Disturbio de condução do ramo direito

O nó sinusal ou sinoatrial  é o marcapasso natural do coração. Neste local inicia-se um impulso elétrico que flui sobre os átrios direito e esquerdo (câmaras cardíacas menores e superiores do coração), fazendo com que estes se contraiam. O sangue imediatamente será deslocado para os ventrículos (câmaras cardíacas maiores e inferiores do coração). Quando o impulso elétrico chega ao nó atrioventricular (estação intermediária do sistema elétrico), este impulso sofre um ligeiro retardo.

Em seguida, o impulso dissemina-se ao longo do feixe de His, o qual divide-se em ramo direito (direcionado para o ventrículo direito) e ramo esquerdo (direcionado para o ventrículo esquerdo). O ramo esquerdo do deixe de His divide-se em fascículo anterossuperior esquerdo, posteroinferior esquerdo e anteromedial esquerdo.

Após atingir o feixe de His, o impulso atinge os ventrículos, fazendo com que estes se contraiam (sístole ventricular), permitindo a saída de sangue do coração. O ventrículo esquerdo ejeta o sangue para o cérebro, músculos e outros orgãos do corpo humano. O ventrículo direito ejeta o sangue exclusivamente para a circulação do pulmão, para que este sangue seja enriquecido com oxigênio.

O atraso da condução do ramo direito (PCRD), também chamado de distúrbio da condução do ramo direito ou bloqueio incompleto do ramo direito, é a interrupção parcial do impulso elétrico ao nível do ramo direito do feixe de His, podendo ser de primeiro ou segundo grau. A interrupção total do impulso elétrico é conhecida como bloqueio completo do ramo direito.

Isoladamente esta alteração elétrica não costuma causa prejuízo ao funcionamento do coração, não impede a prática de exercícios físicos, não prejudica uma gestação ou aumenta o risco durante uma cirurgia. O diagnóstico é feito pela análise do eletrocardiograma.

Esse achado do eletrocardiograma poderá ou não estar associado a uma doença cardíaca. O prognóstico (evolução no longo prazo) dependerá basicamente da presença de uma doença cardíaca associada, e sua gravidade, por isso, a avaliação de um cardiologista poderá ser necessário de acordo com o quadro clínico.

Autor: Dr. Tufi Dippe Jr – Cardiologista de Curitiba – CRM/PR 13700. 

Bloqueio do ramo direito – vilão ou mocinho? Como anamnese pode ajudar? | Colunistas

Índice

  • 1 Introdução
  • 2 Critérios Eletrocardiográficos
    • 2.1 Dica prática para identificar rapidamente o BRD no ECG
  • 3 A importância da Anamnese nos pacientes com BRD
    • 3.1 História epidemiológica:
    • 3.2 História familiar:
    • 3.3 História patológica pregressa:
    • 3.4 Hábitos de vida:
  • 4 Conclusão:
  • 5 Referências:

Introdução

O bloqueio do ramo direito (BRD) é um achado eletrocardiográfico relativamente comum, cuja incidência aumenta com a idade e a prevalência varia de 1 a 8% na população, sendo mais comum em homens.

A relevância clínica do BRD ainda não é bem definida na literatura uma vez que os estudos têm relatado resultados conflitantes sobre sua associação com desfechos. Por exemplo, um estudo que acompanhou 53.197 mulheres não cardiopatas por 14 anos concluiu que a presença de BRD não foi preditor de mortalidade. Ao passo que o Copenhagen City Heart Study que incluiu 18.441 participantes de ambos os sexos sem doença cardíaca prévia revelou que paciente com BRD apresentavam maior risco de mortalidade por todas as causas e morte cardíaca após 20 anos de acompanhamento.

Uma meta-análise publicada em 2015, incluiu mais de 200 mil pacientes a partir de 19 estudos prospectivos e investigou a relação entre a presença de BRD e o aumento da mortalidade geral e de causas cardiovasculares. Nesse estudo, houve um aumento da mortalidade tanto na população geral como nos pacientes que já tinham doença cardíaca prévia, porém ainda sem força estatística suficiente para fecharmos a questão.

Assim, ao encontrarmos um paciente com BRD não podemos ser categóricos em afirmar que se trata de um paciente com risco cardíaco aumentado, porém também não podemos considerar que esse achado é totalmente benigno. Por isso, é necessário entender quando a presença do BRD pode estar associada ao aumento de risco de mortalidade em nossos pacientes para então definirmos quem precisa ser melhor investigado.

Critérios Eletrocardiográficos

Antes de tudo é preciso saber identificar um o bloqueio do ramo direito no Eletrocardiograma (ECG). Os critérios eletrocardiográficos para diagnosticar o BRD são amplamente conhecidos e foram descritos nas III Diretrizes da Sociedade Brasileira de Cardiologia sobre análise e emissão de laudos eletrocardiográficos da seguinte maneira:

  • QRS alargados com duração ≥ 120 ms – condição fundamental (obrigatória).
  • Padrão rSR’ ou rsR’ em V1 com R’ espessado, demonstrando que é a parte final do QRS que está alargada, e que em V1 o QRS será predominantemente positivo.
  • Ondas S empastadas em D1, aVL, V5 e V6, ou seja, a onda S terá duração maior que o habitual nessas derivações.
  • Ondas qR em aVR com R empastada.
  • Eixo elétrico de QRS variável, tendendo para a direita no plano frontal.
  • Onda T assimétrica em oposição ao retardo final de QRS, principalmente em V1.

Dica prática para identificar rapidamente o BRD no ECG

Disturbio de condução do ramo direito
Figura 1: ECG evidenciando bloqueio do ramo direito (BRD) – observar derivação V1. Extraído do artigo: Brugada Syndrome Behind Complete Right Bundle-Branch Block.

Observe a duração do complexo QRS em qualquer derivação (mas olhe em pelo menos 3), se maior que 120ms (3 quadradinhos) trata-se de um bloqueio de ramo, lembre-se que esse critério é obrigatório. Em seguida olhe para a derivação V1, se o complexo QRS em V1 é totalmente positivo (aponta para cima) ou se tem uma onda inicial pequena seguida de uma onda ampla positiva, trata-se de bloqueio do ramo direito.

A importância da Anamnese nos pacientes com BRD

Agora que você já sabe identificar BRD no ECG, você deve se perguntar: Será que esse paciente tem fatores de risco que sugerem que o BRD está associado a uma cardiopatia? E será que esse achado aumenta o risco de mortalidade do meu paciente?

Veremos a seguir como extrair da anamnese as principais informações para separar os pacientes com maior potencial de BRD patológico daqueles que possuem um BRD mais inocente.

História epidemiológica:

Em pacientes portadores de miocardiopatia chagásica, a prevalência do BRD pode chegar a 50% em alguns estudos. Devido a essa alta prevalência, ao identificar qualquer paciente com BRD é extremamente importante fazer uma investigação minuciosa sobre sua história epidemiológica desde a infância. Devemos questionar se o mesmo é natural ou procedente de região endêmica e se teve contato com o barbeiro em algum momento da vida. A suspeita se torna ainda mais forte se no ECG houver bloqueio divisional ântero-superior do ramo esquerdo (BDAS) associado, ou se já houver sinais e sintomas sugestivos de insuficiência cardíaca. Nesses casos, é imprescindível solicitar a sorologia para Doença de Chagas para confirmar a doença.

História familiar:

Outra patologia que pode ser diagnosticada a partir do BRD encontrado no ECG é a Síndrome de Brugada.  Esta doença é caracterizada por episódios de síncope ou morte súbita, em indivíduos com coração estruturalmente normal e um eletrocardiograma exibindo um padrão de bloqueio de ramo direito com elevação do segmento ST em V1-V2. São descritos 03 subtipos de padrão eletrocardiográfico nesta síndrome, todos eles semelhantes ao BRD convencional. O tipo I tem características mais exuberantes e hoje é considerado o padrão típico de Brugada, mas os subtipos II e III muitas vezes podem passar despercebidos, mesmo entre cardiologistas experientes.

Por se tratar de uma cardiomiopatia arritmogênica autossômica dominante, é comum a manifestação clínica em mais de uma pessoa da família. Muitas vezes, o paciente relata que alguns familiares apresentaram morte súbita precoce, por exemplo, durante a prática esportiva ou durante o sono.  Assim, pessoas que tem histórico pessoal ou familiar de síncope ou morte súbita abortada e que apresentam BRD no ECG (ainda que não apresentem o padrão clássico da doença) merecem ser encaminhados ao cardiologista para investigar a hipótese de síndrome de Brugada.

Disturbio de condução do ramo direito
Figura 2: Subtipos eletrocardiográficos da Síndrome de Brugada – observar derivação V1. Extraído do artigo: Brugada Syndrome Behind Complete Right Bundle-Branch Block.

História patológica pregressa:

Diversos estudos buscam identificar a relevância clínica do BRD no cenário da cardiopatia isquêmica aguda e crônica. Um deles comprovou que o surgimento de BRD no pós-infarto imediato foi um forte preditor de mortalidade intra-hospitalar. Já no acompanhamento de longo prazo, a presença de BRD só teve correlação com mortalidade nos casos de infarto agudo do miocárdio com supradesnivelamento do segmento ST, uma vez que nos pacientes sem supra, ter ou não ter BRD não influenciou na sobrevida.

Outro estudo publicado em 2021 analisou a presença de BRD em pacientes submetidos a transplante cardíaco e concluiu que os pacientes que apresentaram BRD após o procedimento tiveram maior mortalidade que os pacientes sem BRD, portanto, nesses pacientes o bloqueio deve ser visto como sinal de alerta para um desfecho ruim.

Por fim, pacientes portadores de insuficiência cardíaca de qualquer etiologia que apresentam BRD tem maior mortalidade quando comparados a pacientes que não apresentam essa alteração.

De uma maneira geral, pacientes sabidamente cardiopatas que apresentam BRD no ECG devem ser vistos com maior atenção, uma vez que esse achado aparece como marcador de mortalidade em diversos estudos. Vale ressaltar que a presença de bloqueio do ramo esquerdo (BRE) no cenário das miocardiopatias está associada a um prognóstico ainda mais desfavorável, sendo considerado mais grave que o BRD.

Hábitos de vida:

Curiosamente, o BRD incompleto (morfologia do QRS igual ao BRD porém com duração entre 100-120ms) é um achado relativamente comum em indivíduos que praticam esportes com alto componente dinâmico (classicamente chamados de aeróbicos), tais como corrida, futebol, natação, triátlon etc. Isso ocorre porque esses pacientes sofrem um remodelamento do coração, inclusive do lado direito. Nesses pacientes o achado de BRD incompleto não está correlacionado com aumento do risco de morte súbita ou desenvolvimento de insuficiência cardíaca. Assim, não é recomendado que eles interrompam sua rotina de exercícios apenas por esse achado. Nos casos de BRD completo, mesmo em indivíduos atletas, é recomendado uma avaliação com cardiologista para que seja realizado pelo menos um ecocardiograma afim de avaliar o tamanho das câmaras e se as alterações são compatíveis com a carga de treino desses indivíduos.

Conclusão:

Quando estamos diante de um paciente portador de BRD devemos buscar elementos da anamnese que nos auxiliem a identificar se essa alteração pode ser considerada patológica ou se apenas se trata de um achado incidental. 

Sinais e sintomas de isquemia, insuficiência cardíaca ou diagnóstico prévio de Infarto são os principais achados correlacionados com desfechos negativos nos pacientes com BRD.

História familiar de morte súbita ou episódios de síncope em pessoas com esse tipo de bloqueio merecem ser avaliados por cardiologista para afastar doença arritmogênica familiar (síndrome de Brugada).

Pacientes portadores de BRD, principalmente quando associados a BDAS e oriundos de regiões endêmicas devem ser investigados para doença de Chagas.

Por fim, Indivíduos que praticam esporte em alta intensidade podem apresentar BRD completo ou incompleto, sem que necessariamente esteja correlacionado ao aumento de risco de morte súbita durante a prática de exercícios.

Autora: Natali dos Reis Machado

Instagran: @dra.natalireis

Referências:

http://publicacoes.cardiol.br/2014/diretrizes/2016/01_III_DIRETRIZES_ELETROCARDIOGR%C3%81FICOS.pdf

https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/26436874/ Xiong Y et al. The Prognostic Significance of Right Bundle Branch Block: A Meta-analysis of ProspectiveCohort Studies. Clin. Cardiol. 38, 10, 604–613 (2015).

https://www.researchgate.net/publication/230796560_Right_bundle_branch_block_Prevalence_risk_factors_and_outcome_in_the_general_population_Results_from_the_Copenhagen_City_Heart_Study Bussink BE et al. Right bundle branch block: prevalence, risk factors, and outcome in the general population: results from the Copenhagen City Heart Study. Eur Heart J. 2013 Jan;34(2):138-46.

https://www.ahajournals.org/doi/10.1161/circulationaha.113.003472 Yoshiyasu Aizawa, MD et al. Brugada Syndrome Behind Complete Right Bundle-Branch Block. Circulation Volume 128, Issue 10, September 2013; Pages 1048-1054.

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https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC8497214/pdf/EHF2-8-3737.pdf Rahm AK et al. Newly acquired complete right bundle branch block early after heart transplantation is associated with lower survival. ESC Heart Fail. 2021 Oct;8(5):3737-3747.https://www.researchgate.net/profile/Carlos-Pastore/publication/19498815_Divisional_blocks_of_the_right_branch_in_Chagas’_cardiomyopathy/links/58124e7708aea2cf64e258bb/Divisional-blocks-of-the-right-branch-in-Chagas-cardiomyopathy.pdf Tobias N. M. M. O e cols. BLOQUEIOS DIVISIONAIS DO RAMO DIREITO NA MIOCARDIOPATIA CHAGÁSICA. Arq. Bras. Cardiol.

Disturbio de condução do ramo direito

O texto acima é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

O que é um distúrbio de condução pelo ramo direito?

O distúrbio de condução do ramo direito é uma variante dos padrões de normalidade. O bloqueio de ramo direito já é uma alteração estrutural do sistema de condução. Se você parou de correr pois não conseguia mais caminhar, não interfere.

Quais os sintomas do distúrbio de condução do ramo direito?

O bloqueio de ramo direito consiste em uma alteração no padrão normal do eletrocardiograma (ECG), mais especificamente no segmento QRS, que se torna ligeiramente mais longo, durando mais de 120 ms..
Sensação de desmaio;.
Palpitações;.
Desmaio..

Quem tem distúrbio do ramo direito pode fazer academia?

A presença de bloqueio de ramo direito é uma alteração eletrocardiográfica comum e não contraindica a prática de atividades físicas.

O que é um distúrbio de condução?

O termo distúrbio de condução [intraventricular] refere-se a todo alentecimento da condução do impulso elétrico pelo sistema His-Purkinje. Você pode conferir mais sobre o tema clicando aqui. No entanto, quando a duração desse alentecimento é maior que 0,12s ( ou 120ms), dizemos que há um bloqueio de ramo.