E possível a substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos aos crimes dolosos com pena superior a 4 quarto anos?

Olá pessoal, tudo certo?

Recentemente, um seguidor me fez essa pergunta, especificando a situação do delito previsto no art. 1º, § 2º da Lei de Tortura (Lei 9455/97):

Art. 1º Constitui crime de tortura: (…) § 2º Aquele que se omite em face dessas condutas, quando tinha o dever de evitá-las ou apurá-las, incorre na pena de detenção de um a quatro anos.

Em razão desse preceito secundário, vislumbra-se uma possível “pegadinha” de prova, principalmente para aqueles candidatos que são extremamente detalhistas (as famosas pessoas que buscam “pelo e ovo”). Isso porque o preceito secundário dessa modalidade delitiva – conhecida como Tortura-Omissão – prevê sanção privativa de liberdade máxima não superior a 4 anos, o que, – EM TESE – autorizaria a conversão da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos, conforme prevê o CP:

Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando: I – aplicada pena privativa de liberdade NÃO SUPERIOR A QUATRO ANOS e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo; II – o réu não for reincidente em crime doloso; III – a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente.

Apesar de doutrinariamente se questionar a constitucionalidade desse dispositivo, por supostamente violar o princípio da isonomia e da proporcionalidade na perspectiva da vedação da proteção insuficiente, bem como do próprio mandado constitucional de criminalização, que não é compatível com sancionamento tão brando se comparado às demais modalidades, o fato é que essa norma ostenta presunção de constitucionalidade.

CUIDADO! Isso não significa que o simples fato de o preceito secundário do tipo em tela ser compatível com o parâmetro quantitativo objetivo fixado no art. 44 do CP permite, automaticamente, a conclusão da possibilidade de conversão. Não.

Imaginemos um caso de condenação no crime de tortura culminando com a fixação de PPL de 2 anos e seis meses, seria possível essa conversão?

É aqui que reside o perigo.

Não se pode analisar APENAS o quantum da pena. É que, além dessa exigência legal, o artigo 44, I do CPB registra que para a concessão do benefício da conversão será imprescindível que o delito analisado no caso concreto não tenha sido cometido com violência ou grave ameaça à pessoa! Esse trecho do dispositivo legal é o grande óbice a efetivação da conversão nos crimes de tortura. Afinal, o delito de tortura tem em sua essência justamente o comportamento violento em desfavor de uma pessoa.

E como se posicionam os Tribunais Superiores?

STJ STF
“Nos crimes definidos na Lei de Tortura há óbice à substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, com base no art. 44, inciso I, do Código Penal” (HC 131.828/RJ, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 19/11/2013, DJe 02/12/2013). A substituição da pena privativa pela restritiva de direitos não tem lugar quando o crime é praticado com        violência CP, art. 44, I”. (HC 84037/SC, Relatora Min. ELLEN GRACIE).

Parece-nos, pois, que em qualquer modalidade do crime de tortura é absolutamente incompatível a conversão da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos, inclusive na tortura-omissão, não obstante o tratamento mais brando firmado pelo legislador.

De toda sorte, é importante registrar que parcela da doutrina aponta como exceção o caso do delito de omissão perante a tortura praticada por outrem (artigo 1º, parágrafo 2º da Lei 9.455/97), advogando a tese de que, tecnicamente, não se trataria de tortura, bem como por não prever a utilização pelo agente de emprego de violência ou grave ameaça. Ou seja, com base nisso, há quem defenda ser possível substituição por pena restritiva de direitos.

Destaque-se, porém, que é prudente adotar, em certames públicos de primeira etapa (prova objetiva), diante de uma indagação genérica sobre se é possível a substituição no crime de tortura, a resposta que indique o sentido NEGATIVO dessa possibilidade, pelas razões acima indicadas.

Trata-se de tema pouco abordado em manuais, porém bem interessante para ser cobrado na sua prova.

Espero que tenham gostado e, sobretudo, compreendido.

Vamos em frente!

Pedro Coelho – Defensor Público Federal e Professor de Processo Penal e Legislação Penal Especial.

O objetivo deste artigo é analisar criticamente o método (ou talvez reconhecer a ausência de um método!) empregado no momento da substituição da pena privativa de liberdade pelas penas restritivas de direitos. Não se tem a pretensão de esgotar o tema, mas de instigar o debate de uma temática da maior importância, mormente diante da calamidade do sistema penitenciário brasileiro, tendo o Supremo Tribunal Federal decidido pela existência de um estado de coisas inconstitucional.

Considerando que o Brasil convive com estabelecimentos prisionais praticamente medievais, resultado do descaso e da falta de investimentos ao longo de décadas, não se há de negar, nesse cenário, a importância das penas alternativas à prisão, uma clara tendência.

Apesar disso, é preciso critério na aplicação das penas restritivas, sob pena de quebra da coerência sistêmica e fomento da impunidade.

Como regra, o preceito secundário dos tipos penais estabelece uma pena privativa de liberdade (reclusão, detenção ou prisão simples). Portanto, o agente, a princípio, ao cometer um crime ou uma contravenção, deveria cumprir uma pena de prisão.

Entretanto, por razões de política criminal, o próprio legislador estabeleceu que, em determinados casos, preenchidos certos requisitos, seria justo substituir a pena de prisão por medidas alternativas, chamadas pelo Código Penal de penas restritivas de direitos (arts. 43 e 44 do Código Penal). Confira-se:

Art. 43. As penas restritivas de direitos são:

I - prestação pecuniária;

II - perda de bens e valores;

III - limitação de fim de semana.

IV - prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas;

V - interdição temporária de direitos;

VI - limitação de fim de semana.

Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando:

I – aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo;

II – o réu não for reincidente em crime doloso;

III – a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente.

§ 1º Vetado

§ 2º Na condenação igual ou inferior a um ano, a substituição pode ser feita por multa ou por uma pena restritiva de direitos; se superior a um ano, a pena privativa de liberdade pode ser substituída por uma pena restritiva de direitos e multa ou por duas restritivas de direitos.

§ 3º Se o condenado for reincidente, o juiz poderá aplicar a substituição, desde que, em face de condenação anterior, a medida seja socialmente recomendável e a reincidência não se tenha operado em virtude da prática do mesmo crime.

§ 4º A pena restritiva de direitos converte-se em privativa de liberdade quando ocorrer o descumprimento injustificado da restrição imposta. No cálculo da pena privativa de liberdade a executar será deduzido o tempo cumprido da pena restritiva de direitos, respeitado o saldo mínimo de trinta dias de detenção ou reclusão.

§ 5º Sobrevindo condenação a pena privativa de liberdade, por outro crime, o juiz da execução penal decidirá sobre a conversão, podendo deixar de aplicá-la se for possível ao condenado cumprir a pena substitutiva anterior. (Negritei).

Parece-me muito claro que a pena alternativa à prisão deve guardar certa relação de severidade com a pena privativa de liberdade. Não há diversidade de critérios para a pena privativa de liberdade e para as restritivas.

O art. 59 do Código Penal estabelece que “o Juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime”. Veja-se que a pena, privativa de liberdade ou restritiva de direitos, deve ser suficiente para reprovar e prevenir a prática de infrações penais.

Peguemos, então, uma situação: em relação à pena restritiva consistente no pagamento de prestação pecuniária, o Código Penal estabelece que o número de salários-mínimos pode variar de um a trezentos e sessenta. Então, deve-se indagar: em qual(is) elemento(s) o julgador deve se amparar para definir o número de salários-mínimos no momento em que for realizar a substituição? A resposta mais difundida é a situação financeira do agente.

Tal resposta pode ser criticada. A pena não pode depender da situação econômica do criminoso, pois haveria clara ofensa ao princípio da isonomia e ao Direito Penal do fato. A pena do agente rico poderia ser maior do que a do pobre, apenas com base em sua melhor condição financeira? Em caso positivo, isso não seria a aplicação da teoria do Direito Penal do autor, rejeitada pela jurisprudência e doutrina?

A situação financeira do agente nada tem a ver com o crime (fato) por ele praticado e, ademais, não está prevista nos artigos 59 e 68 do Código Penal, que trazem as diretrizes para a fixação da pena, seguindo o critério trifásico adotado pelo sistema brasileiro.

Na prática, a substituição da pena privativa de liberdade é feita sem qualquer fundamentação, quase uma operação matemática. É bastante comum, por exemplo, que no crime de furto simples ocorra, sendo aplicada a pena no mínimo legal, ou seja, um ano de reclusão, a substituição da pena privativa de liberdade por um salário-mínimo. Seguindo a mesma lógica, no crime de homicídio culposo (art. 121, § 3º do Código Penal), nada impede que o homicida receba como pena alternativa o pagamento de um salário-mínimo, situação que obviamente causa perplexidade.

Aliás, no crime culposo qualquer quantum de pena privativa de liberdade pode ser substituída por penas restritivas de direitos, conforme se infere do art. 44, I do Código Penal.

Peguemos o crime de rixa (art. 137 do Código Penal), cuja pena cominada é muito branda, variando de quinze dias a dois meses de detenção, sendo a multa alternativa. Pelo art. 44, I do Código Penal, a pena privativa de liberdade pode ser substituída no intervalo de um dia a quatro anos, em se tratando de crime doloso. Assim, se o agente for condenado à pena mínima de quinze dias de detenção, pode-se defender a legitimidade de uma pena restritiva consistente no pagamento de um salário-mínimo.

O raciocínio é o seguinte: quinze dias de detenção ou o pagamento de um salário-mínimo, a título de prestação pecuniária, são penas que, de uma forma mais ou menos equivalentes, reprimem o crime de rixa e previnem o cometimento de novas infrações penais.

Peguemos, agora, o crime de posse ilegal de arma de fogo, cuja pena é bem mais alta, variando de um a três anos de detenção (art. 12 da Lei 10.826/03). A pena de um ano de detenção reprime o crime e previne a prática de outros delitos. Indaga-se: um salário-mínimo tem a mesma aptidão? Um salário-mínimo, nesse contexto, poderia representar a impunidade.

Como sustentar a mesma pena restritiva, ou seja, um salário-mínimo de prestação pecuniária, para situações tão diferentes (crimes de rixa e posse ilegal de arma de fogo).

Deve haver certa relação de incômodo entre a pena privativa de liberdade e as alternativas à prisão, mormente porque há penas alternativas muito brandas, tais como a limitação de fim de semana e a interdição temporária de direitos. Se não houver critério, nada impede que o agente que tenha cometido um crime de homicídio culposo receba como pena a proibição de frequentar determinados lugares (art. 47, IV do Código Penal).

Uma pergunta ainda pode ser feita: a situação financeira do agente nunca deverá ser levada em conta?

É claro que sim. O agente pode ser liberado do pagamento das despesas processuais e também nada impede que a prestação pecuniária, estabelecida como pena alternativa à prisão, seja dividida em várias parcelas para se adequar ao seu orçamento. O importante é que a pena restritiva mantenha a sua natureza de pena, com um grau de incômodo compatível com a prática da infração penal.

E possível a substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos aos crimes dolosos com pena superior a 4 quarto anos?

Para os casos de condenação em crimes em âmbito de violência doméstica, mesmo que a pena seja inferior a 4 anos, não é possível a substituição por pena restritivas de direitos, esse entendimento foi objeto do enunciado de Súmula nº 588 do Superior Tribunal de Justiça.

E possível a substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos nos crimes cometidos com violência ou grave ameaça?

Impossibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos. Tema atualizado em 15/12/2020. A prática de infração penal contra a mulher, no ambiente doméstico, com grave ameaça ou violência, inviabiliza a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos.

E possível a substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos?

44 do Código Penal é possível a substituição de penas privativas de liberdade por restritivas de direitos se o delito praticado não o for com violência ou grave ameaça à pessoa, a pena de reclusão imposta não ultrapassar o limite de quatro anos e o agente preencher os requisitos subjetivos para receber o benefício.

E possível a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos nos crimes de lesão corporal leve constrangimento ilegal e ameaça?

Súmula 588 do STJ: A prática de crime ou contravenção penal contra a mulher com violência ou grave ameaça no ambiente doméstico impossibilita a substituição de pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.