para o confandir, cunhado perante a omnipotência de Fi- lippe IV, com os outros títulos da Hes[)anha. Avisado de (jup a jornada de Catalunha significaria para elle um de- gredo, ou talvez uma prisão perpetua, o terror da ameaça venceu no animo do duque todos os outros terrores, e, deixando-se arrastar pelos mais intrépidos da nobreza, cerrou os olhos, e arriscou-se. Quando os abriu achou-se rei acclamado por toda a nação, mas rei sem tropas, sem thesouro, e sem arruadas, rei, que o exercito fónuado contra a rebellião dos catalães em alguns dias de marcha podia precipitar do throno sobre o tablado de um patíbu- lo. A decadência da monarchia justificava as maiores ap- prehensôps, e mesmo um coração mais firme e um cara- cter menos egoista teriam despertado sobresaltados, ven- do ante si a realidade triste e innegavel na hora em que as hesitações, ou qualquer capitularão honrosa não eram jâ possiveis. D. João IV não nascera dotado das qualidades, que ex- citam e inflammam o ( nthusiasmo. Não pertencia á famí- lia dos heroes. Acima de tudo prezava a tranqoillidade, o socego, e os commodos domésticos, e de bom grado cederia a corôa, se ella não fosse a íiadora da segurança da sua vida e da sua posição. Sabia que a nobreza estava dividida, que parte era abertamente addicta a Gastella, e que da outra parte, fiel só nas palavras, grande numero de fidalgos desconfiados do successo e receiosos do cas- tigo, se mostravam descontentes, vendo-se collocados na alternativa desagradável de sustentarem o acto do 1.° de dezembro, ou de se aviltarem com a suprema infâmia de covardes, ou de traidores. A conspiração do arcebispo de Braga e do marquez de ViHa Real exprimia os sentimen- Digitized by Google HISTORIA 0E PORTUGAL tos seeretoj^ de muitos d'estes cortezSos qnm á força do novo rei, p^n que u serviam rneio coactos, com os olhos em Madrid, e meditando o modo de negociarem o perdão da obediência apparente. A revolução fôra um lance tão repentiiio, qae a nenhum dera tempo para calcular. A tor- rente tomon os mais d^elles desprecatados, e arrojou-os inquietos a indecisos aos pés da dyriastia nacional. A re- flexão corrigiu o ímpeto, e não i)oucos maldiziam occui- tameute a D. Migu^ de Almada, a D. Antonio Tello, e a João Pinto Ribeiro» arrependidos, mas tarde, de se have- rem embarcado para um naufrágio, a seu ver, mevitavel. As circumstancias não podiam ser mais criticas. Quasi todas af? priti^abilidades pareciam apostadas rontra o pe- queno reino, que, mais ousado, do que prudente, se atre- véra a romper o jugo. A Hespanha, apesar de abatida e de mal governada, ainda aos olhos da Europa figurava va- ler mais, do que inriia talvez, e contava sobejas forças para prevalecer, se as empregasse acerl;i():imente. Não era sem rasão. pois, que D. João lY e os que apreciavam as cousas de mais perto estremeciam. A guerra promettia ser longa, trabalhosa e arriscada. As praças de armas príncipaes desmanteladas, ou meio em ruínas, exigiam reparações para cobrirem a extensa fronteira por todos os lados aborta ;ís entradas dos inimigos. Não havia exer- cito, e paia o oiganisar faltavam soldados, armamentos e munições. Uma paz tão dilatada tomára o povo imbelle e amigo do repouso. Os arsenaes estavam vazios. Garecía-se de tudo, e a urgência do perigo recommendava que se in- ventasse quasi tudo. A somma de sacrifícios, que as ne- cessidades da defeza impunham, devia assustar os mais audaciosos, especialm^e considerando que o paiz acaba- va de sair de um largo somno, e que a vontade e a inicia- tiva, paraljsadas, não estavam bem despertas ainda, e que DOS SÉCULOS XYU c x\m IM a exaltação do Iriumpho engaiiMN i is multidões, pintan- goucimío ' <!u-llies o futuro com as mais risoiilias cores. As resis- tências nacioDaes são a pedra de toque dos povos digoos d'6st6 nome; mas» por isso mesmo, sujppõem n*éá»& fih coldades elevadas de esforço, de persevenmça, de lèw- gação e de heroísmo. Era para temer, que uma nação (jiiohraatada nos brios, dissolvida [ior intima e proftinda coiTupção, e desfalcada dos meliiores recursoS) se q2o achasse com o vigorpreciso porá as ostentar, eeeáeíiiM vencar do desalento oom o piimeiro derastre, tnfidaAdo entre a quéda e a oontinua^o da lota apeaas esta lhe apparecesse rodeada do seu cortejo de privações, mise^ rias e padecimentos. Estas refle&des eram confirmadas pelosâietoe. O estado do paiz, mesmo com mn regimen pacifico» reqoeiia CÊh dados extraordinários e grande zélo para se mbNW. Oe males, como nolainu^, iiao se derivavam só dos sessenta annos da dominação estran^^eira. Os maiores vinham de mais longe. Tiniiam nascido no segundo quartel do século * xvt» na epocba em que a unidade monanchícaiDaisfe»- plandecéra, coroada de victorias, e quasi arbitra da Eu- ropa pelo monopólio do commercio oriental. Os erros, que havia a remediar, ns herpes que deviam extirpar-se, tinham viciado as instituições na origem e naappikação, e enlaçavam as raízes na existenda e noa iutereaaes ét todas as classes. A monardiia portuguezaienascèFa, ms para ser a monarchia de 438â, ou ade l570?Amofiaroiiit de D. .Toão I, ou a du D. Sebastião? A que so fundava no consenso e aj)oio dos súbditos, ou a que, senhora dos iio- mens e das cousas» aíiirmava como dogma a iníalMbili- dade do governo pessoal? D. João IV mostrou-se incli- nado a não separar a sua causa da causa do povo, e os princípios proclamados nas côrles de lti4 susleniaiaui a 564 HISTOhU D£ POaTUGAL cooditiso coherencía dos dois direitos mais contrários e oppostos, u direito divino e a soberania nacional, a legitimidade e o sufifragio popular. O perigo passou, e os successores do monarcha ievautado nos escudos do paiz depressa esque- ceram o segando principio, base do pacto, para só invo- earem o primeiro. Pouco mais tarde a seieneia certa dos soberanos dispensou os conselhos da nação, e de todos os poderes, mais oii menos limitados, que existiam, so- breviveu só um, o poder real^. A guerra estava ás portas, e o novo rei carecia de re^ cratar as legiões, que haviam de repeliir a invasão. Pre- cisava armar e municiar as tropas, guarnecer e appare- ihar as esquadras, acudir ás conquistas da Asia, e salvar o Brazil, já então a joia das nossas possessões, da oc- cupação dos iiollandezes. Estes esforços requeriam sum- ma diligencia, a cooperarão sincera de todos, e o pátrio- tismo dos fiictos em vez do patriotismo vazio das pala- vras. Eraiu necessários soldados e Lribiitos, e o reiuu, exhanrido de braços e de cabedaes, só por um rasgo de abnegação admirável no presente e de confiança subli- me nos fiituros destinos podia responder com os meios indispensáveis para manter a independência. Sens filhos mais robustos achavam-se ausentes na índia e na Ame- rica, disputando a posse dos presídios e do território, ou engrossavam nos Paizes liaixos as fileiras dos exércitos hespanhoes. Tratando das forças productivas inculcámos a sua attenuação e os motivos d'eUa. A população, da qual haviam de sair os navos terços, não augmentára quasi nad;i desde 4570 até 1640. Em 1580 talvez não ex- cedesse um milhão cento e oitenta mil almas, em 1636 1 SSo assto cmioBOs os documentos e os escriptos da epocha ao* bn a eonciliaçib do direito divino com o difeíto de resistência, de- posiçSo e eleiçSo dos soberanos reconhecido aos povos. Digitizod by C<.jv.' .ic j>os SÉCULOS xvn E xvni m não passaria um iiiilliâo, trezentas mil, e em 1640 os condttOo cálculos fiscaes, sempre exagei-ados, não ousavam eleva- la em grosso a mais de dois milhões ^. As fontes da pro- ducçião e da riqueza n^o corriam, ou apenas davam si- gnaes de vida. A falta de braços deixava os campos incultos e as artes desamparnd.is. A carestia das subsisten- naíí, consequência das colheitas escassas, apressava a emigração dos mais válidos e industriosos, que iam bus- car fòra o trabalho e a remuneração, que a pátria lhes não podia offerecer. O deficit dois cereaes, já tão sensi- vel na primeira metade do século xvi, continuava a exi- gir o emprego de grossas quantias na compra dos sup- primentos indispensáveis. No século xvii o quadro não era menos triste. Os maninhos e baldios abrangiam quasi dois terços da area absoluta do território, e o desequilí- brio entre a producção e o consumo causava graves pre- occupaçues ao governo. A declinação das artes fabris con- cordava com o estado deplorável da lavoura, e talvez fosse mais longe ainda. Não se tinham introduzido industria^ novas, e as que tinham existido sempre vegetaram enfe- zadas e rachiticas, saindo do paiz grande numero de ope- rários e de mestres por não acharem occupação. Era im- mensa a decadência em todas as manifestaçòeò do traba- lho. O território despovoava-se, os campos enredavam-se de mato, a propriedade accumulava-se em mãos estéreis, e famílias inteiras de obreiros agricolas e de manufactores ' João 111 irastav.'! amiualnientp p^i to rlf .'i(K):0(^K) cruziidos rni abastefer o paiz de trigo, o que em uma popuhi» ãt- de um mi- lhão duzentas vinte e seis mil almas suppõe approxinj;idamente a importação media do õ:000 moios (41:400 hectolitros) sem contar os cereaes entrados pela raia. Os capítulos das crtrtes dr in25 a lti;i5 e das de 1562 revelam bem a escassez da producção n aqueile tempo. Digitized by Cvjv.' v-c HISTOBiA DE PORTUGAL GMiwio morríam de fome, emquanto o trigo de fóra soccorria por alto preço os nossos celleiros, e as mercadorias estran- geiras enchiam os armazéns e pejavam os mercados K O GODiHieitiG» arraioado» todos os dias assignalava a sua #slagDa0ão, encurtando as operaçQes. As íáliencías soc- cêditm-se, os capitães assustados retíravam-se, e os lu- cros líiiii dirniniiidos desde as guerras com a GraivBre- tanha e a Hullaiida nem compensavam a quarta parte das perdas em navios e fazendas, que a luta custava todos os aonos á praça de Lisboa*. D*esta situação precária, d'este definhamento geral, accusado em todos os syraptomas, é que tinha de nascer a nova situação creada pela gravidade do perigo. O paiz, que se insurgira por não poder supportar já o peso dos tributos de sangue e de dinheiro, ía ser obrigado a au- gmentar eousíderavelmente o imposto, elevando*o ás proporções pedidas pelas exigências da guerra, e a for- mar em todas as \w<\\ iucias exércitos siifficientes para se medirem sem míerioridade notável- com os contrários. As côrtes de 1641 não desmaiaram perante as responsa- bilidades da obrigaçSo da defeza, e o rei, abraçando-se com o povo n'aguelle momento supremo, conheceu que podia conlíu cuni cíle. O paiz rasgou as veias sem hesitar 6 subsidiou as armas empregadas em sustentar a dynas- tia da sua escolha e a independência. Os alistamentos vo- Httitarios e o recrutamento, ordenados em lai^a escala, se não foram concorridos com enthusiasmo, não encon- * Vejam-se os cap. i e ii da part. \i, liv. ví, tom. iv da nossa Historia, em que desenvolvemos com largueza os traços conirahi- dos aqui para rcaumo dos resultados geraes. * Vejaiii-se os cap. iii, iv e v do liv. vi, tom. iv da nossa Btttth ria. Todas as testemunlias sâo conformes em affirmar a quasi oom- pleta estagnação me g antíl. Digitized by DOS SÉCULOS XVii E XVIII 567 traram repugnancias fortes, nem opposições decisWas. ctoMiHit» Mas o adversário mais funesto dePortuj^al nos primeiros dias da einaiicipaçàu ria *» estado de prostração a que chegára, e a sua ignorância quasi completa das cousas militares. N9o só todas as forças estavam esgotadas, co- mo os antigos brios e a indoie aventurosa se haviam trans- formado na ociosidade. As tentativas do desditoso D. Se- bastião, para reanimar os instinctos bellicosos da nação, não passaram de um impulso transitório sem acção so- bre os costumes do paiz. A supplica das còrtes de Tbomar em 1981, pedindo a abolição das ordenanças e a das candelárias explica as verdadeiras tendências, e dispensíi quaesquer rommenta- rios. A politica insidiosa de Filip|)e lí ai)plaudui então as queixas dos novos súbditos. Consummada a união, as armas, os exercícios guerreiros, e os cavallos de guerra s6 podiam servir de estimulo a tentaçt^es perigosas nos portiiguezes. Reduzida a escola marcial a guarnição das praças de Barberia e á guarda das Ibrtalezas da índia, o reino, fechando os olhos, deixou-se adormecer no tor- por, de que os povos raras vezes acordam livres. Se nas lutas da Ásia e da America cabos e soldados iliustres provaram, que a raça dos grandes capitães não acabára, essa gloria liiuitiva Mniiiu-se depressa, oíTuscada pelos iníortunios. Seui aruiada^, depois de tão poderosa no mar, sem generaes e sem tropas, depois de tao louvadas façanhas, a velba monarcliia, sacudindo o jugo, desafiava quaêi desarmada, o vulto ainda colossal da sua iri^conci* liavel oj ipressura. Forcada a crear de repente esquadras, exércitos e ofticiaes, nâo \ ncillou, e a loi tuna corouu-llie a temeridade feliz. A mariaba, se é possível, estava ainda mais decadente, do que a milícia de terra. Não havia na- vios, nem constructores, e faltavam capitães, mestres. Digrtized by Google 568 HISTORU OE PORTUGAL pilotos e marinheiros. Tudo parecia aniquilado, e para o restaurar apenas restava livre o rendimento do imposto do consulado. Pôde muito, comtudo, uma vontade deci- dida. Em poucos mezes apparelhou-se nas aguas do Tejo uma armada de vinte vélas, e por um acaso providencial a Índia enviou a tempo o almirante mais apto para a commandar. Os perigos, postoque mais remotos, não apertavam com menor intensidade nas vastas possessões snjeilas ao domínio da corôa portugiieza. Desde que os ini,dezes e Uoilandezes romperam as hostilidades contra nós, a for- tuna voltoa-Dos as costas, e as círcumstancias, já difli- ceís, aggravaram*se. Os allíados, que nos seguiam vio- lentados, separaram-se, e os tributários saudaram os estrangeiros como libei tadures. As iiub>as íorças peque- nas para occupação tão extensa, enfraquecidas e dissemi- nadas, rechassando novos e aguerridos contendores, sue- comhiram muitas vezes, e o espectáculo das derrotas de soldados reputados invencíveis reanimou os tíbios. A corrupção, o esquecimento dos deveres, e a quebra da discqjiina tinliam aíi ouxado o vigor da espada poilugue- za. Os lances arriscados já não tentavam os audazes, as armas caíam das mãos aos mais mimosos, e mesmo pe- quenas fadigas excediam o soffrímento do maior numero. Lutávamos ainda, o com an ojo de certo eni muitos com- bates, mas a coaíianca no triumpho, a aureola eniíim das grandes eras haviam desapparecido para sempre. O im- pério ultramarino, desde qae perdeu a superioridade ma- rítima, condição essencial da sua firmeza e duraçSo, as- sentado em alicerces frágeis, começou a alluir-se. Alraza- dos em tudo, despertámos já tarde para conbecei mos a inferioridade da nossa táctica e dos nossos meios de guer- ra, e para nos inclinarmos quasi com sombrio fatalismo Digitized by DOS SÉCULOS xvn E xvm debaho da m3o da adversidade. Os instrumentos mais condiuao activos da qnéda foram as esquadras hollandezas. mas na íalta d elias seriam as iiiglezas, ou as francezas. A nossa força residia nas muralhas de pau das naus e ga- leões. Destruída ella ou attenuada, soltou-se peça por peça a velha armadura do monopólio mercantil, e o co* losso, desconjuntado e ferido por muitos lados a um tem- po, esvaÍLi-se pelos membios mutilados. Vendo-o desa- bar em partes, olhámos eom terror para o precipioio que suas ruínas iam alaiigando a nossos pès, e não acredi- támos que o valor e os sacrificios ainda podessem salva- lo. Os íempos heróicos estavam findos, e os dias de prosa nunca prevalereram contra a teudencia dos acontecimen- tos. A nossa missão terminara, e a triste persuasão doesta verdade pelejava com mais exíto contra nós, do que o braço dos inimigos. Succede que uma nação prostrada por calamidades súbitas ou por infortúnios cruéis e immerecidos se reco- bre, repare os estragos padecidos, e pela energia da von- tade, pela recta applicação de todas as faculdades, tome a occupar dentro em pouco o logar eminente, de que successos infelizes momentaneamente a precipitaram. N'este caso o espirito vence a matéria e a attenuação das forcas physicas cede á acção das forças moraes, desen- volvidas com acerto pelas iniciativas mais poderosas que se c;pnhecem, as da sciencia, da capacidade pratica, e da moralidade. Portugal, desgraçadamente, sentindo-se apoucado e desfallecido, não podia em 1580 ter espe- rança de renascei' -em segunda juventude. Sua velhice precoce fura apressada pelasmesmas causas que emigual, senão mais adiantado grau de civilísação interna mata- rakn outros povos fadados, como elie, a espantarem o mupdo com a lição da sua grandeza e da sua ruina. Digitized by Google 370 HISTORIA DE PORTUGAL Quando príncipíaniiii os dias da tristeza, nada do qat tornara o reino poderoso e temido existia quasi. Con- sumira eiu imibições estéreis todo o vi^or, e, vencido DO orgulho e no [)oder, ])assou de repente da summa oooâaoça á profunda descrença. Às letras^ um dos mais preciosos ornamentos da sua corôa, apagaram-se com a mesma rapidez, com que se encerrou o livro de oiro da lenda heróica de seus feitos. A fé ern Deus e em si, que obrara prodígios, amortecida pelo eyoismo e pela cubi- ça, desamparou as gerações, que a renegavam, para se ir sentar junto da urna» em que jaziam as cinzas dos homens que ella sagrára heroes pela espada, ou do tumulo vene- rado dos (pie tinham perecido apóstolos e marlyres da lei de ChrisLu. O ijuadro da decadência inoial e intellectual nSo é menos doloroso e instructivo, do que a pintura da queda do poder politico e militar. As missQes religiosas acompanharam desde os primei- ros passos as expedições portuguezas, e a palavra deDens não gaiilioii menos dominios â coroa jielo amor e a per- suasão, do que o Ímpeto dos soldados a fei ro e fugo. No século XVI a cruz dominava o edilicío gigantesco do nosso império ultramarino, e nos sertões da Africa, nas flores- tas da America, e nas cidades mais ricas do oriente, ao lado, e limitas vezes adiante dos conquistadores cami- nhavam os missionários, os núncios do futuro, arvorando na mão o ramo de paz. Milhões de homens escutaram a sua voz, os templos catholicos ergueram-se a par dos pa- godes e das mesquitas, e a igreja rural alçou o campaná- rio sobranceiro às flexas dos arvoredos das aldeias na America e das cubatas africanas. Expozemos concisa- mente os progressos e os serviços prestados pelas ordens monásticas n'esta manifestado sublime, e com a mesma imparciafidade apontámos os trilhos viciosos por onde Digitized by DOS SBGUU» XVn K XYSI mais lai de resvalaram o> jne, tísqiiecidu> dos preceitos coocio»*© do mestre» em vez de plautarem a vinha do SeAhor, cul* livaram para si a grossura da terra. Na primeira metade do século XVII a moléstia tocava o seu auge. Os institutos mais estimados pela sua paciência e austeridade, deixan- do-se arrastar pela corrente mimuaua, e cúmplices nos males que deviam debellar, tinham convertido as armas espirituaes em instrumentos de poderio e de vingança. As missões, que haviam sido antes, e ainda eram uma grande força moral, porque constituíam uma das poucas bases solidas, eia que o estado ultraniariiio se lirmava, eclipsados o esplendor e a Iragrancia das primitivas vir-? tudes, serviam de theatro ao pugilato das emulações e invejas, de mercado aonde a cubiça e a avareza disputa* vam, e de escândalo aos idolatras, pasmados da nudez repu;jnante dos vicios e paixões dos que ii;tvi;iiji snío inculcados como luz da consciência e exemplares da vi- da. Chegadas as cousas a este extremo» e começando a cair os primeiros lanços do império, grande foi o presti- gio da doutrina para a cruz não l)a(|uear também, e para o facho da lei evangélica se nâo extiimuii' no meio das tre- vas da corrupção. A fé christà, mais poderosa, do que os assaltos da incredulidade, e do que os eifeitos deploráveis da indííferença e da desmoralisação, foi na catastrophe d'aquelle tremendo naufrágio a única tábua de salvação. A insti'ucçKo*e o desenvolvimento intellectual, expri- mindo não só o grau de cultura de um povo, mas a ver* dadeira significação das crenças, das idéas e dos senti- mentos que o animam, representam no seu complexo a parte mais activa da grande iullurncia exercida pelas for- ças moraes sobre as sociedades. Considerada [lor esle aspecto, a decadência do paiz não nos apparece menos vísivel e profunda. A direcção exclusiva e retrograda Digitized by Google 572 HISTORIA DE PORTUGAL dada aos estudos na universidade e nas aulas dos claus- tros determinára dentro de uru período, relativamente curto, primeiro o atrazo, e depois a completa declinação das letras. Quando o impulso vigoroso das provideocias e reformas dictadas na primeira metade do século xvi se amorteceu e extinguiu, pararam de todo os progressos, apagaram-<e as intelligencias privilegiadas, e calaram-se todas as manifestações notáveis do engenho, suflocadas pelas mordaças da in([iiísicão e dos iudices expurgato- rios» e mutiladas ou degeneradas pelo monopólio do en- sino confiado aos jesuítas e ás outras ordens religiosas. A intolerância, que nas missões do nlti ainar revelára o ciúme <• a ambição da compaijliia de. Jesus, caracterison- se com mais ardor ainda, se é possivel, na violência com que disputou no reino o predomínio absoluto á academia e a todas as corporações, prevalecendo-se do valimento com os soberanos, da docilidade dos ministros, e atè dos grandes iuíui tmiios nacionaes para consolidar a sua ohra muitas vezes tenebrosa. N'esta parte não a accusou sem motivo o marquez de Pombal. Podia invocar o testemu- nho dos factos. Outra culpa mais grave da sociedade foi o modo por que usou dos am[)los fioderes que alcançára, gloriando- se de fechar cuidadosamente todas as entradas ás inuo- vações, de immobilisar as sciencias, e de cegar com a veneração quasi pueril das antigas praxes as novas gera-. ç5es, em vez de as esclarecer. Arbitra do bem e do mal, optou pelo mal, não por erro de entendimento, mas por r<ilcula artiíicioso. Allirniou o principio da auetoridade nas leti^s contra a liberdade das opiniões, e manteve-o com o mesmo rigor, com que sempre o sustentou na es- phera politica e theocrattca, excluindo, como suspeitos, os que a nSp seguiam, ou os que Ibe resistiam, multipli- Digitized by DOS SBCDIjOS XVU K XflU 873 caodo em seus indicas o niunero dos iivros probibidos, e proscrevendo todas as obras que rompiam com as tra- dições e o respeitu cuiisueluiliiiariu votado em suas es- colas aos ii adores incensados como oráculos, apesar de decrépitos, ou de expulsos de lodos os seminários illus- trados da Europa. O resultado foi condensar-se a pouco e pouco a obscuridade, e desapparecerem uma após ou- tra as iniciativas fecundas, baixando successivamenle o nivel da instrurcão, cujas íeições clericaes cada anuo se foram accenluando mais. O justo castigo do governo e do paiz pela abdicação voluntária de se curvarem á dictadura de um instituto» com rasão accusado de aproveitar todos os elementos em benefício do próprio engrandecimento, não se demorou. Portugal, sequestrado da comimuihâo scientiíica dos povos cultos, viu-os todos adiante de si, sorrindo do paralytico caído quasi em segunda infância, que uma tutela sem escrúpulos amarrava á columna do passado. Na primeira metade do século xvii os ruinosos eflfeitos d^esle systema aiada se eucobi iaiu em parte, mas a preverstão do ^n)sto, a apathiajnteliectiiaU e a impotên- cia invadiam tudo a passos largos. As únicas carreiras abertas aos estudiosos — a ecclesiastica, a juridica» a me- dica e a do magistério ainda apuravam alguns homens distinctos, mas o commum dos theologos, dos magistra- dos, dos facultativos, dos professores e dos Immanistas estava longe de recordar a merecida reputação dos sa* bios e dos escríptores que tinham iliustrado os reinados de O. Manuel, de D. João III, e de D. Sebastião. Quebrantadas as forças productivas, e pervertidas as iiiUuencias moraes, as forças sociaes haviam de acompa- nhar necessariamente os outros elementos orgânicos na sua decomposição. Assim aconteceu. O clero, a aristo* cracia, a realeza e as instituições conservavam apenas o 174 Hispimu BB pemtmkL cmMÊ» nome e as apparencias do que haviam sido, e do qae deviam ser, penfue a realidade ha muito que deixára de existir, tanto pai a os homens conio iiani as cousas. Osu- [jliisiíia e a corrupção tinham envenenado tudo, e quando se iMiscava ver a verdade eocontrava-se a ílcçao. A igreja, que nas epochas atribuladas da formação da monarchia e da hita com os sarraoenos» fôra Da meia idade a uoíca hiz e o único freio moral, a igreja atravessando as idades perdêra a pouco e pouco na opulência as virtudes dos dias de provação, trocando pelas pompas e delicias de uma exisleDcia qoasi mundana a abnegação cbríslã e asestrei- tezas monásticas. Os filhos dos claustros, cortezlos, po< Utieos, alvítristas, e mtrígantes na maior parte, fi^quenta- vam as salas dos princiiics, aconselhavam os reis e os ministros, propuniiam arbítrios liscaes, e encareciam ou desmanchavam reputações. Dos deveres do sacerdócio e das regm monásticas tratavam menos» e da direcção espiritual das consciências pouco ou quasi nada no sentido rigoroso da palavra. O púlpito, o confessionário, as aulas, o habito e os votos pram para rlles meios e não fins. Va- liam-se d esses poderes para aflirmarem a própria aucto- ridade. Gasuistas relaxados, moralistas flexíveis, e profes- sores negligentes viam engrossar a torrente dos vícios e nlo empregavam nenhum esforço efiScaz para susterem a sociedade, que se despenliava. O amor das riquezas, o or- gulho, a lalta de vocação sincera e a ambição íoraui à^ tentações làtaes a que cederam. O clero, esquecido de que o seu reino nio era doeste mundo, estendia a mão aos que devia condenmar, e feiicitava*se de ser mais do século, do que do temi)lo. A inquisição ííravava por outro lad(» o seu cunho si- nistro na Índole do paiz e em algumas décadas conse- guira tranfi£orma*io. Portu|^ salvou a unidade de crea- Digitized by DOS SÉCULOS XVU E XVIII 575 ças, e as novidades heréticas não passaram a UroBteiri. «mmo Mas por qiit; preço? Os allbctos mais santos e os senti- mento? elevados, obliteradas as antifras noções de honra e de virtude, vacíllavaiu ao mais leve aceno dos mioislros do tribunal da fé, e vendo o seu livel tremendo paasar por cima de todas as classes sem perdoar ás mais altas, e ferir sem respeito o engenlK». s gloria, e até as idades mais juvenis sem distincçãu de sexos, tomados de terror profundo descriam de si. e quasi que até de Deus. £m nome da pureza da lei os inquiadores demoliram afamt-* lia e com ella a sociedade civil e tornaram a moral, o dever e a lealdade cousas ronviTicioiíaes. Os paes perde- ram a confiança nos liliios, os maridos nas mulheres, e os irmãos nos irmãos. O receio da delação adejava sobre todas as casas e a arma pérfida da «aiumnia e dos falâos testemunhos pendia de um cabello como a espada de Dâ- mocles sobre todas as cabeças. Áraça á(y> iinraeiís íortes, que immortalisára a pátria, succederam as gerações que acclamaram Filippo II, e que em Tbomar cuidaram só da segurança dos interesses próprios. Não nos espantemos, í) iV»go da expiação devota, ateiado havia século e meio peio santo uílicio, nau abrasava só nas chammas os chris- lãos novos e as heresias. Primeiro do que ludo reduzira a cinzas um após outro os ramos frondosos da arvore, que a meia idade legára á renascença coberta de fructos. e de flores. Se o clero, eivado dos males da e|)ocha, longe de ser um elemento de organisação e de moralidade, concorria com os exemplos e as irregularidades para a mina com- mum, a nobreza, tornada aulica e ociosa, nem servia áê apoio á monarchia, nem de base conservadora á ordem social. Mutilada nos brios, e nos instinctos e quasi annul- lada como influencia politica desde o 4'einado <le D. Mte- Digitized by Google m HISTORIA MS FOSTOGAL Gopciodo nuet sem a unidade de idéas e de propósitos, e sem os verdadeiros interesses e ambições de classe, trocára o culto fervoroso da honra e as ousadas «esperanças do pas- sado pt'lo f|iiirilião de poder b de grandeza, com que os reis a souberam adormecer. O goverQo pessoal, geueroso com etta em tudo o qae não signtfícava quebra de aucto- rídade, divisão ou restrlcção do mando supremo, ca- ptou-lhe a obediência, lisonjeando-lhe o orgulho com ex- terioridadespomposas. Os fidalgos, attrahidos pelo sol da corte, deixaram os solares e as quintas para acudh em á capital seguros de medrarem mais n'um dia diante dos olhos do soberano, do que em muitos annos degradados, como diziam, no recanto esquecido de uma província. Nos tins do século xvi a maioria lutava com a estreiteza dos liàeius, e a fuiiesta expedição de 1578 acabou d»' a pi ostrar lançando-a de todo nas garras da usura. Os commandos das frotas e das naus da índia, os governos e as capita- nias do oriente haviam sustido â beira do precipicto não poucas famílias, cujas propriedades hypolhecadas nos ren- dimentos deviam unicamente ao systema vincular o não passarem para outras mãos. Na Asia viam quasi todos os fidalgos do tempo de D. Manuel e D. João III a terra pro* mettida, aonde podiam ir ganhar thesouros e gloria, e d*onde confiavam voltar acrescentados em fama, rique* zas V importância pessoal. A índia a poucos negou o seio, e com o maior numero mostrou-se liberal. Mas pérfida nos mimos, inoculou-lbes a peçonha, de que mesmo os mais austeros só a custo se livravam. A avareza, os delírios do mando despótico, a venalidade e devassidão i^obeis foram os laços, em que a vencida prendeu os conquistadoi es, corrompendo-os, e por via d'elles ao reino todo. O enfraquecimento da aristocracia augmentoo na proporção dos erros, da pre- Digitized by Google 1H>S SRGULOS XVU E XVllI S77 versão dos costumes e da abdicação voluularia das velhas ^ tradições nobiliárias. Na primeira metade do século xvii a classe privilegiada, entregue á vida cortezl, ou ás car- reiras aventurosas, nio só nlo constituiu uma força, como se converteu em einl):ir;K;() pfrave pai a <ks ^^overnos pela pobreza uial disfai çada de bastaiUes lidalgus, pela accu- mulação estéril de immensos prédios ruraes uos morga- dos de muitos, e pela avidez com que todos disputavam os cargos, as mercês lucrativase as doações de bens da corda e ordens, essenciaes para suslenlareni as apparencias de uma representação decenle. Depois da união de Portugal a Gastelia a ausência da còrle e a necessidade de requerer , as graças em Madrid com iargo sacriflcío da fazenda e do decoro, roubando-lhes o serviço e assistência do paço e os favores directos dos monarcbas,* começaram a desper- tar no seu animo a saudade dos reis iiaturaes e as me- morias da independência immolada ás promessas de Fi- líppe II e ao ciúme da elevação da casa de Bragança ao throno. Quando o conde duque, depois, rompendo com a nobreza de Portugal, a opprimiu, como opprimia a de Ilespanha, esta saudade, ainda vaga, avivou-se, e avul- tando á medida que o valido amiudava as uííensas e as extorsões converteu-se em desejo ardente de liberdade e de emancipação. Os resentimentos aguilhoaram as im- paciências, os actos do ministro esgotaram o sofiDrimento, e a necessidade irremissivel de escolher entre a pátria e o desterro deslionimo decidiu, como dissemos, os mais intrépidos a proclamarem a liberdade dapatria. Filippo IV, se Olivares fosse o duque de Lerma, provavelmente con< servaría a corôa de Portugal. A instituição monarchica, privada dos esteios naturaes e concentrando todos os puderes, demolira a pouco e pouco todas as formai defensivas das antigas liberdades, e TOMO T 37 mSfORIA DE PORTUGAL GoMteoo reduzira todos os elementos de governo á expressão abso- luta do poder pessoal. Quando o priacipe absorve as forças vivas e resume na sua individualidade os destinos da na- ção, a monarchia é elle só, tudo se elimina ou desapparece debaixo do seu manto, e a corôa responde pelo bem e peio mai, engrandecida com os triumphos, ou humilhada com os desastres. D. Manuel e D. João III reinaram nos dias de prosperidade. D. Sebastião sentou-se em um thro- po já coberto de nuvens tempestuosas. A catastrophe de 1578 só apressou o funesto desenlace preparado nos últi- mos trinta annos, e com o príncipe caiu o reino, poi {|ue a vida, o espirito e a energia politica e social se consub- stanciavam pura e exclusivamente na acção da corôa, e porque fóra d^ella nenhuma força orgânica existia capaz de suster a monarchia desamparada c de salvar a naçãu perdido o rei. Filippell sabia reinar. Oneria e podia go- vernar. Mas o poder em suas mãos era mais um aríete assestadi» pela ambição contra a segurança e a indepen- dência dos outros impérios, do que um instrumento repa* rador, ou um principio activo de reconstrucção. Porttigal, victima das lutas intentadas em defeza dos interesses da casa de Áustria, não deveu ao soberano mais hábil d'a- quella dynastia nenhum esforço efficaz para melhorar as condições do seu estado. Fllíppe III e Fitippe IV, tutela- dos por ministros inferiores ás responsabilidades da epo* cha, aggí avaiido os erros de Carlos V e de seu filho, pro- vocaram a animadversao <la Europa, a resii>tencia dos vassallos e a completa ruína da monarchia. O pmisamento do duque de Lerma e do conde de Oli- vares era a conservação do valimento, a ampliação da pre- rogativa real para abusarem d'ella illimitadamente, graças á tacita abdicação dos soberanos, e a repiessão de todas as (^^âiçôes internas, que podessem de algum modò DOS SECOLOS XVU £ XVIU S79 in(|iiielar o niniido exercido dospíiticamente. Os resulta- Coodnsio dos não si' (iemoraram. A expulsão dos mouriscos em nome da unidade religiosa roubou á Hespanba os braços mais industriosos. Ânegaç9o aUíva e systematica dos fóros de povos ciosos de suas iminunldades determínon a su- blevação da Caliiliiiili.i, a revolução de Portugal, e depois os tumultos de Nápoles. O freio da obediência passiva rompeu-se desde que a tnfallibilidade do governo pessoal deixára de ser um artigo de fé na opinião dos súbditos. Annullado o clero, extincta a influencia da nobreza e ecli- psado o prestigio da coroa, a dissolução necessariamente havia de progredir c progrediu sem encontrar obstáculo na resistência das forças sociaes mutiladas ou destruídas. A rebellião e a guerra civil puniram a incapacidade política interior. As derrotas e o abatimento castigaram a cegueira e os desvarios da politica externa. Tudo se tornara fniso, frngil e artificial, e por isso nas horas de adversidade tudo faltou ás mãos ineptas» que tentavam^ a obra impossível de restaurar o passado no meio do ter- remoto de uma transformação dolorosa, mas inevitável. O cortejo de íunccionarios, de que a centralisação mo- narchica se rodeou, cresceu de anno para anno, e a má escolha d'elle, a par da insufficiencia dos ordenados, intro- duziu depois o flagello mais cruel e destruidor de todos, a corrupção na administração da justiça. A extrema sub- divisão dusjuizos. dos tribunaes e das jurisdicções com- pijcava os serviços públicos, opprimia as partes, e devora- va a substancia do estado e dos particulares. Os exemplos de venalidade, e as espoliações nascidas d*elles e aponta- das pelo povo, não os ignoravam também as auctoridades supei ioi os. O íni o cortado de ciladas e prevertidouas má- ximas e tendências era uma verdadeira voragem, aonde podiam subverter-se de um momento para outro a honra, 87. Digitized by Google 880 HISTORIA DE PORTUGAL DOS SÉCULOS XVII E ITIU coaciaiSo O socego 6 a fortuna das famílias. A magistratura iostituida para os defender e resalvar, perdida a integridade e o conceito, não se envergonhava de tolerar, que moitos juizes, como publicanos, mercadejassem nos átrios dos tr iljiiaaes aincgijiindo com suas luxuosas ostentações os íructos da inmioralidade. Envenenadas as duas fontes mais preciosas da existência social, a que manava do templo de Deus e a que brotava do tempo da justiça, e condensando-se cada vez mais as trevas por toda a parte, os poderes públicos e todas as classes em vão buscavam com anciedade o ponto, em que poderia íirmar-se a ala- vanca para arrancar a pedra angular da degeneração. Tudo fugia debaixo dos pés. Tudo enganava as esperanças. Os vícios mais hediondos ou ruinosos, a lepra da mendici- dade e a expressão mais deplorável e triste do fanatismo, as superstições e a credulidade estulta completavam o quadro sombrio da agonia da sociedade* Chegada a este ponto só lhe restava acabar de se decompor e desappare- cer de todo encorporada como provincia obscura na mo- narchia hespanhola, ou envidar as forças, que ainda al- cançai a conservar em um esforço supremo ; e, começando pela emancipação politica, renovar successivamente todos os elementos attenuados da vida social e nacional. Vamos ver agora até aonde a restauração de i640 levou esta dupla e árdua empreza, e como concebeu e cumpriu os deveres impostos por elia. Digitized by DOCUMENTOS ILLUSTRATIYOS DOCUMENTOS ILLUSTRATIVOS I CARTA DE D. FRANCISCO DE ÂLMEIDÁ REFERIDA 10 GAPITDLO IV DO um VQ D'IST£ VOIDME Ti-anscreveiíios como documento comprobativo, o juiio formado por D. Franciscx) de Almeida ácerca do estado da IniÚa pCKrtafBei» no anno de 1508, na carta cscripta pelo primeiro vice-rei a B. Ma- nuel, inserta na obra das Lendas da índia por Gaspar Correia, tomo f, p. II, pag. 897-923. É um quadro severo, mas verídico e completo da physionomía jínoTâi e guerreira do império nascente da Ásia. N6o admiia» que os males já tão fundos se aggravassem com o tempo, e que produzis- sem os resultados que Diogo do Couto no Sold€tdo pratico e outros escriptores desenharam com tanto vigor. A carta de D. Francisco é extensa, mas tão copiosa de noticias e de particularidades, que de certo se não levará a mal, que a demoa como provavelmenle saiu da penna do seu auctor. «Moyto alto, e moyto poderoso Rey meu senhor. «Gramdc paixão be per» mym escreuer a Yossa Altez», porque uom posso deixar de tocar cousas que cortSo minha alma, as qnaas tinha determinado deitar da memoria quanto em mym fosse, por vos melbor poder sentir, como sáo todos os meus desejos ; e fasi» íundamento que as cousas de cá vos escreuia Gaspar Per^, que Digiíized by Google 08i DOCUMCiNTOS he muyto liei e verdadeiro seruidor, e hoinem de môr uiarca «pie os chronifltas; e me parecia que acertaua nysso Imma fidalguia que Vossa Altm me auia de gabar ; e inda lhe certeíico que era doente «te Gonr.ilo Fernandes, que as cousas de Nápoles uom eacreuia â Raynha, mas tinha dysso cargo otttio Gaspar Pereira, pudera ser nom tal como este. Os dias que Nosso Senhor ([uiser que cá esté farey inteiramente o que me Vossa Alteza manda, e nom o que me defeãide, postoque nysso vá contra vossa alma, honra, e fazenda. «Meu filho he morto, como a Beos aprouve e meus peccados me- rocerSo. BiatarjSbno Venezeanos, e Mouros do Soldfio, como poderá saber por esse homem que ahy foy tomado; da qual cousa ficarão os Móuios d'esta8 partes muy fouorecidos e çom esperança de gran- de secorro, e pareceme que nom podemos escusar de este anno nos vermos com elles dc verdade, que será cousa que cu mais desejo, porque me pareço, com ajuda de Nosso Senhor, que os auemos de somir todos nesse mar, que nom tornem delles nouas a sua terra; e SC Nosso Senhor íòr seruido que nysso acabem meus dias, alcan- çarey o mór descanso que busco, que he ver meu filho na gbría, onde nos Nosso Senhor leuará por sua misericórdia, pois morremos por elle o por vós. E porque neste cartipacio nom tome mais a es(a matéria, íaço saber a Vossa Alteza que se os Mouros este anno nom porlorom comnosco, como espero em Nosso Senhor que será, nem Jhe vier tamanha armada como ellrs osperáo, que será por elles nom terem tempo depois de lhe darem esta desauenturada noua ; porque pera o outro ano aja por certo que se ajuntarSò contra vossas gen- tes muyto grandes poderes, por mar e por terra, porque do Malaca até Ormu/ b:i mais Mouros que no reino de Fez, e de Tunes, todos danefirados de nós. «À feitura iVrstn, que sâo vinte do Noui>mLito, tenho nouas de Lourenço de Brito, que lhe mandara dizer Timoja de muytas naos «Varmada que vem da costa d'além, d'estas gentes a que chamão Rumes; e assy me eticreuerSo que em Dio se faziáo naos e gales da propia marca das nossas; porém quantas (\nor qii«> ellas sejão, eu sairey d'aquY em fim de Dezembro, e hiloshey buscar a Dio, e farm'ha Nosso Senhor mercô achar o mar cheo delles, porque com estes poucos vossos criados, em que está toda vossa força, desar- mados, e alejados de feridas, e descontentes dos setenta por centí» que lhe lá fazem de quarto e vintena, elles e eu mostraremos o que ha em nós. «Mandey desfazer o nauio de Felippe Rodrigues, e de Gonçalo Digitized by Google illustrativoí; 1185 de Paim, o. d'Antfto Vaz, e de Lucas d'Afonseca, e de Jaa'Hoiiieni> e de Lopo Chanoqua, que já o outro ano nom puderão nauegar se nom Í6T9. o muylo adubín que lhe mandey fazer, e também porque éramos tão poucos, que repartidos poios outros nauios ainda ficámos mal marinhados. «Anda já no mar Pero Barreto por Capitão mór, e com ellc Ma- nuel Teles, Antonio do Campo, e o nauio de Afonso Lopes, que os mandey nmyto hem ronr^rfar, qu»^ vierão d'Ormuz muyto danefi- cados ; e tiimbem anda Cdm elles Pero Cão em hnma carauelia que cá íiz, e Felippo Rodrigues da E?porn, que ( stc ano pús a monte, (• eoTiciM-tey de nouo; e Aliiaio Parauha, c Luis Preto em duas ca- rau*'llas, qiu' fiz muylo h-m armadas, e Simão Rodrifriins no bar- guiilMii, e as galés, que também corregi, em que anda Diogo Pires, l\iy(i Rdilriínos th Sousa, a qual armada me anda esperando so- í»n' Calecut, até me liir ajuntar com elles : e Xuno Vaz Pereira. f[ue mandey a Ceylão, e Dioí^'o de Faria, (jue tornarão em Outubro, pra- zendo a Nosso Senlior, antes que d'aqii\ parta a frota. ftO Comendador Fernão Soares neste Mayo passado veo deman- dar (\sta eosta, que era boca d inuerno, com tamanho temporal que nom p(Vle al fazer senão colherse detrás do cabo de Camorym; de (juc fuy logo anisado, p qne nom podia vir a Coch^in senão cm Ou- tubro. Cuidey que era Afonso de Aihoipierípn' que vintia d'Orniuz; liz logo prestes huma carauelia carre^Mila di" mantine-ntos, e hum grosso estrem com huma ancora de tV»rma. Arrec(\arão imn tos a hida da carauelia, porque era já inuerno, e aceitou a hida Gracia de Sousa, pt)s(oque era muy perigosa, e o leuou iSosso Senhor a sal- uamento, e atliou que era o comendador que estaua em muyta ne- cessidade, ao que lhe a carauelia deu muyto remédio, e com car- tas que escreuY ao Rey da terra, que lhe mandasse vender o que ouvessem mester, t>stiuerão á sua vontade: onde também enuernou Gracia de Sousa. Trazia a nao muitos liornfus lendos, e alguns mortos, de huma nao de Mouros que abalroou no golfam, com que pelejou até noite, e nom lizerão tão pouco quando sedidla liuiarão. «?í'este anno me forão dadas cartas de Vossa Alteza per Felippe de Crasto, e Jorge de M(4lo, e Fernão Soaies, ás quaes hirey res- pondendo, com prole slação que s<' alguuia cousa disser que Vossa Alteza venha em despraser, he que o digo por vosso seniiço. «Km huma me escreue Vossa Alteza (]U(í nom cn^a cousas que me digâo, e que de mym lhe disserão mal. Noii me dera tanta pai- ;íáo se vira que volo disserão e noni mo escreuiejrs, porque parece Digitized by Google m OOCDMSNTOS (jUt iióui tiMiílns (!♦' iiiviii verdadeiro conhecimento. Certiíií o a Vossa Alti'za (jUL' imlã que usses iijaies, e outros piores, oiivn a dizer de aliiiiii.i j)es8oa, que lhe nom Uucra por ysso ma vontade, porque as oJ)i a> juigão a pessoa, nas quaes espero mijilja saluaçáo ; e mais sey que se momiura de pessoas íjue eu uom sáo dino de desatai a oor- rea do seu sapato ; que de Nosso Senhor disseram que era feiticeiro. D'e8te capitulo nom tenho raór aggrauo, que do Comendador, e * Dom Rodrigo, que tffo mal o entenderão que vos falarão n'ysso, e escreuerâomo cá; epolo que Yoset Altem em mym toca, como polo vosflo seruiço, lhe bejo às reaes mSos^ mas por nenhmiia d'eBtas rmsss nom eia necessário; e Vossa Alteia em a]gran tempo saberá (rysto a certeza, e achará que lhe fiilo toda' verdade. «Eú tinha escrito a Vossa Alteza o porque nom deixára ven- der as brínias do Corregedor, e que se elie se aggrauasse com ia- zão, que de minha fiizenda lhas mandasse pagar. Agora vejo vosso mandado em contnúro, polo que logo as mandey entregar a seu pro- curador, e pois assy quereys vá minh'alnia com a vossa, porque eu certefico a Vossa Alteza que os Judeus de cá nom o erâo senáo d'ouvida: com algumas mentiras, que a molher de Gaspar sabia, vm sua ley ás cegas os fazia crer ; mas agora pola doutrina d'e8ta$ brtuias sáo letrados enteiros. •O lacre, que Vossa Alteza diz que lhe mande, será marauilba auerse, porque estas naos partçm cedo, e as naos que o trazem de Pegú, e Hartabáo, vem tarde: espero por boa soma d*elle, porque o tenho mandado trazer, MercÔ me fará Vossa Alteza em mym ter confiança, que os cousas que de cá nom mando nom he por esque- cimento, nem mingoa de boa diligencia, que bem entendemos cá quáo boas sáo lá, mas os Mouros per muytas partes* andâo estro- vando as cousas de vosso seruiça «E assy Vossa Alteza me manda que a pimenta vá limpa e se- qua. Sey que se contentou da que leoou Tristão da Cunha, e muyto mais da que agora vai; prazerá Nosso Senhor que sempre assy será. E porque Vossa Alteza me mandou que o pezo se fizesse com ' nossas balanças e pezos, eu o tenho acabado muyto com vontade d^EIBey de Cochym, e doe mercadores, com bons izames e alealda- qSo, e achámos que péza o bár de Codiym tres quintaes e trinta ar- ráteis do pezo velho, e vos custa o qumtal mil e quinze réis> o muyto ; e dasse tal auiamento que com duas balanças até véspera pesarSo mil quintaes. Trago á carga paraos grandes com gente da terra» por nom quebrantar tanto a gente do mar, que tem muytos . ij i^cd by Google nXUftTBATTVOS trabalhos no corregimento das nãos, que se aquy nom chegassem Uo daneficadas cm vinte dias lhe daria carga, e parterião. «Este Janeiro mandey noteíicar com pregões que todos trouxes- sem pimenta, e que logo lha pagarião na mão; de que os Mouros ouveráo pezar, porque sáo elles regatões delia, que os donos da pi- menta são Gentios, e a vendem aos Mouros liada a troco de merca- dorias; e liz ysto porque cuidassem í^iles que tinhamos nós grandes Ihcsouros, e miiyta certeza de virem muytas naos, de que se scguio cpie tiazeirt 'itrora os Gtjatios a pimenta. Onfem veo hunia Iraua, que he geale baixa anlif elles, e trouxe pimenta, de que leuou na mão quinht-ntos cruzados, e seu cobre, que foy cousa bem Tiova antre estas gentes. Esta he a maneira por onde os Mouros se podem lançar da índia, que ser;i quando Nosso Senhor qnizer. «E assy me diz Vossa AHeza que ouve prazer da toni u la de Qui- loa, e Bonibara. Assy lie de crer, pois a obra era vossa, mas eu nom cuidaua que me daria achaques polo pouco fpie pera vós se arre- cadou; mas pódt' ser que mereci o acoute que me Deos deu, dos muytos juramentos sobejas deligencias que nysso mandey fazer. Certo be que se me nom obrigara vosso mandado, que era fazer Angediua, e o principal a carregação, eu me deixara estar devagar em Bombaça carregamlo as naos de riqueza; mas nom passára á Índia, assy como o íazem as vossas armadas, e os Capitães deitão a culpa aos pilotos. E o proucito que me daliy veo já o Vossa Alteza lá sabeiá por quem leuou as nouas; mas dizem cá cjue moteja Vossa Alteia lá com quem cá achámos os furtos nas mãos, que nom é bom exemplo pera os que pelejão, e nom iiirtão. «Assy me diz e manda a maneira que hey de ter no pagamento d'esta gente, e defende que se nom tome o direito da carga. Porque as cousas estão cá como Vossa Alteza nom cuida, nom soube a ma- neira que nysso tiuesse ; porque s(í comprisse vosso mandado ao pé da leti-a por ysso merecia castigo, porque está cor\n que destroia vosso seruiço. Então ajuntey vossos Capitães, e criados, e oíTiciaes, e acordámos que compria a vosso seruiço o que lá vai feito, porque pera tamanha necessidade, como cá vai, a prata das Igrejas e di- nheiro dos órfãos seria justo tomar.se, quanto mais o dinheiro da carga, em que Vossa Alteza íaz rnrrcf^ a quem dá lugar- «Assy me manda Vossa Alteza que vossas despezas faça com toda prouisão. Quando verdadeiramente acabar dc mym a verdade pesaribeha de me ter escrito a mór parte d'estas cousas. E assy me dis na mesma carta que nom guardey seus segredos. JNom me lem- m DOCDMEMTOS ijra que os iiuiiqiia S()iil)essf» vossos. Soy que ysto dirá Vossji Altezii por ají^rauos d(; Lourenço de Brito, que elle quá dizia de praça. Mostreyllie roino vinha, porque das mercês que Vossa Alteza faz hí» hcni que vos li; ai as j^a-aras. »• também de "vós se aijTaucin, qin' tiidn jiodeys emendai"; que será ^Tande desseruiço vosso ng;Jiaua- rt*nise de mym, porque seria causa que com minha imisade vos uom seruissem fielmente. Ou o deria Vossa Alteza por Pero Fernandes Tinoquo, a qu»' mostrey em pratica o capitulo do vosso regimento, porque era elle homem de má hngoa, e escandaiisaua a gente cfnii lhe dizer que eu nom compria vossos mandados; ou o diz Vossa Alteza por Vasco (iumez d'Ahreu, e Jo5o da Nona, que se aíígraua- uâo, e diziSo que vinlião por Capitães geraes, e eu lhe mostrey a maneira em que vinhâo. «Assy me manda Vossa Alteza que se paguem primeyro os ma- reantes, e que se ponha a ditta carta na feitoria pera cá non alle- gar inorancia. Assy o fiz, que logo a lá mandey. Des agora digo a Vossa Alteza que todalas cousas que de lá vem íeitas são nmy íóra de propósito, e mnyto i)em acertadas. « Assy me luaiidá Vossa Alteza os pagamentos que fiz na tomada de Quiloa, e Bombaça, porque teue dysso contentamento, e das ou- tras cousas que cá fizemos da guerra. Taes foram elias que nom se deuia Vossa AUcza de esquecer dos galardões, e mercês, que mere- cem os que dahy íicarão alejados, e descontentes poios eu nom po- der satisfazer. Os aguardeci mentos que Vossa Alteza por ysso manda a meu filho, e a vossos criados, Deos seja louvado, que elle, o a mór parle delles já vos nom hão mester : espero na misericórdia de Nosso Senhor, em que ponho toda a esperança, que elle mU daiá. «Assy me manda Vossa Alteza que lhe escreua os pagamentos e despezas que são feitas depois que cá somos nesta terra. Se agora tomasse essa occupação nom entenderia em outras cousas que mais releuão. As cartas mandey a vossos officiaes que volas escreuão» pois elles as fizerSo ; sómente digo que nom he vosso seruiço man- dardesme que estas cousas vos escreua, porque eu tenho a mór Gousa que ha no mundo antre as mãos pera nella entender, e abas- tarmehía pera todo o tempo da carregação entender nos aggrauos, e males, que fazem os vossos Capitães á gente em suas naos, e assy aos que estSo na costa d'alem, que todos me pedem justiça, e eu nom lha faço, porque nom digão que sou mais castigador das cou- sas que Vossa Alteza. . ij i^cd by Google ILLUSTBATIVOS 689 «£in outra carta me diz Vossa Alteza que lhe nom escreuy da carta que fiz ao Rey de Quiloa, e que a íiz sem condições. Bem pa- Túcet que vos nom lém minhas carias, de que eu cá tenho o tres- lado, c Gaspar Pereira era presente que eu enuiey a Vossa Alteza toda a fónna delia : c se a mandardes ler achareys que sem a quebrardes lhe podeys mettor lotblos tributos que quiserdes; que por elle, e a terra, assy ficar destroida, pareceo bem a todos nom lhos pedir, porque os elle iioiii podia pagar, que os Reys de quá sSo fracos pera pagar. Agora lhe mandi-y quo pagasse a metade de todos seus direitos, e será muyto se chegarem a eem cruzados. E o tributo que Vossa Al- teza diz que o outj'o Rey vos pagaua, bem deue ter sabido que elle veo, sobre vossa verdade, fahu- com o ahniraiite dentro ao l)atel, .1 qual llit; o almirante uoui guardou, e o nom leixou sayr do batel alô que se THMu resgatou por aquilio a que chamou tributo, e o Rey lhe deixou cm penhor Mafamede Arcomc, que agora íizemos Rey, porque lhe queria ma! porque lhe aconselhou que sc liasse do al- mirante; o qual Maíaiiiede Arcome íoy meítido sob a tilha do ba- tel, e outros coiu elle, dond^ nom sayríU) até que nom pagou. Nom cuido que peco em dizer * str mal do almirante, porque vós mo fa- zeys dixer, e cumpre a vosso seruiço dizemos as verdades, e Vossa Alteza todas as saber. wAssy me declara Vossa Alteza as mercês que me tem feitas, peio que lhe bejo as reaes mãos, inas m ^riuido as cousas de lá vem, eu sey bem quanto lie o que de ca leuarey se íor viuo, e acerca das joyas que posso tomar iá saiaerá Vossa Alteza as que tomo, e as que os outros tomSo. «Em outro capitulo f;tla Víiss;i AIIl'z;i aos ordenados que tem os ofBciaes. Eu nysso nom boli, {)or([iit^ ine pareceo espantosa cousa tirarlhe eu o que lhe vossos Capitães po/enlo, tendouos elles bem servido; c mais porque suas fazendas, e dos Capitães, lá hião a vosso poder, pareceo-mc mais onesto que vossos officiaes lá o com- petissem, que eu cá com elles andar em. contendas. «Também me loca acerca dos escravos que puz em soldo. Ja muytos são defuntos com seus donos seruindo. Eu o fiz com justos respeitos do bem de vosso seruiço. Os respeitos porque Vossa Alteza os desfez nom sey quaes forão. «Assy me castiga ácerca dos perdões que cá dey. Eu os daua pelo poder da vossa carta, que mo concedia assy como Vos>;i Keal pessoa, ass> najusíiya, como ua fazenda. Os que íiz foy polas obras que vi, e traballios táo suados, dinos de mencé. D'aquy o nom fa- m DOCUMENTOS rey wm», pois me tmws o poder que me désles, poios seraiços qne vos ííe, e o de lleno, que está na ilha de San Tomé, perdoa degre- dos pera sempre. vAssf me culpa dos soldos que pago d'antemão. He verdade que o fls a Dom Aluaro, porque nom tinha com que carregar, e fae pessoa de merecimento. Lembro a Yossa Alteza que he homem de sete mil réis de moradia, e tem tanto soldo e quintaladas como quem nada tem; e íiz conta que lá hía a fazenda, e que Vossa Alteza manda- ria nysso o que fosse seu seruiço, pois todos somos vossos ; e fôra bem qne vos lembrára a este propósito que á gente de cá se deuem dons, e tres annos de soldo, e que morrem de feridas e trabalhos, e eu os sostenho e conibrto no vosso seruiço á custa do meu san- gue, e ás vezes com o meu dinheiro, e neste cmprestido entrm Lourenço de Brito e Manuel Façanha. «Nos vossos Capitães que acrecentey soldo^ e quintaladas, foy porque quando Vossa xVlteza ordenou huns a sete, e outros a cinco mil, foy porque os Capit:ios crSo escudeiros, ainda que os outros noiti eram de Lacerda, o dppois s(; s<^guio imidaremse cá por capi- tses de carauellas Pero Barreto, Nuno Vaz Pereira, e outros fidal- gos. Pareeeome erro andarem em ruins nauios, e pelejarem melhor que os escudeiros das naos, e auerem menos ordenados. D'aqoy o liom fuey mais, pois me tiraes o poder. (rNa culpa dos trespassamentos que mando íSazer, e dou licença, dos oflioios, e vendas, o consentia porque os passauâo a outros que erSo mais sufficienfrs p^m os cargos, e porque nom custauâo mnís huns qne outros, que todos eram vossos criados, senuo quando eiies os engeitau.lo; e meu regimento me nom comprehendia, porque em tudo me daes que faça o que mo hem parecer. «Dh Vossa Alteza das mercadorias defesas, que raandey pagar em Augedina. Ouvp noticia d'alpru!nas que vinhão nas naos, e por- que era sobre tanianhoí? seruicos, ouve que nom era boa fazenda pera Vossa Alteza leuar penas: entíío mandey apregoar que as dcs- rohris?ieni, e as entrefrassem ao feitor, em que lhas mandey pagar o rreo (jiie foy pniira rnu<:n. bini nporn r> fnzrnda de Ruy de Moii- ilanbc'!, (|uo lie dcss.-is. Apostarey (\\h' U\:\ idíiihIc Yrmf=n Alteza tomar, porque num lif l azão, pois tanta perdeo em vosso seruiço por culpa dos vítssos Capitães. «Quanto á paz de CouJão, eu Iba aceifey porque uiuyfas vezos me rogarílo com eiJa, e nom poi^qiie aly m»' parcc (^ssr próiicilosa a vosso seruiço; sómente o iiz porque sabia que Vossa Alteza íolga- Digitized by Google IPLLSTIIAÍIVOS 991 ria com ysso. E os mercadores de lá oontratSo com os d^aquy, que iodos sSo parentes e iimSos, e o fsaem todos com dfessimiilaç^^, porque ElRey de Gochym lhe pésa inuyto com ysso, e nom por que- rer mal a yosso seruiço, mas porque quer bem a seu proneito é honra de sua terra; e fiz eu o que nom enteniãUa, porque conheço a desconfiança d'esta gente. Escusada he outra carregação ibia d'a- quy, porque em Gochym ha pimenta que nunqua dls Portugal tirtto naos que acabem de leuar, e as outras especiarias, e ricas drogas, Tiriao a esta costa, e aquy a Goctiim, mas nom ousSo per indlud- mento dos Mouros que lhe mettem meda Eu tenho mandado a Ma- laca, e áquellas partes cartas, e seguros, e comtudb nom vem. , «Acerca da fortaleza lá em Gouláo, quantas mais fortalezas tíuer- des mais fraco será vosso poder: toda vossa força sga no mar, porque se nelle nom formos poderosos, o que ITosso Senhor defen- da, tudo logo será contra nós, e se o Rey de Gochym quizesse ser desleal, logo seria destroido, porque as guerras passadas eriio com hêstas, agora a temos com Yenezeanos, e Turquos do BoldSo. «Quanto ao rio de Gochym j;i escreui aYossa Ãlteza que em Cranganor seria bom um castello forte, em huma trauesusa de hum rio que vai para Calecut, porque lhe tolherá que nom passe M ttuni alqueire de pimenta. Entendamos com o que temos no mar, que sSú estes nouos inimigos, que espero na misericórdia de 0eos que se lembrará de nós, que tudo o mais he pouca cousa. Saiba certo que em quanto no mar fordes poderoso tereys a índia por vossa, e se ysto nom tiuerdes no mar pouco vos prestará fortaleza na ttorta. E no lançar dos Mouros da terra bem lhe achey o caminho, mas he longa a historia, que se fará quando Nosso Senhor quizer e for ser* uido. «Quanto á pimenta e drogas que v8o a Lenante, saiba Yossa Al> teza que nom vflo d*esta costa, senSO de Malaca, e ÇanMtfa, e dir, onde nace muyta pimenta longa, e redonda ; o muyto bem sey per onde passa, e em que tempo. At^ora nom pmte míutdar tolher a passagem, porque nom tenho o principal. «Quanto a me mandar que entenda ilas cousas de Mliftca, se Yossa Alteza fosse bem informado de.inym, o do que cá fihço^ eStú- sareys mo lembrar. Destruamos estas gentes nonas, e assentemos a& velhas, e naturaes d'esta terra e costa, e depois vamos ver terras nonas, e tudo se li forá quanto cá for o campo noesc, que elles nos rogarSo com elks; porque daquy a IMaca he monção apartadk, e tempos Ihnitados, adnersos ttuns doa outtos. r DOCUMENrOS «Quanto as i mus iv 1 Orniiiz In verá Vossa Alteza como ficão, e o estado Pin qut* as tieixoii Artbiiso (TAlboquerque, que perdi if Deos a Tristão da Cunha parque o nom ti'0uxe á índia, que totiu \ u>s(j seruiyo fôra acabado, e souberão elles na costa d além que estaua- mos cá todos em guerra, esquecenlos»^ dvsso. «Ácerca das cousas do imr Roxo, de ((ue diz que o nom auisey, mal posso eu dar conselho do que lioai sey, c o que agora entendo he que desemparaes o de cá por mandardes lá, porque atinada que ao Estreito ha de hir ha d'entrar coiu leuantes, que sâu em DeziTii- bro e Janeiro, e tornar em Março com os ponentes, o se lá q^iizer enuemar estará até Agosto, e estarão em mu} tu risco de os touia- reui. «Culpame Vossa Alu za que vos nom escreuy o ponpie nom niau- dey o Tinoco a ISarsinga. Parece que ou daes minhas cartas a queui Yolas nega, ou coju vossos grandes cuiihidos se vos passão da me- moria. Manday, Senhor, saber como jsso lá anda, porque eu darey testemunhas que volo escreuy, e Gaspar Pereira me deu o treslado das cartas que lá forão, e me disse que em seus cartipaclos volo muyto escreueu ; e per conselho de todos o nom mandey. «Culpame Vossa Alteza que o nom auiso das cousas de cá. Todo o necessário lhe tenho meudamente escrito, afóra o que vay no tom- bo de Gaspar Pereira. O casteUo de Cochym be feito de pedra e cal, assy como o diiSo esses que de cá vão ; tem a parla pera o lio, onde tem viiaçSo de melhores ares que os paços de Sintra. «Culpame Yoesa Alteza q[ae voa num escreuo os naiiíos que cá faço, e à i^partíçâo qué faço delles. Eu cuidaua que Gaspar Pereira Wo escreuia. Parece que se occupou em outias cousas» e esquece- rilolhe esf outras, mas atrás digo os que liz, e desfiz; e pois 'arma- da em que me mandaes hir nom yem^ com os que tenho luremos buscar estas gentes a Dio, e será de nós o que Nosso Senhor for servido. «Já Yoflsa Alteza per minha carta terá sabido que fiz o casteUo de Gananor, e desfiz Angediua. €k»n o casteUo de Gananor os Ifou- ros 'se muyto agastaria Se Yossa Alteza had'entendier nas cousas da índia de Terdade, nom he seu seruiço entender em outros gueneí- jOes, e se eada dia se lá ha de annar uma eniiençso, sem enfoima- çSo do que cá Tsi, perdersevosba tudo em pouco tempo. Isto digo a Vossa Alteza por meu descargo, postoque sey que tos ha de des- piaar, e lho escieuo por nom ficar comigo a culpa. «E per Diogo Mendes Correa, e TristSo da Cunha, lhe dou toda Digitized by Google ÍLLLJ6THATIV0S 'enformaçSo de Calecut, se elles nom mudarem a embaixada, como fez aos Õipltães da outra costa, que per minha crença, que leuaua, Uie disse que se fossem a Çacotorá^ e eu mandaualbe dizer per con- selho do mesmo IVistSo da Cunha, que inda que Tossa Alteza man- dasse a alguma parte, que o nom fizessem, mas que se viessem ci que compria a yosso seruiço. <0 aljoíar, e pérolas, que manda qua lhe enuie, nom as posso auer, que as ha em GeylSo e Caille, que s2o as fontes delias: com- pralashia do meu sangue, e do meu dinheiro, que o tenho porque vós' mo daes. Os sinahafos, porcellanas, e cousas d'estas jaez, sSo mais longe. Se meus pecados me cá tiuerem mais tempo, trabalha- rey por auer tudo. As escravas, que me diz que lhe mande, tomSo- se de prezas, que as gentias d'estas terras são pretas, e mancebas do mundo como chegAo a dez aimos. ffÇoíala he tSo grande cousa como lá dizíSò : eu vola tinha gi^- * jeada com Nuno Vaz nella, eYossa Alteza mandou o que foy vossa vontade. A fortaleza e feitoria que em Moçambique mandastes fazer nom era vosso seruiço, porque os que hy estiuessem resgatando em Angoja tem praçaria com os de Çofiila. Ouve esta enformaçSo dos que li estauAo; saibao Vossa Alteza, e achari que lhe falo verdade. . K nom prouejo ÇSofela com GapítSo, que elle ha bem mester, nem dou regimento aos de Moçambique do que &çao, nem GapitSo, por- que quando de cá chegasse o que eu mandasse chegaria o que Vossa Alteza enuiasse, que o botaria desonradamente fóra, e minha obra ficaria embalde. Bem he que venháo vossos GapitSes ordenados como em Moçambique nom tenhSo quatro banddras na gauea. o que saibSo a maneira que hao de ter com o GapitSo ou alcaide que hy estiuer. Polas cousas que hy passarSo, os nauios grandes, nem pequenos, nom vierSo cá ter. •Do lemite das licensas dos esorauos eu nom passo nada, mais que aquillo que me requerem vossos Capitses» que lhe sáo neces- sários pera leuarem as naos a Portugal, porque eUes nom trazem gente, nem amarras, nem aparelhos, nem mantimentos, nem as cousas que lhe sSO necessárias. Leuáo OS escrauos que me parece que são necessários, pera lhe nom morrer a gente com o trabalho, como Vossa Alteza verá per TristSo da Cunha, que a sua nao par- tio de cá com cem escrauos; bem verá os que lá chegarSo. Nom são chegados cá os ofiiciaes, nem os outros prouimentos, e tudo he porque os vossos offieiaes de Lidxia dizem que vos forrSo dinheiro em despedir as armadas em Abril. TOMO T Digitized by Google 594 DOCUIIfiNTOS «O erro que fiz dm «pie perdoey o r^gioMiito de Vossa Altsn nom mo defendia, e vossa carta me outorgaua o poder que oe per- doasse^ e em todalas outras cousas de justiça e fazenda, comoTOSsa própria pessoa. A mór parte dos que perdoey erâo yossos eiiados» que já agora hão mester perdão de Deos. Nora perdoarey mais ne- nhum ; e por meu descargo digo a Vossa Alteza que nom mandeji cá degradados, porque ha mais scruiço de Deos auerem lá a pena de seus delitos ; iiom mandeys outros homens que constrangida^ mente estêm quá. Vossa Alteza entenderá bem o porque o digo. «Quanto ao auiso que teue d'armada que faziâo os Turcos p»a quá, fóra seruiço de Deos e a osso socorrerdes com gente, e com a prata das Igrejas, e se disser com vossa real pessoa, ainda dírey como quem mais vos ama (}ue quem o contrario disser. «Vossa Alteza terá sabido que depois que cá estou as iiaos fios mercadores Initev propriamente como as vossas, e alguma cousa melhor, porque o auia por Ijem de vosso seruico, polo que era justa razão que nos trabalhos eli;us ajudem as vossas; e digo ysto porque agora mandey liir nellas alguns doenles e alejados da guerra, e po- serãono por aggrauo, c íizeruomc por ysso requerimentos, que he cousa asaz desón^<ta, nom podendo elles tomar a Portugal, se os eu cá nom prou ss dos almazens. «Cá nos veo certeza que Vossa Alteza nos manda hir a todnlos oííiciaes que quá estanios, por termos acabados os tres annos pera que viemos ordenados. Dom Aluaro por ysso me pedio hcença, e por saber o que Vossa .VlteTia maiidaua a Dom Pedro meu sobrinho, eu lha de}, postoque nuivto me pesou, porque sua companhia me era cá muyto lK>a pej a vosso seruico, e meu descanso. Se cá ouvera mór armada nom o uiaiidára tão singelo, porque vos tem muyto bem seruido, e lie dos quilates que Vossa Alteza sabe. «fPois que Vossa Alteza manda que das cousas que faço seja eseriptor, cousa que a mym sempre me pareceo mal dos li DUiens de bem, faloliev. com protest<ição que o erro que nysso ouver nom he per umúià culpa. Depois que Tristão da Cunlia de cá partio se pasí ui o que atrás lie escrito, de que os Mouros estão fauoiwidos, e com tanta esperança, quanta lhe Nosso Serdior tornará em con- fusão, e desesperação pera elles, A mór parte de vossa gente, com asaz medo e desconfiança, por verem os desfauores que lhe de lá vem, e nom lhe pagarem seu ordenado, estão descontentes, que da- riâo as quintaiadas por que os deixassem hir d'este trabalho ; ca lhe disserSo da maneira que hão de ficar depois de minha inda, e Digitized by Google * ILLUSTRATIVOS 395 derflo voseo feito por perdido, e se minha embarcação chegara, oe piincipaes, e lodoe, tinhSo asaentado flizeremme fnmdes requeri- mentos de vosea parte quo md^nom fosse; o qne o tempo alalhoih Nosso Senhor sabe o porque o digo a Vossa AUesa, porqoe se eti for vittO quando me chegarem tossos mandados, por mais requeri- mentos qae me facão, os hey de comprír ao pé da letra, porqae as cousas que tocáo em fiddade sSo tfto dellcadàs, que pof Dnnhama cousa d'este mundo os homens de preço se deoem pdr em de8|Kita. Por jsso. Senhor, toIo declaro por meu descargo, e digo qmf man- deys ci hum homem de muyto grande preço pcvTisorey, e por mais se mais puder ser; seloso da yerflade, eheo de riqirâttL Nom lhe limiteys estas pouqutdades de vossa Ausenda de que me ropren- deis, nem mandeys nada de li sem «uer piimeyro o conselho de qua, e confiai todo do yosso Yisorey, e agardeceifii» o que aeeitar, e daílhe a pena do que enttr. Kom sey que vos aproueitari tft^* rem vossas armadas ao Toro, nem a Çofíi, se cá na índia vos toma* rem -as naos da carregação, e destroirem as IbrCaleKas; e M vos diaem que hir ao Estreito atalha que no» veiriMO pera «i amadas, em Dio estio Yenezeanos, e Mouros do Soldâo, fuendo naos e ga- lés com que nóS auemoe de p^ar, « tem afaaMtença de tudò o que lhe cumpre, e a nés mingoa. , «Jorge Barreto fiz Capitio de Gochym até vir qDemToSSa Al- tezg manda, porqoe assy mo encarregastes por vossa carta. Se sua pessoa som tso contente que tudo lhe enoairegaria; e nottt metli aquy Manuel Paçanha, que por ser forte de oondil^ me disserlo todos vossos officiaes que por ysso largaiiSoos ofliáoB, seéHe fosse GapitSo, e toda outra gente nom estiuera com eUe, por cousas que dhray a Tossa Altesa quando a Deos aprouver. Diaem que vem Pm Ferreira pera Gananor por Gapitfo. fin o tsidio por homem fiel o esforçado, mas Gananor ha mester homem de grande manta, porque nos inuernos sempre ahy ennemao muytos fidalgos. Esles ctpiUiloê nom vâo hem ordenados, porque tenho muyta occupaçSo no espiito, mais do que Vossa Altesa cuida. «Eu escreui a Vossa Alteza que Qniloa se desponosAi porque Pero Ferreira a nom soube conseruar; agora dizem que mandays pera aliy o filho do Pestana por Capitão, e a Vossa Alteza compre ter aly hum homem que tenha tantas barbas branrnii como e«. «Vossa Alteza he assy obrigado ao Rey de Melinde como sdM, e pera bom exemplo deue ser de Vossa Alteza mny honrado, e fano- reeido com mercês» pois tanto repaiio e bem gazalhado tem leito» 38. Digitized by Cvjv.' v-c DOCUMENTOS e &z a vossas armadas, e ge&te que hy vem ter; cm pago do qual vossos Gapitáes se desordenSo tanto na seguridade que achSo na tena, que lhe íazem tantos males, ^e já o aly nom estiuera se de ci o nom sostiuesse com cartas, e palauras vSs, de que nun- qua lhe Tem o íruito. Dizem que mandaes ahy por feitor Sancho de Pedrosa. De duas seiá huma: ou os Mouros volo matartSo com os que com elle estiuerem, ou o Rey se despouoará da terra; e as razões dysto Dom Aluaro as dará aVossa Alleaa. «Vossa Alteza manda muytas cartas de recomendados pera tosbos criados; elles cuidfio que trazem nellas capitanias, e feitorias, e por- que logo lhas nom ú&o se mostrSo aggrauados. Será bom que me- reçâo primeyro, porque nom sey que esperança terfto os de cil, vendo que daes lá o que elles tem ganhado com sen sangae. «Poderá ser que cuida Vossa Alteza que deixo de carregar meu ordenado estes annos passados por nom folgar com dinheiro. Eu nom som táo virtuoso, mas façoo porque veja a vossa gente que trabalho por vosso seruiço em vosso proueito, e nom estimo miniia perda, e que tomo pera mym e nego pera elles, que seria muyto descrédito pera as razOes e escusas que lhe de mym dou quando me requerem suas oarregações : polo qun tem em mym aquella cou- liança que muyto compre a vosso seruiço ; e comtudo seu trabalho he tanto, e com a vista de suas desconlianeas porque vêm o que de lá vem, que poucos ha que nom dessem seus vencimentos porque os deixassem hir; em maneira que o anno passado, quando meu lilho que foy estaua em Chaul. se fez huma conjuração antre mais de cincoenta homens do mar, p^ra se passarem aos Mouros, e ysto sem mais outra causa que as razões que digo, porque os Mouros lhe dão grandes soldos, e muytas larguesas de condenação de suas almas. Ouve meu lillio dysto auiso, e com modos manhosos os ati- jhou, que nom ouve elTeito seu propósito^ o os segui ou até que veo aquella peleja, de que se seguio o que eu meretfi a Deos. Outras fizerão outro ajuntamento, pera também se passarem pera os Monros, estando Gracia de Sousa C43m FernSn Soares no cabo de Comoryni. Foylhe dado auiso, prendeo o principal, ipie troux' em ferros. Digo a Vossa A^^m estas cousa^ pm que saibaes que vossa ?ente cl ha de andar conleiile do ham juinuiiientos aos de baixa sorte, e aos outros com bons galardoes, e seu.N seruiros gratilicados, porque se assy nom for perdereys todo \mso seniiro. ff Dizem cá que mandaes que Afonso d\\l! MKjuerque tique nesic meu cargo pera gouernar estas cousas : sera bom perguntardes aos Digitized by Google ILLUSTRATIVOS 597 que de cá vâò, que altos nem baixos ficarão com elle. Nysto, Se* nhor, provede com tempo, porque os Capitães, e Yofleos «niados fo- râo com elle em tanto deauairo, que os preadeo e eojnríoQ, dizem eliea que por lhe requereram as cousas de tomo serviço ; polo que depois de Ormuz aleuantado, como Yossa Alteza saberá» Afonso Lo- pes da Costa, Itfannel Teles, Antonio do Campo, se vlerSo em mi- nha busca com requerimentos por escrito, a que elle nom quis res- ponder; e taes apontamentos me derSo que os nom pude culpar, nem condenar Afonso d'Alboquerque. Chegarilo em tempo 'de ne- cessidade, mettios em vosso seruiço: trabalharey por saber a Y«r- dade, porque da que soube enuio a Vossa Alteza por inquirições. Afonso Lopes vai em alguma culpa: lá o ouvirá Vossa Alteza de sua justiça, e se Afonso d'Alboquerque yier, também farey o que me requerer com justiça. Também JoSo da Noua, e Francisco de Tauora, muy to se queíxSo de seu mao trato. Eu nysto nom ousei de entender, porque Vossa Alteza manda de lá o que lhe apraz. «Porque temos certa noua destas annadas que se ajuntSo contra nós com todos os Mouros desta costa até Onnuz, paieceo bem a todos tomar a nao Belém pera Jorge de M^o andar nella assy como vem, pera o que ette, inflamado no amor de vosso seruiço, mayto folgou, esquecido do pouco proueito, e muyto perigo em que auia d'entrar. FroMe la mar concertey, pera eu nelia andar com íoSo da Noua, Capitão ddla, assy como o era. « Cinco criados meus me vieráo cá buscar. Nom vierfio assenta- dos em soldo e quintaladas; mandeyos assentar no lugar d'outros, que me cá morrerão. Faço ájUto lembrança a Vossa Alteza, porque, se o nom ouver por bem, mande que se desconte no meu. «Antonio Raposo yeo aquy de Çofiila, que lá fora escriuão, e trouxe tanto ouro, que me conueo entender o que me dizião. Han- dey ítibre ysso &zer deligencias, e acheyihe o ouro^ e culpas que a Vossa Alteza enuio, com toda sua Êizenda socrestada; nem me quis cntremetter a ju^alo^ porque o Visorey que nom pôde perdoar, nom deue condenar. Vossa Alteza faça lá sua justiça. « Este ano mandey &zer buns poucos de laudés, fortes e bons pera guerra, e maneaues pera os mareantes, que hé piedade ver vossa gente pelejar nua, e com boa vontade. £ p(qfque já vou entendendo alguma cousa da índia, digo que se a vossa armada no mar for po- derosa, como prazerá a Nosso Senhor que sempre s^a, auerraaos trigo em abastança, a vinte e cinco reis o alquiore^ comprado o troco de mercadorias em Gbaul; arroz de graça, e comprandose por u\^u\^cú by Google DOCUMENTOS mefeadorías se acbarâ muyto» e ciutftrá o fardo a cento e vinle íeis, que tem quairo alqueires e ineo; mas Deos nos dá sempre tanto das preás» que se vende o sobejo» o fica auondanga pera as armadas» e pai tiflios com as naos da carregaçlSu. T inibcni aueremos breu em abasta&ça até quatro centos reis o quiiiUi ; liniio em abastança, e mais b«urato que lá: temos cordoaria com todos seus petrechos» e cairo em afea^tai^^ ff Senhor» nom he vosso seruico que os mestres venbâo por fei- tores das naos» porque nom podem entregar, e receber, e dar auia' mento no corrogimento das naos» e tomaodolhe conta perderão suas iazendas. Ao menos melhor seria que o fossem os pilotos, que che- gando ao porto desemparâo a nao, e andáo folgando em terra até que tornão a partir. Se estas cousas os vossos officiaes as bem gouer- nassem de lá, em hum só mez se carregariílo aquy quantas naos d'esse Reyno viessem. «Manda Vossa Alteza cá Juiz do peso, quo he hum oificio sem corpo, porque no inuerno se toma a pimenta a troco de mercadorias, a tempo que o feitor anda tão ocioso que vai á Igreja, ou anda ao monte ; e quando voin a pimenta a vai receber Imm escriuão, e pe- sáona os pes^idorcs que ElKey pr-ra isso ordenou, que por pouco que os o feitor contente, nom deixarão erffuer a balança do chão meo dedo, c o vosso Juiz do pezo nom sey que nyst(> pôde aprouei- tar que bom seja pera vosso seruiço. «Tem Vossa Alteza nesta íeiton;i robre que se nom gastará em cinco annos. e vermelhão sem numero, chuiiilto iiiuyto mais, azou» gue que nom ha casas em que caiba: panos de lã [odos apodrecem; escrelatas se gastão poucas, alguma cousa mencis do preço que lá custão; ha nmylos espelhos, ocolos, chapeos, sellas ginetas, que he muy certa mercadoria pera cá. Nom rreo (|ue os vossos ofQeiaes de Lisboa cá mandassem estas sobegidò s dysso lhe nom viesse proueilo, e por ysso nom aguanião que liie va recado dos ulficiaes da Indja, ou pera melhor, do vosso Visoiey, e nom vos causarião tanta perda. Dous annos ha que compramos cá a mão do papel a cem réis, que elles cá mandão vender, e pera as vossas feitorios nom mandão neuhunL «Vossa Alteza nie ?ri:uHla :i niam-ira como sf paguem OS soldose desembargos, e (pie, se carreguem as naos: ru i'o^^o a i)eus íjue me encaminlie o eiitendimento como todas estas cousas acerte assy t'onio h( V vontade, porque comprilas como de lá vem ordenadas, com os aueços que alias cá tem» quem as acertasse faria milagres Digilized by Google ILLUSTRATIVOS 599 em Tida. Saiba Yoná Altau qae eu hej de tapar, se pnder, os ha- racos per que se nos mais vai o vento. He bem qae saibaesqueto* dos vossos criados, e gente que cá tendes, estfio em muita descon- fiança de nunqua serem p^os do que lhe deuem; e mais vendo qne mandaes de lá officiaes pêra os cargos, que elles merecem per genh (80^ e aleijGes de feridas; e Vossa Alteza tfio esquecido dytto, qne lhe quebranta os corações e vontades, e descsjfo de hir viuer a ou- tras terras, e com qnanto eu pude remendar denenebfo cem mil cruzados até Janeiro deste anno de {{06. «Vossa Altexa deue aner bom conselho sobre esta historia, por- que se quereys suster a índia mey» do pagar á gente, ou que ve- nha de lá desenganada que lhe pagarSo quando lá tomar, porque dos que lá vâo pôde Vossa Alteza saber a desconfiança em qne ficSo os de cá, e as más cousas que íàliEo, que eu Aço qne as nom sey; e ysto sd porque lhe nom pagáo, e vendo vir de lá feitos ofikiaes quem cá nunqua trabalhou, que sáo escândalos que causSo andar esta gente sem coraçOes^ «Em huma carta, que me deu Aluaro Barreto, Vossa AUeia me foz aquella honra que eu a Deos nom mereço, e nella manda que assy o diga a vossos criados, o que assy fiz, e seus espíritos fica- râba leuanladoB. Polo que elles, e todos, bejamos as reaes máos a Vossa Alteza; mas nom fique em esquecido o efieito de táo reaes palavras por que nom fique em dobro o escândalo, porque os que vos cá seruetn nom carecem di> galardâk), e se o de vós nom ouve- reni iiestt^ mundo, auelohSo de Deos no outro. «Mandey que os mareantes de minha companhia carregassem seus vencimentos, e assy a todos, nas outras quatro carregaçifes, que SP âcabSo om IMlarço quatro annos; e o dinheiro do desembargo, que me Vossa Alteza mandou, por nom crecer tanto minha diuida. E pem o ano nom poderiáo carregar os que comigo quisessem hir, prazendo a Deos. f por ysso carreguey ysso que lá vai, e tomá- mos o vi<r<) em todaJas naos deste ano. iiouas e velhas, porque to- dos dysso tòráo contentes, com publicações que dysso mandey fa- zer; e se en nestas carregações cuidey por mao entendimoito, lá mando Vossn Alteza oquefci'' ^"u scniiro. eDe (loylão tenho já cnfoiíiiado Vossa Alteza per homens que lá foráo, e estes quo agora de lá vieráo assy achaiKo a terra assen* tada, e o padrão em pé, como o póz meu filho. Dito tenho a Vossa Alteza que será boa aly huma fortaleza, ponjuc todalas nauegaçOes que correm da parte do sul, que he de todas as partes de Malaca, Digiíized by Google 000 DOCUMENTOS ÇunalFSi, Pedir^ Bengoala, PegA, nom podem passar pera' banda do norte arredados doesta ilha dc Geylâo, mas forgosameate pera na- negarem certos bSo d'auer a vista d'ella, e podiSolhe tolher esta na- u^açSo mea dúzia de naoios; js se podia fazer a fortaleza sem pe- rigo em huma ponta que faz sobre o porto, como Cananor, em q[ue está hum poço d'agoa real. Prazerá Deus que nos encaminhará que a laçamos em acreeentamento de vosso seruiço. «Se o corrigimento de vossos naos nom fosse tanto partirião d V aqny todas em Novembra Handay, Senhor, que volas correjâo de verdade, porque dizem cá que se vos gabSo os vossos ofiKciaes que corram as naos com menos custo que as armadas passadas ; o que certefico a Vossa Alteza que vos cansSo perda anoueada, por caso do mao corrigimento; que ysto ganhão os mercadores dobrado, pelo bom ( rirrigimento de suas naos. £ mande Vossa Alteza que partâo em Fevereiro a roais tardar, porque hsm vedes o jogo que vos tem feito o partirem as naos de lá tarde ; e perguntai a vossos olTiciaes ((ual lie mór perda, se gastar c perder hum més c dons ílos soldos d'aimada, que elles dizem que vos aproueitíEo em deter a partida das naos em Lisboa, ou se be mór perda hum mm que as naos ficSo em Moçambique^ porque cbegâo tarde; de que elles darão conta a Deos, da gente que ahy morre ao desemparo, de que eu nom tenho a culpa. «Eu pus em conselho, (nom porque me parecesse bem, senão por me nom pôrem esta culpa) se daríamos em Calecut-agora quando passássemos, e foy per todos assentado o que la vai : e sem duvida fora cousa errada, porque por a costa ser muyto má na desembar- caçSo nós lhe pudéramos a elles fazer pouco damno, e elles a nós muyto mal, e também síío elles muytos, e nós poucos, e a vossa gente desarmada, e muyta doente, e os sãos com os espíritos can- sados, descontentes, vendose alejados, desfalecidos do sangue, da idade, da vida, e Vossa Alteza dysto tão esquecido, que daes aos de lá o que elles ganháo cá. Polo que passaremos de longe, e hiremos até Dio em busca destas gentes, e lá faremos o que nos Deos aju- dar, por seu seruiço e vosso ; e deixarey guarda na costa pera as naos de Meca. Parecemf^ qiip são obrigado a vosso seruiço dizcruos que Dom Aluaro he muyto homem para encarregardes (reste meu oflRcio: e nom me engano, porque volo digo sem nenhuma afeição, sómente amar vosso serviço, e desencarregar miuha obrigação iia verdade. «Nenhum trabalho dos meus sinto tanto como o que tenho cm Digitized by Google ILLVSTRATITOS fiOi os vossos capitáes da caiTP^aç5o, que andSo tão engodados no nior- cadcjar do vender e comprar, que com niuyto trabalho meu os faço que vão estar. «' guardar vossas naos, e ajudem dar auiamento ao «•^rregar, pois neilas lhe fazeys tanta mercê. Hão ysto por rauyto aggraiio, e (hzein de mym com palauras muy desacatadas, e dinas de castigo. Hindo })era a nao dc Ruy da Cunha o derradeiro parao de pimenta, que leuaua cem quintaes, por máo aui mienfo dos ma- rinlieiros, qne o logo nom descarregarão, s»^ perdeo. Pareceme ra- záo nesta pertla entrarmos todos ás valias, pois temos carre^aç.lo em toda 'frota : e se ysto lá nom parecer justiça, e quizereni tudo car- regar ao capifilo, folgarey que antes se carregue tudo sobre inyni, porque mellior he penler a fazenda n'cste mundo que leuala para o outro, ])orque eu tenho delia menos necessidade, merct'''s a Deos, e a Vossa Alteza que ma dá, e nom será bem perdela Huy da Cu- nha, que he lidãlgo proue, c tem gastado dous quartés da vida, c está no derradeiro como eu; mas elle tem lilboSi e eu não^ que hum que tenia lo perdi. ■ «\ muytos dey licença que se fossem, por([ne com aíincamcntos mo pedirão. Pareceonie bem darlhas, porque são elles mais incli- nados pera vos servirem lá que cá : certamente eu nom som a causa dysto. (luadelajara mandey que se fosse, por sua m;l disposição, que lhe causou a guerra e trabalho de Cananor, onde tanto vos ser- nio, como todos "\ os dirão, c tão largamente gastou o seu com os vossos criados ; polo que he (Uno de mercê, e {)or toda a que lhe lizer lhe bejarci as reaes mãos. «João da Nova rccebeo agrauos na mutlança que Vossa Alteza fez do seu oíficio, e faloume em puridade : lembre a Vossa Alteza que o comprou per seo dinheiro, e que ha quatro annos que vos cá senic, e deu a conta de sy que testemunhão grandes feridas, de que tem os signaes, e com muytos trabalhos. Afonso d'Alboquerque, que com elle teuc grandes dififerencas, me escreueo que vos tinha muyto bem servido. Assy que a mercí lhe seja em acrecentamento do seu proueito e honra, que por ysso bejarei as reaes mSos a Vossa Alteza. «Hum dos paraos, que trazia á carregação, que carr^iaua tresen- tos quintaes, porque era bom pera nosso officio mandeyo eoncertar para o leuar. Tírarâolhe hum forro, que trazia ao pram, acharSolhe debaixo quatro quintaes de pimenta. Escreuo ysto a Yoss;i Alteza porque saiba que as quebras nom Tão do pezo ; mas furtSona os marinheiro que a leuão, que estão na nau : o que tudo he por culpa Digitized by Google m DOCUMENTOS àot iFouM eapitfes, a que eu por veies deeoobm este oenfae ps- note vossos officiaes, pelo que dles dSo bem poaeo, porque lôdt *sua ocoupanão he om seu interesse, e nâo em yosso seruiça Tomo a tembnr a Vossa Altesa que nunqua sereys bem servido em quanto vossos offieiaes de justiça, e fozenda, forem tratantes mercadores. «Oje cinco de Dedeembro» estando já em Cananor eom toda* frota chegou Afonso d'A1boquerque d'Ormuz, e com elle Martím Coelho, e 0. Antonio seu sobrinho, em navios; elle no Cirne, que trazia i lorça de bomba, e ficaua atrás Francisco de Távora no Rey Grande. Pera o sno, a Deos prazendo, leuarey Frol de la mar, e o Grine, que mandarey concertar e carrear. Afonso d'Alboquerque foy de mym recebido como compria, presente Lourenço de Brito, FernSe Soares, Ruy da Cunha, Antonio de Sintra, que ao presente ante mym escreue; onde em presença de todos lhe pds em escolha o que de sua pessoa queria fiuser, porque bir em minha companhia nom era razfio, por vir muyto cançado, pera o que se me convidou : se queria ficar n*estc Cananor, porque Lourenço de Brito, por vob servir deisejaua muyto hír comigo, ou se hír a Cochym; o que elle antes escolheo pera seu (l<'scanço. Mandey lá que o aposentassem em minhas pousadas, e lhe iizcssein toda 'honra e prazer. E porque n'estas cousas, que h2o de vir, vai muyto a vosso s<;ruiço, oonio já tereys sahido, he necessário pera comprínitMito do minha obrigaçlò auisaruos d'an(6 mâo, ainda-que seja prejuízo d'alguem. Bem s«>y que nom peco nysto, pois sois du u Rey, e Deos na terra. Afonso d'Alboquerque vem muy desamado da gente. Dizem delle cousas de que se homem <>Kpa!ita : a verdade Vossa Alteza a saberá quando a bem prrguntar. Sua li ida a Ormuz íòra bem escusada, pois nora auia de fazer proii* iío. e fizera cá muyto, se a mym o enuiareys. Todos os que cá eslâo dizem publicamente que quando Nosso Se- nhor ordenar que me vá, que éUes qu(^ nom llcarão, e que se elle os constranger que se hirSo pera os Mouros. Polo que eu tenho visto, e bem entendido, crea Vossa Alteza que assy o far^o, só- mente se forem alguns que nouamente vierem do Beyno, ou que tiuerem cargos, poios nom perderem; o que assy será em toda' gente d'armas, e do mar; mas quando ysso for, eu direy e man- darey á gente o que for vosso seruiço, com todo meu poder, pera gue fiquem os qiie vierem, pera se poderem hir os que cá andáo, porque entáo auerú cinco anos que cursâo em vosso soniiro, cora \Áo perigosa e trabalhosa vida, e mortas aS vontades poio que elles \èm que deUálmandaes. Digitized by Google ILLUSTBATIYOS 603 «Dom Afonso fiem em Çaeotoiá doente, e assy qom toda' gen- te, 6 muyta fome, porque tinhSo gnenra com a gente da Bba, e mor- tos maytofl homens, o que assy sempre será em quanto aiy estiuer fortaleza; perdde Deos a quem fez ião má cousa pera vosso serui- ço. Faço fundamento que tanto que tomar de Dio, se for viuo, Uie mandarey hum naub carregado de mantimentos. A todos estes fi- dalgos parece bem mandála des&zer, maa aconselbarfiome que o nom fizesse sem mo Vossa Alteza mandar primeyro. Bem sey que nom 6ço eu nisto como qnem eu som, mas nom me quero tanto atreuer em mym. Tomo a dizer a Vossa Alteza que mandeys logo ci pessoa pera este meu caigo, que tenha muytos escudeiros, e gaste cá quanto lhe derdes, e mais se mais tiuer, porque sendo d'outra maneira pondes em grande balanço vosso real seruiço. «Este ano, com '^juda de Nosso Senhor; Vossa Alteza está des- cansado, porque eu espero na sua misericórdia que se estes cfies estSo em parte onde lhes possamos chegar, nom ficará delles quem leue nouas a sua terra, c também nom leíxarey de meter alguma manha com ElRey de Cambaya, pera vér, se os nom puder colher no mar, se mos quer entregar, e por ysso lhe outorgarey a paz, e me esquecerey do que me os seus deuem da voda de meu íilho, porque a paz com Dio será muv I)oa ppra vosso seruíço, pera bem de vossas mercadorias e roupas de Çofala; mas isto ha de ser com destroição d'estes Rumes no mar, porque sejamos estimados na terra. Nom entendi nada nas cousas de Afonso d'Alboquerque, nem dos seus Capitães» porque Vossa Alteza o julgue lá como fôr seu ser- uiço, do que creo que elle lhe mandará grande abastança de papés. Lá vai Coje Beirame, arménio, que aquy veo ter comigo, que nas cousas d'Ormuz trabalhou iieimente, e por ysso perdeo muyto do sen que lá tinha. A grandeza que Vossa Alteza com elle fizer acre- centa muyto em seu crédito e estado. «Estando já recolhido á minha nixo. com a «rente èmbarcada pera partir, querendo çarrar esta carta, veo Aíotiso (VAiboquerque a mym, trazendo comaigo Femáo Soares, o Ruy da Cunha, e Antonio de Sin- tra, escriuSo^ e outros que testemunhassem em suas cousas, e me apresentou a carta de Vossa Alteza, que trouxe quando veo, em que mandaes que quando me eu for elle fique com todolos poderes, c na mesma carta mandaes, que morrmdo eu, o que me soccdesse no gonemo assj- lho ontroíçasse a elle; e per esta cabeça, e per conta que lhe de mym dey do que n)e Vossa Alteza escreuia que me fosse na nao Sam Joáo, e a elle entregasse meu ofiScio, por isso mo veo 6(Mk DOCUMENTOS ILLUSTRATIVOS requerer de face a face que lho entregasse. Certo he que se me lem- brarão aggrauos, e me esqneeerSo as mercês que me tendes feitas, e criação, expranara de lho entregar, com que nom tinéreys mais armada, nem gente, e en fieára tiure dos perigos em que me tou meter; mas nom yeo a nao em que me mandaes que vá, e nestas que estSo aquy carregadas eu nom podia hir, que já em Coehym me 0caua meu fato, e fora passageiro mal entrouxado, do que Vossa Alteza se deuera doer de mym, e por ysso com humfldade, e doce- monte, lhe respondi a estas cousas oubras que bem declaráo a von* tade que tenho ás cousas de vosso seruiço, com declaração, que se pera o ano minha embarcação nom viesse, eu Ih' entregaria o dito officio, e me biria em outra qualquer nao, em que pudesse leuar meu feto, e criados, e nosso mantimento, e agoa. «E nom aya Vossa Alteza por muyto ysto de Afonso d'Alboqoer- que porque o fez com muytas atiçações de contendores, que tenbo por vos seruir, que se reuelarão contra mym com áluoroço de noui- dades, com esperança de lho elle pagar quando dommar; e elle, in- flamado com semelhantes opiniões, entSo me pedio que lhe désse esta armada per me hir vingar a morte de meu íilho, e que en fi- casse aguardando por ysso. «Se o eu mal nom entendo, obrigado era a Vossa Alteza a m dizer que mandaueys dous expeitantes pera minha morte, porque de qualquer maneira eu viera assy leuemente como vim, e eu os tratára muy amigauelmente; porque como he verdade que eu pre- sumi que Manuel Paçanha era hum delles, logo o tratey com móres honras do que o fizera se nada soubera, que mo dixe o coiaçSo. «Porque Afonso d'Alboquerque de todo nom íicasse triste, eu escreui ao feitor Gaspar Pereira que de meus ordenados lhe pagasse a elle aquilo que lhe Vossa Alteza ordenaua quando semisse seu cargo; porque me pareceo que seus protestos a este fim os fez. £ dysto nom quero paga, porque Vossa Alteza me faz mercês que me sobejSo pera este mundo, cm que Deos prospere seu estado, co- mo no outro tenha mór gloria'.» ' N5o damos as variantes com que o nns^o rrotlilo collcíja o sr. Rodi i^ro José de LimaFelner escrapuíosrmienlt' escl.iroceu o texto d osta caria. Sc^'aimos a leitura qa« elle preferiu, por aoà parecer tambeiu a nuá mais clara e i>e^'ura, do que a da copfedo maanseripto da academia real das Bdeoeiai, da qual se «ctniila o docmneDle pvbli» eadono tomondos iitnoff dot tàmin elélreB dê abril e maio de t8!|B, Digitized by Google 1 n CARTA NOTAVRL DE MARTIM APFONSO DE SOUSA. GOVERíNáDUK DA iKDÍA. MERIDA NO CAPITULO ÍY DO LIVRO VII D'm£ VOLUME «Despois de ter escrito a Vossa Spnhoria me fez Deos cá tantas mercês, que vo» afSnno que me íaz estar tremendo, porque sei muy bem, que ihe nfio mereço neahuma delias; mas elle iáz como quem tie. E porque a ordem do negocio Diogo da Sylveira e outros vola dirfio, nSa digo aqui senão o sumario dns cousas. Cá estayao dous senhores em grandes diíTerenças: Hidalcão e Âcedacâo levantado que qiiei ia ípie fosse Hidalcáo o Meale senhor de Belegate, que es- taTa em Goa : ambos tinham grande necessidade de my ; tardey em me determinar, porque estava esperando quem levava a melhor. Já náo são de huns primores de acudir á p." mais iraca. Apertaram comigo tanto, que não pude al fazer senão descubrilla logo e mos- trar o que tinha na mão. Determiney-me polio Hidalcão, que pare- cia ter mais justiça e mais íirmp: ainda que vos certifico qne da ou- tra avia tantas razões e contrários, que me foi necoss.» socorrer-me a missas o devassões. Mas afim assentei com o Hidalcão, o (jual me deu para Elrei nosso Senhor as terras lirmes d'aqui, que rendem quarenta e sinco mil pardaos de juro e erdade com grandes ])rome- timentos e doações e solenidades, e alem disso me mandou setenta mil pardaos p.» ajuda das armnihs dei Hey nosso Senhor e vinte mil pêra my, a saber: dez mii pêra luna joia de minha molher e dez mil pêra um banquete ; e isto feito licava-nos o outro por contrario. Vem Deos e ma ti -o d'al)i a seis dias e lica o Hidalcão por senhor pacifico de tudo. E não conl» nte com isto veo-se a my hum mouro que era muyto privado do Acedacão e meu amigo da outra vez qne c4 andey, e desta que tem recebido de my muyto boas obras]: dis- 606 DOCUMENTOS iLLUSTBATIVOS Sf-me qut* pois seu smlior na Jiiui tu, qu'- não (iinTia outro soiihor si'nà(> a ray, e qiio uit' «{HtTí.i <»ntr<'|£rar quinhentos mil pardaos que linha d>' sfu stTilior, «^u.un ni;uido trrsentos mil a EIrey nosso spnhor peta ajuda do cnsainrnlo do senhor lífante. Poreni destes loHiey trinta mil pt-ra my. (pie he o dizimo que lá mando a minha moUiiT, porque em razão « stii que teiiha iLinn i i irte disso pois o poderá ter todo; que eu poderá ter tomado e^it dinheyro sem o iiingUí^m sai*er, e que o souberão. ti\ erão muy pouca justiça contra my: qne isto não o denlo m EIrey nosso Senhor, nem o ganhey com &ua gente, nem com sua armada, nem aventurou a isto nada senáo a amisade que este mouro tinlia comigo, que antes se quiz des< ol>rir a my que a outrem Beijo as niâos a Vossa Senhoria. Goa . - > de dezembro de l'>44. FJi^ ros do conde da Castanlieira — Livro i. Noticias extiahidas dos Apontamentos de fr. Luiz de Sousa na sua obi a intitulada Annaes de EIrey D. Jmo Terceiro, pag. 413, Memoriaii e Documentos, b Digitized by Google ÍNDICE UVRO Vll-S&IAIMI SOCIAL M MOKâUCIlA PARTS Vn— FOBÇáS OmMOma E DJIPUJMIVAA CAPITULO i -MILÍCIA DE TERKA Antiga organisaçáo militar do paiz. — Snas opochas notáveis. — Ordenanças creadas por D. Sebastião em Í570. — Hepugnait- (rias, que encontraram, e causas d'ellas. — Escoia marcial dos portuguezes. — Superioridade das armas hespanholas e sua influencia. — Formação do terço de infanteria como unidade láctica. — Primeiros terços da corôa de Portugal. — As pa- tentes na milicia do século xvii. — Armas diversas de eliase compunha. — Cavallaria pesada e cavallaria ligeira. — Arcabuzeiros montados. — Dragões. — Os postos e suas pre- eminências.— Artilheria. — Mauricio df Nassan e Gustavo Adolpho. — Administração militar. — Ordens de batalha ma» usadas. — Promoções. — Fardamentos. — Disciplif». — ^ta- do de fraqueza do paiz. — Providencias para o Mu aittn- mento e defesa. — Soldoa. — Baeafgos da milleia CAPITULO II— MARUOIA DE GUiSRftA Progressos da marinha portHgueza até Afibnao V. Passagem da cabo da Boa Esperança. — Grandezas Mms dos reinados de D. l^lâuuel e D. ioâo III. Esquadras de gnarda cosia. Con- venção de 1582. — Perdas sensíveis. Govertio de D. Sebas- ti&>.— Uniio de PMigÉl. Fitippe IL Eupmufm ffilMildaB. 608 índice A invencivel armada. Declinação rápida nos reuiaiktt de Fi- lippe m e Pilippe IV. Hostilidades dos hollandexes e íngle- zes. Superioridade maritíma das duas naçS». RasSo d'eUa. — Serviço da nobreza nas armadas. Gommandos. Syaleida er* rado da côrte de Madrid na direcçA> das forças navaes de Portugal. Offensas aos brios nacionaes. — Expedição da Ba- hia. Naufiragio da armada em Derrota do conde da Tone. Abatimento completo da marinha e do conunercio. Gansas principaes. Mau estado das oonstrucçOes navaes. Pe- jamento dos navios. Arm.unorito navaL Naus, carraças, ga- Ie6es e galés. Opiniões de Thomé Cano. — Soldos e pagas. Decadência visivel da marinha e sna inferioridade. Defesa das imças do litoral 39 CAPITULO UI~POS8SSSOBS ULTRAMARINAS DA AFRICA E DA AMERICA Importância dos descobrimentos dos portqgaeses ho século xv. O infante D. Henrique. Basões da sua perseverança. Opi- niões dos geographos antigos e da meia idade sobre a nave- gação do Atlântico.— Gil Eannes. — Sagres. Novos progres- sos nos dias do infante e nos reinados de Affimso V e D. João 11. — Pensamento religioso^ politico e commercial das navegações portugnezas. Systema de colonisação geral- mente seguido. — As ilhas da Madeira e Porto Santo. — O archipelago de Cabo Verde. — As terras de Guiné. — O res- gate da Mina. — As ilhas de S. Thomé e Príncipe. — Desco- brimento do Congo. Occuparílo da costa de Angola e Ben* guoUa. — Hostilidades e conquistas dos hoUandezes. Estado decadente precário das possessíjes da Africa oceidonfal. — O Brazil e suas capitanias. Desenvolvimento f!a riquez^i (!•■ algumas. Atrazo de outras. Causas geraes de paraiysação. . . CAPITULO IV— POSSESSÕES ULTRAMARINAS OA ASIA Causas remotas da declinação do Estado da índia. Idades da conquista. Erios e corrupção logo nos primeiros annos d'el- la. — Systoma de occupaçâo. D. Francisco de Almeidn e Af- fonso de Albuquerque. — Degeneração dns caracteres e dos antigos costumes guerreiros. £aíiaqueàmento da milicia de Digitized by Google índice 609 mar e terra. Suas rasões. —Luxo e avidez da magistratura. Venalidade e delapidações das outras classes. — Os presídios de Africa desamparados por O. Jodo III. — Estado das pra- ças do litoral da Baiberia no século xvn. — ExtorsOes dos capitães das fortalezas na índia. Soltura de costumes. Inces- tos» roubos, rixas e homicídios. — Martím Alfonso de Sousa, Antonio de Faria e Diogo Soares. Impunidade dos atteuta- dos felizes. — Decadência de Goa. 127 LIVRO TUI PARTE Vni -FORÇAS MORAES CAPITULO l~ MISSÕES NA AFRICA E NA AMERICA A idéa religiosa unui das caysas dos descobrimentos. Introdue- çSo do christíanismo no archípelago e terra firme de Qd» Veide e na ilha de S. Thomé. Os reinos do Congo e de An- gola. Serviços e ambig^o da companhia de Jesus. — Africa oriental. Jesuítas. Missionários da ordem de S. Domingos. — O Brazil. Entrada di» primeiros padres ua armada de Tho- mé de Sousa. Gollegio da Bahia. MissOes. Gatechese e orga- nisaçSo das aldeias de índios. — Quest^s sobre a liberdade dos gentios. Providencias governativas. Fins particulares da sociedade. — Superstições e costumes dos africanos. Pouco íructo das missões entre elles. — Systema seguido pelos mis- sionários no BraziL Docilidade dos indios. Profunda corru- * pçSo da sociedade. Rasões d'ella e suas consequências. i59 CAPITULO il— MISSÕES NA INOIA, CUINA £ JAPÃO Caracter clvilisador das missões. Habilitações dos missionários. Zélo dos nossos monarchas pela propagação da fé. — As or- dens religiosas na índia. Os franciscanos, os dominicanos e os jesuítas. — Rápidos progressos da companhia no oriente. Virtudes e serviços apostólicos de S. Francisco Xavier. — Distribuição das missões pelas ordens religiosas. — Discór- dias dos franciscanos. Sua importância na historia do chris* tianismo da Asia. CreaçSo da província de S. Thomé. Rela- tOMO T 39 Digitized by Google 61U índice zaçSò dA antiga disciplina. ~ Estado das outras religiões. Systema repieheii8i?d dai oonTeraflea í^rçadas. Inunorali- dado garai— EiTDB doa jesuítas. Metbodos usados nas mis- aOes orientaes. Resnltadoa. — Politiea ezclnsiva no Japão e na China. Péssimas conse^ndas. — As christandades da índia 6 o seu numero. Excessos da companhia de Jesus. Almsos das outras ordena. Escândalos nos púlpitos. Corru- pção do dero secular . • . 189 CAPITULO líl-ÍNSTKUCÇÃO PUBLICA Imputação injusta do atrazo intellectual do reino ao governo hespanhoL — O ensino quasi exclusivamente eodesiastioa ^oranda. — A universidade de Lisboa. Os reinados de D. Manuel e de D. JoSo m. Transferencia doe estudoe para Coimbra. Lentes nacionaes e estrangeiros. — A oídem de S. Domingos. Esplendor da univessidade reformada. — A companhia de Jesus em Portugal OpposiçUo contra ella. Fa- vores da cdrte. Invasão dos estudos pda sociedade. — As universidades de Coimbra e de Évora no século xvi e na primeira metade do xvn. Faculdades e cadeiras. Regras dis- ciplinares.— Estado da instrucção. Frequência das aulaa. ín- dole do ensino. E£feitos da influencia jesuítica. 217 CiPlTULO IV— ESTADO DAS SCnSNCIAS E DAS LETRAS Corrupção do gosto. ImitaçSo clássica servil. Decadência das sciencias. A theologia, o direito civU e canónico, e a medi- cina. As humanidades. — Estado litterario. — A epocha de D. João 1. O século de D. Manuel. Sua cultura adiantada.— Gil Vicente e Bernardim Ribeiro. —A epopeia nacional. Luiz de Camões. — Estacionamento precursor da decadência. — As sciencias na primeira metade do século xvu. Varões emi- nentes. Invasflo do gongorismo. — Poemas heróicos posterio- res aos «Lusíadas». Poesia bucoiicA. Rodrigues Lobo. Poesia dramática. Sua esterilidade. Tragicomedias latinas. Pateos das comedias. Estudos históricos. Brandão e Couto. Prosa- dores distinctos • 247 ÍNDICE 611 LIVEO 11 FAB.TE IX— FORÇAS SOOIAES CAPITULO I-O CLERO Importância do estado eodesíastica Lutas nos primeiros seca* los dA moDarchia entre a corda e o clero.— A cúria roma- na. Concordatas de el-rei D. Diniz.— Politica dos soberanos do século XVI. Siía intima alliança com a igreja. Novos pri- vilégios. Subsídios eedesiasticos. Promessas de Filippe II ácerca dos bens do clero. — ^Viòleneias de Olivares. Grande accomuIaçSo de propriedades ecclesiasticas m» secuk» xn e xvn.— Roma e seus collectores. — Odio promado pek administração do conde dnqua Effeitos da exoessiTa ríqoeia do clero secular e regdar.— Conventos de freiras.. Occnpa- ç0es mundanas dos frades. A inquisição e sua influencia so- bre o caracter e os destinos do poya 307 CAPITULO 11 -A ríOBREZA Soas lelaçOies com a corda. Condições de existência. Ausência do systema feudal na sociedade portugneza. D.Diniz, D. Fer- nando e D. JoSo Serviço militar dos fidalgos e cavallei- ros. — Governo de AffonsoY.— Alliança de D. JoSo II com as classes medias. Luta e resistência da aristocracia. Victoria da auctoridade monarchica.— D. Manuel Reconciliação da corda com a nobreza. Os descobrimentos e as conquistas. — Reinados de D. JoSo IH e D. SebastiflO. O poder pessoal — Effeitos da unidade monarchica. CorrupçSo dos costumes. Degeneração do caracter. Catastrophe de 1578. Ruina das íamilias nobres. Gdrtes de Thomar. Pedidos dos fidalgos. Po- litica errada da Hespanha com elles 337 CAPITULO IIl-O REI, AS COHT£S fi OS AUXILIARES DO tiOVfiKNO Revolução operada nas instituições politicas pelos progressos da unidade monarchica.^ O poder real. As cdries. O prin- 89. Digitized by Google 61i liNDlCK cípio da hereditariedade da corda. —Parlamentos nacionaes. Epocba da entrada n'elles do estado popular. Caracter e at- tribníçOes das côrtes. Causas do* enfraquecimento de snas prerogativas. — Pòrma da eleiçSo e da legalísaçSo doa pode- res dos procuradores na segunda metade do século xti e na primeira do xvii. OpposiçSo secreta do poder real ao desen- volvimento da representação nadonaL-^ Novos princípios proclamados em 1641 . Formalidades nas deliberaç(Ses dos es- tados e relações d'elles entre si e com a ooróa. — O conse- lho politico dos monarchas nos séculos xv e xti. CreaçSo do conselho d*estado. Ftlippe II. Fundação do conselho de Por- tugal em Madrid. Pessoal d'elle. Funcções. Reformas por que passou. O conselho d'estado quasi annullado em Lisboa. Cau- sas da desorganisaçSo da administração superior. — Escri- vães da puridade. Secretarias d'estado. AttnbuiçOes espe- ciaes d'estes cargos e a sua influencia. Secretários. DívisSo dos negócios pelas secretarias. • 373 CAPITULO IV-lNSrirUiCOKS ADMIMblKATlVAS, JUDiClAtS E DS FAZENDA Divjs.io administrativa, judicial e ecclesiastica do reino em 1641.— Vários elementos de que nasceram as instituições. — As antigas correições e a reforma de D. João 111. ~ As mu- nicipalidades e 08 cargos dos concelhos. Os provedores e os contadores das comarcas. — Tríbunaes superiores. O desem- bargo do paço, a casa da supplicaçSo, a relação do Porto, a chancellaria mór e a mesa da consciência e ordens.— Trí- bunaes menores. Juízos da alfandega, da casa da índia, do eivei e do crime de Lisboa. Effeitos da subdivisão das ju- risdicçôes. Insufliciencia dos ordenados. Corrupção dos jul- gadores e dos officiaes de justiça. — Augmento dos vencimen- tos e imiii! idade d'elle. Consulta do conselho de Portugal em iOli'. -Estado da jurisprudência e do f(3ro. - Sjstema da adriiinistrarSo da fazenda. Cansas da sna complicai (;;lio. — Corisplho da fazenda. Casa dos contos. Antigas vedorias. Contadores e recebedores das comarcas. Tentativas de re- forma nas repartições snpnnores. — Imposto*; indirectos e sua administraçiio. Tribunal da alfandf^M. Sele rasas. Cas.i da índia.— Noticia das contribuições no século xvii. Dire- Digitized by Google l.NDICli: 613 cias. Jogadas e colheitas. Indirectas. Sizas. Tributos munici- paes de venda, coiisuino e transito. Npvos impostos, ('onsu- lado. Real sobre a carne e o vinho. Meia annata. Bonelieio do bagaço da azeitona. - Systema da arreiuatação das ren- das publicas. — lleceilas e despezas 41i LIVRO I PARTE X- INSTITUIÇÕES £ COSTUMES SOCIAES CAPITULO 1 — CAKllíADt; E FOLíLilA SAMTARIA Estabelecimentos de beneGcencia. Hospitaes. O de Todos os Santos. ^Misericórdias. A de Lisboa. — Serviço de saúde publica na capital. — Policia medica. — Mortalidade em Lis- boa.—Mendigos, vadios e ciganos. Providencias ácerca d'el- les. — Preço elevado das subsistências. — Pobreza geral 475 CAPITULO lI-SEíiUUANCA, CIV1L16AVAU t MELHORAMENTOS OiganísaçSo da policia em Lisboa. Crimes em diversas terras do reino. Sua impunidade. Desacatos e escândalos,— Falta de segorança.— Desaiios. Inutilidade dos meios repressi- vos.— Atraso da civilísaçfio em algumas de suas manifesta- ções. Estalagens. Correio mòr. Serviço das correspondências. Calçadas em Lisboa. Edificaçilo dc prédios. Abastecimento de aguas. T^itatívas para o melborar.— Rápido esboço do aspecto da cidade. O Terreiro do Paço e o Rocio. Ruas prín- cipaes. Palacios do rei. — A navegaçSo do Tejo nos fins do século XVI 601 CAPITULO m-LUXO. SUPERSTIÇÕES, tESTAS OFFICUES E RELIGIOSAS Corrupção dos costumes. Progressos assustadores do jogo. Ma- nifestações exageradas do luxo. Pragmáticas. Sua inefiElcacía. Quadro da ruinosa opulência dos gastos e adornos na pri- meira metade do século xvil Miséria occulta. Venalidades. — Ignorância quasi geral. — Superstições populares. Feiticeiros. Digitized by Google 614 ÍNDICE Penas dos códigos e das ooiisfcitiii{0es dos bispados eontra elles.— Recreais publicas. Recepções e festejos offidaes nos séculos xti e ztil Romarias e foncçSes leligiosas no se- culo xyo 623 CAPITULO 1? Conclusão 555 DOODVEMTOS ILLUUTKATIVOS I. Carta de D. Francisco de Almeida, referida no capitulo iv do livro m d'este volume 683 If. Carta notável de Martim AíTonso de Sousa, govemador da Índia, referida no capitulo iv do livro vn d'e8te volume . . . 605 Digitized by Google ■ 4 ERMTAS VAO. O.ÍDI SB lii LIIA-SI 9» tl eui 3 de dezembro de 1460 em 13 de novembro de 1460 195 V e ao cabo de loi^seefíirtos e Portugal ao cabo de Un^os esforços m 10 Portugal coiisenou intacta conservDu ial-actn 130 9 o Hyffí^lkril f 0 Achoai 0 Idaikan e u Achem á30 Í4 e 0 iljdelkan hHiuilliados e 0 Idalkau bumilLadOii 130 eontra o Hyddkan em Goa coatra o Idalkan em Ooa. «5 18 0 eiuiiio, 08 iMUneu 0 ensino dos bomens 270 16 e nas tbeoriaâ náuticas a nas tfwnri.is niaritimas 283 5 re>;nr-se a escoridio cegar- se de escuridão 459 9 repartida» repartidos 476 6 as flutentavan os snstantaTam (89 IS tinha doas baTiadiias 497 18 porque triumijliaram C4:im que triumpbararn SM 27 de (|ue podiam acomiianhar do que podia acompanliar-se 860 26 da Deus de Deuj * Digitizod by G<.jv.' .ic Digitized by Google Digitized by Google Digitized by Google BIBLIOTECA DE MONTSERRAT miiiiHiniiii 13020100028076 EBLIOTECA DE MONTSERRAT I Secció \J1. Formal O. Número. Digitized by Google Quais as vantagens da união entre o rei e a burguesia?A burguesia se beneficiou com a existência de uma só língua, uma só moeda e mais segurança nas transações comerciais. O rei também se beneficiou, pois obteve mais dinheiro, exército e poder em suas mãos.
Por que o rei fez aliança com a burguesia?A aliança entre a burguesia e os reis foi fundamental para a formação das monarquias nacionais na Europa. Com a ajuda financeira da burguesia os reis montaram um exército e conseguiram impor o seu poder sobre os nobres.
Quais as vantagens obtidas pela burguesia ao firmar a aliança com o rei?Benefício para a expansão do comércio, o fortalecimento do Estado-nação, por seu turno, induzia ao aumento dos impostos para o pagamento de exércitos profissionais, do corpo jurídico, da máquina administrativa e, em alguns casos, para comprar a submissão e a fidelidade da nobreza ao rei.
Quais as vantagens para a burguesia?Necessitando do pagamento de mais impostos para expandir a máquina administrativa dos reinos que se centralizavam politicamente, os reis se aliariam com a burguesia ao promover a economia mercantil; bastante importante, neste sentido, seria o incentivo feito à manutenção de rotas comerciais dentro e fora do continente ...
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