Como o desmatamento da floresta amazônica contribui para a redução das chuvas em outras regiões do país?

A perda da cobertura florestal continua sendo tão preocupante quanto sempre foi. Embora as estimativas sobre o desmatamento da Amazônia variem conforme a fonte, existe um consenso geral de que 10% a 12% da floresta em todos os países da região amazônica já tenham desaparecido.

No Brasil, o desmatamento é medido anualmente pelo governo. A estimativa oficial é que aproximadamente 18% da Amazônia brasileira já tenham sido desmatados.

Os índices de desmatamento variam de um país amazônico para outro. Isso acontece principalmente porque variam também os fatores que ocasionam esse processo na região.

No Brasil, por exemplo, é comum que o corte raso da floresta seja feito para dar lugar às pastagens para o gado em fazendas de grande e médio porte. Já em outros países, normalmente a ocupação da floresta se dá por pequenos agricultores.

O desmatamento é particularmente acentuado em áreas adjacentes a centros urbanos, estradas e rios.

No entanto, mesmo áreas remotas, onde não se conhece atividade humana, já mostram sinais de sofrer a pressão humana, principalmente em lugares onde existe mogno e ouro.

Mas nem todo desmatamento é ilegal. Certa quantidade de desmatamento em propriedades privadas pode ser legal.

De acordo com o Código Florestal do Brasil, cada proprietário de terra pode fazer corte raso de 20% da floresta amazônica em sua propriedade, mediante autorização dos órgãos ambientais.

Um ambiente mais quente e mais seco para a Amazônia é o prognóstico de estudos de modelagem que se debruçam sobre os efeitos das mudanças climáticas.

Se bem ajustado, o mecanismo hidrológico da Amazônia desempenha um papel primordial na manutenção do clima mundial e regional.

A água que as plantas liberam na atmosfera por meio da evapotranspiração e que os rios despejam no oceano influencia o clima do planeta e a circulação das correntes oceânicas. É um mecanismo de retroalimentação, pois esse processo também sustenta o clima regional do qual depende.

O que acontece na Amazônia?

Os cientistas já observam uma perturbação na floresta amazônica – o mecanismo hidrológico começa a falhar. Existem dois fatores principais em jogo.

Um desses fatores é a Oscilação Sul do El Niño, um fenômeno climático que influencia uma grande parte da variabilidade climática da América Latina.

Embora esse fenômeno seja uma ocorrência natural, as mudanças climáticas induzidas pelo homem devem aumentar sua freqüência no futuro.

A Oscilação Sul do El Niño está associada com as condições secas no Nordeste brasileiro, no norte da Amazônia, no Altiplano Peruano-Boliviano e na costa do Pacífico na América Central.

Um segundo fator é o desmatamento. Além de retirar a cobertura florestal, ele provoca uma mudança violenta nos padrões de pluviosidade e na distribuição das chuvas.

As recentes descobertas científicas sugerem que o atual desmatamento da Amazônia já alterou o clima regional. Além disso, sustentam relatos anteriores de que há um aumento de nebulosidade nas áreas desmatadas.

A previsão de longo prazo do tempo na Amazônia 

Os modelos sugerem que, até o ano 2050, as temperaturas na Amazônia aumentarão em 2º C a 3°C. Ao mesmo tempo, a diminuição das chuvas nos meses de seca provocará a ampliação da seca.

Essas mudanças terão graves consequências. O aumento de temperatura e a diminuição das chuvas, conforme previsto, podem provocar secas mais prolongadas e talvez mais severas, juntamente com mudanças substanciais na sazonalidade, com impactos sobre plantas, animais e seres humanos.

Que impactos podemos esperar?

Juntamente com as mudanças no uso da terra, pode-se esperar a degradação dos sistemas de água doce, a perda de solos valiosos do ponto de vista ecológico e agrícola, mais erosão, menores colheitas agrícolas, maior infestação de insetos e a difusão de doenças infecciosas.

Ao longo do tempo, as mudanças climáticas globais e o aumento do desmatamento provavelmente provocarão o aumento da temperatura e a mudança dos padrões de chuvas na Amazônia – o que, sem dúvida, afetará as florestas da região, bem como a disponibilidade da água, a biodiversidade, a agricultura e a saúde humana.

Capa

A Amazônia leva umidade para as demais regiões do Brasil e até outros continentes

Como o desmatamento da floresta amazônica contribui para a redução das chuvas em outras regiões do país?

Nuvem de chuva sobre trecho de floresta no estado do Amazonas

Rogerio Assis

Se 60% da Amazônia é brasileira e 40% de outros oito países, por que o mundo deveria se preocupar com o destino da maior floresta tropical do planeta? Não seria pela produção de oxigênio, mito que sempre ressurge quando as queimadas ganham força e a taxa de desmatamento sobe na região, como ocorreu neste ano, colocando em risco os supostos “pulmões do mundo”. De dia, as plantas fazem fotossíntese e transformam a energia solar em química, basicamente carboidratos (açúcares) vitais para sua sobrevivência. Nesse processo, elas absorvem vapor-d’água e dióxido de carbono (CO2), o mais importante gás de efeito estufa, e liberam oxigênio. Mas à noite, quando não realizam fotossíntese, e apenas respiram, elas consomem oxigênio e expiram CO2. No fim do dia, feitas as contas, há um empate técnico entre a quantidade de oxigênio consumida e liberada.  Na verdade, a fotossíntese de toda a vegetação do planeta libera uma quantidade de oxigênio que praticamente não altera a concentração atmosférica desse gás.

Além de ser detentora de cerca de 15% de toda a biodiversidade do planeta, uma razão em si suficiente para preservá-la, a Amazônia desempenha vários papéis fundamentais para a química atmosférica em nível regional, continental e até global. “A floresta é uma grande fonte de vapor-d’água não só para a região Norte como para o Centro-Sul do país e a bacia do Prata”, comenta o físico Paulo Artaxo, do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IF-USP). “Atua fortemente para regular o clima em diferentes escalas, inclusive remotamente.” Se for para recorrer a uma metáfora, a Amazônia seria o ar-condicionado do planeta, espalhando frescor e umidade — em outras palavras, chuva — sobre si mesma e demais partes do globo. Não é força de expressão a língua inglesa chamar a Amazônia e outras matas úmidas tropicais de rainforests, literalmente florestas da chuva. Nesses pontos do planeta, há coberturas vegetais densas e exuberantes porque chove de forma quase contínua e muito, entre 2 mil e 4.500 milímetros (mm) por ano.

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Rogerio Assis

Incêndio florestal no estado de Mato GrossoRogerio Assis

A umidade que chega à imensa bacia amazônica é trazida por ventos que sopram do oceano Atlântico tropical em direção ao continente. Esse vapor-d’água gera chuva sobre a floresta. Em um primeiro momento, a vegetação e o solo absorvem a água. Em um segundo, ocorre o fenômeno conhecido como evapotranspiração: parte da chuva evapora dos solos e as plantas transpiram. Essas ações devolvem uma grande fração da umidade inicial à atmosfera, que produz mais pluviosidade sobre a mata. Essa interação gera um ciclo perene muito eficiente de reaproveitamento da água. Por isso, os pesquisadores dizem que a Amazônia processa parte de sua própria chuva. Mas nem todo esse vapor-d’água permanece estacionado sobre a floresta. Ao ser devolvida à atmosfera, uma parte dessa umidade gera correntes aéreas que transportam chuva para o centro-sul do continente. São os famosos rios voadores. Diariamente, esses rios aéreos transportam cerca de 20 bilhões de toneladas de água, 3 bilhões de toneladas a mais do que o rio Amazonas, o de maior volume de água do mundo, despeja cotidianamente no Atlântico.

O desmatamento e a possível fragmentação da floresta tropical podem comprometer sua capacidade de enviar vapor-d’água para o Brasil Central e o Sul do continente. “A Amazônia é uma área predominantemente plana e contínua, que, nos modelos climáticos, consideramos como um bloco, uma entidade em si”, explica o climatologista José Marengo, chefe do setor de Pesquisa e Desenvolvimento do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), órgão do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC). “Mudanças significativas em sua cobertura vegetal alteram o sistema de circulação atmosférica e podem ter repercussões sobre o regime de chuvas em lugares distantes. Podem dar origem a eventos extremos, como a diminuição do total de pluviosidade ou sua concentração em pouco dias.” Fora da região Norte, o efeito umidificador da Amazônia é sentido de forma mais evidente no Sudeste, na Bacia do Prata e no Centro-Oeste, cujas atividades agropecuárias se beneficiam de uma redução de temperatura causada por ventos amenos vindos da floresta.

Em 19 de agosto deste ano, os paulistanos tiveram uma amostra das conexões à distância que interligam a atmosfera amazônica com o clima da cidade de São Paulo. Por volta das 15h, no meio da tarde, um temporal invernal escureceu o céu da metrópole. O dia que vira noite chama a atenção, mas não chega a ser um fenômeno raro. Incomum foi a chuva preta que caiu durante a tempestade. Análises feitas no Instituto de Química da USP encontraram na água da chuva o composto orgânico reteno, da classe dos hidrocarbonetos policíclicos aromáticos (HPAs), formado apenas quando ocorre a queima de biomassa, como árvores. Como a data da chuva negra em São Paulo coincidiu com um pico de queimadas na região Norte e em países vizinhos, o reteno deve ter sido produzido pelos incêndios florestais que levaram a Amazônia a ser notícia de primeira página no mundo naquele mês. A fumaça das queimadas foi transportada até a capital paulista, onde se juntou às nuvens de chuva.

Nos últimos anos, alguns trabalhos têm tentado medir qual seria o impacto do desaparecimento ou da redução drástica da área das grandes florestas tropicais sobre o clima em diferentes partes do planeta e suas implicações para a agricultura. Um artigo publicado em 2015 na revista científica Nature Climate Change compilou e analisou dados de mais de 20 estudos de modelagem climática e artigos científicos que tratavam das repercussões do desmatamento total ou parcial das três grandes florestas tropicais: a Amazônia, a maior delas, a da África Central, na bacia do Congo, e a do Sudeste Asiático. As duas primeiras formam blocos contínuos de vegetação, mas a Amazônia é 70% maior e mais úmida do que as florestas africanas, que também sofreram neste ano grandes incêndios. A maior parte das florestas do Sudeste Asiático está espalhada por ilhas da região, como Indonésia e Malásia. A Amazônia é 2,5 vezes maior do que as matas dessa região.

Como o desmatamento da floresta amazônica contribui para a redução das chuvas em outras regiões do país?
Infográfico e ilustração Alexandre Affonso

Além de estimular localmente secas e picos de temperatura, o desmatamento completo das florestas tropicais faria o clima do planeta esquentar mais 0,7 ºC, próximo do nível de aquecimento global atualmente experimentado pelo aumento do efeito estufa desde a Revolução Industrial. As maiores repercussões do desmatamento completo, no entanto, seriam sobre o regime de chuvas. “O desflorestamento tropical causaria um golpe duplo no clima e nos agricultores”, disse, em material de divulgação do estudo, a professora de ciências ambientais Deborah Lawrence, da Universidade da Virgínia, nos Estados Unidos, principal autora do estudo. “A remoção de florestas alteraria a umidade e o fluxo de ar, levando a mudanças que seriam igualmente perigosas e aconteceriam imediatamente. Os impactos iriam além dos trópicos. O Reino Unido e o Havaí poderiam ter um aumento nas chuvas, enquanto o meio-oeste dos EUA e o sul da França, um declínio.” O cultivo de grãos, como milho, trigo, cevada e soja, é disseminado nessa região norte-americana. Na França meridional, além dos grãos, há expressiva produção de vinho e de lavanda.

Em outubro deste ano, em um encontro na Universidade Princeton, nos Estados Unidos, para discutir a importância da Amazônia para o planeta, um trabalho de modelagem climática semelhante foi divulgado. No estudo, coordenado pelo ecólogo Stephen Pacala e a climatologista Elena Shevliakova, ambos de Princeton, foram simuladas quais seriam as consequências se toda a floresta amazônica virasse pastagem. Na escala global, o mundo ficaria 0,25 ºC mais quente. No Brasil, as chuvas seriam reduzidas em um quarto e a própria Amazônia ficaria 2,5 ºC mais quente. O cenário de desaparecimento total das florestas tropicais é muito radical e dificilmente irá se materializar. No entanto, trabalhos como o de Lawrence sinalizam que um desmatamento entre 30% e 50% seria suficiente para produzir fortes impactos globais, além da savanização de parte da floresta.

Como o desmatamento da floresta amazônica contribui para a redução das chuvas em outras regiões do país?

Saul Loeb / AFP / GettyImages

Estudos de modelagem indicam que o desmatamento total das florestas tropicais poderia afetar o clima em importantes áreas agrícolas distantes, como o meio-oeste dos Estados UnidosSaul Loeb / AFP / GettyImages

A ameaça à Amazônia não derivaria apenas da ação das motosserras ou do fogo das queimadas. Uma pesquisa recente sugere que o próprio aquecimento global estaria por trás de um misterioso aumento na mortalidade de certos tipos de árvores em áreas de mata fechada, em zonas bem preservadas, onde teoricamente a resiliência da vegetação deveria ser alta. Publicado em novembro do ano passado na revista científica Global Change Biology, o estudo analisou o diâmetro dos anéis de crescimento de árvores individuais em 106 trechos da floresta e concluiu que as não adaptadas a condições de estresse, como seca prolongada e temperaturas mais elevadas, estariam perecendo mais do que as demais.

As espécies mais aptas a crescer em ambientes úmidos estariam perdendo espaço para as que se desenvolvem mais facilmente em clima seco. “As árvores adaptadas à umidade morrem, abrem pequenas clareiras no meio da floresta e são substituídas por espécies de crescimento mais rápido, como a embaúba”, explica a ecóloga brasileira Adriane Esquivel-Muelbert, da Universidade de Leeds, no Reino Unido, principal autora do trabalho. “O aquecimento global está mudando a biodiversidade das espécies que compõem a floresta.” Esses trechos da Amazônia são acompanhados há 30 anos por pesquisadores do Brasil e do exterior dentro do projeto Amazon Forest Inventory Network (Rainfor). O problema dessa substituição é que as novas espécies dominantes crescem rápido, mas têm vida efêmera e retiram menos carbono da atmosfera, um dos papéis mais importantes da Amazônia, ao lado de seu efeito de disseminação de umidade.

Projetos
1.
Variação interanual do balanço de gases de efeito estufa na Bacia Amazônica e seus controles em um mundo sob aquecimento e mudanças climáticas – Carbam: estudo de longo termo do balanço do carbono da Amazônia (nº 16/02018-2); Modalidade Projeto Temático; Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais; Pesquisador responsável Luciana Gatti (Inpe); Investimento R$ 3.592.308,47
2. AmazonFace/ME: Projeto de integração Modelagem-Experimento do Amazon-Face – o papel da biodiversidade e feedbacks climáticos (nº 15/02537-7); Programa Jovem Pesquisador; Pesquisador responsável David Montenegro Lapola (Unicamp); Investimento R$ 464.253,22.

Artigos científicos
FLEISCHER, K. et al. Amazon forest response to CO2 fertilization dependent on plant phosphorus acquisition. Nature Geoscience. on-line. 5 ago. 2019.
ESPINOZA, J. C. et al. Contrasting North–South changes in Amazon wet-day and dry-day frequency and related atmospheric features (1981–2017). Climate Dynamics. v. 52, n. 9-10, p. 5413-30. mai. 2019.
MARENGO, J. A. et al. Changes in Climate and Land Use Over the Amazon Region: Current and Future Variability and Trends. Frontiers in Earth Sciences. 21 dez. 2018
LOVEJOY, T.E e NOBRE, C. Amazon Tipping Point. Science Advances. 21 Feb 2018
GATTI, L. V. et al. Drought sensitivity of Amazonian carbon balance revealed by atmospheric measurements. Nature. v. 506, n. 7486, p. 76–80. 6 fev 2014.

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Porque o desmatamento da Amazônia pode reduzir as chuvas em todo o Brasil?

Isso se deve a processos naturais da própria floresta: as plantas liberam vapor d'água no processo de fotossíntese, que se acumulam no ar e resultam em chuvas quase imediatas. O desmatamento destrói a vegetação, o que interrompe este ciclo natural, diminuindo a formação e a incidência de chuvas na região amazônica.

Por que o desmatamento da Amazônia pode levar a escassez de água em outras regiões do Brasil?

Com o avanço do desmatamento, a floresta tem os padrões de pressão alterados, o que pode causar o declínio dos ventos carregados de umidade que vem do oceano para o continente. Sem árvores, a chuva na região pode cessar por completo.

Como o desmatamento da Amazônia pode interferir no ciclo das chuvas?

Entretanto, um estudo publicado na revista Global Change Biology, na terça-feira (17/8), mostra que o impacto do desmatamento pode ser até quatro vezes maior que o estimado pelos cientistas até então. Os pesquisadores concluíram que a perda de vegetação gera uma redução de 55% a 70% na precipitação anual.

Como o desmatamento da Amazônia pode alterar o regime de chuvas em outros estados do Brasil?

O desmatamento e as queimadas na Amazônia reduzem a área da floresta e, consequentemente, diminuem a capacidade que o bioma possui de espalhar umidade para outras regiões e de reter gases do aquecimento global.