Documento que o Governo Provisório elaborou adequado aos ideais republicanos

De acordo com o cientista político Christian Lynch, da Fundação Casa de Rui Barbosa e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), o governo republicano recorreu a vários artifícios para ter controle sobre o conteúdo da Constituição que seria aprovada:

— Primeiro, a eleição para o Congresso Constituinte foi regida por uma legislação fraudulenta, que impediu a entrada de todos que fossem adversários do novo regime, como os monarquistas, os parlamentaristas e os unitaristas [opositores do federalismo]. Depois, o governo enviou um projeto de Constituição pronto e deu aos constituintes parcos três meses para aprová-lo, o que restringiu as discussões e dificultou as modificações. Por fim, os constituintes automaticamente se tornariam senadores e deputados ordinários, sem nova eleição, após a dissolução do Congresso Constituinte. Isso foi ruim porque eles perderam a liberdade de decidir. Estando com o mandato garantido pelos próximos anos, não faria sentido que mudassem as regras do jogo político em seu prejuízo. Jamais, por exemplo, aprovariam uma Constituição prevendo o Poder Legislativo unicameral. No fim das contas, o Congresso Constituinte fez pouco mais que carimbar o projeto do governo provisório.

Apesar de a escravidão ter sido abolida apenas três anos antes, o Congresso Constituinte não tocou na complicada situação dos antigos escravizados, que foram libertados sem ganhar nenhum tipo de compensação ou apoio do poder público. A escravidão foi citada, por exemplo, quando um constituinte parabenizou o governo por incinerar todos os registros públicos relativos à posse de escravizados e também quando um político de Campos (RJ) afirmou que a Lei Áurea havia levado sua cidade à ruína econômica.

Alguns parlamentares chegaram a questionar se o povo teria condições intelectuais para, pelo voto direto, escolher os presidentes da República.

— O voto direto traz o país constantemente sobressaltado por ocasião das eleições, às quais concorre grande massa de povo ignorante, e não raro são os distúrbios e desordens que provoca, o que se economiza perfeitamente com o voto indireto, dando-se a faculdade eletiva a um eleitorado escolhido — argumentou o deputado Almeida Nogueira (SP).

— No Brasil, como em toda parte, qualquer que seja o sistema preferido, quem governa não é a maioria da nação. É a classe superior da sociedade, uma porção mais adiantada e, conseguintemente, mais forte da comunhão nacional — acrescentou o deputado Justiniano de Serpa (CE).

Apesar desse tipo de raciocínio, a Constituição de 1891 entrou em vigor prevendo a eleição direta para presidente. Grande parte dos ex-escravizados, contudo, foi alijada desse direito, já que a Carta republicana negou o voto aos analfabetos, como já faziam as leis do Império desde 1881. O deputado Lauro Sodré (PA) tentou, sem sucesso, permitir que os iletrados votassem:

— Estamos em uma fase social que se acentua pela elevação do proletariado. Se lançarmos os olhos para os povos civilizados, havemos de ver que em todos eles se vai levantando a grande massa. Chamem-na socialismo, niilismo ou fenianismo, um só é o fenômeno social: o advento do Quarto Estado. Não posso dar o meu voto a este verdadeiro esbulho com que se tenta ferir todos os que não sabem ler nem escrever, ainda que trabalhem tanto na obra do progresso da nação quanto aqueles que tiveram a fortuna de aprender a assinar o seu nome.

Deodoro da Fonseca foi o primeiro presidente do Brasil e assumiu esse cargo logo depois da Proclamação da República, evento que aconteceu em 15 de novembro de 1889. A administração de Deodoro da Fonseca está inserida no período de consolidação, uma vez que foi o primeiro governo republicano do nosso país. Ele esteve na presidência por dois anos e renunciou-a devido a disputas com o Legislativo.

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Tópicos deste artigo

  • 1 - Contexto histórico
  • 2 - Como foi o governo de Deodoro da Fonseca?
    • Governo provisório
    • Constituição de 1891
    • Governo constitucional
  • 3 - Fim do Governo de Deodoro da Fonseca

Contexto histórico

O governo de Deodoro da Fonseca foi iniciado logo após o Brasil converter-se em uma república. Esse acontecimento deu-se em 15 de novembro, depois que o próprio Deodoro liderou uma pequena tropa que destituiu o Gabinete Ministerial ocupado pelo visconde de Ouro Preto. No final daquele dia, a república foi proclamada por José do Patrocínio.

A Proclamação da República foi um acontecimento resultado da insatisfação, sobretudo, dos militares com a monarquia. Eles estavam insatisfeitos por múltiplos fatores, sobretudo porque se consideravam injustiçados pela forma que eram tratados pelo regime monárquico. Da década de 1870 em diante, articulou-se um movimento republicano que, com apoio dos cafeicultores paulistas, conseguiu derrubar a monarquia.

O grande envolvimento dos militares no movimento fez com que eles se tornassem protagonistas nos primeiros anos da república brasileira, e, por isso, Deodoro da Fonseca foi nomeado para presidir o governo provisório. Seu governo, porém, não ficou ausente de problemas e contestações, frutos de um regime (republicano) implantado na base do improviso.

Como foi o governo de Deodoro da Fonseca?

Documento que o Governo Provisório elaborou adequado aos ideais republicanos
Após a Proclamação da República, o marechal Deodoro da Fonseca foi nomeado presidente provisório do Brasil.[1]

O governo de Deodoro da Fonseca foi, no mínimo, controverso. Essa administração esteve inserida dentro da fase de transição e, por conta disso, as transformações que o país enfrentou foram intensas, assim como as tensões inerentes a elas. Esse comando ficou fortemente marcado por uma grande crise política e econômica.

Nos primeiros meses de república, existia uma disputa muito grande entre positivistas e liberais a respeito dos rumos que o país tomaria. Os positivistas (muitos deles faziam parte do Exército) defendiam que o país deveria ser governado por uma república autoritária que promoveria a sua modernização à força. Os liberais, por sua vez, defendiam a necessidade de formar-se uma Assembleia Constituinte, que elaboraria uma constituição liberal com enfoque no federalismo e nas liberdades individuais. Como perceberemos ao longo deste texto, a saída liberal foi a vitoriosa.

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Outro ponto importante é especificar que o governo de Deodoro teve uma fase provisória e uma fase constitucional, esta iniciada depois que foi promulgada a nova Constituição do Brasil.

Acesse também: Prática da degola: fraude eleitoral feita durante a Primeira República

  • Governo provisório

Uma vez estabelecido o novo governo, a primeira grande preocupação era a de apagar os símbolos e as instituições vinculados à monarquia. Sendo assim, instituições monárquicas, como o Gabinete Ministerial e o Conselho de Estado, foram abolidas, e os topônimos (nomes de lugares públicos) que tinham associação com a monarquia foram substituídos.

O novo regime também aboliu a Constituição de 1824, e os cargos administrativos foram ocupados por republicanos de diversas tendências. A ideia era claramente excluir a monarquia do imaginário da população e enfraquecê-la politicamente, uma vez que monarquistas não gozariam de nenhum envolvimento político com o novo regime.

Outras mudanças que aconteceram ao longo dos 15 meses do governo provisório foram a separação dos assuntos de Estado e da Igreja e a Grande Naturalização, a naturalização de todos os imigrantes que estavam no Brasil na época. Essa determinação foi instituída após o decreto nº 58-A, de 14 de dezembro de 1889.

Durante o governo provisório foi iniciada uma terrível crise econômica que afetou o país ao longo de toda a década de 1890 e ficou conhecida como Encilhamento. Essa crise foi resultado da reforma econômica e bancária promovida pelo ministro da Fazenda, Rui Barbosa. Nessa reforma, o ministro autorizou bancos privados a emitirem papel-moeda sem lastro. Isso gerou uma crise de especulação financeira gigantesca e resultou em alta inflacionária no país.

Documento que o Governo Provisório elaborou adequado aos ideais republicanos
O Encilhamento foi uma crise causada pela reforma econômica e bancária realizada por Rui Barbosa, ministro da Fazenda.[2]

Os rumos políticos que o país tomou levaram à convocação de eleição para formar uma Assembleia Constituinte, a instituição responsável pela redação de uma nova constituição para o Brasil. Essa convocação saiu no dia 22 de junho de 1890, por meio do decreto nº 510. A eleição ficou marcada para 15 de setembro, e a posse dos eleitos da Constituinte aconteceu em 15 de novembro de 1890.

  • Constituição de 1891

A Constituição de 1891 foi promulgada no dia 24 de fevereiro de 1891 e instituiu mudanças consideráveis para o país. Primeiro, é importante falar que ela era de orientação liberal, mas reforçava o caráter excludente das elites que governavam o país, pois não abordou questões relativas aos direitos sociais e limitava a cidadania no território brasileiro.

A Constituição de 1891 inspirou-se diretamente na Constituição dos Estados Unidos. Aquela estabeleceu uma mudança significativa que gerou mudanças profundas no país, como o federalismo. Com essa novidade, as antigas províncias, agora nomeadas de estados, passaram a gozar de significativa liberdade política.

Foi a instituição do federalismo que fez com que as oligarquias e os coronéis ganhassem poderes políticos significativos na Primeira República. Outro ponto de destaque a respeito da Constituição de 1891 é que ela foi inspirada em um “liberalismo essencialmente conservador”, conforme estabeleceu a historiadora Maria Efigênia Lage de Resende|1|.

Acesse também: O que foi a República da Espada?

Isso porque na questão dos direitos políticos, isto é, na questão da cidadania, a Constituição de 1891 excluiu uma parte considerável da população brasileira. Ela determinou que os analfabetos não tinham direito ao voto porque se entendia que o acesso da população a esse direito seria maléfico para o país.

Os direitos sociais também não foram abordados na Constituição de 1891. Esse desinteresse dos governantes da Primeira República demonstrado na constituição foi reforçado por declarações dadas por presidentes, como Washington Luís (1926-1930), que considerava os direitos sociais “caso de polícia”, e Campos Sales (1898-1902), que falava que o governo da república partia dos estados por cima da multidão, ou seja, para Campos Sales a opinião da população (e seus direitos) não importavam|2|.

Logo, percebe-se que o intento daqueles que elaboraram a primeira constituição republicana era garantir os seus próprios interesses, em detrimento dos interesses coletivos. Por isso mesmo o direito de participação política foi restrito a uma minoria do país.

De toda forma, algumas das principais determinações da Constituição de 1891 foram:

  • Instituição do federalismo;

  • Instituição do presidencialismo, sendo que o presidente teria direito a um mandato de quatro anos sem possibilidade de reeleger-se;

  • Separação oficial entre Estado e Igreja;

  • Garantia de algumas liberdades individuais, como a liberdade de reunião;

  • Sufrágio universal masculino, embora existissem limitações já citadas;

  • Estabelecimento de três poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário.

  • Governo constitucional

O governo constitucional iniciou-se com a realização de uma eleição indireta um dia depois de a Constituição de 1891 ter sido promulgada. Nessa eleição, os parlamentares que formavam a Constituinte tiveram de votar separadamente para presidente e vice-presidente. Os candidatos para cada cargo eram:

  • Deodoro da Fonseca e Prudente de Morais, para a presidência;

  • Floriano Peixoto (apoiado por Prudente) e Eduardo Wandenkolk (apoiado por Deodoro), para a vice-presidência.

O resultado dessa eleição determinou a vitória de Deodoro da Fonseca com 129 votos e de Floriano Peixoto com 153 votos. O primeiro governo constitucional de nosso país foi formado por representantes de chapas eleitorais diferentes. O governo constitucional de Deodoro foi bastante conturbado porque ele queria governar sem que o Legislativo interferisse nas suas vontades.

O autoritarismo de Deodoro minou a posição do presidente e levou o país a uma crise política em menos de um ano após ele ter sido eleito. Além da ambição do presidente em querer governar de maneira centralizadora, conta-se também, para a crise política, as disputas que existiam nos quadros políticos do país entre deodoristas (apoiadores do presidente) e florianistas (apoiadores do vice).

Além de autoritário, podemos dizer que Deodoro também era incapaz para exercer a função. Certas decisões políticas tomadas por ele contribuíram para prejudicar sua posição na presidência. Uma das principais foi a nomeação de “indenistas” para a presidência dos estados e outros cargos governamentais. Os indenistas não eram populares entre os republicanos históricos (aqueles convertidos ao ideal desde 1870).

Essa impopularidade dos indenistas deve-se ao fato de que eles eram antigos monarquistas que se converteram ao republicanismo depois da abolição da escravatura, no 13 de Maio. O principal caso foi o do Barão de Lucena, antigo monarquista nomeado para o Ministério do Trabalho. Insatisfeitos com o governo, os parlamentares acabaram atuando para tentar retirar poderes do presidente.

Acesse também: Coluna prestes: grupo que lutou contra um dos presidentes da Primeira República

Fim do Governo de Deodoro da Fonseca

Acuado pelos parlamentares, Deodoro resolveu radicalizar e, seguindo sua tendência autoritária, decidiu fechar o Congresso Nacional, em 3 de novembro de 1891. Isso deu início a uma crise política que levou o país às margens de uma guerra civil. Isso porque o ato de Deodoro violou artigos da Constituição de 1891 e a reação foi imediata.

Houve resistência civil à atitude do presidente, como o caso dos ferroviários da Central do Brasil que entraram em greve. Além disso, a Armada (Marinha) rebelou-se contra o presidente e voltou os canhões de navios de guerra para o Rio de Janeiro. Os marinheiros passaram a exigir a renúncia do governante e a reabertura do Congresso e ameaçaram bombardear a capital, o Rio de Janeiro.

Pressionado e temendo o início de uma guerra, Deodoro da Fonseca renunciou à presidência no dia 23 de novembro de 1891. Com isso, Floriano Peixoto assumiu-a em um acordo realizado com os oligarcas paulistas.

Notas

|1| RESENDE, Maria Efigênia Lage de. O processo político na Primeira República e o liberalismo oligárquico. In.: FERREIRA, Jorge e DELGADO, Lucilia de Almeida Neves. Brasil republicano: o tempo do liberalismo oligárquico: da Proclamação da República à Revolução de 1930. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2018. p. 89.

|2| NEVES, Margarida de Souza. Os cenários da República: o Brasil na virada do século XIX para o século XX. In.: FERREIRA, Jorge e DELGADO, Lucilia de Almeida Neves. Brasil republicano: o tempo do liberalismo oligárquico: da Proclamação da República à Revolução de 1930. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2018, p.89.

Créditos das imagens

[1] Kiev.Victor e Shutterstock

[2] FGV/CPDOC

Por Daniel Neves
Graduado em História

O que foi o governo provisório republicano?

O governo provisório foi um período da História do Brasil entre 1889 e 1891. Ele começou em com a Proclamação da República (15/11/1889), colocando no poder o Marechal Deodoro da Fonseca.

Quais são as realizações importantes do governo provisório republicano?

As primeiras medidas do novo governo foram: o fechamento do Congresso Nacional; a anulação da Constituição vigente (a primeira da república, promulgada em 1891); a extinção dos partidos políticos.

Como foi formado o governo provisório republicano?

O Governo Provisório iniciou-se em 1930, quando Getúlio Vargas foi nomeado presidente logo após a Revolução de 1930, e estendeu-se até 1934, quando Vargas foi reeleito em eleição indireta, dando início ao Governo Constitucional.

Qual é o principal objetivo do governo provisório?

O principal objetivo do Governo Provisório era reestruturar a vida política do país.