Como os atuais conflitos em terras indígenas estão relacionados ao processo de formação do território brasileiro?

Introdução

Ao pesquisar sobre povos indígenas nota-se que geralmente essa história é iniciada pelo “descobrimento das Américas”, contudo, faz-se necessário compreender que falamos aqui sobre os diferentes grupos étnicos que habitavam o país antes mesmo do início da colonização. Pertencentes à família Tupi-Guarani, estima-se que aqui habitavam cerca de cinco milhões de indígenas antes da invasão portuguesa.

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2010 a população brasileira somava cerca de 190 milhões de pessoas, sendo 817.963 mil indígenas, um total de 0,4% da população, representando 305 diferentes etnias e 274 línguas indígenas. No Estado de São Paulo os dados indicam que dos 41.794 habitantes indígenas, um total de 37.915 vivem em cidades, o que representa 91% da população indígena vivendo nos centros urbanos³.

Ainda, de acordo com o órgão, há um total de 30 terras indígenas no Estado de São Paulo que já contam com algum tipo de reconhecimento pelo governo. Tais áreas somam aproximadamente 48.771,331 hectares localizados na área de aplicação da Lei da Mata Atlântica – Lei 11.428/2016, contribuindo com a conservação da diversidade biológica e cultural do bioma.

Terras indígenas, segundo o Art. 231 da Constituição Federal de 1988, são aquelas tradicionalmente ocupadas pelos povos indígenas do Brasil, habitadas em caráter permanente, utilizadas para suas atividades produtivas, contudo, é preciso observar sobre o quanto a história da sociedade brasileira está diretamente ligada à marcação de fronteiras e delimitações, fatos geradores de conflitos no que diz respeito a uso e apropriação de terras.

As comunidades indígenas vivenciam hoje as mais diversas expressões da questão social: a vida nos centros urbanos, os conflitos em torno da demarcação de terra, o temor às tentativas de invasão e tomada de terras bem como o preconceito e estereótipos depositados na figura do índio brasileiro carecem de um amplo debate e maior compreensão (HECK; PREZIA, 2017, p. 19).

Além da antiguidade da presença desses povos, há uma grande diversidade e pluralidade das sociedades, onde pesquisas atuais vêm descobrindo a complexidade e a especificidade dos povos indígenas, seus projetos políticos, as relações decorrentes com a colonização, as estratégias da resistência indígena pelo direito a terra, a manter sua cultura, modo de vida e etc. (SILVA, 2002, p. 3).

Por toda história de violências e expulsões de suas terras, constitucionalmente, é direito dos povos originários a posse territorial e uso da terra para preservação e reprodução de sua cultura originária, porém, na prática, são recorrentes as denuncias de violência, assassinatos, grilagem e outros crimes que envolvem a tentativa de tomada das terras.

A realidade do acesso, uso e apropriação das terras brasileiras é resultado de uma condição colonial de longa exploração. É importante recordar as consequências nocivas do sistema colonial secular que, além de devastar física e culturalmente as populações originárias, também garantiu a instituição das grandes propriedades privadas nas mãos de poucos. Referimo-nos à grande concentração de terras nas mãos de classes agrárias que exerceram seu violento poder de dominação e exploração dos trabalhadores do campo através de múltiplas formas de expropriação (SILVA, 2019, p. 483).

Assim, economicamente, as classes dominantes demarcam a apropriação latifundiária nos países, constituído em um sistema capitalista que oprime e explora grande parcela da população.

Por meio de uma pesquisa de abordagem qualitativa, e método descritivo, realizada com consultas bibliográficas e sites oficiais, abordaremos aqui as problemáticas que envolvem os conflitos relacionados ao uso de terra indígena, apresentando em específico os conflitos em torno da Terra indígena demarcada do Jaraguá – São Paulo/SP.

Multiplicidade cultural, etnocentrismo e folkcomunicação

O Brasil, país multicultural, possui em seu bojo uma mistura de culturas e etnias, constituídas por confluências e choques entre as populações indígenas já existentes antes da chegada dos colonizadores, do branco europeu (portugueses e espanhóis) e dos negros africanos trazidos no contexto do trabalho escravo no Brasil (RIBEIRO, 1995, p. 14).

Assim, segundo Arantes (2018), o Brasil se compõe da mestiçagem, por um povo formado por povos milenares. Em seu aspecto cultural, é certo afirmar que o Brasil mantém em seu cerne a influência da produção material e imaterial dos povos originários. Contudo, é preciso refletir sobre a importância de elementos existentes no modo de vida tradicional indígena, por exemplo, da relação das comunidades com a terra, relação tão distinta quanto pensada dentro de um modelo de sociedade capitalista. Segundo Heck; Prezia (2013, p. 43):

O modelo de subsistência dos povos tradicionais têm base nos conhecimentos passados de geração em geração pelos ancestrais e neste contexto as comunidades têm uma relação diferente com a terra e está para além de aspectos geográficos, mas sim, de uma conexão com a mãe terra, com a ancestralidade e com o uso de recursos naturais para sustentabilidade do modo de vida tradicional. Trata-se de um elemento que compõem a identidade cultural deste grupo.

A UNESCO – Organização das Nações Unidas em seu Relatório Anual - Investir na Diversidade (2009, p. 4) define a importância dos elementos culturais na composição de cada grupo social: “Trata-se um conjunto dos traços distintivos, espirituais e materiais, intelectuais e afetivos que caracterizam uma sociedade ou um grupo social e que abarca, para além das artes e das letras, os modos de vida, os direitos fundamentais do ser humano, os sistemas de valores, as tradições e as crenças”.

Compreende-se a cultura de um povo como algo fincado dentro de um campo simbólico, marcado por relações permeadas por conhecimentos, hábitos, costumes, crenças, comportamentos, dentre outras facetas que incorporam seus aspectos sociais, passados de geração em geração, que se manifestam concretamente nas vivências cotidianas e históricas.

Beltrão (1980, p. 24) ao abordar sobre o estudo dos processos de comunicação das culturas populares, apresenta o conceito de folkcomunicação pontuando que se trata de “[...] um conjunto de procedimentos de intercâmbio de informações, ideias, opiniões e atitudes dos públicos marginalizados urbanos e rurais, através de agentes e de meios direta ou indiretamente ligados ao folclore”. Ele está colocando com essa teoria que os processos culturais – religiões, músicas, alimentação, etc - são processos de transmissão de conhecimento, de informação. Ao transmitir o modo de fazer um determinado alimento, se faz uma comunicação cultural, uma folkcomunicação.

O autor elucida sobre os processos comunicativos dos marginalizados: “[...] um traço de universalidade advém de sua fundamentação no folclore, por deter autentica cultura popular conectada a raízes, troncos e ramos, tão profundamente arraigados na natureza humana que suas manifestações parecem provir de uma única semente” (BELTRÃO, 1980, p. 40).

Trata-se, evidentemente, de um procedimento próprio e horizontal onde ocorre a comunicação interpessoal através de canais conhecidos pelos grupos, mas em territórios variados – rural, urbano, urbano -, mas inserido no contexto da “cultura dos marginalizados” dos processos hegemônicos. Portanto, além desse aspecto geográfico-cultural, o folclore é tomado como um arcabouço de conhecimento dos diferentes segmentos sociais; ele compõe a diversidade cultural e vai sendo recriado no contexto social global (SCHMIDT, 2006, p.7 ).

Luiz Beltrão escreve, inclusive, o livro “O índio, um mito brasileiro”, em 1977, para trazer questões complexas da realidade indígena, a fim de reconhecer em sua diversidade de etnias e modos de viver, a singularidade de cada uma em seus processos culturais. E, ainda, aponta, ao longo da obra, o quão distantes ou repetitivos os estudiosos se fazem, apontando sempre os mesmos aspectos históricos e/ou fazendo análises generalistas sem considerar as múltiplas culturas, identidades e lutas. Esses vieses metodológicos delimitam o olhar dos investigadores e, por consequência, de técnicos e especialistas na elaboração de teorias, políticas, estratégias e relações sociais.

Deste modo, observa-se a conexão entre folkcomunicação e a questão indígena contemporânea, como leitura que amplia à compreensão dos múltiplos processos culturais nas diferentes etnias, além de considerar a condição marginalizada dos indígenas aos olhos da sociedade em geral. E, a partir desse foco, leva a refletir sobre identidade cultural e relações interculturais no momento presente.

Apesar de a globalização apresentar uma tendência à homogeneização, ela põe em contato diversas modalidades culturais através, principalmente, desta conexão mundial operada pelos sistemas de comunicação. Modalidades culturais das mais diversas naturezas: música, culinária, moda, comportamento, valores, crenças etc. Este intercruzamento de culturas produz identidades culturais que não são fixas, mas que se encontram com diferentes tradições culturais, que são o resultado dos mais variados e complexos processos culturais (DIAS, 2007, p 144).

A autora acrescenta que reconhecer a existência de múltiplas identidades culturais é afirmar o direito à diferença, o direito a possuir características, costumes, hábitos diferenciados – inclusive dentro do mesmo território.

Desta forma, um diálogo intercultural está permeado de desafios, visto que o universo multicultural depende de capacidades comunicativas; depende da capacidade de empatia, em colocar-se no lugar do outro e em abranger-se da concepção de mundo.

A multiplicidade cultural trás assim desafios às formas de convivência, onde algum aspecto cultural de determinado grupo pode ser visto com estranhamento, bizarrice ou repúdio.

Ao abordar sobre o contato com novas culturas, Rocha (1994, p. 5) faz menção às barreiras que surgem em meio à existência dessa multiplicidade cultural, caracterizando-o como etnocentrismo, onde a visão do mundo do nosso próprio grupo é tomado como centro de tudo e todos os outros são pensados e sentidos através dos nossos valores, nossos modelos, nossas definições do que é a existência, do interesse do pensamento dominante sobre o interesse em impor valores, conceitos e regras como universais. Constitui-se assim por tensões culturais, interpretações opostas e conflitos de memória e de valores.

Assim, no que tange o modo de vida indígena, há uma percepção equivocada que se tem a respeito da história da invasão portuguesa, do modo de vida tradicional e da figura do índio brasileiro, observam-se visões equivocadas sobre como estes povos se constituem. Ainda segundo o autor:

De qualquer forma, a sociedade do “eu” é a melhor, a superior, representada como o espaço da cultura e da civilização por excelência. É onde existe o saber, o trabalho, o progresso. A sociedade do “outro” é atrasada. E o espaço da natureza. São os selvagens, os bárbaros. São qualquer coisa menos humanos, pois, estes somos nós. O barbarismo evoca a confusão, a desarticulação, a desordem. O selvagem é o que vem da floresta, da selva que lembra, de alguma maneira, a vida animal. O “outro” é o “aquém” ou o “além”, nunca o “igual” ao “eu” (ROCHA, 1994, p.6).

A desinformação, os equívocos e os pré-conceitos contribuem fortemente para o etnocentrismo cultural, resultante das ideias eurocêntricas de “civilização”, onde, no presente, os povos indígenas por vezes são classificados como primitivos, possuidores de expressões culturais exóticas ou folclóricas, mas que determinadas a serem engolidas pelo “progresso” da nossa sociedade capitalista (SILVA, 2010, p. 326).

Assim, ao índio é depositado a figura de selvagem, preguiçoso ou preso ao passado, personificado como alguém que vive no mato, ora criticado pelo uso de tecnologias, ou criticado por não se incorporar ao modo de vida capitalista. Luiz Beltrão (1977, p. 9) coloca que “[...] para o homem comum brasileiro, o índio não passa de um mito”; e para muitos pesquisadores, missionários religiosos, políticos, grileiros, agricultores, garimpeiros, técnicos indigenistas, os quais mantém certa proximidade e vivência, os indígenas são como “[...] um centauro, homem pela metade, por dois terços, por quase nada”.

Tanto Silva quanto Beltrão refletem que parte deste olhar deturpado sobre a figura do índio, resultante da não compreensão e respeito ao modo de vida das comunidades indígenas, está diretamente ligado a forma de abordagem em pesquisas que resultam, inclusive, em temáticas no ensino regular. Silva chega a levantar a necessidade em se reavaliar o conteúdo dos livros didáticos, estimulando e promovendo estudos específicos, com uma melhor abordagem ao tratar da temática indígena. E para Beltrão, o reconhecimento do indígena passa pela compreensão de seus processos de Folkcomunicação.

Povos indígenas, o impacto da colonização e a terra: Uma história a ser contada

“O índio é o altivo herói nacional, dono do seu destino, indomável e forte, de que a cultura brasileira herdou o seu humanismo e amor à liberdade” (BELTRÃO 1977, p. 14, apud HOHLFELDT, 2019, p. 4).

Segundo Heck; Prezia (2013, p. 23) os povos originários são os primeiros habitantes desta terra, chamados de “índios”, nome dado por Cristóvão Colombo em 1492, após chegada a América. Em 22 de abril de 1500, a mando do rei de Portugal, Pedro Álvares Cabral aqui desembarcou, afirmando ser o descobridor dessas terras, antes chamada de Pindorama – Terra das Palmeiras em tupi-guarani – hoje denominada Brasil.

Os autores acrescentam que a real invasão se consolidou em 1531 e naquele tempo havia uma população de cerca de cinco milhões de indígenas, falantes de 1500 línguas diferentes. Eram povos com suas diferenças culturas, guerreiros com grandes habilidades que usavam seus instrumentos para a defesa dos territórios que já estavam sendo invadidos e expropriados.

É histórico o movimento de organização e resistência das comunidades indígenas pela garantia do direito de uso das terras tradicionalmente ocupadas. Segundo Krenak (2015, p. 62) já na década de 70 os indígenas se reuniam para defender organizadamente seus interesses e necessidades.

O autor acrescenta que, no entanto, é a década de 80 o período de maior importância, não só para os povos indígenas, mas para toda a nação brasileira. O anseio na busca pela democracia fortaleceu o apoio ao movimento indígena, de forma que ganhando cada vez mais força, conseguiram chegar ao congresso.

A participação indígena na constituinte se deu em virtude da pressão dos movimentos indígenas e dos grupos de defesa de direitos das minorias, e aconteceu junto à Subcomissão dos Negros, Populações Indígenas, Deficientes Físicos e Minorias.

A década de 1980 foi de muita efervescência política no Brasil. Havia um forte movimento social em luta pela democratização do país, após a experiência do longo período de ditadura militar. Nesse contexto, também havia vários movimentos agregados em lutas específicas, cuja organização se intensificou em torno da construção de propostas para a nova Constituição Brasileira, quando foi instituída a Assembleia Nacional Constituinte. Para o movimento indígena, foi um período de intensa mobilização. Os/as indígenas não precisavam mais de mediadores/as para representá-los/as, eles/as mesmos/as se faziam presentes em vá- rios espaços de discussão e debate, pautando suas reivindicações. A “cidadania indígena” foi amplamente discutida, questionada, defendida, rebatida nos meios intelectuais e jurídicos. O cerne deste debate era a relação índio e Estado, em seus aspectos políticos e jurídicos, em volta de três questões: a autodeterminação desses povos como coletividades de identidades étnicas específicas, com territórios próprios; sua posição no âmbito da cidadania e a superação da perspectiva integracionista (CFESS, 2012, p. 02).

Deste modo, historicamente, os conflitos em torno da questão indígena em grande maioria dizem respeito à luta pela demarcação das terras tradicionalmente ocupadas e pela não invasão e exploração de suas riquezas naturais.

Ao abordar sobre os conflitos que envolvem o uso da terra, Silva (2019, p. 480) cita que analisar o processo histórico da luta e conquista do direito dos povos indígenas à terra na sociabilidade capitalista exige uma breve caracterização da relação entre instâncias de poder e povos originários na nossa formação social brasileira. A histórica questão fundiária indígena envolve diversas problemáticas quanto ao acesso e uso da terra: violências sofridas por indígenas em conflitos diretos com a classe burguesa de ruralistas, donos do agronegócio, acarretando consequências nefastas para os povos que ainda vivem no campo.

Temos inúmeros casos na realidade brasileira de expulsão de populações ribeirinhas, tradicionais, quilombolas, pesqueiras pela ação predatória do grande capital nas investidas os grandes empreendimentos como hidrelétricas, barragens, exploração de minérios, de madeira, entre tantos outros (SILVA. 2019. p. 483).

A autora acrescenta que a disputa de terras e o monopólio da posse nas mãos de classes economicamente poderosas são os principais impasses vividos pelas populações originárias que residem em regiões ricas em recursos naturais, especialmente quando essa classe dominante se encontra bem representada em uma bancada ruralista no parlamento brasileiro e em aparelhos privados de hegemonia que atuam para legitimar os interesses dos “reis do agronegócio”.

O direito constitucional à demarcação de terra

De acordo com o Decreto 6040 de 2007 que institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais:

II - Territórios Tradicionais são os espaços necessários à reprodução cultural, social e econômica dos povos e comunidades tradicionais, sejam eles utilizados de forma permanente ou temporária, observado, no que diz respeito aos povos indígenas e quilombolas, respectivamente, o que dispõem os arts. 231 da Constituição e 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e demais regulamentações;

Assim “Terra Indígena é uma porção do território nacional, de propriedade da União, habitada por um ou mais povos indígenas, por ele(s) utilizada(s) para suas atividades produtivas, imprescindível à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e necessária à sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições” (FUNAI, 2020).

No que tange a legislação brasileira, historicamente observa-se nas constituições federais de 1891, 1934, 1937 e 1946 menções pontuais a um possível reconhecimento as terras indígenas, com uma delimitação por parte do Estado na incorporação e controle dos territórios.

A Constituição de 1937, no artigo 154, definia: “Será respeitada aos silvícolas a posse das terras em que se achem localizados em caráter permanente, sendo-lhes, porém, vedada a alienação das mesmas”. Nos termos da Constituição de 1946, artigo 216: “Será respeitada aos silvícolas a posse das terras onde se achem permanentemente localizados, com a condição de não se transferirem” (SILVA, 2019. p. 487).

A autora acrescenta que ao longo do século XX, por forte pressão internacional e organização social das comunidades, há um avanço na promulgação de legislações e mapeamentos, ocorrendo em 1967 a criação da Fundação Nacional do Índio, em 1973 o Estatuto do Índio, e em 1988, a Constituição Federal Brasileira, que em seu artigo 231, discorre sobre o direito originário de uso da terra ocupada em que são reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.

Atualmente fica sob responsabilidade da FUNAI identificar, delimitar, demarcar e providenciar a regularização fundiária das terras tradicionalmente ocupadas.

Abaixo, distribuição das terras indígenas regularizadas contabilizadas até o ano de 2020:

Atualmente existem 462 terras indígenas regularizadas que representam cerca de 12,2% do território nacional, localizadas em todos os biomas, com concentração na Amazônia Legal. Tal concentração é resultado do processo de reconhecimento dessas terras indígenas, iniciadas pela FUNAI, principalmente, durante a década de 1980, no âmbito da política de integração nacional e consolidação da fronteira econômica do Norte e Noroeste do País (FUNAI, 2020).

A conquista dos povos Guarani Mbya pelo direito à demarcação da terra da aldeia Jaraguá/SP

O Centro de Trabalho Indigenista4 estima que em 2007 havia no Brasil cerca de 34 mil Guaranis, sendo: 18 mil a 20 mil Kayová, 08 mil a 10 mil Ñandéva 05 mil a 06 mil Mbya.

Segundo Auzani & Giordani (2008, p.130):

Dentre os povos indígenas brasileiros estão os Guarani, que pertencem à família Tupi-Guarani, do tronco linguístico Tupi. Habitavam a América do Sul antes da invasão europeia, tendo sido estimados em dois milhões de pessoas. Os Guaranis do Brasil são divididos em três subgrupos de acordo com o dialeto, os costumes e as práticas rituais: Kayová, Ñandéva e Mbyá. Atualmente, os Mbyá-Guarani localizam-se em áreas no Uruguai, Paraguai, Argentina e Brasil, onde habitam os estados do sul do país (Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná) e os Estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo e Mato Grosso do Sul, além de algumas famílias que encontrarem-se no Pará e no Tocantins.

Segundo o IBGE, o Estado de São Paulo ocupa a sétima posição entre os estados brasileiros com o maior número de indígenas. Na capital vivem cerca de 25 etnias: Atikun, Pankararu, Pankararé, Pankará, Guarani Nhandeva, Tupi-Guarani, Kaingang, Pataxó, Potiguara, Fulni-ô, Xukuru, Xukuru-Kariri, Terena, Kariri-Xokó, Kaimbé, Xavante, Tupinambá, Kapinawá, Kaxinawá, Karajá, Krenak, Kariri, Pataxo Hã hã hãe e Guarani Mbya. A cidade de São Paulo é o 4º município com maior número de população indígena, contabilizando um total de 12.977.

Na cidade de São Paulo existem quatro terras indígenas demarcadas localizadas na região zona sul e oeste - Terra Indígena Jaraguá, Barragem, Krukutu e Tenondé Porã. Na Terra Indígena Jaraguá vive atualmente 867 índios da etnia Guarani Mbya. Atualmente o território encontra-se subdivido em três aldeias: Tekoa Pyau, Tekoa Itakupe, Tekoa Ytu (CPI-SP, 2020).

Segundo a Comissão Pró Índio de São Paulo, é a partir da criação do Parque Nacional do Jaraguá em 1961, que conta com 492 hectares, que os indígenas Guarani Mbya fixaram suas aldeias, apesar de alguns já viverem na região, antes da criação do parque, de forma nômade. O parque foi tombado pelo Condephaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico, Arqueológico e Turístico) em 1983. No ano de 1994, o Parque Estadual do Jaraguá foi tombado pelo Patrimônio da Humanidade pela UNESCO, passando a integrar a Zona Núcleo do Cinturão Verde da Cidade de São Paulo, Reserva da Biosfera. Atualmente vivem no local cerca de 900 Guaranis.

Em decorrência disto os indígenas se mobilizaram pela expansão do espaço, pois impedia que os mesmos vivessem de acordo com suas tradições de caça, pesca e plantio. Ainda nos anos seguintes a situação foi agravada com a construção da Rodovia dos Bandeirantes e do Rodoanel. Após anos de luta e mobilização indígena pelo reconhecimento ao direito a terra, em 30 de abril de 2013, a Terra Indígena passa a ser reconhecida com 532 hectares (CPI-SP, 2020).

Assim, através da Portaria N° 581, de 29 de maio de 2015, o Governo Federal reconhece os 532 hectares da terra indígena Jaraguá/SP, como de ocupação tradicional do povo Guarani Mbya. No entanto 308 hectares destas terras estão sobrepostos ao parque Estadual do Jaraguá.

Contudo, é preciso abordar sobre as implicações de se viver em centros urbanos, Auzani; Giordani (2008, p. 131) citam que a localização das aldeias Guarani Mbya, em locais com escassez de recursos naturais tem implicações sérias sobre seu modo de vida e suas condições de saúde. A maneira como os indígenas sobrevivem hoje, vivendo dispersos em pequenos grupos, com privação de terras, em disputas pela demarcação dos seus territórios, lutando pela ampliação das áreas anteriormente demarcadas, resistindo às mudanças ambientais e culturais a que são submetidos ou adaptando-se de alguma maneira aos hábitos da sociedade envolvente, são retratos dos indígenas na atualidade, que vêm, há muito tempo, perdendo qualidade de vida o contato dos indígenas com a sociedade nacional trouxe consequências dramáticas a eles, como prevalência de doenças, fome, morte e transformação da sua cultura, situação que persiste até hoje, em maior ou menor gravidade, dependendo do local no qual vivem das condições socioeconômicas do grupo e de suas características culturais.

Apesar dos Mbyá-Guarani procurarem viver de acordo com suas tradições, as transformações ambientais, econômicas e sociais estão interferindo na vida desse grupo. Pela falta de terras ou pelas condições desfavoráveis dos seus territórios, com limitações territoriais ou exaustão de recursos naturais, eles vivem em situações de vulnerabilidade social (AUZANI; GIORDANI, 2008 p. 132).

Quatro anos após a demarcação da terra Jaraguá, que a alterou de 1,7 para 532 hectares, em 21 de Agosto de 2017, o Ministro da Justiça do Governo Michel Temer, Sr. Torquato Jardim, anulou a Portaria n° 581 de 2015, que demarcava os 532 hectares de ocupação tradicional Guarani na Terra Indígena Jaraguá. Na ocasião, havia por parte das lideranças indígenas um entendimento de que para favorecer a bancada ruralista da Câmara dos deputados, os processos de demarcação de terra estavam sendo revistos pelo governo, pontuavam também um possível interesse do governador Sr. Geraldo Alckmin, à época, em conceder a terra à iniciativa privada para a construção de um parque estadual.

A Lei n° 249/2013 foi aprovada em julho de 2016 na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo autorizando a Fazenda do Estado a conceder a exploração de serviços ou o uso de áreas estaduais pelo período de 30 anos. A medida interfere diretamente sobre 25 Unidades de Conservação (UCs), dentre elas o Parque Estadual do Jaraguá, em suas respectivas administrações e comunidades tradicionais que nelas residem ao permitir a exploração dos serviços ou o uso de áreas inerentes ao ecoturismo e à exploração comercial madeireira ou de subprodutos florestais (CIMI, 2020).

Foram inúmeros os protestos a favor dos indígenas, parte dos manifestantes chegaram a ocupar as antenas de telecomunicação instaladas no Parque Jaraguá, como forma de pressionar uma negociação com a ameaça de desligar os sistemas de transmissão de três grandes importantes emissoras de TV.

Em 12 de Setembro de 2017, o Ministro republicou a portaria 581, devolvendo aos povos indígenas do Jaraguá/SP seu direito aos 532 hectares de terra.

Recentemente, já em 2020, segundo o Conselho Indigenista Missionário5, em 30/01/2020, a terra indígena Jaraguá amanheceu ao som de motosserras e de equipamentos utilizados para a derrubada da mata. Os indígenas denunciam que a Construtora Tenda, empresa de construção de empreendimentos imobiliários, planeja erguer onze torres de prédios, de alto padrão, para cerca de 800 moradores localizado ao lado da aldeia Ytu, em frente da aldeia Pyau.

Os indígenas, que montaram um acampamento em frente ao local onde serão realizadas as obras, em protesto, citam que a construção do condomínio teve início com diversas irregularidades ambientais e desrespeitando as leis de proteção dos povos indígenas e seus territórios, como preconizado na Convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Para os Guaranis Mbya, derrubar uma árvore é como tombar um parente. Nessa ocasião 4 mil foram executados. Uma cerimônia fúnebre será realizada na área massacrada em nome de um apelo ao Nhanderu, o deus criador Guarani, pela maldade e agressão aos espíritos que protegem o povo da floresta. Sem previsão de término, a comunidade aguardará uma conversa em relação à devolutiva ambiental e indígena (CIMI, 2020).

De acordo com a convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho sobre povos indígenas e tribais, em seu art. 7:

Os governos deverão zelar para que, sempre que for possível, sejam efetuados estudos junto aos povos interessados com o objetivo de se avaliar a incidência social, espiritual e cultural e sobre o meio ambiente que as atividades de desenvolvimento, previstas, possam ter sobre esses povos. Os resultados desses estudos deverão ser considerados como critérios fundamentais para a execução das atividades mencionadas. Os governos deverão adotar medidas em cooperação com os povos interessados para proteger e preservar o meio ambiente dos territórios que eles habitam (CONVENÇÃO 169 DA OIT, art.7).

Poucos dias após o inicio das obras, um grupo de indígenas ocupou por cerca de 40 dias a entrada do local onde está prevista a construção do empreendimento. Após diversas tentativas de negociação com a construtora e abertura de processo civil na 14ª Vara Cível Federal de São Paulo, a juíza Tatiana Pattaro Pereira aceitou o pedido de tutela provisória das Defensorias Públicas da União e do Estado de São Paulo e proibiu obras ou manejo ambiental por parte da Construtora Tenda no local.

Em sua decisão a juíza defere que há potencial risco de dano ao meio-ambiente e ao direito indígena posto nos autos. O princípio da precaução, caro ao Direito Ambiental, ordena que diante de situação potencialmente prejudicial ao meio-ambiente, ainda que seus resultados não sejam de todo conhecidos, sejam tomadas as medidas mais cautelosas e protetivas, de modo a evitar dano irreparável6.

Considerações finais

Vivendo nos centros urbanos, ou distantes da civilização, os povos indígenas buscam manter vivos os aspectos culturais presentes em seu modo de vida ancestral. E a forma como as comunidades sobrevivem nos dias atuais, vivendo sob privação de terra, na disputa pela demarcação, buscando adaptar-se as mudanças culturais e sócio ambientais, demonstram a condição sócio econômica em que vivem, resistindo as mais diversas violações de direito. É possível observar que atualmente muito se fala dos processos de demarcação de terra no Congresso Brasileiro. Além das reestruturações e mudanças nas legislações e órgãos de defesa indígena, como a FUNAI, observa-se um grande interesse na tomada e exploração destas terras.

Compreende-se a propriedade da terra para os indígenas como um direito originário, ou seja, que antecede até mesmo as legislações da República Federativa, o direito que lhes é garantido, como forma de reparação histórica em respeito ao que é deste povo por direito. E, os conflitos em torno da questão indígena estão em sua grande maioria vinculados à problemática da posse da terra. Nesse ponto, de luta pela demarcação que as aldeias unem; e, despertam lideranças no âmbito nacional que denunciam as más condições de vida das populações indígenas, bem como, por vezes, as manobras dos órgãos específicos criados para sua defesa.

A luta pelo direito a posse da terra é uma constante no cotidiano dos povos indígenas. O agronegócio, a questão fundiária, historicamente acarretam graves consequências às comunidades. Mas o direito não se consolida por um longo percurso histórico de exclusão e distorção sobre sua identidade e seus modos culturais. Nesse contexto a folkcomunicação e a questão indígena contemporânea se aproximam, para a compreensão dos múltiplos processos culturais das diferentes etnias. Além disso, essa leitura tira a condição marginalizada dos indígenas lhes conferindo reconhecimento como povos originários, com culturas singulares e legitimidade em suas terras.

Quais são os atuais conflitos envolvendo os povos indígenas no Brasil?

Desde junho de 2020, uma série de conflitos entre indígenas e garimpeiros são registrados no território, nas comunidades Maloca do Macuxi, Xirixana de Helepi e, mais recentemente, em Palimiú, no município de Alto Alegre, ao Norte de Roraima.

Quais são os principais conflitos envolvendo terras indígenas?

A posse de terra é, segundo a Pesquisadora Melissa Volpato, a principal causa de conflitos nas comunidades. Muitas terras indígenas são invadidas e têm seus recursos naturais explorados ilegalmente. Aproximadamente 85% das terras indígenas sofrem algum tipo de invasão, sendo essa estimativa aceita pela Funai.

Quais as principais dificuldades enfrentadas pelos povos indígenas nos dias de hoje?

Apesar de terem atravessado caminhos de mortes e de cicatrizes não curadas, pouco se fala na história de vida real desses povos, que foram dizimados por doenças introduzidas pelos invasores portugueses e outros: dentre elas, gripe, varíola, sarampo. Com o coronavírus (Covid-19) não está sendo diferente.

Como os povos indígenas foram tratados durante a formação do Brasil enquanto um território?

Índios brasileiros foram tratados como escravos e castigados em troncos - Nacional - Estado de Minas.