O que pode ser feito para preservar as culturas indígenas e quilombolas?

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito, do Centro Universitário Curitiba.

Orientador: Profa. Ms. Katya Regina Isaguirre Torres

Monografia aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito da Faculdade de Direito de Curitiba, pela Banca Examinadora formada pelos professores:

Profa. Ms. Katya Regina Isaguirre Torres
Orientadora
Prof. Membro da Banca
Curitiba, julho de de 2009.

Aos indígenas, por viverem na luta em
manter viva a mãe natureza e a riqueza
de sua cultura.

AGRADECIMENTOS

Primeiro, quero agradecer a Deus, pois sem ele nada disso estaria acontecendo em minha vida.
Agradeço às pessoas que amo, à minha mãe por me ensinar a conquistar e a não esmorecer com as pedras do caminho, à minha avó por todas as orações e carinho, ao meu avô por todas as mensagens de “boa sorte” de todas as manhãs, ao meu tio por simplesmente ser um pai para mim, à minha tia por me ensinar sempre, por mais difícil que seja de acreditar, que nada acontece por acaso, à minha “prima-irmã” por sempre estar pronta a me ajudar e ao Carlos Vinicius, o maior presente que a faculdade me deu.
Agradeço a todos os meus amigos, os antigos e os novos conquistados, por todo o apoio e paciência.
Agradeço ao meu estágio no CAOP de Proteção às Comunidades Indígenas, onde tive a oportunidade de conhecer o Dr. Luiz Eduardo Canto de Azevedo Bueno, que com seu amor à causa indígena, despertou em mim a vontade de estudá-la.
Agradeço ainda ao incentivo da Cleusa de Souza, ao apoio do grande indigenista Edívio Battistelli e de todos aqueles que contribuíram para este trabalho, em especial à Francine Hakim Leal, quem me emprestou seus livros para a realização da minha pesquisa.
Agradeço à Profa. Katya Isaguirre Torres, quem me deu auxílio inestimável para a conclusão deste trabalho.
E por fim, não poderia deixar de agradecer à Profª. Dra. Gisela Maria Bester, exemplo de garra e dedicação, que pela sua luta diária torna seus alunos pessoas insaciáveis na busca do conhecimento e na busca de fazer sempre o melhor.

"A força indígena vem da cultura, da espiritualidade e da sua terra. Um povo que não tem cultura, não tem identidade. Um povo sem espiritualidade, não conhece a natureza. Um povo que não tem terra, morre!".
(Marcos Terena)

RESUMO

Desde a colonização européia na América Latina, os indígenas vêm sofrendo problemas sociais. Estes, por sua vez, foram aumentando com o passar dos anos, juntamente com a progressiva degradação do meio ambiente. O presente trabalho demonstra a importância do meio ambiente para o indígena e aborda os principais problemas sociais que as comunidades indígenas enfrentam nos dias atuais, explicando que estão diretamente ligados com a diminuição de suas terras e com a destruição da natureza. Assim, como forma de contribuir para a melhoria da qualidade de vida dos indígenas, explica-se o Direito Socioambiental, pois este, dentre outras finalidades, visa proteger o meio ambiente, bem como os indígenas. Ademais, a fim de estudar novas políticas públicas, explica-se o etnodesenvolvimento, por ser o melhor método de desenvolver as comunidades indígenas dentro de suas perspectivas tradicionais e culturais, protegendo a diversidade biológica e cultural.

Palavras-chave: indígenas, meio ambiente, direito socioambiental, etnodesenvolvimento.
LISTA DE SIGLAS

CIMI – Conselho Indigenista Missionário

CDB – Convenção sobre Diversidade Biológica

COHAPAR – Companhia de Habitação do Paraná

CPI – Comissão Parlamentar de Inquérito

FUNAI – Fundação Nacional do Índio

FUNASA – Fundação Nacional da Saúde

ISA – Instituto Socioambiental

OIT – Organização Internacional do Trabalho

ONU – Organização das Nações Unidas

SPI – Serviço de Proteção ao Índio

UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura
SUMÁRIO

RESUMO 6
LISTA DE SIGLAS 7
1 INTRODUÇÃO 10
2 BREVE HISTÓRICO DA COLONIZAÇÃO EUROPÉIA NA AMÉRICA DO SUL 12
2.1 CONTEXTO DA EUROPA NO FIM DO SÉCULO XV 12
2.1.1 A Situação de Portugal 13
2.1.2 A Situação da Espanha 14
2.1.3 O Início das Grandes Navegações Rumo à América 15
2.1.3.1 A chegada dos espanhóis na América 16
2.1.3.1.1 Os massacres contra os indígenas durante o século XVI na América Espanhola 18
2.1.3.2 A “descoberta” do Brasil 21
2.1.3.2.1 A chegada dos portugueses no Brasil 21
2.2 OS INDÍGENAS BRASILEIROS ANTES DA CONQUISTA PORTUGUESA 22
2.2.1 As conseqüências da conquista para os indígenas 24
2.3 AS MISSÕES JESUÍTICAS 25
3 O INDÍGENA NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA 28
3.1 A CRIAÇÃO DO SERVIÇO DE PROTEÇÃO AO ÍNDIO 28
3.2 O ESTATUTO DO ÍNDIO 31
3.2.1 Os índios e a Política do Integracionismo 33
3.3 BREVE ANÁLISE DAS CONSTITUIÇÕES FEDERAIS DA REPÚBLICA ANTERIORES À DE 1988 34
3.4 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 35
3.5 INTRUMENTOS INTERNACIONAIS 37
3.5.1 Convenção 169 da OIT 37
3.5.2 Declaração das Nações Unidas Sobre Direitos dos Povos Indígenas 39
4 AS COMUNIDADES INDÍGENAS E AS PROBLEMÁTICAS ATUAIS 41
4.1 DEGRADAÇÃO DO MEIO AMBIENTE E A RELAÇÃO COM OS PROBLEMAS DAS COMUNIDADES INDÍGENAS 41
4.1.1 Construção de rodovias e hidroelétricas 43
4.1.2 Intensificação da Agropecuária 45
4.2 O INDÍGENA EM RELAÇÃO HARMONIOSA COM A NATUREZA 46
4.2.1 Privação do Uso da Terra 48
4.2.2 Políticas Assistencialistas 49
4.3 PROBLEMAS ATUAIS 50
4.3.1 Alcoolismo 50
4.3.2 Suicídio 52
4.3.3 Desnutrição 53
5 DIREITO SOCIOAMBIENTAL E ETNODESENVOLVIMENTO 55
5.1 SURGIMENTO DO DIREITO SOCIOAMBIENTAL 55
5.1.1 Convenção sobre Diversidade Biológica 59
5.2 ETNODESENVOLVIMENTO 61
5.2.1 Aplicação da Convenção 169 da OIT para o etnodesenvolvimento das Comunidades Indígenas 63
5.3 POLÍTICAS PÚBLICAS 64
5.3.1 Projeto Cultivando Água Boa 65
5.3.2 Projeto Waimiri-Atroari 68
6 CONCLUSÃO 71
REFERÊNCIAS..........................................................................................................73
ANEXO 80

1 INTRODUÇÃO

Este trabalho pretende abordar a proteção da diversidade biológica e cultural das comunidades indígenas a partir do estudo do Direito Socioambiental e do Etnodesenvolvimento.
Por meio de apontamentos históricos da desigualdade humana, com enfoque na questão indígena, mostrar-se-á a degradação da cultura indígena com o passar dos anos, demonstrando, por outro lado, que os silvícolas necessitam das terras para a subsistência e para a defesa de seus costumes, no intuito de garantir a conservação de sua cultura, ressaltando que os silvícolas não degradam o meio ambiente, mas tão somente fazem uso da terra, da água e da floresta para a sua subsistência, em harmonia com a preservação do meio em que vivem.
Discorrer-se-á também sobre os principais problemas que as comunidades indígenas enfrentam, de como eles foram ocasionados e as possíveis formas de solucioná-los.
A presente pesquisa pretende, do mesmo modo, destacar a importância da promulgação da Constituição Federal de 1988 para as culturas indígenas no Brasil, quando o discurso de proteção com a prática do integracionismo foi substituído pelo reconhecimento da diversidade cultural destes povos.
Para isto, a presente pesquisa está dividida em quatro capítulos, da seguinte forma:
No primeiro capítulo buscar-se-á analisar o contexto da Europa no fim do século XV e os motivos pelos quais a Espanha e Portugal chegaram à América. Serão estudados alguns dos massacres contra os indígenas no período colonial e também sobre as Missões Jesuíticas, que para muitos foram uma forma de proteção ao índio e para outros foi mais uma das demonstrações de repúdio à cultura indígena.
No segundo capítulo será realizado breve estudo acerca da evolução histórica da legislação indigenista, bem como sobre a Política do Integracionismo, apontando as Constituições Federais, a criação do Serviço de Proteção ao Índio, a outorga da Lei 6001/73 (Estatuto do Índio), assim como dos instrumentos internacionais, a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho e a Declaração das Nações Unidas sobre Direito dos Povos Indígenas.
O terceiro capítulo visa analisar as problemáticas atuais das comunidades indígenas, buscando compreender o motivo pelo qual estes povos sofrem com problemas sociais, fazendo ao mesmo tempo estudo de como a degradação ambiental contribuiu para a formação destes problemas.
Assim, no quarto capítulo será estudado o conceito e o surgimento do Direito Socioambiental e do Etnodesenvolvimento, abordando de que forma eles podem ser ricas formas de proteção das comunidades indígenas. Assim, estudar-se-á também que a Convenção sobre a Diversidade Biológica é um dos meios legais para a aplicação do Direito Socioambiental, assim como a Convenção 169 da OIT é o instrumento legal que aplica na prática o Direito Socioambiental e o Etnodesenvolvimento. Neste mesmo capítulo serão estudados dois projetos que englobam os princípios do Direito Socioambiental, bem como do Etnodesenvolvimento, quais sejam o Projeto Cultivando Água Boa e o Projeto Waimiri-Atroari.

2 BREVE HISTÓRICO DA COLONIZAÇÃO EUROPÉIA NA AMÉRICA DO SUL

2.1 CONTEXTO DA EUROPA NO FIM DO SÉCULO XV

No fim da Idade Média a Europa passou por diversas crises ligadas às pestes e às guerras. Os Países foram sendo despovoados e não havia desenvolvimento econômico tampouco social. Segundo Élisabeth Carpentier e Jean Pierre Arrignon, este período foi o:

Fim de um mundo antigo e princípio de um mundo novo. Nos séculos XIV e XV, a fisionomia da Europa transformou-se. Pestes, guerras, recessões e conquistas otomanas arruinaram o equilíbrio antigo, destruíram o Império Bizantino e abalaram os poderes que estavam aparecendo; no interior das cidades que polarizavam a rede econômica, e sob a autoridade do Príncipe que veio informar o Estado moderno, despontava já a aurora de um Renascimento.

Com o fim das crises, a Europa iniciou, durante o século XV, o período moderno, com avanço populacional, aumento das classes burguesas, bem como com o desenvolvimento das trocas comerciais. Para estas trocas eram utilizados os metais, como o ouro, a prata e o cobre. Todavia, o metal utilizado para fazer as grandes trocas comerciais, o ouro, começou a ficar escasso. Assim, o desenvolvimento econômico que os Reis pretendiam começou a não ser mais possível por conta deste fato.
Durante tal época, os principais produtos comercializados pela nobreza e pela burguesia européia eram as especiarias, ou seja, condimentos usados na culinária para proporcionar sabor diferenciado na comida, ou ainda, utilizados na fabricação de perfumes, óleos e medicamentos, como a pimenta, a noz-moscada, o gengibre, a canela e o cravo. Porém, devido ao clima europeu, estes produtos não eram cultivados naquele Continente, sendo então necessário importá-los da Ásia por meio das navegações.
Como precisavam conquistar novos espaços para conseguir as especiarias, também era necessário o ouro, como informa Alan Absire:

Ávidos de ouro, ei-los pois o caminho para encher os cofres desse metal precioso. Tudo porque falta ouro, porque o menos acidente, um contrato não cumprido, uma crise de confiança nos sistemas monetários de troca fundados na palavra ameaçavam as estruturas de todo edifício ocidental. Sem compromissos com o absoluto, a única conquista é a do ouro e do poder que lhe confere.

Portanto, era preciso iniciar o processo de conquistas para os Países europeus conseguirem a principal fonte de poder e de riquezas: o ouro.

2.1.1 A Situação de Portugal

Neste período, Portugal era um dos Países europeus com maior desenvolvimento, haja vista ter sido o primeiro País a centralizar o poder, a ascender a burguesia e a criar uma Escola de Navegações. Esta, a Escola de Sagres, foi criada em 1417, no município de Sagres, reunindo vários navegadores, cartógrafos, marinheiros e cosmógrafos, a fim de desenvolver conhecimentos no campo marítimo para as navegações realizadas à Ásia em busca das especiarias.
Então, somadas as questões da falta de metais na Europa, o alto conhecimento dos portugueses na navegação e o desenvolvimento do País, Portugal estava preparado para iniciar as Grandes Navegações. É o que demonstra o Professor de História Moderna da Oxford University, J. H. Elliot:

A nova dinastia mantinha vínculos estreitos com proeminentes comerciantes e era sensível à preocupação que revelavam com a aquisição de novos mercados e de novas fontes de suprimentos de corantes, ouro, açúcar e escravos. Mas aventuras ultramarinas de Portugal no fim do Século XV também eram guiadas por outros interesses, às vezes contraditórios. A nobreza procurava no ultramar novas terras e novas fontes de riquezas.

Assim sendo, consoante o mesmo autor, Portugal já em 1460 penetrou cerca de 2500 quilômetros na costa oeste da África e avançou para o Atlântico, estabelecendo sua presença nas ilhas de Madeira, dos Açores e de Cabo Verde.

2.1.2 A Situação da Espanha

A Espanha, por sua vez, com o fim da Guerra da Reconquista, em 1492, que expulsou os mouros da Península Ibérica, passou a ter suas cidades abertas para vastas perspectivas comerciais, conforme foi explicado por Elliot:

A Reconquista – o grande movimento dos reinos cristãos da Península Ibérica para o sul, para regiões mantidas pelos mouros – ilustra um pouco a ampla gama de possibilidades nas quais se poderiam buscar precedentes. Travada ao longo da fronteira que dividia o Cristianismo do Islã, a Reconquista foi uma guerra que ampliou os limites da fé. Foi também uma guerra em busca de expansão territorial, conduzida e regulamentada, mesmo que nem sempre controlada, pela coroa espanhola e pelas grandes ordens religioso-militares, que no processo, obtinha vassalos junto com vastas áreas de terra. Foi uma típica guerra de fronteira, numa tática de ataques e específicos em busca de saques fáceis, oferecendo oportunidades de lucro com resgates e escambos, e de recompensas mais intangíveis, como honra e fama.

Com o fim desta fase, os espanhóis não possuíam mais a problemática dos saques e do clima de guerra, então estavam finalmente dispostos a avançar a economia e a se desenvolver. Por isso é que, baseados na experiência de Portugal de avançar o além-mar, a Espanha, em 1492, mesmo ano em que encerrou a referida Guerra, decidiu iniciar as navegações.

2.1.3 O Início das Grandes Navegações Rumo à América

Cristóvão Colombo, genovês, conheceu o mar com quatorze anos e participou de expedições marítimas comerciais nas quais os comerciantes genovenses vendiam lã e compravam açúcar e especiarias. Desta forma, aprendeu a navegar e passou a interessar-se pela cartografia. A partir de então, gestou a idéia de alcançar o “fim do Oriente.” Para isso, passou a ser exímio conhecedor das navegações e começou a traçar uma rota de navegação, passando do Oriente ao Ocidente pelo Oceano Pacífico, como elucida Fredéric Mauro:

A sua nova profissão predispõe-no para investigações eruditas. Lê muito: a geografia de Ptolomeu, por exemplo. O manuscrito do astrônomo alexandrino (século II d. C.) fora reencontrado no começo do século XV: descrevia o mundo conhecido dando, para todos estes lugares, as suas coordenadas em graus; a edição em princeps, utilizada por Colombo, possuía 27 cartas. Apoiando-se em Aristóteles, afirma a esfericidade da Terra e pretende que mesmo oceano banha as costas da Espanha e as da Ásia, o que leva Colombo a tentar calcular a largura deste oceano. A sua conclusão; ‘entre o fim do Oriente e o fim do Ocidente não existe mais que um pequeno mar.

A Espanha, que estava disposta a iniciar as navegações, decidiu apoiar a idéia de Cristóvão Colombo, por meio da Rainha Isabel de Castela. François Lebrun narra este fato, até a data em que Colombo partiu das terras européias:

Cristóvão Colombo, supondo – mas erroneamente – que o Japão e a China se encontravam perto da Europa, pensou, por sua vez, que seria possível atingi-los directamente navegando para oeste. Convenceu Isabel de Castela do interesse do seu projecto e a rainha aceitou financiar-lhe a expedição. Colombo partiu a 3 de agosto de 1492 com três caravelas, fez-se a oeste e alcançou terra a 12 de outubro, persuadido de ter chegado à Ásia. Tinha, porém, desembarcado numa das ilhas Bahamas, num ponto a que depois se chamou de San Salvador. Durante as três viagens que depois realizou, tocou em algumas das Antilhas e também no litoral do próprio continente americano. Morreu em 1506 em Valladolid sem suspeitar, ao que parece, que não havia chegado às Índias da Ásia mas que, em vez disso, tinha descoberto um mundo até então desconhecido pelos Europeus. No entanto, depressa a verdade veio à tona e no ano de 1507 um cartógrafo baptizava esse novo mundo com o nome de América – do nome de um navegador que sucedeu a Colombo, Amerigo Vespucci.

Desta forma, pela primeira vez os europeus chegaram à América e então iniciou-se o processo de conquista do denominado “Novo Mundo”.

2.1.3.1 A chegada dos espanhóis na América

O Frei espanhol Bartolomé de Las Casas acompanhou a conquista espanhola da América e descreveu os primeiros contatos:

As Índias foram descobertas no ano de mil e quatrocentos e noventa e dois e povoadas pelos espanhóis no ano seguinte. A primeira terra em que entraram para habitá-la foi a grande e mui fértil Ilha Espanhola ; essa ilha tem seiscentas léguas de circuito. Há ao redor dela e nos seus confins, outras grandes e infinitas ilhas que vimos povoadas e cheias de seus habitantes naturais, o mais que o possa ser qualquer outro País no mundo. A terra firme, que está desta ilha à uma distância de 250 léguas, ou mais, tem de costa marítima mais de 10 mil léguas descobertas e outras se descobrem todos os dias, todas cheias de gente como um formigueiro de formigas. De tal modo que Deus parece ter colocado nesse País o abismo ou a maior quantidade de todo gênero humano.

O gênero humano que o Frei espanhol cita são os chamados indígenas. Deram este nome aos habitantes do Novo Mundo por acreditarem que estavam em terras Indianas.
Carlos Frederico Marés de Souza Filho conta que os europeus sabiam da existência de pessoas naquela região, todavia acreditavam serem pessoas selvagens e indignas, como se segue:

As novas terras de América foram achadas, ou descobertas como se diz hoje, em momento de expansão européia e, provavelmente, já se sabia não só de sua existência, como de homens e mulheres vivendo. Os primeiros relatos não expressam surpresa com o encontro de gentes, mas com seus costumes, sua beleza e sua mansidão. Seguramente a idéia que se fazia na Europa era de homens e mulheres selvagens, violentos e desumanos, praticamente animais. Todos os primeiros relatos são pródigos de elogios à terra e às gentes e não se cansam de enaltecer a humanidade dos habitantes, inclusive sua beleza física, sua saúde e solidariedade.

Assim, os europeus estavam diante de um cenário oposto àquele que imaginaram, haja vista estarem diante de criaturas não selvagens e totalmente ligadas com a natureza e com os homens, como narrou Jean-Jacques Rousseau:

A terra, abandonada à sua fertilidade natural e coberta de florestas imensas que o machado jamais mutilou, oferece a cada passo celeiros e abrigos aos animais de toda espécie. Os homens, dispersos entre eles, observam, imitam sua indústria e se elevam, assim, até ao instinto das feras; com a vantagem de que cada espécie só tem o seu próprio, e o homem, não tendo talvez nenhum que lhe pertença, se apropria de todos, nutre-se ele igualmente da maior parte dos alimentos diversos partilhado entre os outros animais e encontra por conseguinte sua subsistência mais facilmente do que qualquer dos outros.

Todavia, apesar de ser um ambiente com uma diversidade biológica muito elevada, o ouro que os espanhóis tanto buscavam era encontrado em pouca quantidade. Assim, Cristóvão Colombo decidiu começar a levar os habitantes que viviam naquelas terras, os chamados de indígenas, para a Europa para serem comercializados como escravos, consoante leciona Elliot:

Esse sonho logo se esfaleceu. A quantidade de ouro que devia provir do escambo com os índios revelou-se bastante desapontadora, e Colombo, ancioso por justificar os investimentos a seus soberanos, tentou complementar a insuficiência com outra mercadoria atraente, os próprios índios. Ao enviar índios caraíbas para a Espanha para serem vendidos como escravos, Colombo colocou de forma aguda uma questão que iria dominar a história da Espanha na América nos cinqüenta anos seguintes: o status a atribuir à população indígena.

Desta forma, iniciaram-se os massacres contra os indígenas, que se perduraram por centenas de anos.

2.1.3.1.1 Os massacres contra os indígenas durante o século XVI na América Espanhola
Com a chegada dos espanhóis, os indígenas transformaram seu modo de vida, haja vista que viviam em uma mesma rotina há milhares de anos, a qual se transformou em algumas horas, como ensina Nathan Wachtel:

O trauma da conquista não se limitava ao impacto psicológico da chegada do homem branco da derrota dos antigos deuses. O governo espanhol, ao mesmo tempo em que fazia uso das instituições nativas, realizava sua desintegração, deixando apenas estruturas parciais que sobreviveram fora do contexto relativamente coerente que lhes havia dado sentido. As conseqüências destrutivas da conquista afetaram as sociedades nativas em todos os níveis: demográficos, econômico, social e ideológico.

Além da transformação da rotina, os indígenas passaram a ser perseguidos, ganharam novas doenças, às quais não tinham imunidade, foram torturados e muitos levados como escravos para o continente europeu.
Os espanhóis conquistaram a América de forma extremamente violenta. Em alguns Países, como o Peru, havia grande quantidade de ouro, como relatou Júlio Verne:

A região era povoada; mas o que seduziu sobretudo os espanhóis, e o que os fez acreditar que tinham chegado ao País maravilhoso de que tinham falar, era a abundância de ouro e prata, metais que eram usados não só nas roupas e enfeites dos habitantes, mas também em vasos e utensílios comuns.

Por esta razão massacraram os indígenas, a fim de apoderarem-se de todo o seu ouro. Eles eram submetidos a trabalhos forçados e algumas etnias foram dizimadas pelas guerras, pelas doenças e pelos massacres, como narram Flávio de Campos e Renan Garcia Miranda:

O descobrimento das ricas minas de ouro e prata no México e Peru impulsionou a conquista da América pelos espanhóis. Entre 1519 e 1540, praticamente todo território continental da América Central estava em mãos dos espanhóis. Em meados do século XVI havia cerca de 100 mil europeus na América espanhola. Uma associação desigual definiu a conquista espanhola. O estabelecimento do trabalho forçado, as doenças, as guerras e os massacres dizimaram a população indígena.

Os indígenas não eram escravizados, mas eram considerados encomiendas, ou seja, passaram a ser “encomendados” aos conquistadores e colonizadores para serem catequizados. Em troca dos ensinamentos religiosos eles deviam trabalhar constantemente e de forma não remunerada em suas próprias terras.
O Frei espanhol Bartolomé de Las Casas foi para a América a fim de ser um encomiendeiro, porém acabou se transformando em um dos maiores protetores dos indígenas, conforme ensina Eduardo Bueno:

Em 1511, de regresso à Ilha Espanhola, depois de uma estadia de quatro anos na Espanha, recebeu na localidade de índios, tornando-se assim encomiendero. Foi nessa condição que escutou o sermão de Antônio de Montesinos (cujos protestos, meses depois, foram calados por ordem do superior dominicano Alonso de Loyasa). Apesar de profundamente abatido pela prédica de Montesinos, Las Casas deu prosseguimento a sua vida de descobridor conquistador. Dois anos mais tarde, participou da conquista de Cuba, comandada por Diego Velásquez e Panfilo de Narvaéz. Durante os combates, Narvaéz mandou degolar sete mil índios nas proximidades de Caonao. Depois dessa conquista, Las Casas recebeu novas porções de terra e outro repartimiento de índios, em Jaguá, Cuba. Foi durante sua residência de um ano na ilha que tomou a decisão de abandonar suas posses, seus lotes de escravos e consagrar sua vida à defesa dos indígenas do Novo Mundo.

Portanto, passou a dedicar sua vida em prol dos indígenas. Começou a ser chamado de “Apóstolo dos Índios”, ou “defensor e protetor universal de todos os indígenas”, como se autodenominava. Escreveu diversas obras acerca dos massacres contra estes povos. Uma de suas principais obras foi “Brevíssima Relação da Destruição das Índias”, em que narra diversas mortandades, entre elas a que se segue:

Certa vez, os índios vinham ao nosso encontro para nos receber, à distância de dez léguas de uma grande vila, com víveres e viandas delicadas e toda espécie de outras demonstrações de carinho. E tendo chegado ao lugar, deram-nos grande quantidade de peixe, de pão e de outras viandas, assim como tudo quanto puderam dar. Mas eis incontinenti que o Diabo se apodera dos espanhóis e que passam a fio da espada, na minha presença e sem causa alguma, mais de três mil pessoas, homens, mulheres e crianças, que estavam sentadas diante de nós. Eu vi ali tão grande crueldades que nunca nenhum homem vivo poderá ter visto semelhantes.

No contexto dos massacres, muitas etnias indígenas da América espanhola foram destruídas, como os Incas no Peru e os Astecas no México. Porém, Bartolomé de Las Casas foi um dos homens que evitou maiores barbáries na época colonial, vez que acreditava que todos, inclusive os indígenas, tinham de ter o direito à vida e à liberdade, como expõe Carlos Frederico Marés:

Bartolomé de Las Casas, a partir de um instrumento próprio, entendeu que cada povo, cada ser humano, tinha que ter sua chancela de viver como povo. Combateu a barbárie que foi a ocupação da América, o que fez com que ele se tornasse o fundador do Direito Internacional.(Informação Verbal)

2.1.3.2 A “descoberta” do Brasil

Impulsionados pelo capitalismo e com ganas de conquistar terras férteis e ricas, conforme já se explicou, Portugal passou a fazer navegações à Índia, tendo sido Vasco da Gama o principal navegador português que fazia tal rota. Todavia, em 1500, com elevado cansaço, decidiu confiar a rota a Pedro Álvares Cabral, um fidalgo e membro da casa real, como relata H. B Johnson:

A frota de Cabral, formada por treze navios, seguiu a rota de Vasco da Gama de Lisboa via Canárias até Cabo Verde, mas, após atravessar as calmarias, foi empurrada para oeste por ventos e correntes do Atlântico Sul e acabou por avistar, a 22 de abril de 1500, a costa brasileira perto de Porto Seguro atual.

Era, então, o primeiro contato dos europeus com terras brasileiras, sem eles saberem, no entanto, que estavam em uma terra que não era a Índia.

2.1.3.2.1 A chegada dos portugueses no Brasil

Em data de 22 de abril de 1500, Pedro Álvares Cabral avista terra no horizonte, a qual foi denominada de Monte Paschoal, local que hoje fica próximo de Porto Seguro, município do sul da Bahia, e então decide aportar naquelas terras, que passou a ser chamada de Vera Cruz e mais tarde tornou-se Brasil.
Pero Vaz de Caminha, escritor português e escrivão da armada de Pedro Álvares Cabral, ao chegar ao Brasil escreveu uma carta ao Rei Dom Manuel narrando a chegada ao Novo Mundo. Esta carta tornou-se o principal documento histórico do descobrimento do Brasil. Referido escritor narra com detalhes o local em que haviam acabado de chegar:

E assim seguimos nosso caminho, por este mar de longo, até que terça-feira das Oitavas de Páscoa, que foram 21 dias de abril, topamos alguns sinais de terra, estando da dita Ilha -- segundo os pilotos diziam, obra de 660 ou 670 léguas -- os quais eram muita quantidade de ervas compridas, a que os mareantes chamam botelho, e assim mesmo outras a que dão o nome de rabo-de-asno. E quarta-feira seguinte, pela manhã, topamos aves a que chamam furabuchos. Neste mesmo dia, a horas de véspera, houvemos vista de terra! A saber, primeiramente de um grande monte, muito alto e redondo; e de outras serras mais baixas ao sul dele; e de terra chã, com grandes arvoredos; ao qual monte alto o capitão pôs o nome de O Monte Pascoal e à terra A Terra de Vera Cruz!

2.2 OS INDÍGENAS BRASILEIROS ANTES DA CONQUISTA PORTUGUESA

Os povos indígenas que habitavam o Brasil antes da colonização portuguesa não possuíam escrita; assim, não existem documentos escritos que expliquem como eram essas comunidades antes do “descobrimento”, conforme explicam Flávio de Campos e Renan Garcia Miranda:

A forma de tentar reconstituir a vida dos nativos antes da chegada dos europeus é, por mais paradoxal que possa parecer, pelos relatos e crônicas escritos por esses mesmos europeus no período colonial. Como os povos indígenas da América portuguesa não desenvolveram a escrita, os principais documentos a respeito de sua história foram elaborados pelos conquistadores.

A partir de relatos dos descobridores e de estudiosos do período pode-se concluir a forma com que os indígenas viviam como sociedade.
Sabe-se que os indígenas não tinham a mesma visão capitalista dos europeus, haja vista que viviam em uma sociedade na qual não havia desigualdades, tampouco disputa de poder. Andreza Pierin ressalta que:

Essas sociedades desenvolveram formas particulares de manejo dos recursos naturais, que não visam diretamente o lucro, mas à reprodução cultural e social, além de percepções e representações em relação ao mundo natural, marcadas pela idéia de associação com a natureza e a dependência de seus ciclos. Os índios pertencem a uma sociedade cujo fim é a reprodução da solidariedade e não a acumulação de bens e lucro.

Portanto, estuda-se a forma de viver dos indígenas que habitavam o País naquela época a partir de relatos de descobridores, como os trechos da carta endereçada ao Rei D. Manuel escrita por Pero Vaz de Caminha:

Foram-se lá todos; e andaram entre eles. E segundo depois diziam, foram bem uma légua e meia a uma povoação, em que haveria nove ou dez casas, as quais diziam que eram tão compridas, cada uma, como esta nau capitaina. E eram de madeira, e das ilhargas de tábuas, e cobertas de palha, de razoável altura; e todas de um só espaço, sem repartição alguma, tinham de dentro muitos esteios; e de esteio a esteio uma rede atada com cabos em cada esteio, altas, em que dormiam. E de baixo, para se aquentarem, faziam seus fogos. E tinha cada casa duas portas pequenas, uma numa extremidade, e outra na oposta. E diziam que em cada casa se recolhiam trinta ou quarenta pessoas, e que assim os encontraram; e que lhes deram de comer dos alimentos que tinham, a saber muito inhame, e outras sementes que na terra dá, que eles comem. E como se fazia tarde fizeram-nos logo todos tornar; e não quiseram que lá ficasse nenhum. E ainda, segundo diziam, queriam vir com eles. Resgataram lá por cascavéis e outras coisinhas de pouco valor, que levavam, papagaios vermelhos, muito grandes e formosos, e dois verdes pequeninos, e carapuças de penas verdes, e um pano de penas de muitas cores, espécie de tecido assaz belo, segundo Vossa Alteza todas estas coisas verá, porque o Capitão vô-las há de mandar, segundo ele disse. E com isto vieram; e nós tornamo-nos às naus.

O texto acima exposto de Pero Vaz de Caminha demonstra a simplicidade e inocência dos povos indígenas.
Em consonância com a simplicidade e inocência colocadas por Pero Vaz de Caminha, Luiz Donizete Benzi Grupioni destaca alguns dos valores mais característicos das sociedades indígenas:

Sociedades indígenas são sociedades igualitárias, não estratificadas em classes sociais e sem distinções entre possuidores dos meios de produção e possuidores de força de trabalho. São sociedades que se reproduzem a partir da posse coletiva da terra e dos recursos nela existentes e da socialização do conhecimento básico indispensável à sobrevivência física e ao equilíbrio sócio-cultural dos seus membros.

Deste modo, a partir dos ensinamentos de Luiz Donizete Benzi Grupioni, pode-se concluir que os indígenas valorizavam a terra e não degradavam o meio ambiente, haja vista que este era o meio de sobrevivência das comunidades.
Boris Fausto exemplifica as atividades dos indígenas como sendo a caça, a pesca, a coleta de frutos, a agricultura, bem como o artesanato, sendo que todas estas atividades não eram em busca do lucro como nas sociedades capitalistas, porém o autor não acredita que eles possuíam consciência de proteger o meio ambiente. Todavia, afirma que:

De qualquer forma, não há dúvida de que, pelo alcance limitado de suas atividades e pela tecnologia rudimentar de que dispunham, estavam longe de produzir os efeitos devastadores da poluição de rios com mercúrio, ou da derrubada de florestas com motosserras, características das atividades dos brancos nos dias de hoje.

Verifica-se que os indígenas possuíam uma sociedade extremante diferente da sociedade européia, sendo que esta chegou ao Brasil com o intuito de obter riquezas e poder, enquanto que os indígenas somente utilizavam a terra, a água e caçavam para a sobrevivência da espécie.

2.2.1 As conseqüências da conquista para os indígenas

A partir da chegada dos portugueses no Brasil, a vida dos indígenas foi transformada. Além do cotidiano e dos costumes, começou a ser modificado também o meio ambiente, como esclarece Carlos Frederico Marés de Souza Filho:

Os europeus, especialmente os portugueses e espanhóis, chegaram na América como se estivessem praticando a expansão de suas fronteiras agrícolas. Foram chegando, extraindo as riquezas, devastando o solo e substituindo a natureza por outra, mais conhecida e dominada por eles. As populações locais viviam do que a aqui tinham, comiam milho ou mandioca, produziam biju, ricas carnes de animais nativos, aves ou peixes. Aos poucos foram introduzidas novas comidas, cabras, carneiros, queijos e novas plantas, cana-de-açúcar, café e beterraba. A introdução de novas essências não poupou nem mesmo as árvores e os frutos, a tal ponto de se dizer que a natureza foi substituída.

Diferente do que muitos contam, os indígenas, assim como os negros, foram escravizados. Darcy Ribeiro relata que eles eram caçados e apropriados pelos senhores para os servirem. Enquanto que o negro era utilizado para mão de obra mercantil e de exportação, o índio era utilizado para transportar cargas, para cultivar gêneros, preparar alimentos, para a caça e a pesca.
Desta forma o indígena passou a perder seu espaço e sua liberdade, ficando cada vez mais dependente do “homem branco”, o que ficou ainda mais marcado com a vinda dos Jesuítas, em meados do século XVI.

2.3 AS MISSÕES JESUÍTICAS

Quando iniciaram as Grandes Navegações, os europeus, além de objetivarem a busca por riquezas, tinham como finalidade catequizar um maior número de pessoas em diversos lugares do mundo.
Para o Brasil vieram os Jesuítas, que faziam parte da ordem religiosa “Companhia de Jesus”, consoante lições de Janete Burda:

A América recém descoberta, assim como o Brasil, tiveram a atenção de Santo Inácio de Loyola, que para cá enviou a primeira missão jesuítica: a de 1549 sob a chefia do Pe. Manoel da Nóbrega. A meta desta companhia era ministrar a educação religiosa, literária e científica aos novos povos, aos cristãos, através de seus ‘soldados’. Suas armas: a persuasão, a eloquência, o conhecimento da doutrina e uma fé inabalável .

Durante as Missões Jesuíticas, que marcaram os Séculos XVI e XVII, o Brasil tinha como premissa integrar o indígena nos moldes de uma Sociedade Cristã, fazendo com que ele perdesse suas características tradicionais e abrisse mão de sua cultura, sua crença e sua língua. Nas Missões, organizadas pela Companhia de Jesus, as crenças das comunidades indígenas eram tidas como pecado, sendo-lhes ensinadas as lições Bíblicas e a Religião Católica. O Historiador Erneldo Schallenberger explica que:

A estratégia para este intento se tornar possível era a redução das populações nativas dispersas à vida civil e cristã, organizando-a em povoados, para que viabilizasse a mudança dos seus hábitos, das práticas sociais e fossem introduzidas novas formas de produção. Para tal fim foi incumbida a Companhia de Jesus.

Para muitos, as Missões Jesuíticas foram a primeira forma de proteção que os indígenas receberam, porque nelas eles recebiam educação, alimentos e moradia. Contudo, foi também uma das formas de modificação da cultura, posto que a cultura indígena era tida como pecado.
Todavia, de acordo com Jesús Antonio de La Torre Rangel, o trabalho missionário foi a primeira forma de tutela dos povos indígenas, haja vista que os consideravam inferiores aos europeus, incapazes “de defender-se por seus próprios meios, de poder alcançar por si só os níveis mais altos da cultura, de elaborar por si mesmos a exploração econômica da região.”
Os indígenas, mesmo que considerados protegidos dentro das Missões porque nelas não havia pobreza nem escravidão, foram aos poucos perdendo suas tradições e cultura, tendo em vista que, conforme Thais Luzia Colaço, os indígenas eram para os europeus:

seres inferiores e incapazes de se autogovernar; assim, através do regime tutelar das Missões lhes trariam a civilização e a consequente `humanização`, legitimando a transmissão e a interferência cultural, inserindo-os em nova ordem sócio-cultural.

Verifica-se então que, a partir daquela época, os indígenas passaram a ter sua cultura discriminada pelos “não índios”, fato que existiu expressamente até a promulgação da Constituição Federal de 1988, como será estudado a seguir.

3 O INDÍGENA NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

3.1 A CRIAÇÃO DO SERVIÇO DE PROTEÇÃO AO ÍNDIO

Entre os anos de 1889 e 1906 ao Estado competia a atribuição de catequizar e civilizar os índios. Durante o período de 1907 a 1908 houve grande polêmica no Brasil, tendo vista a declaração de Hermann Von Ihering (diretor do Museu Paulista) em que defendia o extermínio dos índios que resistissem o avanço da civilização, bem como à denúncia feita em Viena em 1908, quando pela primeira vez o Brasil foi acusado de massacrar indígenas.
No período desta declaração feita por Von Ihering, a população estava encantada com “o bom selvagem”, descrição dos índios feita por Rousseau. Desta forma, tal declaração causou repercussão mundial. Darcy Ribeiro, em sua obra “Os Índios e a Civilização”, cita a declaração daquele que, paradoxalmente, contribuiu para a criação do Serviço de Proteção ao Índio:

Se se quiser poupar os índios por motivos humanitários é preciso que se tomem, primeiro, as providências necessárias para não mais perturbarem o progresso da colonização. Claro que todas as medidas a empregar devem calcar-se sobre este princípio: em primeiro lugar se deve defender os brancos contra a raça vermelha. Qualquer catequese com outro fim não serve. Por que não tentar imediatamente? Se a tentativa não der resultado algum, satisfazerem-se as tendências humanitárias; então, sem mais prestar ouvidos às imprecações enfáticas e ridículas de extravagantes apóstolos humanitários, proceda-se como o ascendente da nossa civilização, visto como não representam elemento de trabalho e de progresso. Quem escreveu estas linhas anseia por uma solução, humanitária ou não.

Desta forma, tendo como finalidade a ocupação da região central e oeste do Brasil e a proteção dos indígenas, o Governo Federal por meio do Decreto nº 8.072 de 1910 criou o Serviço de Proteção aos Índios (SPI). Este órgão era subordinado ao Ministério da Agricultura e foi, no início, dirigido pelo Marechal Cândido Rondon – descendente de índios que trabalhou para melhorar as condições de vida dos povos indígenas.
Marechal Cândido Rondon é considerado um dos primeiros defensores das populações indígenas do Brasil, pois sopesava que o Brasil tinha o dever de proteger estas populações dos efeitos físicos e culturais desencadeadas pelas expansões da sociedade nacional. Durante toda a sua trajetória como defensor destes povos, tinha como lema “Morrer se preciso, matar nunca”, assim conforme Emanuel Fonseca Lima, uma característica marcante de Rondon é:

o respeito pela autenticidade e valor indígenas, pregando que estes deveriam ser respeitados. Os índios, dessa forma, poderiam se beneficiar da cultura brasileira, inclusive dos bens materiais, podendo escolher livremente quando e como se integraria à sociedade nacional.

A partir do momento da criação do Serviço de Proteção ao Índio, a igreja deixou de ter papel fundamental na proteção dos índios, passando então esta responsabilidade ao Estado:

Sua criação mudou profundamente o quadro da questão indígena no Brasil, tendo a Igreja deixado de ter a hegemonia no tocante ao trabalho de assistência junto aos índios, de modo que a política de catequese passou a coexistir com a política de proteção por parte do Estado, que passou a ser executada por meio do SPI. Além disso, estabeleceu-se uma maior centralização da política indigenista com a criação do órgão federal, tendo diminuído o papel que os estados desempenhavam em relação às decisões sobre o destino dos índios.

Com a criação do SPI, foi instituído um sistema dual de povoações indígenas e centros agrícolas, foi garantida a efetividade da posse dos territórios ocupados pelos índios e sua proteção contra invasões, sendo que também passaram a ser respeitadas as organizações internas das tribos, sua independência, seus hábitos e instituições.
O Código Civil de 1916 estabelecia que o indígena era relativamente incapaz, devendo estar sujeito ao regime tutelar e esta tutela somente cessaria quando estivessem adaptados à civilização do País. Deste modo, conforme Thais Luzia Colaço, cabia ao Estado tutelar o indígena, o que passou a ser de atribuição do SPI.
Mesmo havendo outros objetivos impostos pelo SPI, a principal atribuição deste órgão era de pacificar os indígenas ainda não contatados e transformá-los em pequenos produtores rurais e, embora tenha realizado os contatos de forma pacífica, estes contatos geraram inúmeros problemas às sociedades indígenas, conforme descreve Enio Cordeiro:

Credita-se aos primeiros anos de atividade do SPI a pacificação dos Kaingang em São Paulo, dos Xokleng em Santa Catarina, e dos Pataxó na Bahia(...). Embora a dedicação dos funcionários do serviço tenha logrado a aproximação pacífica com aqueles grupos e evitado o massacre iminente, os índios terminaram dizimados pelas epidemias trazidas com o contato.

No entanto, embora existam críticas a respeito da criação deste órgão, Julio Melatti acredita que com a criação do SPI, o Brasil passou a ter uma nova política indigenista, diferente daquela imposição das Missões Jesuíticas. A partir desta criação, conforme o autor, “os índios passaram a ter o direito de viver segundo suas tradições e a receberem proteção em seu próprio território”.
Após o SPI ter sido criado como órgão pertencente ao Ministério da Agricultura, em 1930 foi transferido ao Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, em 1934 passou a pertencer ao Ministério do Exército, sendo que em 1939 retornou ao Ministério da Agricultura e, por fim, em 1967 passou a fazer parte da jurisdição do Ministério do Interior, quando então foi extinto.
Destarte, no mesmo ano em que foi extinto o SPI, foi criado o novo órgão cujo objetivo era de proteger os indígenas, qual seja a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), por meio da Lei nº 5371/67.
A FUNAI, conforme a Lei que a criou, possui as seguintes finalidades:

estabelecer as diretrizes da política indigenista e garantir o seu cumprimento; gerir o patrimônio indígena; fomentar estudos sobre as populações indígenas que vivem em território brasileiro e garantir sua proteção; demarcar, assegurar e proteger as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, exercendo o poder de polícia dentro de seus limites, para evitar conflitos, invasões e ações predatórias que representem riscos para a vida e a preservação cultural e do patrimônio indígena; promover a prestação de assistência médico-sanitária e a educação elementar para os índios e despertar o interesse da sociedade brasileira pelos índios e pelos assuntos a eles pertinentes.

Sendo assim, a partir de 1967 o Brasil ganhou um novo órgão de proteção ao índio, o qual passou a ser formalizado com o advento da Lei 6001/73, o Estatuto do Índio.

3.2 O ESTATUTO DO ÍNDIO

Em 19 de dezembro de 1973 foi promulgada a Lei 6001, denominada de Estatuto do Índio. A finalidade desta lei está disposta em seu artigo primeiro:

Art.1º Esta Lei regula a situação jurídica dos índios ou silvícolas e das comunidades indígenas, com o propósito de preservar a sua cultura e integrá-los, progressiva e harmonicamente, à comunhão nacional.
Parágrafo único . Aos índios e às comunidades indígenas se estende a proteção das leis do País, nos mesmo termos em que se aplicam os demais brasileiros, resguardados os usos, costumes e tradições indígenas, bem como as condições peculiares reconhecidas nesta Lei.

De forma inédita, os indígenas passaram a ser protegidos por lei específica. Mas, embora esta lei tenha como uma de suas premissas a proteção da cultura indígena, ela dá maior ênfase à integração dos indígenas à comunhão nacional.
O Estatuto do Índio, em seu artigo 4º, classifica os índios em isolados, em vias de integração e integrados. Os isolados são aqueles que não tiveram contato com o não índio ou tiveram pouco contato. Os índios em via de integração são aqueles que vivem “em contato intermitente ou permanente com grupos estranhos, conservam menor ou maior parte das condições de sua vida nativa, mas aceitam algumas práticas e modos de existência comuns aos demais setores da comunhão nacional, da qual vão necessitando cada vez mais para o próprio sustento”. Os integrados são aqueles que estão “incorporados à comunhão nacional e reconhecidos no pleno exercício dos direitos civis, ainda que conservem seus usos, costumes e tradições característicos de sua cultura”.
Esta lei regula ainda, em seus 68 artigos, acerca da questão fundiária, patrimônio cultural, educação bilíngue, assistência à saúde, normas penais, bem como dos bens e renda do patrimônio indígena.
Entretanto, como será analisado, a Constituição Federal de 1988 trouxe para a questão indígena uma nova visão, onde o Estado deixou de ser integracionista, passando a admitir o multiculturalismo. Desta forma, o Estatuto do Índio passou a ser incompatível com a nova Carta Magna.
Assim, em 1992 foram introduzidos na Câmara três novos projetos de lei visando refazer o Estatuto do Índio. O primeiro oriundo do Executivo e outros dois originados de grupos de trabalho de entidades não governamentais, o Conselho Indigenista Missionário e Núcleo de Direitos Indígenas. Todavia, mesmo com a formação de uma Comissão Especial para análise dos referidos projetos, passando, em 1994, a chamar o novo compêndio de “Estatuto das Sociedades Indígenas”. Porém, o projeto ainda não foi aprovado e continua até a presente data para análise na Câmara.
Este novo projeto, conforme Ana Valéria Araújo (Informação Verbal) , não visa proteger somente o indígena que vive em aldeia, mas também aquele que está nas cidades, tratando também sobre os direitos dos índios em faixa de fronteira, sobre a mineração, bem como sobre a exploração de recursos naturais (como exemplo a mineração e os recursos hídricos), temas estes que não são contemplados pelo Estatuto do Índio de 1973.

3.2.1 Os índios e a Política do Integracionismo

A Política do Integracionismo foi adotada no Brasil com o fim de integrar os indígenas à comunhão nacional, para que um dia deixassem de existir diversas culturas em um só País e para que também deixassem de existir terras com uso exclusivo dos indígenas, terras essas que não eram consideradas produtivas, tampouco geradoras de rendas. Esta política foi utilizada desde a colonização, haja vista que os próprios Jesuítas já possuíam a visão de integrar os índios na sociedade “não índia”, catequizando-os.
O Estatuto do Índio, de 1973, manteve no Brasil a política integracionista dos indígenas, o que pode ser visto em seu artigo 1º, caput:

Esta Lei regula a situação jurídica dos índios ou silvícolas e das comunidades indígenas, com o propósito de preservar a sua cultura e integrá-los, progressiva e harmonicamente, à comunhão nacional.

Em uma análise crítica, Orlando Sampaio Silva acredita que esta legislação assume um caráter contraditório com a própria preservação do indígena. Veja-se:

O Processo de integração do índio, individual ou coletivamente, à sociedade nacional, ainda que se pretenda proceder de forma progressiva e harmoniosamente (conforme o texto da lei), implica, em muitos casos, a eliminação biológica do índio, ao contato com as enfermidades que medram na sociedade envolvente; em outros casos conduz à alienação sócio-cultural do índio, que perde seus padrões culturais, deixando de ser índio sem tornar-se ‘civilizado’, pela não absorção dos novos padrões a que se vê exposto. A alienação sócio-cultural conduz à marginalidade social, ao desequilíbrio psicológico, à ambivalência chegando muitas vezes, por essa via, às doenças graves e à morte.

Logo, a lei que tem o condão de proteger os indígenas possui caráter integracionista, ou seja, visa a integrar o índio na sociedade brasileira o incentiva para que, aos poucos, abandone as suas características tradicionais.

3.3 BREVE ANÁLISE DAS CONSTITUIÇÕES FEDERAIS DA REPÚBLICA ANTERIORES À DE 1988

A primeira Constituição brasileira foi a de 1824, quando o Brasil ainda era regido pelo sistema imperial. Todavia, somente 110 anos após esta publicação, na Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 16 de julho de 1934, é que, pela primeira vez, foi abordada a questão indígena. Contudo, apenas dois artigos foram reservados para tratar deste tema, sendo um deles referente à integração do índio à comunhão nacional, no qual era disposto que:

Artigo 5º - Compete privativamente à União:
XIX – legislar sobre:
m) incorporação dos silvícolas à comunhão nacional.

O artigo 129 estabelecia “a posse de terras de silvícolas que nelas se achem permanentemente, sendo-lhes, no entanto, vedado aliená-las.”
As duas Constituições seguintes, de 1937 e 1946 tratavam também da questão indígena, porém sem inovações em referência à Constituição de 1934.
De acordo com Abigail Cristine Carneiro, “em 1967 a Constituição da República Federativa do Brasil inova incluindo as terras ocupadas pelos índios, entre os bens da União e garantindo aos índios usufruto exclusivo dos recursos naturais” . Entretanto, ainda era regulada constitucionalmente a incorporação do índio à comunhão nacional.

3.4 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

Quando iniciaram-se os trabalhos da Assembléia Nacional Constituinte, os movimentos indigenistas começaram a pleitear direitos para serem colocados na nova Constituição, para que esta pudesse ser mais desenvolvida no tocante aos direitos dos índios. Conforme Andreza Pierin, os integrantes destes movimentos participaram não somente de discussões, “mas assessoraram os parlamentares na elaboração de propostas e emendas constitucionais, mobilizando a opinião pública em favor dos direitos indígenas.”
Neste contexto, em 05 de outubro de 1988, quando promulgada a nova Constituição Federal do Brasil, o direito indígena passou a ser reconhecido constitucionalmente, tendo em vista a existência de um capítulo específico para tratar dos direitos indígenas e outros oito artigos referentes aos direitos destes povos, distribuídos em diferentes títulos.
Ao fazer uma breve crítica à Constituição Federal e às condições atuais das comunidades indígenas, Gisela Maria Bester explica que:

Não sei porque na Constituição são os últimos se deveriam ser os primeiros, haja vista terem sido os primeiros habitantes de nosso País, e se hoje vivem em condições muitas vezes alvitantes, grande parte se deve à invasão abusiva do homem branco em seus costumes, em suas tradições e, principalmente, em suas terras, as quais seguidamente escondem riquezas (minérios, espécies exóticas de plantas e animais, etc). A Constituição lhes reservou um Capítulo próprio (o VIII), composto por dois artigos, o 231 e o 232. Este último prevê-lhes uma importante garantia, qual seja, a intervenção do Ministério Público em todos os atos do processo em que, isoladamente ou por suas comunidades e organizações estejam pleiteando interesses ou direitos em juízo.
Portanto, conforme o estudado nas outras Constituições do Brasil, pela primeira vez uma Constituição Federal Brasileira teve um largo espaço reservado para tratar dos direitos destes povos, que tiveram por tantos anos seus direitos violados ou até mesmo inexistentes. Todavia, conforme José Afonso da Silva, esta Constituição “não alcançou um nível de proteção inteiramente satisfatório”, tendo em vista que diversos outros dispositivos referentes à proteção destas comunidades poderiam ter sido colocados.
Mesmo com algumas falhas, como exposto por José Afonso da Silva, esta Carta Magna foi inovadora, posto que a partir de então foi reconhecida a multietnicidade e a pluralidade cultural do País. A Lei Maior de 1988 assegurou aos índios o direito à diferença, vale dizer, o direito de serem diferentes e tratados como tais. O artigo 231, caput, da Constituição Federal dispõe que:

São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.

Assim, pela primeira vez foi eliminada de uma Constituição a premissa de incorporar o índio à Comunhão Nacional. Carlos Frederico Marés de Souza Filho, acerca desta promulgação, analisa que foi a partir deste momento que o indígena passou a ter o direito de ser índio, de poder manter suas tradições, sua organização social, seus costumes, suas línguas e crenças.
Do mesmo modo, Roberto Lemos dos Santos Filho ressalta que esta Constituição continuou a estabelecer que as terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas pertencem à União e prevê como dever da União demarcar as terras indígenas e protegê-las, fazendo respeitar todos os seus bens. O referido autor ainda explica que a Constituição:

Define como terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, bem como as utilizadas para suas atividades produtivas e as imprescindíveis à proteção dos recursos ambientais necessários a seu bem estar e a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições. Dispõe ainda que tais terras são inalienáveis e indisponíveis, e seus direitos imprescritíveis, destinando-se à posse permanente dos índios que tiveram garantido o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nela existentes.

Conforme define o artigo 231, § 1º da Constituição Federal, as terras indígenas são aquelas que:

por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.

Sendo elas “inalienáveis, indisponíveis e os direitos sobre elas imprescritíveis”, consoante o disposto no artigo 231, § 4º da Constituição Federal e embora os índios detenham a posse permanente e o “usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos”, segundo o artigo 231, §2º da CF, são de patrimônio da União, conforme o artigo 20, inciso XI do mesmo diploma legal.
Pode-se então concluir que a Constituição garante aos indígenas o uso de suas terras para fins de subsistência e de reprodução física e cultural e, garantindo acima de tudo o direito de ser índio.

3.5 INTRUMENTOS INTERNACIONAIS

3.5.1 Convenção 169 da OIT

A Organização Internacional do Trabalho, desde o seu surgimento, preocupa-se com a questão indígena, tendo em vista que estes representavam parte da força de trabalho do domínio europeu no período colonial. Em 1926 foi criada uma Comissão de Peritos em Trabalho Indígena para que fossem adotadas medidas para regular essa mão de obra em caráter internacional. Todavia, em razão da falta de condições de trabalho durante a 2ª Guerra Mundial, somente em 1957 foi originada a Convenção nº 107, sendo que esta foi a primeira Convenção de maior relevância a tratar acerca de populações indígenas e tribais, principalmente no que pertine aos direitos à terra, condições de trabalho, educação e saúde. Mas esta codificação passou a ser criticada por ainda conter resquícios de política integracionista.
Assim, durante a pauta das Conferências Internacionais do Trabalho de 1988 e 1989, foi proposta revisão da Convenção nº 107 “com vista à preservação e sobrevivência dos sistemas de vida dos povos indígenas e tribais” . Desta forma, foi adotada na 76ª Conferência Internacional do Trabalho a Convenção nº 169, a qual revê a Convenção anterior, sendo o primeiro documento internacional que visa proteger e regular os Povos Indígenas.
Entretanto, no Brasil, esta Convenção tramitou no Congresso Nacional durante 11 anos, sendo ratificada por meio do Decreto Legislativo nº 143, de 20 de junho de 2002.
Como ainda não foi aprovado o novo Estatuto dos Povos Indígenas, esta Convenção é atualmente a melhor legislação no Brasil que regula a situação indígena em conformidade com a Constituição Federal de 1988.
A partir desta nova legislação, os indígenas passaram a ter direitos mais específicos em relação à proteção de sua cultura. Primeiramente, esta Convenção vai de encontro com o pensamento do integracionismo, uma vez que defende o multiculturalismo e preceitua em seu artigo 5º, alínea “a”:

Deverão ser reconhecidos e protegidos os valores e práticas sociais, culturais, religiosos e espirituais próprios dos povos mencionados e dever-se-á levar na devida consideração a natureza dos problemas que lhes sejam apresentados, tanto coletiva como individualmente.

Portanto, a Convenção 169 da OIT, juntamente com a Constituição Federal de 1988, marcaram o fim de uma política voltada à integração do indígena à sociedade brasileira, passando, assim, a solidificar uma política defensora das comunidades tradicionais, respeitando as diferentes culturas existentes no País.

3.5.2 Declaração das Nações Unidas Sobre Direitos dos Povos Indígenas

Para reforçar a idéia de que devem ser respeitados os direitos sobre os povos indígenas no tocante ao multiculturalismo, a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, que foi aprovada pela ONU em 13 de setembro de 2007, em que vários Países votaram a favor, inclusive o Brasil, em seu artigo 5º, dispõe que:

Os povos indígenas têm o direito de conservar e reforçar suas próprias instituições políticas, jurídicas, econômicas, sociais e culturais, mantendo ao mesmo tempo seu direito de participar plenamente, caso o desejem, da vida política, econômica, social e cultural do Estado.

Esta Declaração possui 46 artigos, os quais dispõem acerca dos direitos dos povos indígenas em relação à terra, à participação política, aos territórios, aos recursos naturais e “ao consentimento prévio, livre e informado; às normas não escritas que regem internamente a vida das comunidades indígenas; o direito à propriedade intelectual.”
Em concordância com a UNESCO, esta Declaração é:

um documento abrangente que aborda os direitos dos povos indígenas. Ela não estabelece novos direitos, mas reconhece e afirma direitos fundamentais universais no contexto das culturas, realidades e necessidades indígenas. A Declaração constitui um instrumento internacional importante de direitos humanos em relação a povos indígenas porque contribui para a conscientização sobre a opressão histórica impetrada contra os povos indígenas, além de promover a tolerância, a compreensão e as boas relações entre os povos indígenas e os demais segmentos da sociedade.

Então, o indígena, nos dias atuais, possui direitos expressos em documentos legais que garantem a proteção de sua cultura e a participação em atos ligados à sociedade brasileira, se assim o desejarem.

4 AS COMUNIDADES INDÍGENAS E AS PROBLEMÁTICAS ATUAIS

Quando se fala em problemática atual das comunidades indígenas, não se pode dizer que nasceram na atualidade, mas sim, que são resquícios de problemas que nasceram ainda na colonização, por este o fato de tanto se estudar os primeiros séculos do “descobrimento” do Brasil.
Os principais problemas que as comunidades indígenas enfrentam hoje são a consequência daqueles que surgiram há anos. Nos dias atuais há problemas como a miséria, o alcoolismo, o suicídio, a violência interpessoal, que afeta consideravelmente a auto estima dos seres humanos indígenas.
Além do processo de colonização, conforme Eliane Potiguara, houve no Brasil o processo de Neocolonização, que foi o período em que o interior do Brasil passou a ser ocupado, acabando de inúmeras formas com as comunidades indígenas, período este que foi até em meados do século XX. Assim, houve intromissão de inúmeros segmentos, como as madeireiras, os garimpeiros, latifundiários, mineradoras, hidrelétricas, rodovias, entre outros. Conforme a citada autora, esta intromissão “causou nas últimas décadas o desmatamento, o assoreamento de rios, a poluição ambiental e a diminuição da diversidade local, trazendo as enfermidades, a fome e o empobrecimento compulsório da população indígena.”
Deste modo, neste capítulo serão estudados os problemas que estes povos enfrentam, com enfoque na questão fundiária e na relação do índio com a natureza.

4.1 DEGRADAÇÃO DO MEIO AMBIENTE E A RELAÇÃO COM OS PROBLEMAS DAS COMUNIDADES INDÍGENAS

O século XX foi marcado pela industrialização global, porém as industrializações foram feitas de forma desenfreada, com o intuito de lucro imediato, sem se pensar em proteger o meio ambiente, posto que ainda não havia a conscientização ambiental.
Além dos fatores de degradação ambiental que ocorria em todo o mundo gerados pelo desenvolvimento econômico e industrial das grandes cidades, o interior do Brasil, que ainda tinha suas florestas nativas intactas, passou a ser povoado, a fim de iniciar o processo de plantio e agropecuária das regiões Norte, Centro Oeste, Sul e Sudeste do País, sendo que as comunidades indígenas que ainda não tinham sido “descobertas” passaram a ser desbravadas neste processo de Neocolonização.
A partir de então, as aldeias passaram a ter seu espaço reduzido e os problemas passaram a evoluir.
A Amazônia, como explica Leonardo Boff, principalmente durante o Regime Militar, entre as décadas de 70 e 80, passou a ser povoada, por conta do lema “terra sem homens para homens sem terra”. Entretanto, este povoamento foi realizado sem nenhum controle ambiental, hidroelétricas, rodovias e a agropecuária passaram a ser desenvolvidas, desmatando as florestas e matando indígenas.
Da mesma forma, Paulo de Bessa Antunes explica que:

Os graves problemas fundiários existentes no Brasil, igualmente, não podem ser solucionados sem que se resolva os problemas relativos às terras indígenas. Assim, na medida em que a expansão da fronteira agrícola verificada na década de 70 do século XX e a construção de diversas rodovias, tais como a Transamazônica, implicaram o deslocamento de inúmeros povos indígenas das terras que tradicionalmente ocupavam ou mesmo a invasão das terras indígenas por colonos originários das mais diferentes regiões do País.

Não eram somente os indígenas da Amazônia que sentiam os problemas gerados pela degradação do meio ambiente, eles eram sentidos em todo o território nacional, devido à exploração das matas nativas, da construção de hidroelétricas e da construção de rodovias, que serão estudados a seguir.

4.1.1 Construção de rodovias e hidroelétricas

O período que antecedeu a criação do SPI, até meados do século XX, continuou sendo de bruto massacre contra os indígenas . No entanto, estes massacres eram em decorrência do desenvolvimento do País, das construções de hidroelétricas e rodovias, bem como do avanço da agropecuária.
O antropólogo Sílvio Coelho dos Santos relata alguns destes fatos, como da construção da estrada de ferro noroeste do Brasil, em São Paulo, em que a população indígena da etnia Kaingang foi praticamente dizimada. Neste local, os trabalhadores “brincavam de passarinhar” índios, ou seja, matavam os índios da mesma forma em que se caçavam pássaros.
Da mesma forma, o antropólogo relata fatos ocorridos nas construções de hidroelétricas, como no caso dos indígenas da reserva de Ibirama, localizada no Vale do Itajaí em Santa Catarina, em que a construção da hidroelétrica ocasionou diversos problemas à comunidade indígena, pelo fato de terem sido inundadas suas terras e não ter sido feito nenhum projeto preventivo para eles, como narra Silvio Coelho dos Santos:

Logo que aconteceram as primeiras enchentes, os Índios de Ibirama tiveram prejuízos concretos. Roças foram inundadas; casas destruídas; currais e depósitos carregados pelas águas; animais mortos. As reclamações começaram a ser feitas, as primeiras indenizações dos prejuízos causados começaram a se concretizar. Entretanto, nenhum trabalho esclarecedor procedeu essa entrega de recursos. Resultado, em poucos meses os indígenas haviam repassado os ganhos da indenização para o comércio de Ibirama.(...) Em decorrência da falta de planejamento e da inépcia administrativa, a população indígena de Ibirama abandonou quase que totalmente as práticas agrícolas e a pequena criação. A depredação de recursos florestais é enorme.

Como visto, este empreendimento acarretou em inúmeros problemas para a população indígena de Ibirama, tendo em vista que eles perderam parte de sua terra produtiva, perdendo então sua subsistência, necessitando do comércio local para sobreviver, haja vista não tendo eles conhecimento sobre o dinheiro, acabaram perdendo em poucos meses todo o dinheiro recebido na indenização em compra de alimentos. Além deste fato, como o local era rico em biodiversidade, diversos madeireiros da região passaram a agredi-lo, gerando grande devastação da área, sendo que o lucro que os madeireiros receberam muitas vezes não era repassado aos indígenas e quando o era, o valor era irrisório.
Este fato ocorreu no início da década de 80. Todavia, as consequências ainda são vistas na atualidade, onde os indígenas vivem na miserabilidade, necessitando de políticas públicas assisteciancialistas para a sobrevivência, ocasionando, assim, outras consequências, como o alcoolismo e a prática de delitos.
Caso parecido com esse ocorreu em 2002, na construção da hidroelétrica na cidade de Minaçu, em Goiás, onde parte das terras dos índios da etnia Avá-Canoeiro foi inundada e “as áreas utilizadas pela tribo para cultivo, assim como a vegetação, cachoeiras e outras barreiras naturais, ficaram submersas”.
Em relação às rodovias, uma das mais dramáticas histórias foi a da rodovia que liga a cidade de Cuiabá, capital do estado do Mato Grosso à cidade de Santarém, no estado do Pará, a BR-163, conhecida como rodovia Transamazônica, uma das mais extensas do País. Ela foi construída durante o Regime Militar, há 38 anos. Como conta o Coronel Severo em reportagem feita pelo Jornal Nacional, durante o período da construção os caminhões traziam a mensagem “integrar para não entregar a Amazônia”. Isto porque, naquela região, viviam índios Panarás, que nunca tinham sido contatados. Desta forma, acreditava-se que era necessário integrá-los à Comunhão Nacional para que o Brasil não perdesse a Floresta Amazônica. Porém, graças ao trabalho dos irmãos Villas Bôas, durante os contatos não houve conflitos, mas por conta das doenças que os homens brancos transmitiram aos indígenas, mais precisamente o sarampo, dois anos depois havia somente 82 índios Panarás naquela região.
Além dos problemas causados durante a construção das rodovias, hoje o principal problema é a questão de haver estradas que “cortam” as aldeias, trazendo diversos problemas dos “não índios” para dentro da comunidade, além de haver vários atropelamentos dentro das aldeias.
Conclui-se então que o desenvolvimento do País com a construção de hidroelétricas e de rodovias gerou diversos problemas às comunidades indígenas.

4.1.2 Intensificação da Agropecuária

Também durante o Regime Militar, na fase do “progresso” do Brasil, as regiões aldeadas por índios passaram a ser povoadas por fazendeiros, a fim de intensificar a agropecuária.
O sociólogo Octavio Ianni analisa em sua obra “Ditadura e Agricultura” o desenvolvimento do País durante este período e os prejuízos causados na Floresta Amazônica no período de expansão capitalista, bem como os prejuízos causados às Comunidades Indígenas neste período na região amazônica.

As terras tribais eram praticamente todas as terras da região. Depois, pouco a pouco, ou com rápida violência, os indígenas foram sendo rechaçados de suas terras. A catequese, a evangelização, o extrativismo, a pecuária, a agricultura sob as mais diferentes formas, estenderam a sociedade e a comunhão nacionais pelas terras, comunidades e culturas indígenas.

Assim como Octavio Ianni, Leonardo Boff também faz críticas ao processo de intensificação da agropecuária na Amazônia durante o regime militar, em que conclui que “as maiores vítimas da penetração de relação de exploração das riquezas da Amazônia foram, entretanto, os indígenas”.
Assim como ocorreu durante o regime militar nas comunidades indígenas da Amazônia, Friedl Paz Grünberg explica que no Estado do Mato Grosso do Sul, com os indígenas Guaranis, ocorreu o mesmo. Várias aldeias guaranis foram com o tempo perdendo espaço para os grandes latifundiários:

As atividades de desmatamento começaram a ser executadas de forma cada vez mais intensa nos anos 70 e 80 do século passado. O comércio de madeira foi a atividade mais importante, o grande negócio que hoje latifundiários e madeireiros desejariam possuir. Com exceção de plantios de milho e de soja, hoje em dia nesta região predomina a criação de gado bovino. Para isso foram semeadas, nas áreas desmatadas, os capins africanos do gênero brachiária para pasto, que é extremamente agressivo e se espalha facilmente sobre cada pedacinho livre de terra, e que se espalhou, também, sobre a superfície de cultivo dos guarani.

Este fato demonstra que a pecuária também prejudicou as comunidades indígenas, tendo em vista que os pastos atingiram o cultivo dos indígenas, como explicado pelo citado autor.

4.2 O INDÍGENA EM RELAÇÃO HARMONIOSA COM A NATUREZA

Dos estudos que se têm notícia, colhe-se o ensinamento de que o indígena sempre teve uma relação harmoniosa com a natureza, como já explicado por Rousseau e Luiz Donizete Grupioni. Neste mesmo sentido, a consultora da Universidade Pedagógica Nacional do México, Maritza Gómez Muñoz, que conviveu com indígenas dos Altos Chiapas, concluiu que o indígena valoriza o saber comunitário e a natureza, a chamada “mãe terra”. Em um de seus estudos, aliados à análise antropológica e à convivência junto aos maya-tzeltal, relata que:

No cultivo, o homem os faz irmãos. O milharal representa o espaço potencial da nutrição; no cultivo estão implícitos os saberes do alimento da memória ancestral. Os saberes que surgem dessa convivência cotidiana referem-se não só ao cultivo; vai sendo estruturada uma noção de si mesmo originada na tarefa e nas atividades e disposições requeridas para a aprendizagem do saber cultivar. Entre os diversos traços e emoções implicados no desempenho, está um longo tempo dedicado ao silêncio e ao sofrimento. A existência fica impregnada de ‘força vital’ através do cultivo como saber sagrado. Para saber cultivar, é necessário o respeito à ‘mãe-terra’ e o cuidado.

Seu relato explicita quão importante é a terra para o indígena. E justamente por adorarem a terra, a protegem, uma vez que estes povos contam, na prática, somente com os recursos ambientais bióticos e abióticos para realizar suas necessidades de subsistência; sua cultura, com relação às atividades agrícolas, por exemplo, não está voltada para o consumo de bens de mercado, como adubos ou implementos agrícolas. Por conseguinte, não faz parte dos costumes e hábitos indígenas este tipo de relação com o mercado, pois vivem uma realidade própria, diversa da do homem ocidental comum.
Os indígenas, assim como as ditas comunidades tradicionais, respeitam o meio ambiente, visto que ele é o meio de vida deles. Sua sobrevivência é diretamente dependente da conservação da natureza. Uma reportagem realizada por Anthony Anderson e Darrell Posey, em 1987, pela revista “Ciência Hoje”, foi abordada pesquisa sobre o reflorestamento feito por índios Kayapós, no sul do Pará. Desta pesquisa, concluiu-se que

é possível cultivar a terra sem prejuízo do ecossistema, pelo recurso e técnicas de manejo que, ao contrário das usualmente empregada por nós, respeitam as características básicas das áreas manejadas e fomentam a diversidade que lhes é própria.

Esta pesquisa mais uma vez demonstra o conhecimento que estas populações têm ao manejar o meio ambiente, manejo este que não compromete o ecossistema e acaba beneficiando o solo.
Conforme os estudos de Leonardo Boff acerca a Floresta Amazônica, as comunidades indígenas desenvolveram grande manejo de floresta, todavia respeitando a singularidade de cada espécie, não destruindo a natureza. Conclui que “ser humano e floresta evoluíram juntos numa profunda reciprocidade” , o que resta demonstrado o respeito do indígena para com a natureza.
Nestes termos, Paulo de Bessa Antunes ressalta que:

Outro aspecto extremamente importante a ser observado é o da íntima relação entre os povos indígenas e a preservação do meio ambiente e a ecologia. Os povos indígenas são, dentre todos, aqueles cujas formas de vida guardam maior proximidade com a natureza e o meio ambiente. A preservação do meio ambiente é uma condição fundamental para a reprodução da vida, nos moldes tradicionais, nas comunidades indígenas.

Há que se considerar então que existe relação de respeito entre o índio e a natureza, podendo-se afirmar que o índio, para sua sobrevivência, dentro dos métodos tradicionais, não agride o meio ambiente, como faz o homem que vive na sociedade hegemônica.

4.2.1 Privação do Uso da Terra

Como estudado, a terra para o indígena é o seu meio de sobrevivência. Sem ela não há vida.
Conforme estudo acerca da situação dos índios da etnia Guarani, do Mato Grosso do Sul, realizada por Friedl Paz Grünberg, conclui-se que a principal fonte das problemáticas destes índios é a perda da terra, das florestas:

o prejuízo advindo da perda da floresta vai muito além do componente econômico. Para os guarani a floresta com seus campos naturais era "tudo o que contava", era tudo o que conheciam do mundo, era o seu mundo. Domesticar a floresta com seus perigos era a oportunidade que tinham os homens para desenvolver sua personalidade e para obter prestígio. A comunicação vital com os animais e com os espíritos da floresta permitia-lhes desenvolver sua rica vida espiritual. Tudo isto está irremediavelmente perdido, pois com a perda da floresta, também se perdeu, quase ao mesmo tempo, os saberes a ela relacionados e a prática da convivência vital com as plantas e os animais.

Hoje se encontram diversos problemas de ordem sociais ocasionados pela falta de terra, acarretando em falta de produtividade. Além da falta de terra, muitas aldeias estão em áreas em que não há solo fértil, tampouco caça e pesca, ou então, estão em áreas que não podem ser cultivadas, como era o caso da Aldeia Araçá-Í, localizada no município de Piraquara, Região Metropolitana de Curitiba, tendo em vista que ela está inserida em área de preservação ambiental da SANEPAR (Companhia de Saneamento do Paraná), não podendo ser mantida agricultura neste local. Desta feita, desde o ano de 2000, data em que passaram a viver neste local, recebem cestas básicas do governo.
No entanto, no caso da Aldeia Araçá-Í, o Ministério Público do Estado do Paraná realizou Termo de Ajustamento de Conduta com a SANEPAR garantindo um espaço para que a população desta aldeia possa cultivar alimentos para subsistência.
Ocorre que, em outros casos, esta forma de solução não foi tomada, tendo os indígenas como única forma de subsistência a arrecadação de cestas básicas de entidades governamentais e não governamentais.

4.2.2 Políticas Assistencialistas

Como forma de diminuir as desigualdades sociais entre os “homens brancos” e os indígenas, o País adotou a política assistencialista, tendo em vista que o Estado fornece suprimentos aos indígenas, como doação de cestas básicas, sem se preocupar com a autosustentabilidade do indígena, o que prejudica a qualidade de vida destes povos. Marcos Terena, indígena e coordenador de defesa dos direitos indígenas da ONU, enfatiza que a falta de terras faz com que o índio produza menos, fazendo com que dependa do Estado e conclui que: “essa política assistencialista, de doação de cestas básicas, adotada por alguns governos, não melhora a qualidade de vida e sim aumenta a dependência, além disso colabora para que estas injustiças se perpetuem.”
Verifica-se que a maioria das aldeias não são autosuficientes, necessitando então de políticas públicas assistencialistas para a sobrevivência.

4.3 PROBLEMAS ATUAIS

4.3.1 Alcoolismo

O alcoolismo entre os indígenas tem sido um dos principais problemas das comunidades indígenas. Em projeto desenvolvido pela FUNASA nas aldeias Ocoy, Mangueirinha, Rio das Cobras, Araçá-Í, São Jerônimo da Serra e Apucaraninha, do Estado do Paraná, constatou-se que o alcoolismo é uma “questão social, uma vez que ele é gerado pela ociosidade, falta de inserção no mercado de trabalho, falta de perspectivas e fácil acesso à bebida”. (Informação Verbal) .
Os índios, conforme suas tradições, sempre tiveram contato com a bebida alcoólica fermentada, produzida por eles mesmos em rituais típicos. Um exemplo é a bebida típica dos indígenas da etnia Kaingang, o Kiki, que é produzida de forma fermentada, à base de milho e mel.
Entretanto, com a colonização, foram introduzidos alambiques nas aldeias, fazendo com que o índio passasse a consumir bebida destilada. Para Henrique Carneiro, a bebida destilada foi mais uma das formas de dizimação da cultura das comunidades indígenas no período colonial.
Em estudo realizado pela psicóloga da Fundação Nacional da Saúde, órgão responsável pela saúde indígena, conclui-se que, a princípio, as bebidas fermentadas “não provocavam transtornos de ordem física ou biológica, como acontece agora com as bebidas destiladas”.
Então, a bebida alcoólica é mais um dos problemas que a sociedade “não índia” envolveu o indígena. Em consequência do uso do álcool, diversos outros problemas são acarretados, como explica Camila Borges:

O consumo de álcool aparece com frequência no quadro de morbidade ambulatorial. Tem sido identificado como principal coadjuvante nas causas de mortalidade por fatores externos (acidentes, quedas, agressões, etc). Doenças como cirrose, diabetes, pressão arterial, doenças do coração, estresse e depressão também são identificadas como co-morbidades ligadas ao consumo abusivo de bebidas alcoólicas.

O problema do alcoolismo está presente em diversas aldeias do Brasil e, além dos problemas citados acima, desencadeia outros problemas, como o cometimento de crimes e a desnutrição. Isso porque muitas vezes os indígenas acabam trocando alimentos recebidos pelo governo por bebidas alcoólicas, ao revés de utilizarem os alimentos para a sua subsistência e de sua família.
Em relação à prática de delitos, o indígena fica mais suscetível ao cometimento de crimes quando há influência de álcool. Em pesquisa acerca da situação dos detentos indígenas no Estado do Mato Grosso do Sul, constatou-se que dos processos criminais em trâmite, envolvendo autores indígenas, em 21% o autor estava sob influência de álcool; 1% a vítima estava alcoolizada; e 36% autor e vítima estavam alcoolizados, sendo que somente 42% não havia evidência de álcool.
Essa pesquisa demonstra que o álcool, além de causar doenças e interferir na cultura, acaba influenciando na prática de delitos.

4.3.2 Suicídio

Infelizmente, o suicídio tem sido uma prática comum entre os indígenas, principalmente entre a etnia Guarani, visto que eles sempre tiveram como ideário de vida a liberdade, as terras e os cultivos. Além disso, os “não índios” têm intervindo há centenas de anos na cultura e na crença destes povos, o que faz com que cause perda de referências e desestruturação da sociedade indígena.
Émile Durkheim aponta quatro definições de suicídio dentro do aspecto sociológico, quais sejam, egoísta, altruísta, fatalista e anômico. Este último é característico dos suicídios ocorridos nas sociedades indígenas, uma vez que esta forma de suicídio é aquela em que um grupo social perde sua identidade e as pessoas inseridas neste meio acabam cometendo este ato.
Tatiana Azambuja Ujacow Martins, em sua pesquisa na aldeia Bororó, no município de Dourados, Mato Grosso do Sul, explicita que:

Observa-se que as causas de suicídio, na maioria das vezes, são atribuídas à bebida, às drogas, ao feitiço, à fatores sobrenaturais ou à desesperança. Porém, esses fatores estão intrinsecamente ligados à morte da cultura indígena. Toda a interferência do não-índio na vida do índio resultou em um etnocídio. Hoje, o índio não se percebe mais, não sabe mais quem ele é. Nota-se, também, que a bebida serviria como fator encorajador do suicídio. Percebe-se que os índios vivem uma crise de identidade e auto-imagem, o que leva a pensar que, quando se suicidam, não estão matando eles mesmos, porque não existe mais eu. O ego cultural se foi, junto com seus rios e com suas matas.

Em pesquisa realizada por Cleane S. de Oliveira e Francisco Lotufo Neto, acerca das estatísticas de suicídio em povos tradicionais, conclui-se que, entre todas as comunidades tradicionais, o maior índice está entre os indígenas.
Este estudo revela, então, que os problemas que as comunidades indígenas enfrentam atualmente estão todos interligados. Os principais causadores são as interferências do “não índio” na cultura indígena, assim como a falta de terras e de produtividade. Estes problemas, muitas vezes, acarretam o alcoolismo que, por sua vez, impulsiona o suicídio.

4.3.3 Desnutrição

A desnutrição é uma das principais causas de óbito de crianças indígenas, sendo que no ano de 2007 foi criada uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar a causa da desnutrição. De acordo com o Programa do Governo Federal, Fome Zero , em 2000 a incidência de desnutrição era de 74,6 casos para cada 1000 índios, enquanto que em 2007 este número foi reduzido para 46,7.
A maioria dos casos de desnutrição está diretamente ligada ao alcoolismo, visto que muitos indígenas trocam alimentos por bebidas, deixando de alimentar para beber, ou então, os pais, por serem alcoolistas, não dão atendimento necessário aos filhos, deixando-os em estado de desnutrição, como explica Camila Borges: “sabe-se também que várias crianças apresentam patologias ligadas à situação dos pais alcoolistas, como a desnutrição”.
Em Relatório de Violência contra os povos indígenas dos anos de 2003 a 2005, elaborado pelo Conselho Indigenista Missionário (CIMI), constatou que o falecimento de crianças por desnutrição da etnia Guarani-Kaiowá, no Estado do Mato Grosso do Sul, estão diretamente ligadas à situação atual da comunidade, como a escassez de terra para plantar e alto índice de desemprego e de alcoolismo.
Resta demonstrado que os problemas atuais das comunidades indígenas estão todos interligados, sendo que todos são consequência do descaso do governo para com os índios durante centenas de anos e hoje sofrem por não terem terras e não poderem mais produzir alimentos como antigamente.

5 DIREITO SOCIOAMBIENTAL E ETNODESENVOLVIMENTO

5.1 SURGIMENTO DO DIREITO SOCIOAMBIENTAL

Em meados do Século XIX nasceu nos Estados Unidos o pensamento ambientalista, com a Corrente Preservacionista, tendo esta corrente visão biocêntrica, ou seja, que a natureza deve ser preservada independentemente da contribuição que possa trazer ao ser humano.
Em 1872 foi criado naquele País o Yellowstone National Park, com ideais preservacionistas, tendo como objetivo “a idéia que imperava na época de que esse espaço precisava ser resguardado da ação predatória do homem”.
Neste sentido, o Brasil adotou, na teoria, a Corrente Preservacionista nos moldes norte-americanos, ressaltando que no mesmo período havia a política desenvolvimentista do regime militar, sendo que Alex Justus da Silveira define que:

A corrente preservacionista parte do princípio de que toda relação entre sociedade e natureza é degradadora e destruidora do mundo natural, sem que sejam feitas quaisquer entre as várias formas de sociedade (urbano-industrial, tradicional, indígena etc..).

Sendo assim, o Brasil adotou uma corrente ambientalista que vai de encontro aos interesses dos povos tradicionais e indígenas, prejudicando mais uma vez o direito destes povos, tendo em vista que assim eles não poderiam conviver harmonicamente com a “natureza selvagem”, alem do fato que esta corrente “considera que é inconcebível que uma unidade de conservação possa proteger, além da diversidade biológica, a diversidade cultural”.
Em contrapartida, a partir de articulações políticas entre os movimentos sociais e ambientais durante a segunda metade da década de 80 surgiu o socioambientalismo brasileiro ou a chamada Corrente Conservacionista. Juliana Santilli estabelece que:

O surgimento do socioambientalismo pode ser identificado com o processo histórico de redemocratização do País, iniciado com o fim do regime militar, em 1984, e consolidado com a promulgação da nova Constituição, em 1988. Fortaleceu-se – como o ambientalismo em geral – nos anos 90, principalmente depois da realização da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, no Rio de Janeiro, em 1992 (Eco-92), quando os conceitos socioambientais passaram claramente a influenciar a edição de normas legais.

Destarte o socioambientalismo pode ser caracterizado como uma evolução do pensamento ambientalista, em que não se visa proteger somente a natureza, como também quem vive nela, quais sejam as comunidades tradicionais . Assim, esta corrente, que hoje faz parte de um dos ramos da Ciência Jurídica , o Direito Socioambiental, foi construído com base na idéia de que as políticas públicas ambientais devem incluir as comunidades tradicionais, detentoras de manejo e práticas ambientais. Deste modo, ao invés de expulsar os indígenas das terras de proteção ambiental, ele os aproxima da natureza, protegendo tanto o meio ambiente quanto o homem que ali vive.
Assim, o socioambientalismo se desenvolveu no Brasil com a concepção de que um País subdesenvolvido não pode querer emergir com ações promovendo somente a sustentabilidade social ou então somente a sustentabilidade de ecossistemas, de espécies e processos ecológicos, devendo ser criados projetos e ações que promovam o desenvolvimento social, como ensina Juliana Santilli:

O novo paradigma de desenvolvimento preconizado pelo socioambientalismo deve promover e valorizar a diversidade cultural. O socioambientalismo nasceu, portanto, baseado no pressuposto de que as políticas públicas ambientais só teriam eficácia social e sustentabilidade política se incluíssem as comunidades locais e promovessem uma repartição socialmente justa e eqüitativa dos benefícios derivados da exploração dos recursos naturais.

Segundo esta corrente teórica, o meio ambiente não pode ser um bem protegido isoladamente, esquecendo as comunidades tradicionais. Deste modo, Paulo de Bessa Antunes afirma que:

Há uma nova compreensão do papel a ser desempenhado pelos povos aborígenes na preservação ambiental. Lentamente, está sendo modificada a antiga, e errônea, compreensão de que a proteção ambiental deveria ser feita mediante a adoção de políticas que implicassem o isolamento da área a ser protegida. É necessário, e fundamental, que os povos indígenas possam conservar suas identidades e peculariedades como parte integrante que são da diversidade cultural brasileira.

Assim, para haver real proteção do meio e desenvolvimento sustentável, o incentivo para tais comunidades é primordial. Como forma de demonstrar a importância do socioambientalismo, reportagem realizada pela Folha de São Paulo, em 12 de janeiro de 2006, demonstra que Terra Indígena protege mais que parque preservacionista, contradizendo as correntes ambientalistas de que os parques eram melhores que reservas indígenas para proteger a biodiversidade:

As terras indígenas são tão boas -ou melhores- que parques nacionais para conter a destruição da mata. É a primeira vez que se mede, de fato, um efeito que já era conhecido. Basta olhar fotos de satélite ou mesmo sobrevoar áreas em torno do Parque Indígena do Xingu em Mato Grosso, por exemplo, para ver que a devastação é muito menor dentro do que fora dele.

Esta pesquisa corrobora para o ideal do socioambientalismo dentro da sociedade brasileira, uma sociedade multiétnica, rica em biodiversidade e que luta pela igualdade social, respeitando, claro, todas as diferenças.
Dentro deste conceito, Alex Justus da Silveira ressalta que:

Dessa forma, o movimento conservacionista propõe o respeito à diversidade cultural como base para a manutenção da diversidade biológica, uma nova aliança entre o homem e a natureza, e a necessidade da participação democrática na gestão dos espaços territoriais especialmente protegidos.

Neste contexto, conforme Ana Paula Liberato, o Direito Socioambiental:

É um ramo do direito que não tem a pretensão de instaurar uma nova disciplina jurídica, mas com a intenção de unir em uma única abordagem indissociável as espécies de meio ambiente consagradas pela Constituição Federal de 1988, quais sejam, o meio ambiente natural, meio ambiente cultural, meio ambiente urbano e meio ambiente do trabalho. Isto deve-se ao fato de que o meio ambiente constitui um conjunto complexo, harmônico e interdependente de todas as formas de vida, esta relação não afasta a interação que as formas de vidas exercem no meio em que vivem, logo resumir a regulamentação jurídica em direito ambiental, é proporcionar, em parte, a exclusão de discussões necessárias e primordiais para entender a relação existente no meio ambiente.

Destarte o Direito Socioambiental é o ramo do direito que visa proteger o meio ambiente de forma ampla, não protegendo somente o meio ambiente natural, mas também o cultural, o urbano e do trabalho. Assim, pode-se dizer que a biodiversidade biológica e a biodiversidade cultural são bens protegidos pelo Direito Socioambiental.

5.1.1 Convenção sobre Diversidade Biológica

Durante a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento – Eco 92 foi desenvolvida o maior instrumento legal internacional que visa a proteção da diversidade biológica , qual seja a Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), sendo que vigora no Brasil por meio da promulgação do Decreto nº 2.519 de 16 de março de 1998.
Esta Convenção é estudada dentro do Direito Socioambiental porque ela é a melhor ferramenta legal que elucida os princípios deste ramo do Direito, tendo em vista que ela não visa somente a proteção do meio ambiente em si, como também a proteção cultural das comunidades, o artigo 8º, alínea “j” da presente Convenção dispõe que:

Em conformidade com sua legislação nacional, respeitar, preservar e manter o conhecimento, inovações e práticas das comunidades locais e populações indígenas com estilo de vida tradicionais relevantes à conservação e à utilização sustentável da diversidade biológica e incentivar sua mais ampla aplicação com a aprovação e a participação dos detentores desse conhecimento, inovações e práticas; e encorajar a repartição equitativa dos benefícios oriundos da utilização desse conhecimento, inovações e práticas.

Desta forma a própria convenção reza que as comunidades indígenas possuem conhecimento capaz de proteger a diversidade biológica, devendo ser incentivada a manter seus usos e costumes em prol da biodiversidade.
Ademais, conforme Francine Hakim Leal explica que:

De fato a diversidade biológica está intimamente ligada às diversas culturas, aos sistemas de conhecimento e às formas de vida que se desenvolveram e se mantiveram e vice-versa. Portanto, é nítida a necessidade do reconhecimento dos direitos das comunidades locais, assim como dos Estados, para proteger os recursos biológicos e promover a sua conservação.

Resta demonstrado que a diversidade biológica é o suporte necessário para a proteção da cultura das comunidades indígenas, tendo em vista que a partir de um ambiente biodiverso os indígenas possuem mecanismos suficientes para manter sua cultura, seja na auto-sustentação, sejam ao ensinar as demais populações aos manejos de solo com menor potencial ofensivo, seja no desenvolvimento de medicamentos e cosméticos ligados ao Conhecimento Tradicional Associado.
Neste sentido o Instituto Socioambiental explica que:

Os índios têm conhecimentos tradicionais sobre a biodiversidade importantes para o futuro da humanidade e, embora não sejam naturalmente ecologistas, os recursos naturais nas suas terras estão sempre mais preservados que nos seus entornos.

Assim como o ISA, a FUNAI explica que a regularização das terras indígenas não é só importante para a proteção da cultura, como também para a proteção da biodiversidade brasileira, veja-se:

O que está em evidência nos dias atuais, é o fato de que a defesa dos territórios indígenas garante a preservação de um gigantesco patrimônio biológico e do conhecimento milenar detido pelas populações indígenas a respeito deste patrimônio. Por exemplo, as sociedades indígenas da Amazônia conhecem mais de 1.300 plantas portadoras de princípios ativos medicinais e pelo menos 90 delas já são utilizadas comercialmente. Cerca de 25% dos medicamentos utilizados nos Estados Unidos possuem substâncias ativas derivadas de plantas nativas das florestas tropicais. Por isso a preservação dos territórios indígenas é tão importante, tanto do ponto de vista de sua riqueza biológica quanto da riqueza cultural. Distribuídos por diversos pontos do País e vivendo nos mais diferenciados biomas - floresta tropical, cerrado etc. - os povos indígenas detêm um profundo conhecimento sobre seu meio ambiente e, graças às suas formas tradicionais de utilização dos recursos naturais, garantem tanto a manutenção de nascentes de rios como da flora e da fauna, que representam patrimônio inestimável. A proteção das terras indígenas é, portanto, uma medida estratégica para o País, seja porque se assegura um direito dos índios, seja porque se garantem os meios de sua sobrevivência física e cultural, e ainda porque se garante a proteção da biodiversidade brasileira e do conhecimento que permite o seu uso racional.

Para concluir a ligação existente entre a CDB e o Direito Socioambiental, conforme o ISA “não existe biodiversidade sem sociodiversidade” , assim resta evidenciado que a partir da biodiversidade, as comunidades indígenas podem se desenvolverem e terem o direito à diversidade cultural respeitado.

5.2 ETNODESENVOLVIMENTO

Com o avanço da sociedade moderna, o desenvolvimento econômico trouxe diversos problemas de ordem ambiental. Como forma de diminuir estes problemas, foi desenvolvida a idéia de desenvolvimento sustentável ou ecodesenvolvimento, tendo como um dos criadores deste pensamento o economista e sociólogo Ignacy Sachs. A partir desta idéia, constatou-se que deve haver desenvolvimento e que os recursos naturais devem ser explorados, todavia com um controle, gerando diversas estratégias de economia de recurso, como a reciclagem, aproveitamento de lixo, conservação de energia, água e recursos, manutenção de equipamentos, entre outros.
José Eli da Veiga, com concordância com as idéias de Ignacy Sachs, explica que a sustentabilidade ambiental:

É baseada no duplo imperativo ético de solidariedade sincrônica com a geração atual e de solidariedade diacrônica com as gerações futuras. Ela compele a trabalhar com escalas múltiplas de tempo e espaço, o que desarruma a caixa de ferramentas do economista convencional. Ele impede ainda a buscar soluções triplamente vencedoras (isto é, em termos sociais, econômicos e ecológicos), eliminando o crescimento selvagem obtido ao custo de elevadas externelidades negativas, tanto sociais quanto ambientais.

Dentro dos moldes do desenvolvimento sustentável, entretanto, como forma de desenvolver as comunidades indígenas, de uma forma diferenciada em relação ao método das sociedades hegemônicas, em conformidade com as perspectivas do Direito Socioambiental, nasceu o etnodesenvolvimento. Para o criador deste termo, Rodolfo Stavenhagen, o etnodesenvolvimento significa:

Uma etnia, autóctone, tribal ou outra, detém o controle sobre suas próprias terras, seus recursos, sua organização social e sua cultura, e é livre para negociar com o Estado o estabelecimento de relações segundo seus interesses.

Conforme Zélia Costa, no final da década de 80, continuaram a ser implantados os Grandes Projetos, os quais nasceram durante a Ditadura Militar. Visavam o progresso sem levar em consideração “as especificidades locais e as aspirações das populações que serão atingidas” . Assim, como forma de “possibilitar oportunidades iguais de desenvolvimento social, cultural e econômico em uma realidade pluriétnica” surgiu o etnodesenvolvimento.
Gilberto Azanha, Mestre em Antropologia Social, explica que para a aplicação deste conceito nas comunidades indígenas brasileiras devem-se envolver alguns indicadores, quais sejam:

a)aumento populacional, com segurança alimentar plenamente atingida; b) aumento do nível de escolaridade, na “língua” ou no português, dos jovens aldeados; c) procura pelos bens dos “brancos” plenamente satisfeita por meio de recursos próprios gerados internamente de forma não predatória, com relativa independência das determinações externas do mercado na captação de recursos financeiros; e d) pleno domínio das relações com o Estado e agências do governo, a ponto de a sociedade indígena definir essas relações, impondo o modo de como deverão ser estabelecidas.

Pode-se então dizer que a partir de meios eficazes, permitidos pelo etnodesenvolvimento, como aclara Gilberto Azanha, as comunidades indígenas podem se desenvolver, serem auto-sustentáveis, em consonância com as suas culturas e tradições.
Em conformidade com o indigenista Edívio Battistelli, etnodesenvolvimento significa “desenvolver dentro de padrões étnicos”(Informação Verbal) , assim cada etnia, cada comunidade, deve possuir um padrão diferenciado de desenvolvimento e auto-sustentabilidade.

5.2.1 Aplicação da Convenção 169 da OIT para o etnodesenvolvimento das Comunidades Indígenas

A Convenção 169 da OIT, como já estudada, transformou a idéia de assimilação da forçada dos povos indígenas, ademais conforme Marco Antonio Barbosa, esta convenção trouxe dois princípios à questão indígena: o etnodesenvolvimento e o direito à autodeterminação. O artigo 2º da referida convenção dispõe que:

Artigo 2o 1. Os governos deverão assumir a responsabilidade de desenvolver, com a participação dos povos interessados, uma ação coordenada e sistemática com vistas a proteger os direitos desses povos e a garantir o respeito pela sua integridade. 2. Essa ação deverá incluir medidas: a) que assegurem aos membros desses povos o gozo, em condições de igualdade, dos direitos e oportunidades que a legislação nacional outorga aos demais membros da população; b) que promovam a plena efetividade dos direitos sociais, econômicos e culturais desses povos, respeitando a sua identidade social e cultural, os seus costumes e tradições, e as suas instituições; c) que ajudem os membros dos povos interessados a eliminar as diferenças sócio - econômicas que possam existir entre os membros indígenas e os demais membros da comunidade nacional, de maneira compatível com suas aspirações e formas de vida.

Ademais, o artigo 23 da Convenção elucida que o artesanato e as atividades tradicionais devem ser reconhecidos como forma de manutenção da cultura, bem como de auto-suficiência e desenvolvimento econômico, sendo que é recomendado que sejam fortalecidas e fomentadas estas atividades pelos indígenas, o que ressalta mais uma vez o etnodesenvolvimento.
No mesmo sentido, de acordo com Marco Antônio Barbosa, o artigo 30 da referida Convenção determina que:

Os governos deverão adotar medidas de acordo com as tradições e costumes dos povos interessados a fim de que conheçam seus direitos e obrigações, especialmente no que se refere ao trabalho, às possibilidades econômicas, às questões da educação e saúde, aos serviços sociais (...)

Além dos citados artigos, a Convenção em sua plenitude deixa claro que os Estados devem adotar o etnodesenvolvimento nas comunidades indígenas, pois assim, estes povos terão a possibilidade de se desenvolverem dentro de suas técnicas culturais, não dependendo de políticas assistencialistas e, assim, terão direito ao multiculturalismo respeitado.

5.3 POLÍTICAS PÚBLICAS

Como estudado, o etnodesenvolvimento é um meio para proteger as comunidades indígenas, sendo que com a aplicação dele, aliado ao Direito Socioambiental, estes povos tem a possibilidade de se desenvolverem de forma harmônica ao seu meio de vida, protegendo a cultura e praticando a sustentabilidade.
Para isso devem ser criadas políticas públicas, por órgãos governamentais ou não, para que estas comunidades não dependam de políticas assistencialistas e não adquiram problemas sociais, como o alcoolismo e a desnutrição.
Assim, estudar-se-ão dois projetos, o Cultivando Água Boa, desenvolvido pela Itaipu Binacional e o Waimiri-Atroari, desenvolvido pela Eletronorte.

5.3.1 Projeto Cultivando Água Boa

Para a construção da maior hidroelétrica brasileira, a Itaipu Binacional, localizada na divisa do Brasil e do Paraguai (a parte brasileira fica localizada no município de Foz do Iguaçu, Estado do Paraná), no ano de 1978 iniciou o processo de desapropriação de terras que seriam alagadas. Estas desapropriações afetaram terras localizadas em oito municípios paranaenses, compreendendo um total de 801.220 ha, prejudicando aproximadamente 40 mil pessoas, entre agricultores, ribeirinhos e indígenas.
Na área da represa da Itaipu havia vários grupos indígenas, todas pertencentes à etnia Avá-Guarani. Assim como nos casos estudados, estas comunidades sofreram grandes problemas com a construção da hidroelétrica.
Em 1995 foi realizado um laudo antropológico em uma das aldeias atingidas, a Tekoha Ocoy, localizada no Município de São Miguel do Iguaçu, por especialistas da Universidade do Rio de Janeiro, visando a sustentar o pedido de uma terra maior e com melhor estrutura. Em tal laudo percebe-se o sofrimento da aldeia:

Apesar do mato, este não pode ser cortado – nem os índios desejam faze-lo. Sendo, porém, uma área reduzida, sobra-lhes pouco espaço para o cultivo de roças, problema que se agrava com o crescimento da população e a conseqüente formação de novas famílias que necessitam de terra para instalar suas habitações e para a subsistência.

Este problema se dava pelo fato de terem sido transferidos a uma área inferior a que possuíam e por ser área de proteção ambiental, não podendo, desta forma,plantar, ou seja, não podiam se auto sustentarem, dependendo de políticas assistencialistas para a sobrevivência.
Entretanto, a partir do Projeto Cultivando Água Boa, desenvolvida pela própria Itaipu Binacional, foi fundado no ano de 2004 o Projeto de Sustentabilidade das Comunidades Avá-Guarani, permitindo que as três aldeias atingidas pela represa, Tekoha Ocoy, localizada em São Miguel do Iguaçu, Tekoha Añetete, bem como a Tekoha Itamarã, ambas localizadas em Diamante D’ Oeste “obtenham seu próprio sustento, sem perder o sentimento de identidade étnica e mantendo suas tradições” ou seja, dentro dos princípios do etnodesenvolvimento e com responsabilidade socioambiental.
Estas comunidades são atendidas pela Itaipu Binacional, bem como por diversos órgãos, como a FUNAI, FUNASA, Prefeitura dos Municípios, Companhia de Habitação do Paraná (COHAPAR), entre outros. (Informação Verbal)
Dentro das aldeias são desenvolvidas diversas atividades produtivas, sendo que os índios recebem orientação e cursos de capacitação e cada grupo desenvolve uma atividade diversa, tendo como exemplo produção de artesanato para troca por alimentos e venda; plantação de mandioca, melancia e ervas medicinais; criações de gado, que servem para o consumo interno e para a venda, como demonstram as fotografias:

Artesanato produzido pelas comunidades indígenas atendidas pelo projeto.
Fonte: Acervo do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Proteção às Comunidades Indígenas.

Produção de melancia, onde foram colhidos 29.970 kg.
Fonte: Apresentação do Projeto Cultivando Água Boa realizada pela Gerente da Divisão de Ação Ambiental da Itaipu Binacional, Marlene Curtis.

Bovinocultura, sendo que a produção mensal de leite é de aproximadamente 1200 litros por mês.
Fonte: Apresentação do Projeto Cultivando Água Boa realizada pela Gerente da Divisão de Ação Ambiental da Itaipu Binacional, Marlene Curtis.

Produção de ervas medicinais, sendo que foram doadas pela Itaipu Binacional mudas de carqueja, guaco, cipó, cidró, stevia, sabugueiro, entre outras.
Fonte: Apresentação do Projeto Cultivando Água Boa realizada pela Gerente da Divisão de Ação Ambiental da Itaipu Binacional, Marlene Curtis.

Assim, as comunidades indígenas com o apoio da Itaipu Binacional desenvolvem ações que garantem a preservação de sua cultura e tradição, bem como sua auto-sustentabilidade, por meio das atividades citadas, entre outras, as quais se inserem nos princípios do etnodesenvolvimento e do Direito Socioambiental.

5.3.2 Projeto Waimiri-Atroari

A etnia Waimiri-Atroari, localizada ao norte do Estado do Amazonas e ao sul do Estado de Roraima, teve seus primeiros contatos com a sociedade “não índia” no início do século XIX. Todavia, foi durante a política desenvolvimentista ocorrida durante o Regime Militar que estes contatos foram mais intensos. Neste período foi construída uma rodovia dentro de suas terras, a BR 174, que liga Manaus a Boa Vista. No mesmo local foi instalado o Projeto Pitinga, cujo objetivo era extrair cassiterita sendo que, devido a este fato, foram esbulhados 526 hectares de terras indígenas. Ademais, após o Regime Militar, em 1987, foi construída pela Eletronorte (Centrais Elétricas do Norte do Brasil S.A.) a Usina Hidroelétrica de Balbina, alagando 30 mil ha de terras destes índios.
Em contrapartida, tendo como finalidade devolver, dentro do prazo de 25 anos, a independência que estes povos possuíam antes do contato com a sociedade brasileira , em 1988 foi criado o Projeto Waimiri-Atroari, assinado em junho daquele ano pela FUNAI e Eletronorte, por meio do Termo de Compromisso TC-002-87.
O projeto foi elaborado por uma equipe multidisciplinar com técnicos da própria FUNAI e Eletronorte, esta por sua foi a financiadora de todas as ações do programa, da Secretaria de Educação do Estado do Amazonas, do Instituto de Medicina Tropical de Manaus, bem como da Universidade do Amazonas.
A primeira fase do projeto foi a demarcação de 2.585.911 ha de terras, em consonância com estudo antropológico realizado pela FUNAI. A segunda fase foi a implementação de programas nas áreas de educação, saúde, meio ambiente, administração, documentação e memória, bem como apoio a produção, sendo que em todas as ações foram respeitas a multiculturalidade destes povos, em concordância com o etnodesenvolvimento.
Conforme o idealizador do Projeto José Porfírio Carvalho foram desenvolvidas, entre outras, as seguintes ações:

Desenvolvemos projetos de criação de animais silvestres como antas, capivaras e porcos-do-mato, e implantamos uma agricultura voltada para as culturas perenes, em vez das essências e produtos sazonais habitualmente cultivados. O projeto inclui ainda captação de recursos por meio da venda de artesanato indígena. Mantemos em Manaus uma loja exclusivamente para isso.(...) Assim, há uma série de atividades paralelas à produção direta que auxilia seu processo de etnodesenvolvimento.

Com estas ações os indígenas tornam-se independentes, não necessitando de políticas assistencialistas. Consoante José Porfírio Carvalho, atualmente estes indígenas consomem em média R$36,00 em bens não produzidos por eles, como o combustível. Todo o consumo restante é produzido na própria aldeia, desde alimentação até utensílios domésticos e artesanato, sendo que todas as atividades são desenvolvidas dentro de seus padrões culturais, mantendo “todos os processos reprodutivos de sua cultura, as roças são construídas de forma a suprir a necessidade de alimentos.”
Com estas atividades a comunidade indígena Waimiri-Atroari aumentou seu crescimento vegetativo, tendo em vista que no ano de 1987 havia 374 pessoas, em contrapartida no final do ano de 2007 havia 1232 indígenas, o que revela um crescimento de 5,1 % ao ano, um dos maiores do mundo. Ademais, nas 19 aldeias não há existência de alcoolismo, tampouco outro problema social.
Ressalta-se que todas as atividades produtivas são desenvolvidas a partir de critérios tradicionais de manejo ecológico do solo, sendo cultivadas variadas espécies agrícolas e frutíferas tradicionais, respeitando o ecossistema regional. Estas atividades, associadas às diversas outras incluídas no projeto, mostra que os Waimiri-Atroari possuem hoje:

Consciência lúcida e soberana de seus direitos, de seu lugar no mundo, de sua autogestão política e cultural, em defesa de sua cidadania étnica. E nos dão a ver, com eminente presença de espírito, que políticas indigenistas devem se fundamentar no respeito às diversidades culturais; que tenha terra indígena demarcada e regularizada, não é nenhum empecilho para o desenvolvimento do país; e que nenhum povo deve estar fadado à exclusão do bem comum, tendo em vista o potencial de recursos que todos poderemos generosamente usufruir, construindo de sol a sol o destino épico da multiétnica nação brasileira.

Desta forma, revela-se a importância do etnodesenvolvimento das comunidades indígenas, posto que a partir deste meio estes povos tornam-se independentes da sociedade “não índia”, podendo viver dentro de seus costumes, respeitando suas características culturais e mantendo o meio ambiente ecologicamente equilibrado.

6 CONCLUSÃO

“Depois que o último homem vermelho tiver partido e a sua lembrança não passar da sombra de uma nuvem a pairar acima das pradarias, a alma do meu povo continuará a viver nestas florestas e praias, porque nós as amamos como um recém-nascido ama o bater do coração de sua mãe.”
(Cacique Seattle)

A partir desta pesquisa, constata-se que o indígena não sofreu apenas na época da colonização européia, mas sofre até os dias atuais, talvez não mais com massacres diretos, porém com os indiretos, quais sejam, a falta de terras e de incentivos, o que culmina em diversas outras problemáticas, como o alcoolismo e a desnutrição.
Percebe-se, por meio do estudo realizado, que os europeus chegaram ao Brasil com perspectivas diferentes da dos indígenas, estes não tinham visão econômica sobre a terra e os bens, tendo com a natureza relação de amor e dela, fonte de subsistência.
Os anos passaram e as dificuldades foram aumentando, etnias foram sendo dizimadas, indígenas sendo escravizados e oprimidos. Assim, deve-se reconhecer que a Política do Integracionismo adotada desde as Missões Jesuíticas, que se perdurou até a promulgação da Constituição Federal de 1988 trouxe diversos problemas culturais para os indígenas, tendo em vista que o objetivo da igreja e do Estado era de integrá-los à comunhão nacional, sem respeitar o multiculturalismo.
Durante o Regime Militar havia a política desenvolvimentista, época em que outras várias comunidades foram prejudicadas, tendo em vista as construções de hidroelétricas e rodovias e a intensificação da agropecuária, as quais desencadearam a progressiva degradação do meio ambiente e o aumento das problemáticas indígenas.
Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, foi reconhecido o multiculturalismo e o índio passou a ter o direito de ser índio. Vários movimentos começaram a ocorrer, entre eles o socioambientalismo, corrente que, entre outros princípios, visa a proteção do meio ambiente e das populações que nele vivem, como os indígenas.
Logo em seguida foram criados instrumentos internacionais que corroboram com o texto constitucional de forma mais específica, como a Convenção 169 da OIT, que adotou o direito do indígena se desenvolver a partir de seus conhecimentos culturais e tradicionais. Da mesma forma, foi criada a Declaração das Nações Unidas sobre Direitos dos Povos Indígenas, reconhecendo também o direito de usufruírem as riquezas do solo e das águas, assim como o direito de participarem ativamente dos atos da sociedade nacional, se assim o desejarem. Ademais, a Convenção sobre Diversidade Biológica estabelece também que o indígena, assim como as demais comunidades tradicionais, é um potencial protetor da biodiversidade, sendo que, conforme a pesquisa, esta é essencial para a proteção da diversidade cultural destes povos.
Neste contexto, o Direito Socioambiental e o etnodesenvolvimento são alternativas para mudar positivamente a realidade do indígena, pois defendem a idéia de que as comunidades indígenas necessitam do meio ambiente para sua auto-sustentabilidade, bem como para a proteção de sua diversidade cultural.
Destarte, procurou-se estudar dois projetos que colocam na prática estas duas correntes, o Cultivando Água Boa e o Waimiri-Atroari, nos quais os indígenas se desenvolvem com atividades próprias de sua cultura, com técnicas sustentáveis e não dependem de políticas assistencialistas para a sobrevivência.
Assim, conclui-se que, a partir do momento em que todos os indígenas puderem viver em áreas que mantenham a diversidade biológica e que possam se desenvolver dentro de seus padrões culturais, podendo usufruir de suas terras, não mais dependerão do “homem branco” da forma indigna como hoje, em sua maioria, dependem, e terão ganho a liberdade que fora perdida há mais de quinhentos anos no Brasil.

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ANEXO

REPORTAGEM: TERRA INDÍGENA PROTEGE MAIS QUE PARQUE
FOLHA DE SÃO PAULO – 27/01/2006
AMAZÔNIA

Imagem de satélite mostra que índios são imbatíveis para conter danos à floresta, como desmatamento e queimada

Terra indígena protege mais que parque

Fernando Donasci - 12.jun.2005/Folha Imagem
Rio Tartaruga, um dos afluentes do Xingu, nas imediações do parque indígena de mesmo nome

MARCELO LEITE
COLUNISTA DA FOLHA

Se você acha que os índios do Brasil já têm terra demais, como afirmou o presidente da Funai, mas também quer ver a floresta amazônica preservada, pense duas vezes. Será preciso escolher uma das duas opiniões. Segundo um estudo publicado na edição de fevereiro do periódico "Conservation Biology", as terras indígenas são tão boas -ou melhores- que parques nacionais para conter a destruição da mata.
É a primeira vez que se mede, de fato, um efeito que já era conhecido. Basta olhar fotos de satélite ou mesmo sobrevoar áreas em torno do Parque Indígena do Xingu em Mato Grosso, por exemplo, para ver que a devastação é muito menor dentro do que fora dele. Havia, no entanto, uma convicção difundida entre algumas correntes ambientalistas de que parques eram melhores que reservas indígenas para proteger a biodiversidade. A nova pesquisa prova que não é bem assim.
A base do estudo são imagens de satélite. Para quantificar o efeito inibidor do desmatamento de um dos quatro tipos mais importantes de reserva do País (parque, terra indígena, reserva extrativista ou floresta nacional), pesquisadores de sete instituições brasileiras e americanas compararam o desmatamento e a ocorrência de queimadas dos dois lados da linha demarcatória de cada área. O método foi escolhido para diminuir o peso daquelas reservas que, por ficarem muito longe da fronteira agrícola, só estão preservadas por falta de pressão (atividades econômicas, como agricultura e extração de madeira).
"A idéia de que muitos parques nos trópicos existem somente "no papel" precisa ser reexaminada, assim como a noção de que as terras indígenas são menos eficazes do que os parques na proteção da natureza", afirmou o ecólogo Daniel Nepstad num comunicado do Centro de Pesquisa de Woods Hole (Massachusetts, EUA). Ele é o autor principal do estudo, ao lado de vários americanos e de Ane Alencar, geógrafa do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), uma ONG de pesquisa de Belém, e de Márcio Santilli e Alicia Rolla, do ISA (Instituto Socioambiental), de São Paulo.
É uma antiga controvérsia: reservas inabitadas (parques) são mais eficazes que as habitadas ou aquelas que permitem alguma exploração (terras indígenas, reservas extrativistas e florestas nacionais)? Os autores concluem que não, e se apóiam em números.
Há cerca de 1 milhão de km2 de terras indígenas (TIs) no Brasil, a maior parte na Amazônia. É muita terra: 1/5 da floresta e metade de tudo que existe como área protegida. Foram consideradas no estudo 121 TIs (40% do total de sua área na Amazônia), no caso do desmatamento, e 87 TIs (35% da área total), no das queimadas.
Entraram na comparação 15 parques, 10 Resex (reservas extrativistas) e 18 Flonas (florestas nacionais), na primeira amostra, e 11 parques, 4 Resex e 12 Flonas, na segunda. Das imagens de satélite extraíram-se dados sobre desmatamento numa faixa de 10 km de largura de cada lado da fronteira da área protegida. No caso do fogo, as faixas foram mais largas, de 20 km (as discrepâncias entre as duas amostras decorrem de minúcias metodológicas, como a resolução espacial do satélite).
À primeira vista, os parques parecem proteger mais contra desmatamento: comparando áreas sem cobertura registradas em 1997 e 2000, observou-se 20 vezes mais destruição na faixa de 10 km fora dos parques do que na de dentro. Para TIs, o coeficiente não foi tão alto (8,2 vezes), similar ao das Flonas (9,5 vezes). No quesito inibição de queimadas, as TIs se saíram melhor: o coeficiente de pontos de fogo identificados por satélite foi quase duas vezes mais positivo no caso das reservas indígenas do que na zona equivalente em unidades de conservação.
A razão disso deve ser buscada na maior pressão que sofrem as TIs, pois os parques em geral são criados pelo governo federal longe das frentes agrícolas e madeireiras, como o de Tumucumaque -um dos maiores do mundo, com 38.867 km2, mas nos confins da fronteira norte do País. Já a TI Mãe Maria, dos índios gaviões (Pará), é cortada por uma rodovia estadual e uma linha de transmissão elétrica e tem como vizinha a estrada de ferro de Carajás.
Se quiser conter a sanha devastadora de pecuaristas, madeireiros e sojicultores, parece que o melhor que o governo federal tem a fazer é dar mais terra para os índios, porque sabem protegê-la.

LUCIANA ALVES DE LIMA
CURITIBA
2009

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