Foram trazidos para a América para trabalhar como mão de obra escrava?

Embora o tema escravidão seja estudado no Ensino Fundamental e os livros didáticos sejam ricos em detalhes sobre essa forma de exploração do trabalho, a garotada muitas vezes não recebe uma resposta satisfatória a uma importante questão: por que a mão de obra escrava usada no Brasil colonial foi formada essencialmente por negros africanos, em vez dos índios nativos?

Essa maneira de ensinar a história - sem explicitar as razões para a escravização do negro -- contribui para difundir a ideia errônea de que a África era um continente em que se vivia nessa condição. "A palavra slave ('escravo', em inglês) vem de eslavo, evidenciando o fato pouco comentado de que na Baixa Idade Média a maioria dos cativos era de origem eslava", diz Maurício Waldman, estudioso de afroeducação e autor do livro Memória d'África: A Temática Africana em Sala de Aula. "A Europa foi um manancial de escravos para os reinos do Oriente Médio, mas o ensino da História, por ser eurocêntrico, não mostra essa questão."

Ao discutir com a garotada as causas para o uso desse tipo de mão de obra no Brasil, é importante enfatizar que o regime escravista se inseria no contexto do mercantilismo - o primeiro momento do capitalismo. A produção da colônia não era destinada à subsistência, e sim à comercialização - o objetivo era o lucro. A metrópole precisava povoar as terras descobertas e desejava extrair delas a maior quantidade possível de riquezas. "O português vem ao Novo Mundo como empresário. Outros trabalharão por ele", afirma o sociólogo Rogério Baptistini, professor na Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), citando o pensador Caio Prado Júnior (1907-1990).

Lembre os alunos de que, no início da colonização, os portugueses buscaram escravizar os índios de forma sistemática. Mas a iniciativa apresentou uma série de inconvenientes. "Eles não estavam acostumados ao trabalho regular e intenso. Caíam incapacitados com as doenças trazidas pelos europeus e, sempre que possível, se embrenhavam pelo interior do território, que lhes era familiar", diz Baptistini. Os relatos apontam que, por volta de 1562, duas violentas epidemias mataram por volta de 60 mil índios.

Ao mesmo tempo que surgiam as dificuldades com a escravização dos indígenas, os portugueses já estavam envolvidos com o comércio de escravos em um lucrativo negócio do outro lado do Atlântico. Essa forma de organização do trabalho era adotada nas ilhas africanas dominadas por Portugal e Espanha, como Cabo Verde, Açores e Canárias, que praticavam o sistema deplantation.

As origens dessa exploração, por sua vez, remontam ao século 7, quando a escravidão doméstica, de pequena escala, passou a conviver com um comércio mais intenso após a ocupação do norte da África pelos árabes. Centenas de negros eram trocados e vendidos em sua própria terra ou no mundo árabe. "Portugal encontrou esse comércio relativamente organizado, começou a se beneficiar dele e depois o trouxe para o Brasil", afirma o professor Baptistini.

Assim, a coroa lucrava duplamente: com o comércio de escravos e com o uso dessa mão de obra na colônia. A Igreja não se opôs à escravização do negro. Explique aos alunos que algumas ordens religiosas, inclusive, eram grandes proprietárias de escravos. A "missão evangelizadora" também era uma justificativa para escravizar os africanos "infiéis". Além disso, o negro era considerado um ser inferior, uma coisa, não uma pessoa, e por isso não tinha nenhum direito. Dessa forma, gradativamente os negros substituíram os nativos indígenas no trabalho escravo na colônia.

Estima-se que 4 milhões de africanos tenham desembarcado no Brasil entre 1550 e 1850, trazidos à força de seu continente, de regiões onde hoje estão Angola, Benin, Congo, Costa do Marfim, Guiné, Mali e Moçambique.


Por Leandro Augusto Martins Junior

Mestre em História Política pela UERJ

Escravidão ao longo dos tempos

Presente em diversas civilizações ao longo da história, a escravidão é uma das modalidades mais antigas de exploração do homem pelo homem. No Egito dos faraós, na Grécia Clássica ou no Império Romano, boa parte das atividades produtivas era desenvolvida através do uso de escravos, normalmente obtidos a partir da detenção de inimigos de guerra. Com o passar dos anos, o trabalho escravo pôde ser observado em tantas outras sociedades, adquirindo características específicas de seu tempo.

Tendo chegado à Idade Moderna, a escravidão se caracterizou como a base da economia de muitas regiões. No continente africano, principal fornecedor de escravos do período, aprisionar os inimigos derrotados e explorá-los no cativeiro era prática amplamente utilizada pelas tribos vitoriosas em conflitos locais. A partir de então, muitos desses cativos eram vendidos a comerciantes estrangeiros, sobretudo europeus, gerando um lucrativo tráfico de escravos entre a África e o resto do mundo.

Com a expansão marítima portuguesa e a colonização lusitana sobre o litoral africano, boa parte desse vantajoso comércio de mão de obra escrava passou a ser controlado por negociantes portugueses. Levados sob péssimas condições nos porões dos “navios negreiros”, estes escravos tinham como principal destino as colônias europeias, notadamente aquelas de domínio português, e em que destaque o Brasil.

Escravidão na América portuguesa

Foram trazidos para a América para trabalhar como mão de obra escrava?
Navio negreiro trazia os escravos para o Brasil (Foto: Reprodução)

Os primeiros escravos africanos chegaram ao Brasil em meados no século XVI, poucas décadas após a frota de Pedro Álvares Cabral aportar em nossas terras. Desde então a mão de obra escrava se mostrou fundamental às principais atividades econômicas desenvolvidas na América Portuguesa, como a agromanufatura açucareira nordestina e a extração de metais preciosos em Minas Gerais.

Entretanto, o trabalho escravo não se fazia presente somente nessas grandes atividades. As casas das famílias coloniais mais abastadas, por exemplo, possuíam um bom número de serviçais, os “escravos domésticos”. Havia ainda os “escravos tigres”, cujas obrigações eram de extrema importância em tempos de precário saneamento básico: deveriam levar tonéis cheios de fezes das casas ao local de despejo mais próximo. Por razões óbvias, tais escravos também eram chamados de “enfezados”.

Muitos escravos gozavam de grande confiança de seus senhores. Alguns, inclusive, eram escolhidos para comercializarem seus produtos em lugares distantes do cativeiro. Conhecidos como “escravos de ganho”, circulavam pelas cidades e em outros centros de comércio, exemplificando o relevante grau de autonomia que alguns escravos possuíam.

Resistência escrava

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Pelourinho, em Salvador, lugar de castigo para o escravos (Foto: Reprodução)

Via de regra, a relação entre senhores e escravos mostrava-se bastante tensa. Não era incomum que muitos cativos resistissem à escravidão. Suicídios coletivos na senzala e abortos provocados propositadamente por mães escravas eram eventos bastante recorrentes. A própria capoeira surgiu como uma criativa forma de resistência cultural dos escravos africanos frente à dominação europeia.

A grande maioria desses escravos rebeldes era castigada violentamente. Seus martírios eram normalmente realizados na frente de outros cativos, estratégia adotada por seus senhores justamente para evitar a ocorrência de novas rebeliões. Interessante perceber que muitos dos algozes desses escravos eram de origem africana, utilizados intencionalmente pelos colonos como carrascos.

Sugestão de leitura

  • Um dos grandes líderes do quilombo de Palmares, o “Zumbi dos Palmares”, foi assassinado em 20 de novembro 1695 a mando de colonos  insatisfeitos com a expansão dessa comunidade quilombola. Em sua homenagem, atualmente comemoramos na data de 20 de novembro o “Dia da Consciência Negra”. Em www.palmares.gov.br você poderá encontrar importantes informações sobre a história desse personagem e do movimento de resistência negra no Brasil. 

Outra forma bastante comum de resistência utilizada pelos escravos era a fuga do cativeiro. Aqueles que eram bem-sucedidos normalmente se refugiavam em comunidades clandestinas, os “quilombos”, onde também residiam ex-escravos – os “alforriados” – e trabalhadores livres pobres. Formavam-se, então, comunidades autossuficientes, capazes de produzir, mesmo que ilegalmente, o todo necessário à sobrevivência de seus integrantes.

Palmares foi certamente o maior quilombo existente na América Portuguesa. Localizado na capitania de Pernambuco, alcançou no século XVII o auge do seu desenvolvimento, momento no qual sua população teria atingido o quantitativo de vinte mil quilombolas. Tendo resistido por mais de um século às diversas tentativas de sua destruição, acabou virando um dos grandes símbolos da resistência escrava em terras brasileiras nos tempos coloniais.

Caiu no Enem

(ENEM 2012) Leia o texto a seguir:

“Em um engenho sois imitadores de Cristo crucificado porque padeceis em um modo muito semelhante o que o mesmo Senhor padeceu na sua cruz e em toda a sua paixão. A sua cruz foi composta de dois madeiros, e a vossa em um engenho é de três. Também ali não faltaram as canas, porque duas vezes entraram na Paixão: uma vez servindo para o cetro de escárnio, e outra vez para a esponja em que lhe deram o fel. A Paixão de Cristo parte foi de noite sem dormir, parte foi de dia sem descansar, e tais são as vossas noites e os vossos dias. Cristo despido, e vós despidos; Cristo sem comer, e vós famintos; Cristo em tudo maltratado, e vós maltratados em tudo. Os ferros, as prisões, os açoites, as chagas, os nomes afrontosos, de tudo isto se compõe a vossa imitação, que, se for acompanhada de paciência, também terá merecimento de martírio”. (VIEIRA, A. Sermões. Tomo XI. Porto: Lello & Irmão, 1951 (adaptado).

O trecho do sermão do Padre Antônio Vieira estabelece uma relação entre a Paixão de Cristo e:

a) a atividade dos comerciantes de açúcar nos portos brasileiros.   
b) a função dos mestres de açúcar durante a safra de cana.   
c) o sofrimento dos jesuítas na conversão dos ameríndios.   
d) o papel dos senhores na administração dos engenhos.   
e) o trabalho dos escravos na produção de açúcar.   

Gabarito comentado: A opção correta é a letra E, pois evidencia a relação feita no texto entre o sofrimento de Cristo crucificado e o tortuoso trabalho desempenhado por escravos em engenhos de açúcar. Termos como “engenho” e “cana” apresentam o produto em questão, o açúcar, cuja produção na América Portuguesa foi desenvolvida notadamente através do uso da mão-de-obra escrava africana.


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Quais povos foram trazidos para a América para trabalhar como mão de obra escrava?

A escravidão no Brasil foi responsável pela escravização de milhões de indígenas e africanos e existiu por mais de 300 anos. Milhões de africanos foram enviados para o continente americano para serem escravizados.

Quem foi que trouxe os escravos para o Brasil?

"Os portugueses são os primeiros a iniciar o comércio de escravos no Atlântico. Durante algumas décadas, são praticamente só eles que fazem esse tipo de comércio.

Quantos escravos foram trazidos para a América?

Em porões de navios escuros, sujos e quentes, cerca de 12,5 milhões de africanos escravizados foram trazidos para a América.

Como começou a escravidão na América?

A escravidão praticada na América do Norte existia desde o período colonial, com os primeiros escravos africanos chegando aos Estados Unidos continentais em 1526 (quase três décadas após a chegada da primeira expedição europeia ao Novo Mundo) trazidos pelos espanhóis.