E no trecho em que o narrador um desabafo uma reflexão os verbos aparecem em qual tempo verbal?

O labirinto dos manuais

Há alguns meses troquei meu celular. Um modelo lindo, pequeno, prático. Segundo a vendedora, era capaz de tudo e mais um pouco. Fotografava, fazia vídeos, recebia e-mails e até servia para telefonar. Abri o manual, entusiasmado. “Agora eu aprendo”, decidi, folheando as 49 páginas. Já na primeira, tentei executar as funções. Duas horas depois, eu estava prestes a roer o aparelho. O manual tentava prever todas as possibilidades. Virou um labirinto de instruções!

Na semana seguinte, tentei baixar o som da campainha. Só aumentava. Buscava o vibracall, não achava. Era só alguém me chamar e todo mundo em torno saía correndo, pensando que era o alarme de incêndio! Quem me salvou foi um motorista de táxi.

— Manual só confunde – disse didaticamente. – Dá uma de curioso.

Insisti e finalmente descobri que estava no vibracall há meses! O único problema é que agora não consigo botar a campainha de volta!

Atualmente, estou de computador novo. Fiz o que toda pessoa minuciosa faria. Comprei um livro. Na capa, a promessa: “Rápido e fácil” – um guia prático, simples e colorido! Resolvi: “Vou seguir cada instrução, página por página. Do que adianta ter um supercomputador se não sei usá-lo?”. Quando cheguei à página 20, minha cabeça latejava. O livro tem 342! Cada vez que olho, dá vontade de chorar! Não seria melhor gastar o tempo relendo Guerra e Paz?

Tudo foi criado para simplificar. Mas até o micro-ondas ficou difícil. A não ser que eu queira fazer pipoca, que possui sua tecla própria. Mas não posso me alimentar só de pipoca! Ainda se emagrecesse... E o fax com secretária eletrônica? O anterior era simples. Eu apertava um botão e apagava as mensagens. O atual exige que eu toque em um, depois em outro para confirmar, e de novo no primeiro! Outro dia, a luzinha estava piscando. Tentei ouvir a mensagem. A secretária disparou todas as mensagens, desde o início do ano!

Eu sei que para a garotada que está aí tudo parece muito simples. Mas o mundo é para todos, não é? Talvez alguém dê aulas para entender manuais! Ou o jeito seria aprender só aquilo de que tenho realmente necessidade, e não usar todas as funções. É o que a maioria das pessoas acaba fazendo!

(Walcyr Carrasco, Veja SP, 19.09.2007. Adaptado)

Entre as características que definem uma crônica, estão presentes no texto de Walcyr Carrasco

a) a narração em 3ª pessoa e o uso expressivo da pontuação.

b) a criação de imagens hiperbólicas e o predomínio do discurso direto.

c) o emprego de linguagem acessível ao leitor e a abordagem de fatos do cotidiano.

d) a existência de trechos cômicos e a narrativa restrita ao passado do autor.

e) a ausência de reflexões de cunho pessoal e o emprego de linguagem em prosa poética.

O DISCURSO INDIRETO LIVRE EM VIDAS SECAS,
DE GRACILIANO RAMOS

Castelar de Carvalho

(UFRJ, ABF)

INTRODU��O

Na estrutura��o do texto narrativo disp�e o narrador de tr�s recursos ou tipos de discurso para transmitir ao leitor os pensamentos e as palavras de suas personagens, sejam elas reais ou fict�cias. Esses discursos dividem-se em: 1) direto; 2) indireto e 3) indireto livre.

No discurso direto, o narrador limita-se a introduzir a personagem, deixando-a, em seguida, exprimir-se por si mesma, com suas pr�prias palavras, tal como fazem Capitu e Bentinho, no di�logo com que Machado de Assis fecha o cap�tulo LXV de Dom Casmurro:

� Voc� tem raz�o, Capitu, conclu� eu; vamos enganar toda esta gente.

� N�o �?, disse ela com ingenuidade.

Formalmente marcado pela presen�a de verbos dicendi, como dizer, afirmar, ponderar, pensar, perguntar, responder, etc. e pelo emprego de travess�es ou aspas, o discurso direto pode ser facilmente reconhecido pelo leitor, mesmo quando aparece sob a forma de mon�logo, como nesta fala interior de Bentinho (DC, XVIII): �E Capitu tem raz�o, pensei, a casa � minha, ele � um simples agregado...�.

Do ponto de vista expressivo, o discurso direto empresta colorido e espontaneidade � narrativa, reproduzindo diretamente, com o aux�lio de sinais gr�ficos (exclama��es, interroga��es, interjei��es), estados de esp�rito e sentimentos da personagem.

No discurso indireto, o narrador incorpora � sua fala o discurso da personagem, introduzindo-o indiretamente atrav�s de um verbo de elocu��o (dizer, afirmar, confessar, perguntar, responder, etc.) e de uma ora��o subordinada substantiva, introduzida geralmente pela conjun��o integrante que, como no seguinte exemplo: �Capitu segredou-me que a escrava desconfiara, e ia talvez contar �s outras� (DC, XXXIX).

Como se v�, no discurso indireto, a fala da personagem perde em espontaneidade, adquirindo um tom mais informativo, mais intelectivo, devido ao fato de vir introduzida por meio da subordina��o sint�tico-sem�ntica, que busca estabelecer uma correspond�ncia entre a fala realmente pronunciada pela personagem e a frase reproduzida indiretamente pelo narrador. Desse modo, no discurso indireto, a personagem fica subordinada ao narrador, perdendo o seu discurso, de certa forma, em emotividade e detalhes acess�rios, mas conservando sua ess�ncia significativa e expressiva.

Um bom exemplo da compara��o entre esses dois tipos de discurso � o direto e o indireto � encontra-se no trecho abaixo, transcrito do cap�tulo �Cadeia�, de Vidas secas. O narrador apresenta Fabiano desconfiado da cacha�a que lhe fora servida por seu In�cio e reproduz a pergunta mental do personagem, usando o discurso indireto, com as devidas adapta��es. Logo em seguida, emprega o discurso direto, repetindo, neste caso, as pr�prias palavras do personagem:

Ia jurar que a cacha�a tinha �gua. Por que seria que seu In�cio botava �gua em tudo? , perguntou mentalmente. Animou-se e interrogou o bodegueiro:

� Por que � que vossemec� bota �gua em tudo?

O DISCURSO INDIRETO LIVRE

O discurso (ou estilo) indireto livre � um terceiro tipo de recurso narrativo, uma esp�cie de expediente h�brido resultante da concilia��o dos dois discursos acima referidos. Trata-se, portanto, de um tipo misto, em que o narrador, em vez de reproduzir ipsis litteris as pr�prias palavras da personagem (discurso direto), ou de informar o leitor sobre o que ela teria dito (discurso indireto), aproxima-se da personagem e confunde-se com ela, transmitindo a impress�o de que ambos falam em un�ssono, por isso, �s vezes, torna-se um pouco dif�cil separar a fala da personagem do discurso do narrador. � que a fronteira entre os dois se apresenta, em certos casos, bastante sutil, devido � liberdade formal de que disp�e o narrador, a par da motiva��o basicamente psicol�gica inerente ao discurso indireto livre.

Formalmente, o discurso indireto livre � uma esp�cie de discurso indireto sem elos subordinativos, por�m mantendo a fei��o original da fala ou do pensamento da personagem, com todas as suas implica��es de ordem emotiva, como interroga��es e exclama��es, preservando assim a oralidade ou a enuncia��o mental subjacentes.

Para exemplificar, tomemos uma frase em discurso indireto, como esta que aparece no cap�tulo V de Dom Casmurro: �Jos� Dias recusou dizendo que era justo levar a sa�de � casa de sap� do pobre�. Suprimindo o verbo declarativo �dizendo� e a conjun��o �que�, formamos dois per�odos independentes, em que o segundo encontra-se no discurso indireto livre, contendo a pr�pria fala do personagem, mas preservando as adapta��es feitas no discurso indireto puro: �Jos� Dias recusou. Era justo levar a sa�de � casa de sap� do pobre�. Aqui, o narrador, Bentinho, abre um espa�o no seu pr�prio discurso para que Jos� Dias possa expressar sua opini�o, mas devido � aus�ncia de elo subordinativo e de verbo de elocu��o, o discurso do personagem pode passar despercebido ao leitor n�o-familiarizado com esse recurso narrativo. (No discurso direto, ter�amos as pr�prias palavras do personagem, com o verbo ser no presente: �Jos� Dias recusou dizendo: � � justo levar a sa�de � casa de sap� do pobre.�).

No trecho a seguir, extra�do do cap�tulo �Fuga�, de Vidas secas, Graciliano Ramos emprega os tr�s tipos de discurso, mesclando-os com extrema habilidade estil�stica. Come�a com a pergunta de sinha Vit�ria, em discurso direto, introduzido por um verbo carregado de expressividade (�zumbiu�, lembrando uma vespa no ouvido do marido), passa para o indireto narrativo nos dois per�odos seguintes (�Fabiano estranhou a pergunta e rosnou uma obje��o.�), insere sutilmente o indireto livre, com a obje��o rosnada de Fabiano (�Menino � bicho mi�do, n�o pensa.�), em seguida, retoma o indireto narrativo, para referir-se � indaga��o de sinha Vit�ria e � rea��o do marido (�Mas sinha Vit�ria renovou a pergunta � e a certeza do marido abalou-se.�), e volta ao indireto livre, com Fabiano novamente, dessa vez ruminando sobre a capacidade de racioc�nio da mulher (�Ela devia ter raz�o. Tinha sempre raz�o.�). O discurso indireto puro reproduz a indaga��o de sinha Vit�ria a respeito do futuro dos meninos (�Agora desejava saber que iriam fazer os filhos quando crescessem.�). A resposta de Fabiano projeta para o futuro dos filhos sua pr�pria condi��o de vaqueiro e, plena de convic��o, se faz em discurso direto e introduzido por um verbo de opini�o, circunst�ncias inusitadas na fala do monossil�bico e reticente personagem (�� Vaquejar, opinou Fabiano.�). Mas vamos conferir no texto:

Em que estariam pensando?, zumbiu sinha Vit�ria. Fabiano estranhou a pergunta e rosnou uma obje��o. Menino � bicho mi�do, n�o pensa. Mas sinha Vit�ria renovou a pergunta � e a certeza do marido abalou-se. Ela devia ter raz�o. Tinha sempre raz�o. Agora desejava saber que iriam fazer os filhos quando crescessem.

� Vaquejar, opinou Fabiano.

Lembremos que, do ponto de vista expressivo, o discurso indireto livre permite uma narrativa mais fluente, de ritmo e tom mais expressivamente elaborados, com grande efeito estil�stico, em virtude da aus�ncia de qu�s e de cortes e adapta��es sint�tico-sem�nticas. O elo ps�quico que se estabelece entre o narrador e sua personagem, nesse tipo de discurso, faz com que este seja bastante empregado nas narrativas de cunho memorialista ou de fluxo da consci�ncia, como � o caso de Vidas secas. Como a distin��o entre a fala e os estados mentais da personagem e o discurso do narrador � por vez um tanto sutil, o contexto narrativo desempenha papel importante, em se tratando da apreens�o do discurso indireto livre.

Se os discursos direto e indireto, como formas de express�o inerentes ao g�nero narrativo, s�o t�o antigos quanto a pr�pria arte liter�ria, o discurso indireto livre � recurso narrativo mais ou menos recente. As literaturas grega e latina n�o o conheciam. Charles Bally (1912), o primeiro a estudar o assunto na literatura francesa, declara n�o ter encontrado vest�gios do seu emprego no per�odo do Renascimento (os escritores cl�ssicos, devido � influ�ncia da sintaxe latina, n�o o utilizaram), e s� a partir de La Fontaine (s�c. XVII), de quem era o recurso narrativo predileto, � que o discurso indireto livre se manifesta.

Na literatura de l�ngua portuguesa da era cl�ssica, raros s�o os exemplos desse recurso narrativo, como este que nos � lembrado pelo professor Mattoso C�mara (1977:31), que o v� inclusive �j� perfeitamente estruturado em Cam�es�:

Na primeira figura se detinha

O Catual que vira estar pintada,

Que por divisa um ramo na m�o tinha,

A barba branca, longa e penteada.

Quem era e por que causa lhe convinha

A divisa que tem na m�o tomada

? (Lus., 8, 1)

Na verdade, somente a partir do s�culo XIX � que o discurso indireto livre come�ou a ganhar vulto por influ�ncia dos escritores franceses Gustave Flaubert e �mile Zola. Charles Bally foi o primeiro a chamar a aten��o para a nova t�cnica narrativa, dando-lhe o nome de estilo indireto livre. Mas isto somente em 1912, porque at� ent�o as gram�ticas simplesmente n�o o mencionavam, e Bally (1912:605) explica a raz�o: �Le style indirect libre est une forme de pens�e, et les grammairiens partent des formes grammaticales� [o estilo indireto livre � uma forma de pensamento, e os gram�ticos partem das formas gramaticais].

Ao estudo pioneiro de Charles Bally seguiram-se o de Albert Thibaudet, que fez uma an�lise do discurso indireto livre na obra de Zola, em 1922, e o livro, hoje cl�ssico, de Marguerite Lips, intitulado Le style indiret libre, Paris, Payot, 1926. Entre n�s, merece destaque o estudo primoroso de Mattoso C�mara (v. bibliografia) sobre o estilo indireto livre em Machado de Assis, mestre da narrativa psicol�gico-memorialista e, n�o por acaso, um dos mais ex�mios cultores desse recurso narrativo em nossa literatura.

Passemos agora a estudar o discurso indireto livre, nos planos formal e expressivo, tal como ele se apresenta no cap�tulo �Cadeia�, extra�do do romance Vidas secas, de Graciliano Ramos.

No plano formal

Formalmente, o discurso indireto livre apresenta caracter�sticas h�bridas: trata-se de um artif�cio para introduzir discreta e sutilmente a pr�pria fala ou o pensamento da personagem no discurso indireto atrav�s do qual o narrador conta a hist�ria. Desse modo, aproximando o narrador da personagem, pode o discurso indireto livre dar ao leitor a impress�o de que ambos passam a falar em un�ssono. No exemplo abaixo, essa impress�o se faz n�tida:

Estirou as pernas, encostou as carnes do�das ao muro. Se lhe tivessem dado tempo, ele teria explicado tudo direito. Mas pegado de surpresa, embatucara. Quem n�o ficaria azuretado com semelhante desprop�sito?

As duas primeiras ora��es pertencem ao discurso do narrador, descrevendo os gestos de Fabiano. Subitamente, por�m, no trecho grifado, o narrador deixa aflorar, em discurso indireto livre, a indaga��o interior do personagem, como se este pensasse alto. Misturam-se os dois discursos, o do narrador e o do personagem, fato que, pela liberdade sint�tica do segundo, pode levar o leitor desatento a confundir os dois n�veis de fala. Contudo, a partir da conjun��o condicional �se�, nada mais pode ser atribu�do ao narrador, pois o que se tem � o personagem refletindo sobre sua situa��o de injusti�ado. Note-se, a prop�sito, a presen�a do pronome �ele� no papel de sujeito, e n�o Fabiano, o que refor�a essa impress�o. Por �ltimo, a pergunta (�Quem n�o ficaria azuretado com semelhante desprop�sito?�), misto de incompreens�o e perplexidade, denuncia diretamente ao leitor o estado de esp�rito inconformado do personagem, mas o faz de maneira sutil, caracter�stica, ali�s, da maior parte do texto de Vidas secas, em que Graciliano Ramos manipula habilmente os discursos narrativo, indireto puro e indireto livre, conciliando a onisci�ncia do narrador (terceira pessoa) com a semisci�ncia do personagem (primeira pessoa indireta), numa expressiva simbiose discursiva.

Eis outro exemplo representativo, extra�do do mesmo cap�tulo �Cadeia�:

Lembrou-se da casa velha onde morava, da cozinha, da panela que chiava na trempe de pedra. Sinha Vit�ria punha sal na comida. Abriu os alforjes novamente: a trouxa de sal n�o se tinha perdido. Bem. Sinha Vit�ria provava o caldo na quenga de coco. E Fabiano se aperreava por causa dela, dos filhos e da cachorra Baleia, que era como uma pessoa da fam�lia, sabida como gente.

Aqui, como no trecho anterior, o fluxo da consci�ncia de Fabiano, divagante, saltando de uma imagem a outra, de uma lembran�a a outra, � quebrado subitamente pela express�o sens�vel de seu pr�prio pensamento, de sua constata��o aliviada: �a trouxa de sal n�o se tinha perdido. Bem�. Trata-se de um discurso em que predomina a interioriza��o da linguagem, verdadeiro mon�logo interior. A observa��o a respeito do sal � nitidamente do personagem, pois, no caso, o narrador � onisciente e n�o teria sentido sua incerteza. Tal impress�o � refor�ada pelo suspiro de al�vio e de contentamento (�Bem�), que s� poderia partir de Fabiano, ap�s a constata��o de que o sal ainda estava no alforje. O predicado verbal �n�o se tinha perdido�, no pret�rito mais-que-perfeito, � outra marca, esta formal, do discurso indireto livre. E o narrador retoma imediatamente o fio da hist�ria, volta ao discurso indireto estrito, lembrando ao leitor que ele continua presente, ao lado do personagem de sua fic��o.

O trecho acima citado serve como bom exemplo para ilustrar uma das possibilidades do discurso indireto livre, que � justamente a de estabelecer um elo ps�quico entre o narrador e o personagem. Aquele se transp�e para junto deste, e ambos falam em un�ssono, os dois discursos se mesclam e se interpenetram, por isso o discurso indireto livre tornou-se o processo narrativo preferido dos escritores que privilegiam os textos de introspec��o psicol�gica, como � o caso de Graciliano Ramos, sobretudo em Vidas secas, um romance em que o autor �fala� e �pensa� pelo seu personagem, Fabiano, um homem rude, sem grandes recursos expressivos. Ali�s, o pr�prio narrador adverte, nesse cap�tulo �Cadeia�, que �Fabiano tamb�m n�o sabia falar�. N�o precisava. Graciliano fala por ele e com ele. Para isso, � que existe o discurso indireto livre. � oportuno lembrar tamb�m que o molde frasal desse processo narrativo, por sua economia verbal, ajusta-se como uma luva ao estilo de Graciliano Ramos, conhecido como enxuto e objetivo.

No plano expressivo

O emprego do discurso indireto livre real�a tamb�m os aspectos da expressividade estil�stica, porque, como afirma F�bio Freixeiro (1971:102),

possibilita a reprodu��o de gestos da personagem; evita o pesado uso dos qu�s; mant�m as interroga��es e exclama��es sob a forma origin�ria; traduz estados mentais das personagens.

Comprova essa afirma��o de F�bio Freixeiro o trecho abaixo, em que as indaga��es originais do personagem, preservadas no discurso indireto livre, com as devidas adapta��es (verbo no pret�rito imperfeito: serviam, e n�o servem), enfatizam a perplexidade e a revolta de Fabiano contra sua injusta pris�o. Observe-se que o narrador, para retratar a aquieta��o dissimulada do personagem diante do carcereiro, preferiu usar o discurso direto, justificado, no caso, pela necessidade de expressar com nitidez as pr�prias palavras de Fabiano:

Afinal para que serviam os soldados amarelos

? Deu um pontap� na parede, gritou enfurecido. Para que serviam os soldados amarelos? Os outros presos remexeram-se, o carcereiro chegou � grade, e Fabiano acalmou-se:

� Bem, bem. N�o h� nada n�o.

Mais expressivo ainda se faz o emprego do discurso indireto livre na pena de um escritor experimentado, senhor pleno da arte de narrar, como Graciliano Ramos, que sabe mescl�-lo, em um mesmo passo, aos discursos direto e indireto, numa simbiose contrastiva de extraordin�rio efeito estil�stico. Vejamos a respeito alguns exemplos:

� Bem, bem.

Passou as m�os nas costas e no peito, sentiu-se mo�do, os olhos azulados brilharam como olhos de gato. Tinham-no realmente surrado e prendido. Mas era um caso t�o esquisito que instantes depois balan�ava a cabe�a, duvidando, apesar das machucaduras.

Ora, o soldado amarelo... Sim, havia um amarelo, criatura desgra�ada que ele, Fabiano, desmancharia com um tabefe. N�o tinha desmanchado por causa dos homens que mandavam

. Cuspiu, com desprezo:

� Safado, mofino, escarro de gente.

No primeiro e quarto par�grafos, come�ando e encerrando o trecho escolhido, temos o discurso direto, marcado pela presen�a dos travess�es: Fabiano resmungando e Fabiano desabafando.

No segundo par�grafo, quase todo ele em discurso indireto narrativo, nota-se uma �nica interrup��o, para a interse��o da fala do personagem, fala mental, � claro: �Tinham-no realmente surrado e prendido�. Atrav�s desse recurso, deixa o narrador que a reflex�o do personagem, direta, viva, se filtre entre os v�os do seu discurso indireto estrito (o narrativo). E Fabiano pensa em sua situa��o inc�moda de preso sem culpa nem acusa��o formal, e custa a acreditar no absurdo daquela vicissitude, mas o adv�rbio �realmente�, brotando da pr�pria fala do personagem, reflete, a essa altura, a consci�ncia da realidade e da injusti�a que est� sofrendo.

O terceiro par�grafo, carregado de inten��o psicologista, desaguadouro da ira e das indaga��es interiores do personagem, apresenta-se todo ele em discurso indireto livre, com exce��o da �ltima ora��o. E compreende-se que assim seja: trata-se da pr�pria fala mental do personagem, verdadeiro desabafo do ruminar interior de Fabiano, que atinge o cl�max com as impreca��es do quarto par�grafo, n�o sem antes a interven��o do narrador para informar ao leitor que Fabiano �cuspiu, com desprezo�. E o cl�max, isto �, o xingamento, s� podia vir em voz alta, em discurso direto (diret�ssimo), livre da interven��o do narrador: �� Safado, mofino, escarro de gente�.

Cumpre destacar que at� o discurso direto de Fabiano foi introduzido pelo discurso indireto livre e pelo discurso indireto estrito, numa esp�cie de �unidade estil�stica circular�, para usarmos a feliz express�o de F�bio Freixeiro (1971:106). O �ltimo par�grafo, contendo o desabafo irado de Fabiano, fecha o c�rculo.

CONCLUS�O

O discurso indireto livre � uma forma mais expressiva e mais �ntima de o narrador apresentar as rea��es e os estados de esp�rito da personagem. Condicionando e moldando-lhe o car�ter, imagens vivas, percep��es, lembran�as, catarses verbais e mentais surgem e se manifestam num acaso aparente, mas, na verdade, habilmente manipuladas pelo narrador, atrav�s do emprego desse rico processo narrativo. Ressalte-se tamb�m a import�ncia do contexto, para que o leitor possa desentranhar do discurso indireto estrito do narrador o discurso indireto livre, porta-voz da personagem, com todas as suas implica��es de oralidade e introspec��o psicol�gica subjacentes. Revelando os sentimentos, as ang�stias e motiva��es mais �ntimas da personagem, enfim toda a sua dimens�o humana, tal como acontece com o Fabiano de Vidas secas, presta-se o discurso indireto livre aos mais altos v�os da prosa narrativa, sobretudo na pena de um escritor ex�mio e universalista, como o nosso Graciliano Ramos.

BIBLIOGRAFIA

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C�MARA JR., J. Mattoso. Ensaios machadianos. 2� ed. Rio de Janeiro: Ao Livro T�cnico, 1977.

FREIXEIRO, F�bio. Da raz�o � emo��o. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro / INL, 1971.

GARCIA, Othon M. Comunica��o em prosa moderna. 10� ed. Rio de Janeiro: Funda��o Get�lio Vargas, 1982.

RAMOS, Graciliano. Vidas secas. 5� ed. Rio de Janeiro: Jos� Olympio, 1955.

Qual é o tempo verbal que predomina no texto?

O tempo verbal predominante de um texto é o tempo verbal que foi mais frequente. O texto usava mais verbos no passado, no presente ou no futuro? Apesar de um texto poder incluir todos os tempos verbais em seu escrito, sempre existirá um que predomina, isto é, que aparece mais vezes.

Qual é o tempo verbal predominante na dissertação?

Normalmente, a linguagem empregada é a comum, e o tempo verbal predominante é o presente do indicativo, pois ele permite uma discussão a respeito do assunto. Nessa discussão, o mais importante não são tanto as ideias do autor, mas como ele as desenvolve.

Por que o narrador afirma que o livro do avô era mais do que um livro era um verdadeiro baú?

Que, na verdade, era mais do que um livro, era um verdadeiro baú. É, porque se meu avô estava lendo o livro e recebia um cartão-postal, tchum: punha o cartão entre as páginas e ele passava a fazer parte do livro.

Qual é o tempo verbal utilizado predominantemente antes e depois da interrupção do fio narrativo?

Nas narrativas, os tempos verbais predominantes são os tempos do passado ou tempos do pretérito (imperfeito, mais-que-perfeito, perfeito), pois, ao narrar, falamos de fatos já acontecidos, e, portanto, anteriores ao momento da fala.