Por que Kant compara sua filosofia a revolução iniciada por Copérnico na astronomia?

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Revolução copernicana é o nome que se dá à profunda transformação na concepção do universo, ocorrida no início da Idade Moderna, com a proposição de um sistema planetário heliocêntrico (“centrado no Sol”, da palavra grega para Sol, helios) em lugar do modelo geocêntrico (“centrado na Terra”, da palavra grega para Terra, geo). Diz-se “copernicana” porque tal revolução científica foi iniciada pelo trabalho do astrônomo e cônego polonês Nicolau Copérnico (1473-1543), o primeiro a propor um modelo heliocêntrico com detalhes matemáticos bem desenvolvidos.

É importante ressaltar que é justamente a presença de desenvolvimento matemático no modelo proposto por Copérnico que justifica o pioneirismo a ele atribuído. Muitos séculos antes do período da revolução copernicana, a ideia de um universo centrado no Sol já havia sido apresentada pelo astrônomo e matemático grego Aristarco de Samos (310 a.C. - 230 a.C.), sem aceitação, no entanto, por parte de seus contemporâneos. A proposição de Copérnico ganhou substância graças à sua adequada fundamentação matemática e ao progresso científico subsequente.

Até o século XVI, a visão de que a Terra estava posicionada no centro do universo era predominante. O que se entendia por universo, aliás, era um conjunto de astros muito limitado em relação ao que compreendemos hoje; como ainda não havia sido inventado o telescópio, os astros conhecidos restringiam-se ao que podia ser observado a olho nu. Assim, o universo era considerado composto apenas pela Terra, no centro, envolta por várias esferas cristalinas invisíveis onde se moviam cada um dos demais astros conhecidos: Lua, Mercúrio, Vênus, Sol, Marte, Júpiter, Saturno e estrelas fixas – nesta ordem. Esse modelo geocêntrico, sistematizado ainda no século II pelo astrônomo e matemático Ptolomeu, era ensinado como padrão e oficializado pela instituição mais poderosa da Idade Média, a Igreja Católica, característica que o classificava como intocável em uma das épocas mais conservadoras de toda a história.

Copérnico, ele próprio religioso e sabedor das dificuldades que as novas ideias encontravam na sociedade de sua época, foi bastante cauteloso ao introduzir o modelo heliocêntrico. Em 1530, escreveu um manuscrito que não chegou a ser publicado, o Commentariolus, em que apresentava um esboço de seu modelo. Nele, o Sol era posto no centro do universo e, em torno dele, giravam todos os planetas, inclusive a Terra, que tinha, por sua vez, a Lua ao seu redor. Graças à medição das distâncias planetárias, tornada possível no sistema copernicano, a ordem dos planetas a partir do Sol foi corretamente estabelecida – Mercúrio, Vênus, Terra, Marte, Júpiter e Saturno –, com as estrelas fixas mantidas como os astros mais distantes do universo. As ideias de Copérnico em sua forma final apenas se tornaram públicas no ano de sua morte, em 1543, quando sua obra De Revolutionibus Orbium Coelestium foi publicada.

A consagração do modelo de universo proposto por Copérnico veio ao longo do século seguinte, quando Galileu Galilei, em 1610, reuniu evidências do heliocentrismo através de observações astronômicas realizadas com telescópios; quando Johannes Kepler, entre 1609 e 1619, obteve as leis do movimento planetário e fez cálculos precisos das posições dos astros usando órbitas heliocêntricas; e quando Isaac Newton, em 1687, explicou corretamente o movimento dos planetas em torno do Sol ao enunciar a lei da gravitação universal. Ao final do século XVII, a concepção de universo inaugurada pela revolução copernicana mostrava-se incontestável diante da observação da natureza.

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Texto originalmente publicado em https://www.infoescola.com/astronomia/revolucao-copernicana/

Autores

  • RODRIGO RAMOS Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN)

DOI:

https://doi.org/10.7443/problemata.v9i4.39752

Palavras-chave:

Copérnico, Astronomia, Kant, Metafísica, Revolução.

Resumo

No presente trabalho será abordada a referência à obra de Copérnico realizada por Immanuel Kant no Prefácio à Segunda Edição da Crítica da Razão Pura, publicada em 1787. A referência em foco aparece em dois momentos do Prefácio, às páginas XVI-XVII e em uma nota à página XXII e diz respeito à revolução operada por Copérnico no domínio da Astronomia. No intuito de lançar luz sobre a revolução de pensamento que estava em jogo em sua obra, Kant concebeu e se serviu da comparação entre a revolução de Copérnico no domínio da Astronomia e a sua revolução no domínio da Metafísica, valendo-se de tal paralelo para pôr em evidência a identidade na alteridade e destacar o elemento comum nas diferentes revoluções.Considerando a relevância dessa comparação, assumiu-se a tarefa de abordá-la na esperança de que o que se tem a dizer sobre esse assunto venha a contribuir no esclarecimento de tal paralelo, tão cuidadosamente pensado por Kant a fim de esclarecer sobre a revolução que estava em jogo em sua Crítica da Razão Pura, obra que inaugurou uma nova etapa de seu empreendimento filosófico.A ideia norteadora do presente trabalho foi a de tentar compreender melhor a referência a Copérnico resgatando na obra do astrônomo polonês o ponto chave de sua Revolução no domínio da Astronomia, pois foi a identidade que vem à luz através dessa analogia que precisamente Kant pretendeu, por procedimento comparativo, por em evidência. Portanto, o primeiro passo foi compreender o essencial e inédito na revolução operada por Nicolau Copérnico no domínio da Astronomia. Em seguida, tratou-se de explicitar o elemento em comum entre a revolução operada por Copérnico e aquela levada a cabo por Kant no domínio da Filosofia.

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Biografia do Autor

RODRIGO RAMOS, Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN)

Rodrigo Ramos é bacharel, licenciado e mestre em Filosofia pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Atualmente, está cursando doutorado na UFSC, atua como membro do grupo Fritz Müller-Desterro de Estudos em Filosofia e História da Biologia e leciona Filosofia no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN).

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Por que Kant compara sua filosofia a revolução iniciada por Copérnico na astronomia?

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Em que sentido a revolução causada por Kant no âmbito da filosofia pode ser compara a causada por Copérnico na astronomia?

Resposta verificada por especialistas A revolução causada pelo pensamento de Kant se compara aquela promovida pelas ideias de Copérnico na medida em que mudaram o próprio modo como concebíamos coisas que até então pareciam óbvias.

Por que Kant revolucionou a filosofia?

O idealismo transcendental kantiano construiu uma complexa teia de conceitos para explicar que nem o empirismo estava certo e nem o racionalismo explicava plenamente o conhecimento humano. Para Kant, o conhecimento é obtido com base na percepção do que ele chamou de “coisa em si”, que é o objeto.

Em que consiste a Revolução Copernicana operada por Kant por que para Kant a metafísica seria impossível de um ponto de vista da pura razão?

Resposta final: A revolução copernicana de Kant foi a mudança do centro das questões sobre a natureza do conhecimento, colocando o sujeito como ponto de partida para o conhecimento e não mais os objetos. A metafísica também só seria possível através dos sujeitos.

O que foi a Revolução Copernicana na astronomia?

Revolução copernicana é o nome que se dá à profunda transformação na concepção do universo, ocorrida no início da Idade Moderna, com a proposição de um sistema planetário heliocêntrico (“centrado no Sol”, da palavra grega para Sol, helios) em lugar do modelo geocêntrico (“centrado na Terra”, da palavra grega para Terra ...