Como a Geografia contribui para alargar o olhar crítico do estudante?

Scripta Nova
REVISTA ELECTRÓNICA DE GEOGRAFÍA Y CIENCIAS SOCIALES
Universidad de Barcelona. 
ISSN: 1138-9788. 
Depósito Legal: B. 21.741-98 
Vol. XI, núm. 245 (63), 1 de agosto de 2007
[Nueva serie de Geo Crítica. Cuadernos Críticos de Geografía Humana]

Número extraordinario dedicado al IX Coloquio de Geocritica

PAPEL DO ENSINO DE GEOGRAFIA NA COMPREENS�ODE PROBLEMAS DO MUNDO ATUAL

V�nia Vlach
Instituto de Geografia
Universidade Federal de Uberl�ndia


Papel do ensino de geografia na compreens�o de problemas do mundo atual (Resumo)

Considerando que a crise paradigm�tica da ci�ncia repercute na educa��o, apresentam-se algumas propostas do Ensino de Geografia para a compreens�o de problemas do mundo atual. Em primeiro lugar, porque tais problemas, geralmente, est�o relacionados �s disputas pol�ticas que o territ�rio suscita; em segundo lugar, porque o estudo de temas da Geografia Pol�tica e da Geopol�tica questiona a neutralidade cient�fica. Pesquisa realizada em Uberl�ndia � MG, em 2006, nos ensinos fundamental e m�dio, indica que os alunos possuem alguns conhecimentos b�sicos sobre tais temas; por�m, a forma��o inadequada do corpo docente e a precariedade do material did�tico comprometem a sua aprendizagem. Para promov�-la, prop�e-se, entre outras alternativas, utilizar arte, m�sica e teatro; realizar trabalhos de campo; organizar debates e mini-cursos; disponibilizar recursos auxiliares (Internet, kits did�ticos, Atlas, livros atualizados e peri�dicos); paralelamente � forma��o continuada do professor.

Palavras-chave: ensino de geografia, territ�rio, geografia pol�tica, geopol�tica.


The role of geography teaching to understand problems of the contemporary world (Abstract)

Considering that the paradigmatic crisis of science influences education, some proposals regarding Geography Teaching to understand problems of the contemporary world are presented in this discussion. Firstly, because such problems are usually related to the political disputes which are raised by the territory. Secondly, because the study of themes on Political Geography and Geopolitics, questions scientific neutrality. A research accomplished in Uberl�ndia - MG, 2006, in the elementary and high levels indicates that the students have some basic knowledge on such themes; however, teachers� poor education and the precariousness of the didactic material impair their learning. To promote it, we propose, among other alternatives, to work with art, music and theater, accomplish field works, organize debates and mini-courses, and supply auxiliary resources (Internet, didactic kits, Atlas, updated books and newspapers) in parallel with the teacher's continuous education.

Key words: geography teaching, territory, political geography, geopolitics.


Papel de la ense�anza de geograf�a en la comprensi�n de problemas del mundo actual (Resumen)

Teni�ndo en cuenta que la crisis paradigm�tica de la ciencia repercute en la educaci�n, se presentan algunas propuestas de la Ense�anza de Geograf�a para la comprensi�n de problemas del mundo actual. En primer lugar, porque tales problemas, generalmente, se asocian a las disputas pol�ticas que el territorio suscita; en segundo lugar, porque el estudio de temas de la Geograf�a Pol�tica y de la Geopol�tica cuestiona la neutralidad cient�fica. Una investigaci�n realizada en Uberl�ndia, Brasil, en 2006, en las ense�anzas primaria y secundaria, se�ala que los alumnos poseen algunos conocimientos b�sicos sobre dichos temas; sin embargo, la formaci�n inadecuada del cuerpo docente y la precariedad del material did�ctico comprometen su aprendizaje. Para promoverla, se propone, entre otras alternativas, utilizar arte, canci�n y teatro; realizar trabajos de campo; organizar debates y minicursos; disponer de recursos auxiliares (Internet, kits did�cticos, Atlas, libros actualizados y peri�dicos); paralelamente a la formaci�n continuada del profesor.


Palabras clave: ense�anza de geograf�a, territorio, geograf�a pol�tica, geopol�tica.


Tal fato... (a neglig�ncia da sabedoria humana)..., v�-se agora, deveu-se � hegemonia incondicional do saber cient�fico e � conseq�ente marginaliza��o de outros saberes vigentes na sociedade, tais como o saber religioso, art�stico, liter�rio, m�tico, po�tico e pol�tico, que em �pocas anteriores tinham em conjunto sido respons�veis pela sabedoria pr�tica (a phronesis), ainda que restrita a camadas privilegiadas da sociedade.
Boaventura de Souza Santos

Tendo em vista o papel do Ensino de Geografia na compreens�o de problemas do mundo atual, e entendendo que tais problemas t�m, quase sempre, um forte componente territorial, investigou-se a abordagem de temas de Geografia Pol�tica e Geopol�tica nas aulas de Geografia do Ensino Fundamental (7�. e 8�. s�ries) e no Ensino M�dio, nos distritos do Munic�pio de Uberl�ndia � MG, Brasil.

Um conhecimento aprofundado do territ�rio onde se vive permite questionar a neutralidade cient�fica, ao mesmo tempo em que fornece subs�dios para a elabora��o de �racioc�nios geogr�ficos�, algo n�o desprovido de import�ncia na perspectiva da complexidade do Ser na Terra, a �morada do homem�.�

Sociedade Moderna, Pol�tica, Ci�ncia, Geografia, Educa��o, Ensino de Geografia

Desde a institucionaliza��o da sociedade capitalista e moderna, a ci�ncia produziu muito conhecimento sobre o mundo, a� inclu�da a civiliza��o que o homem estava disseminando pela superf�cie da Terra. Por�m, essa not�vel produ��o de conhecimento se fez a um pre�o: a ci�ncia ignorou as motiva��es mais profundas do homem como Ser indiviso, que � raz�o e emo��o (de maneira amb�gua, contradit�ria, complementar, isto �, complexa). Por interm�dio da for�a da raz�o, ela imp�s um distanciamento quase intranspon�vel entre o conjunto dos fatos cient�ficos, definidos como verdadeiros e inquestion�veis porque pass�veis de comprova��o em laborat�rio, e o conjunto dos fen�menos pol�ticos, vari�veis conforme as rela��es entre homens e sociedades entre si e com a natureza, ao longo da Hist�ria. A neutralidade cient�fica �, talvez, o produto mais bem elaborado por tal distanciamento.

A organiza��o do espa�o geogr�fico na escala do Estado-na��o europeu ocidental a partir do final do s�culo XVIII, se configurou como uma necessidade do progresso, cuja ideologia � a melhoria das condi��es de vida de todos os habitantes � conclamava o esfor�o de todos para o �bem geral da humanidade�, sob o lema �liberdade, igualdade e fraternidade�, embora apenas alguns pudessem usufruir dessas benesses.

Na verdade, a maioria era livre apenas para vender a sua for�a de trabalho, dado que as rela��es de produ��o capitalistas estavam reduzindo o homem � condi��o de mercadoria, de objeto da ci�ncia e do poder (estatal, em particular). A valoriza��o do territ�rio nacional por meio do processo de urbaniza��o-industrializa��o, posteriormente levou � implanta��o de tais rela��es nos demais continentes, onde o imperialismo triunfante negou, � maioria de sua popula��o, o atributo de humanidade. �

Nesse contexto, a Geografia moderna se afirmou. Afinal, a descri��o cient�fica do territ�rio e seu mapeamento cartogr�fico eram fundamentais para a organiza��o do espa�o geogr�fico, qualquer que fosse a sua escala. Entretanto, n�o se quis assumir publicamente o papel do ge�grafo, por sinal muito antigo, como aquele que, a partir das representa��es cartogr�ficas, prop�e �racioc�nios geogr�ficos� (Lacoste, 1988). Preferiu-se deixar de lado o sentido estrat�gico da Geografia, em favor da ideologia:

...De fato, em certos Estados europeus, primeiro na Pr�ssia, depois na Fran�a, os meios dirigentes foram levados a pensar que era preciso ensinar certos conhecimentos geogr�ficos, n�o somente aos homens de a��o � o que tinha sido o caso at� ent�o � mas tamb�m a largas categorias sociais e sobretudo aos jovens. A geografia se torna, ent�o, disciplina de ensino destinada, primeiro aos jovens da burguesia, que iam ao liceu, depois a todos os alunos das escolas prim�rias, e esse ensino tinha por finalidade fazer com que conhecessem melhor sua p�tria e os pa�ses que a cercavam (Lacoste, 1988, p. 217, grifo do autor).

A necessidade de formar professores para ministrarem essa disciplina de ensino remete � educa��o, de uma maneira geral, e � universidade, de maneira particular. Talvez a neutralidade cient�fica tenha adquirido propor��es espetaculares entre n�s, dado que, enquanto ci�ncia moderna, a Geografia emergiria como uma das ferramentas da educa��o, com a fun��o de formar o cidad�o, entendido como o soldado pronto para honrar a p�tria nos campos de batalha. Nos per�odos de paz, cabia-lhe extrair e produzir riquezas a partir da explora��o da natureza, de sorte a construir o progresso em seu territ�rio.

A fun��o ideol�gica de formar o cidad�o-soldado, indissoci�vel da pol�tica do Estado, em e fora de suas fronteiras, foi escamoteada na forma de uma disciplina de ensino descritiva, mnem�nica, de maneira que os �racioc�nios geogr�ficos� tornaram-se o apan�gio do poder dominante, por sua vez tribut�rio do papel da ci�ncia como �o �nico farol� da humanidade.

As conseq��ncias disso se refletem at� a atualidade: de uma maneira geral, o cidad�o n�o consegue ver que a conviv�ncia social no mundo � uma quest�o �tico-pol�tica, e n�o mera quest�o t�cnica. Em outras palavras, os �racioc�nios geogr�ficos� s�o importantes para a constru��o de uma cidadania plena em sociedades como a brasileira, o que depende do compromisso de cada um no processo de conhecer o seu territ�rio, para nele organizar atividades econ�micas, lutas sociais e pol�ticas, tendo em vista a constitui��o de uma sociedade democr�tica. �

Hoje, essa cidadania em �mbito nacional apontapara uma cidadania cosmopolita, o que depende da participa��o de cada indiv�duo no esfor�o conjunto de viver-conviver-existir-coexistir com sabedoria humana, em um planeta cuja finitude vem sendo crescentemente aceita por alguns nas �ltimas d�cadas, quando as condi��es s�cio-ambientais se agravaram muito, em um quadro pol�tico-social violento e permeado por a��es terroristas, que atingem indistintamente a popula��o civil, em qualquer lugar do mundo.

Por�m, muito antes dos eventos de 11 de setembro de 2001, que mostraram especialmente � sociedade estadunidense a vulnerabilidade de seu territ�rio a ataques terroristas (Chomsky, 2002), o cidad�o comum j� vivia a experi�ncia de uma rela��o pol�tica vertical diante do Estado nacional, cuja soberania o havia impelido a privilegiar a seguran�a, em detrimento de pr�ticas pol�ticas democr�ticas, interna e externamente. P�s esse 11 de setembro, a preocupa��o com a seguran�a nacional, �s vezes fundida (ou confundida) com a seguran�a internacional, diminuiu consideravelmente os direitos civis onde existiam (a exemplo dos Estados Unidos da Am�rica), o que n�o tardou a repercutir no mundo inteiro. Paralelamente, o desenvolvimento tecnol�gico tamb�m contribu�a para um maior afastamento das pr�ticas democr�ticas, porque o seu uso ocorreu na contram�o da sabedoria humana, isto �, em detrimento das necessidades, desejos e aspira��es do conjunto da popula��o.

O fato � que, h� cerca de 250 anos, a racionalidade cient�fica preteriu a antiga sabedoria humana, que, sem d�vida alguma, se limitava a algumas classes sociais (Santos, 2000). Contudo, a �nfase nas condi��es que poderiam fazer do Ser humano o sujeito de suas a��es, porque livre e dotado de vontade, explica porque a sabedoria considerava todos os saberes. Seu resgate, hoje imprescind�vel, demanda uma articula��o entre todos os saberes (pol�tico, religioso, art�stico etc.), de maneira que uma ruptura epistemol�gica com o status quo, n�o pode ignorar os demais saberes. Nem a democracia, inventada pelos gregos paralelamente � inven��o da ci�ncia (Latour, 2004).

A democracia remete ao direito � educa��o, uma das pilastras da sociedade capitalista e moderna. A escolariza��o de todas as crian�as (obrigat�ria, gratuita e laica) no contexto de funda��o e consolida��o da identidade nacional, primeiramente na Europa Ocidental, trouxe benef�cios ao cidad�o (o sentimento de pertencimento a uma cultura nacional proporcionava seguran�a) e ao Estado que a regulamentava (a obedi�ncia militar e c�vica servia aos diversos interesses da p�tria, incluindo a explora��o da for�a de trabalho). Gradativamente, por�m, as autoridades governamentais deixaram de ver a educa��o como respons�vel pela transmiss�o e produ��o da cultura, e reduziram o ato de educar � escola, estabelecendo a sinon�mia escolariza��o-socializa��o no que conhecemos como ensino prim�rio e secund�rio, a partir de fins do s�culo XIX.

Negligenciando o seu sentido cultural, a educa��o avan�ou muito como um instrumento a favor da domina��o. Mas isso n�o quer dizer que ignorou a emancipa��o do Ser humano por completo. A esse respeito, � preciso registrar o papel singular da universidade na sociedade ocidental, cujos objetivos mais importantes e perenes Santos enumera a seguir, a partir das argumenta��es que Karl Jaspers j� havia apresentado em 1965:�

... porque a verdade s� � acess�vel a quem a procura sistematicamente, a investiga��o � o principal objectivo da universidade; porque o �mbito da verdade � muito maior que o da ci�ncia, a universidade deve ser um centro de cultura, dispon�vel para a educa��o do homem no seu todo; finalmente, porque a verdade deve ser transmitida, a universidade ensina e mesmo o sentido das aptid�es profissionais deve ser orientado para a forma��o integral ... No seu conjunto, estes objectivos � cada um deles insepar�vel dos restantes � constituiriam a ideia perene da universidade, uma ideia una porque vinculada � unidade do conhecimento. Esta ideia que, al�m de una, � tamb�m �nica na civiliza��o ocidental, exigiria, para sua realiza��o (ali�s, nunca plena), um dispositivo institucional igualmente �nico (Santos, 2001, p. 188).E o Ensino de Geografia? Qual � o seu papel?

Deveproporcionar alternativas para a elabora��o de �racioc�nios geogr�ficos� a todos os cidad�os na escola, na perspectiva de contribuir na compreens�o de problemas do mundo atual, muitos dos quais est�o ligados � conviv�ncia social no seu sentido mais amplo. Lembrando que a Terra � o planeta vivo e da vida, entende-se que tal conviv�ncia coloca em rela��o indiv�duo-sociedade-natureza, com tudo o que isso comporta em termos de diversidade, desigualdade, contradi��o, harmonia etc. A complexidade do Ser humano na Terra, o planeta da �morada do homem�, n�o � pass�vel de entendimento sem a Pol�tica, sem o Pol�tico: a Pol�tica, no sentido da atividade humana que busca elaborar o melhor regime na din�mica das rela��es sociais para assegurar os direitos (e os deveres) de cada indiv�duo na esfera p�blica, e o Pol�tico, como a atividade de indiv�duos reconhecidos como cidad�os, que discutem na pra�a p�blica seus problemas, geralmente vinculados ao territ�rio (a� inclu�dos os desafios da quest�o ambiental). Apesar disso, persistem resist�ncias � abordagem da Pol�tica e do Pol�tico na Geografia. E a Geopol�tica continua �de fora�!

Ensino de Geografia no Brasil contempor�neo

No caso brasileiro, n�o h� como negar que a viol�ncia interna de uma sociedade autorit�ria e escravista, resultante do processo de coloniza��o de explora��o,tanto tempo escamoteada, mas internalizada por aqueles mantidos � margem da �boa sociedade�, explode quase cotidianamente nas ruas das metr�poles (nacionais e regionais) e das cidades m�dias (Vlach e Braga, 2005) com toda a for�a da ira que, entretanto, ao longo de nossa Hist�ria, n�o foi capaz de provocar a irrup��o de um movimento revolucion�rio quando da emancipa��o do jugo de Portugal (1822), ou quando se desejou combater o denominado subdesenvolvimento econ�mico (antes do golpe militar de 1964), ou, ainda, quando se reivindicou o retorno da democracia (que acabou resgatando o Estado de direito, em 1985).

Entendendo que aqueles que fazem a ci�ncia tamb�m precisam se comprometer com o resgate da sabedoria humana, e que tal resgate � indissoci�vel da Pol�tica e do Pol�tico, defende-se uma ruptura epistemol�gica �colada� �s transforma��es da pr�tica social. Nessa medida, a pr�tica social deve mudar tamb�m na escola.� Ou, sobretudo, na escola, porque a educa��o continua fortemente marcada pelo esp�rito do Iluminismo (Adorno e Horkheimer, 1985), isto �, a cren�a na possibilidade de se disseminar, por meio de sua universaliza��o, a ideologia do progresso a todos os seres humanos, o que transformaria a Terra em um jardim paradis�aco (as diferen�as sociais e as diversidades �tnico-regionais-nacionais desapareceriam!).

Assim, mudan�as da pr�tica social dos professores de Geografia s�o, igualmente, necess�rias. Por meio da abordagem de temas da Geografia Pol�tica e da Geopol�tica, suas aulas certamente podem contribuir para a constru��o de �racioc�nios geogr�ficos�, essenciais na compreens�o de problemas do mundo atual. Esse � o papel do Ensino de Geografia na forma��o de cidad�os brasileiros participativos, ativos e cr�ticos!

Por outro lado, h� algumas d�cadas, a Geopol�tica est� comprometida com os valores da democracia e da cidadania (Lacoste, 1993). Em outras palavras: deixou de ser apenas um instrumento de poder do Estado para o controle da popula��o no territ�rio nacional (como aconteceu no Brasil durante o regime militar, de 1964 a 1985); para justificar uma pol�tica de expans�o territorial (Estados europeus, entre fins do s�culo XIX e come�o do s�culo XX, na �frica e na �sia); para legitimar a hegemonia mundial (Estados Unidos da Am�rica e Uni�o Sovi�tica, durante a Guerra Fria, do p�s Segunda Guerra Mundial at� a queda do Muro de Berlim, em 1989).

O resgate de valores como democracia e cidadania n�o � uma necessidade real, cada vez mais urgente, no contexto da crise paradigm�tica da ci�ncia? N�o � necess�rio trabalhar tal resgate na escola, estudando temas de Geografia Pol�tica e Geopol�tica?

Isso � particularmente significativo no Brasil, um Estadocuja dimens�o territorial colocou em tela, na concep��o dos dirigentes pol�ticos e das elites (econ�micas, militares, culturais), a prem�ncia de torn�-lo uma �nica unidade pol�tica, evitando a fragmenta��o que ocorreu na Am�rica Latina de origem espanhola, nas primeiras d�cadas do s�culo XIX (Vlach, 2006).

No in�cio do s�culo XX, alguns lutaram para introduzir entre n�s a Geografia moderna, antes de sua institucionaliza��o universit�ria (em 1934): Manuel Said Ali Ida (1861-1953), Carlos Miguel Delgado de Carvalho (1884-1980) e Everardo Adolpho Backheuser (1879-1951). Por essa raz�o, s�o conhecidos como os proponentes da Geografia moderna no Brasil (Vlach, 2005). O entendimento do papel pol�tico e pedag�gico da Geografia, por parte desses pioneiros, � extraordin�rio: tinham clareza do papel do Ensino de Geografia na educa��o do povo brasileiro, do car�ter pol�tico da Geografia, da exist�ncia de rela��es entre Geografia e Geopol�tica.

Entretanto, a Geopol�tica ainda encontra, na academia, dificuldades para se desenvolver, e os trabalhos de Geografia Pol�tica continuam reduzidos. Esse � mais um desafio a ser enfrentado pelo ensino de nossa disciplina, em prol da constru��o de uma cidadania plena, democr�tica e cosmopolita. E, se se acredita que o papel da Geografia � cada vez mais relevante na gest�o de uma cidade, de um Estado, e que o papel do Ensino de Geografia � o de compreender problemas do mundo atual, n�o se pode deixar de abordar temas de Geografia Pol�tica e Geopol�tica nas escolas de Ensino Fundamental (7�. e 8�. s�ries) e Ensino M�dio.

Abordagem de temas de Geografia Pol�tica e Geopol�tica nos distritos de Uberl�ndia

Com o objetivode despertar a criticidade dos alunos, e de lev�-los a compreenderem a matriz pol�tica da organiza��o do espa�o geogr�fico no munic�pio onde vivem, investigou-se a abordagem de temas de Geografia Pol�tica e Geopol�tica nas escolas dos distritos do Munic�pio de Uberl�ndia, Estado de Minas Gerais, na regi�o Centro-Sul do Brasil, em 2006 (Gomes e Vlach, 2006). Considerando a estrutura pol�tico-administrativa da Rep�blica Federativa do Brasil, � necess�rio lembrar que o munic�pio, a sua menor unidade territorial, � constitu�do pela cidade-sede, e por distritos. Esses t�m car�ter urbano e, em geral, estabelecem rela��es de depend�ncia com a cidade-sede, que designa o nome do munic�pio (Marx, 1991).

Assim, aplicaram-se 110 question�rios aos alunos de Ensino M�dio, nos distritos de Martin�sia e Tapuirama, e 96 question�rios aos alunos de 7� e 8� s�ries do Ensino Fundamental, nos distritos de Tapuirama, Martin�sia, Miraporanga e Cruzeiro dos Peixotos. Paralelamente, as quatro professoras respons�veis pela disciplina de Geografia, no Ensino Fundamental, e uma professora de Geografia do Ensino M�dio foram entrevistadas.

Seguem os temas de Geografia Pol�tica e Geopol�tica, trabalhados com esses alunos:

- a democracia;

- o Estado e sua organiza��o, incluindo a escala do munic�pio onde os alunos residem;

- a corrup��o nas dimens�es da Rep�blica Federativa do Brasil, do Estado de Minas Gerais e do Munic�pio de Uberl�ndia, e os meios de se enfrent�-la;

- a �guerra contra o terrorismo�, por parte da administra��o George W. Bush, nos Estados Unidos da Am�rica.

Considerando o prop�sito pedag�gico de oferecer solu��es alternativas para auxiliar no processo ensino-aprendizagem da Geografia, tamb�m se investigou a maneira como os alunos obt�m informa��es sobre conflitos pol�ticos, �tnicos e sociais no mundo contempor�neo, e em que medida os conte�dos de Geografia Pol�tica e Geopol�tica, nas aulas de Geografia, s�o adequados, ou n�o, para uma forma��o cidad� cr�tica e democr�tica.

Vejamos como os alunos avaliaram as quest�es acima arroladas.

A maioria dos alunos -88 por cento dos alunos de Ensino Fundamental e 76 por cento dos alunos de Ensino M�dio - mostraram que entendem a democracia como doutrina ou regime pol�tico baseado nos princ�pios de distribui��o eq�itativa de poder. Esse � um fato positivo. Por�m, n�o se deve desconsiderar a porcentagem de alunos que n�o souberam o que significa o termo; mesmo pequena, � preocupante: 3 por cento dos alunos de Ensino Fundamental e 6 por cento dos alunos de Ensino M�dio responderam que democracia � o governo de um pr�ncipe com poderes ilimitados e absolutos; 5por cento dos alunos de Ensino Fundamental e 3 por cento dos alunos de Ensino M�dio afirmam que democracia � um tipo de governo em que o poder pertence �s classes ricas. Os demais - 4por cento do Ensino Fundamental e 15 por cento do Ensino M�dio - n�o se pronunciaram.

Ora, preparar o educando para o exerc�cio da cidadania implica em trabalhar suas rela��es com a democracia!

No que concerne ao Estado brasileiro, 58 por cento dos alunos do Ensino Fundamental e 65 por cento dos alunos do Ensino M�dio responderam que o pa�s caminha rumo a uma democracia pol�tica, de que a realiza��o peri�dica de elei��es livres � apontada como exemplar. Isso n�o elimina a reivindica��o de novos direitos pol�ticos, sociais e econ�micos. 22 por cento dos alunos do Ensino Fundamental e 16 por cento dos alunos do Ensino M�dio afirmam viver em um pa�s desigual e corrupto; contudo, se equivocaram ao declarar que n�o h� democracia nem liberdade de escolha no Brasil. Essa liberdade existe, embora question�vel devido �s diversas influ�ncias ideol�gicas, geralmente vinculadas aos interesses dos diferentes grupos sociais, agravada pela desigualdade s�cio-regional: malgrado ganhos recentes para alguns grupos desfavorecidos, tal desigualdade n�o cessa de aumentar, at� porque outros vem lutando por seu reconhecimento na arena pol�tica brasileira (as minorias �tnicas). De qualquer maneira, a cidadania implica em uma parceria entre direitos e deveres, dos indiv�duos entre si e com as institui��es que constroem, independente de etnia, idade, op��o sexual, cren�as etc.�

Por Estado, 71 por cento dos alunos do Ensino Fundamental e 73 por cento dos alunos do Ensino M�dio concordaram com a concep��o de Estado de Ratzel (1987), ou seja:

L�Etat est contraint de vivre du sol. Il ne tient fermement que les avantages que lui procure un sol dont il est assur�. C�est ce qu�exprime la science politique lorsqu�elle dit que le territoire appartient � l�essence de l�Etat. Elle d�signe la souverainet� comme jus territoriale et pose la r�gle que les changements territoriaux ne peuvent se faire que par des lois. La vie des Etats nous fait d�couvrir des liens beaucoup plus �troits : au cours de l�Histoire, nous voyons les forces politiques� s�emparer du sol et par l� m�me engendrer des Etats. C�est pourquoi j�appelle peuple un ensemble politique des groupes et des individus qui n�ont besoin d��tre lies par la race (Stamm), ni par la langue, mais dans l�espace, par un sol commun.

Ordres et groupes souciaux, commerce et religion puisent � cette source force politique et dur�e, et deviennent ainsi formateurs d�Etat. S�y ajout�e, au XIXe si�cle, l�id�e nationale. Pour beaucoup, �politique nationale� d�signe une politique fond�e sur la comprehension de la valeur du sol ; ils dissent ainsi �nationale� au lieu de �territoriale�(Ratzel, 1987, p. 60, grifos do autor).

Os dados apontam que a maior parte dos alunos consegue definir precisamente o Estado, fundamental na defini��o da Geografia Pol�tica, da Geopol�tica e da Geografia, cujas origens, na Antiguidade ou nos tempos modernos, s�o indissoci�veis do poder que, nos �ltimos s�culos, se configurou, sobretudo, como o Estado-na��o.

Nos tempos modernos, esse processo remonta aos tratados de paz de Westf�lia (1648), quando algo ganhou centralidade na constitui��o do Estado: o territ�rio, como Ratzel t�o bem explicitou na obra �Politische Geographie�, publicada em 1897 (cf. excerto acima); por sinal, empregava mais o termo solo, no sentido de um espa�o geogr�fico ocupado e organizado pelo povo (tem o mesmo sentido de na��o), o que explica sua refer�ncia � �id�ia nacional�. E, em decorr�ncia do papel essencial do territ�rio na configura��o do Estado, ele deixou claro como a soberania irrompeu na cena pol�tica, nacional e mundial.

No final do s�culo XX, o princ�pio de territorialidade, entendido como o instrumento da a��o pol�tica no/do mundo moderno (Vlach, 2005), foi e � caracterizado da seguinte maneira:

Le principe de territorialit� devient ainsi politique non pas naturellement, mais em s�imposant comme instrument de domination au sein de la soci�t�. Il suppose que le pouvoir politique s�exerce non pas � travers le contr�le� direct des hommes et des groupes, mais par la m�diation du sol. Loin d��tre naturel, celui-ci est ainsi clairement instrumental, et loin d��tre la projection g�ographique d�une communaut� donn�e il est, tout au contraire, un moyen de d�finir et de d�limiter une communaut� politiquement pertinente; loin d�appartenir au domaine de l�inn�, il rel�ve de la convention (Badie, 1995, p. 12, grifo do autor).

Certamente aprofundando as reflex�es iniciais de Ratzel, inclusive destacando a import�ncia da cultura, ou a sua �for�a pol�tica�, Badie (1995) discute a conjuntura mundial no contexto de relativa fragiliza��o do Estado na arena pol�tica mundial de fins do s�culo XX, onde j� estavam em curso os embates que levaram, dentre outros, aos eventos de 11 de setembro de 2001.

Considerando que o Estado-na��o moderno, fundado sob o princ�pio da territorialidade, acabou se tornando a forma por excel�ncia da organiza��o pol�tica das diferentes sociedades, em quase todo o planeta, compreende-se porque a abordagem desse tema, que se funde com a conceitua��o de Estado, � indispens�vel nas aulas de Geografia. Do contr�rio, n�o � poss�vel compreender os problemas do mundo atual, cujos conflitos pol�ticos, �tnicos, sociais, culturais derivam, geralmente, de disputas acerca de um territ�rio, reivindicado por mais de uma for�a pol�tica (ou grupo pol�tico), na escala interna de um Estado ou na escala da ordem/desordem internacional. Por isso mesmo, � urgente a abordagem de temas de Geografia Pol�tica e Geopol�tica nas aulas de Geografia, desde as s�ries finais do Ensino Fundamental.

Contudo, 3 por cento dos alunos do Ensino Fundamental e 10 por cento do Ensino M�dio n�o souberam explicitar o significado do termo Estado. Tais dados revelam o desinteresse dos alunos pelo assunto? Ou decorrem das dificuldades dos professores, de problemas na sua forma��o?�

Quanto � administra��o do Munic�pio de Uberl�ndia, � significativa a porcentagem de alunos descontentes com a atual administra��o: 75por cento dos alunos do Ensino Fundamental e 88por cento dos alunos do Ensino M�dio alegam n�o conhecerem o destino dos recursos p�blicos arrecadados por meio da cobran�a de impostos, ou consideram que os mesmos s�o mal distribu�dos. Entendem que n�o h� preocupa��o com os distritos, queixam-se da falta de investimentos no ensino, sa�de e moradia, e que os recursos provenientes da arrecada��o de impostos s�o gastos em algumas obras desnecess�rias na cidade-sede.

A respeito da corrup��o, 70 por cento dos alunos do Ensino Fundamental e 72 por cento dos alunos do Ensino M�dio afirmam conhecer algum tipo de corrup��o, seja no munic�pio ou na esfera da federa��o. Por si s�, esses dados indicam que acompanham atentamente a realidade pol�tica do pa�s. E citaram os exemplos mais comentados pelos diversos meios de comunica��o em 2006: compra de votos; esquema de corrup��o no Partido dos Trabalhadores, desvio de verbas p�blicas, �caixa dois�, �mensal�o�, corrup��o dos bingos e a m�fia dos sanguessugas (o esquema de superfaturamento com compras de ambul�ncias).

Alguns - 12 por cento dos alunos do Ensino Fundamental e 30 por cento dos alunos do Ensino M�dio - admitem ser imposs�vel combat�-la. Um aluno argumentou: �Para combater a corrup��o no Brasil, ter�amos que voltar no tempo, pelo menos uns 500 anos�. 4por cento dos alunos do Ensino Fundamental e 11 por cento dos alunos do Ensino M�dio n�o opinaram.

Todavia, 84 por cento dos alunos do Ensino Fundamental e 59 por cento dos alunos do Ensino M�dio mostraram-se esperan�osos e indicaram algumas alternativas para amenizar a corrup��o. Seguem as mais freq�entes:

- Investir na educa��o para a forma��o de cidad�os cr�ticos, que lutem por direitos e deveres;

- Eleger com responsabilidade os representantes do pa�s;

- Diminuir o n�mero de partidos pol�ticos;

- Reivindicar mudan�as na pol�tica brasileira;

- Fiscalizar rigorosamente a aplica��o dos recursos p�blicos, exigir a comprova��o do trabalho de cada um dos representantes do governo, e mostrar, com detalhes, para a popula��o, o destino dos recursos arrecadados por meio de impostos;

- Punir os corruptos com maior rigor, confiscando todos os seus bens, al�m da cassa��o dos mandatos dos representantes do povo envolvidos nas fraudes.

Os alunos do Ensino Fundamental se destacaram em rela��o aos alunos do Ensino M�dio, pois apontaram sugest�es diversas e se mostraram mais interessados, apesar de a maioria deles n�o ter idade suficiente para participar diretamente da vida pol�tica do pa�s (por meio do voto, a partir dos 16 anos de idade, ou candidatando-se para ocupar um cargo p�blico a partir dos 18 anos).

De qualquer maneira, com algumas raras exce��es, os alunos manifestaram muito interesse pelo assunto e o discutiram de forma cr�tica. Por qu�?

Em s�ntese, porque, na escala do munic�pio, a pr�tica pol�tica deixa de ser uma abstra��o e adquire �concretude�. Afinal, o munic�pio � a menor unidade pol�tico-administrativa do Estado brasileiro e � a base da estrutura de sua federa��o.� A partir da promulga��o da Constitui��o Federal de 1988, tem autonomia pol�tico-administrativa, econ�mica e eleitoral. Entretanto, a autonomia do munic�pio n�o � irrestrita, mesmo quando a��es p�blicas ocorrem em seu territ�rio (constru��o de rodovias etc.).

Paralelamente, sabe-se que o or�amento p�blico do munic�pio n�o contempla, efetivamente, as demandas populares. Mas, na medida em que a popula��o escolhe melhor os seus representantes, � poss�vel coloc�-las em debate, de maneira que, gradativamente, as pol�ticas p�blicas incluam tais demandas. Isso atende � reivindica��o de mudan�as na pol�tica brasileira, uma das alternativas que os alunos apresentaram para o enfrentamento da corrup��o.

Por conseguinte, os jovens estudantes mostraram que t�m ci�ncia da import�ncia da educa��o para a forma��o de cidad�os cr�ticos, participativos e ativos! E n�o d�vida de que o estudo dos temas de Geografia Pol�tica e Geopol�tica, nas aulas de Geografia, tamb�m contribui para que esse objetivo seja atingido.

Em rela��o � �guerra contra o terrorismo�, por parte da atual administra��o George W. Bush, 40por cento dos alunos do Ensino Fundamental e 45 por cento dos alunos do Ensino M�dio afirmaram que se trata da guerra dos Estados Unidos da Am�rica contra os Estados que n�o se alinham � ordem pol�tica que os primeiros imp�em ao mundo, e que resistem aos postulados da globaliza��o.

Outros - 48 por cento dos alunos do Ensino Fundamental e 45 por cento dos alunos do Ensino M�dio -�ponderam que os Estados Unidos pretendem combater o terrorismo nos chamados �Estados do eixo do mal�, para defenderem a seguran�a nacional. Isso implica combater o fundamentalismo isl�mico.

Sem aprofundar, nesse texto, o fundamentalismo isl�mico, quest�o fundamental na atual conjuntura, importa registrar que a imposi��o do Estado-na��o europeu ocidental na �frica e na �sia agravou as condi��es de vida de suas popula��es em geral, pois as lideran�as pol�ticas nacionais que impuseram tal forma de organiza��o da vida pol�tica se afastaram dos interesses e necessidades populares, e n�o introduziram as mudan�as econ�micas prometidas antes de sua ascens�o ao poder. Por essa raz�o, desde fins do s�culo XX, muitas sociedades africanas e asi�ticas renovam suas identidades em macro-conjuntos religiosos alheios a qualquer l�gica territorial e, frente a um misto de desencantamento pol�tico, de d�vidas quanto � pr�pria identidade, de aus�ncia de perspectivas para o futuro (sobretudo entre os jovens), alguns decidiram fazer uma re-leitura do Alcor�o, o livro sagrado do islamismo (fundado pelo profeta Maom�), segundo uma perspectiva pol�tico-religiosa radical, isto �, fanatizando os seus princ�pios, dentre os quais a fus�o entre a religi�o e a pol�tica, na organiza��o do Estado. Agindo assim, tornaram (ou tentam tornar) instranspon�veis as diferen�as entre a civiliza��o ocidental e a civiliza��o isl�mica, o que, no limite, impediria uma conviv�ncia pac�fica entre ambas (e as demais civiliza��es); n�o surpreende, pois, a incita��o a uma �guerra santa�.

Por conseguinte, � fundamental n�o confundir os fundamentalistas isl�micos com o conjunto dos �rabes (Osama bin Laden, a quem se atribuem os atentados de 11 de setembro de 2001, nasceu na Ar�bia Saudita), nem com o conjunto dos que professam a religi�o isl�mica, em expans�o significativa na �frica e na �sia.

Diante desse quadro, a forma��o dos professores de Geografia � fundamental. Em primeiro lugar, porque tais quest�es - pol�tica internacional, terrorismo, paz mundial, fundamentalismos (religioso, pol�tico, econ�mico, �tnico, em geral �alimentados� pela cultura) - acabam provocando conflitos pol�ticos em diferentes escalas geogr�ficas. A sua abordagem na sala de aula suscita a considera��o do territ�rio enquanto tal (superf�cie, popula��o, recursos, organiza��o do espa�o geogr�fico), o que exp�e as disputas pol�ticas que nele ocorrem. Essas quest�es, por excel�ncia os temas da Geografia Pol�tica e da Geopol�tica, questionam a neutralidade cient�fica, a come�ar pelo fato de que o Ensino de Geografia n�o pode ignor�-los em sala de aula. Nessa medida, o Ensino de Geografia contribui para a compreens�o de problemas do mundo atual.

Para tanto, � preciso que os professores de Geografia estejam preparados para levar os alunos a compreenderem que, quaisquer que sejam os embates entre os (e dos) Estados do mundo, a sua motiva��o (de qualquer natureza) nega a possibilidade de uma abordagem cient�fica neutra.

Entre os estudiosos da Educa��o e das disciplinas escolares, h� um consenso: a pesquisa � indispens�vel para o bom desempenho do professor e do aluno; quando realizada na escola, facilita e incentiva o ensino e a aprendizagem de todos os envolvidos.�Por�m, 42 por cento dos alunos do Ensino Fundamental e 58 por cento dos alunos do Ensino M�dio obt�m informa��es sobre as disputas pol�ticas mundiais e os conflitos �tnicos e sociais por meio do livro did�tico, da televis�o e nas aulas de Geografia e Hist�ria. Isso assinala a precariedade de recursos para o desenvolvimento da pesquisa nos distritos do Munic�pio de Uberl�ndia. Ao mesmo tempo, 41 por cento dos alunos do Ensino Fundamental e 30 por cento dos alunos do Ensino M�dio t�m acesso �s informa��es sobre tais temas apenas pela televis�o, o que acentua o problema, e ilustra a influ�ncia desse meio de comunica��o, algo muito grave na forma��o da opini�o p�blica, se se leva em conta o quase monop�lio da TV Globo no Brasil.

N�o surpreende, pois, que 52 por cento dos alunos do Ensino Fundamental e 63 por cento dos alunos do Ensino M�dio manifestam insatisfa��o em rela��o ao ensino desses temas em suas escolas: a carga hor�ria � insuficiente, faltam recursos did�ticos e os professores n�o dominam os conte�dos. E apontam algumas sugest�es para melhorar a aprendizagem de temas de Geografia Pol�tica e Geopol�tica em suas escolas:

- Utiliza��o de recursos auxiliares, como Internet, kits did�ticos, atlas, mapas, livros atualizados e peri�dicos;

- Uso de procedimentos metodol�gicos das Artes (m�sica, teatro);

- Elabora��o de trabalhos de campo para trabalhar alguns temas na escala do munic�pio;

- Organiza��o de palestras, mini-cursos e debates.

Entende-se que o conjunto de tais procedimentos implica em maior empenho do professor. Para tanto, a forma��o continuada, um direito do professor, deve ser respeitada, colocada em pr�tica e renovada constantemente.

Das entrevistas realizadas com as professoras de Geografia, � pertinente registrar que tr�s das quatro professoras do Ensino Fundamental e a professora do Ensino M�dio admitiram dificuldades na abordagem de tais temas em sala de aula, bem como no acompanhamento da din�mica pol�tica no Brasil e no mundo. Reclamam da car�ncia de diversifica��o dos recursos did�ticos, de sua falta de adequa��o, das condi��es de trabalho (os baixos sal�rios exigem um n�mero maior de aulas, o que reduz o tempo para pesquisarem), e da falta de cursos para o professor. Por isso mesmo, o livro did�tico ainda � o que orienta as suas aulas (os Atlas das escolas s�o antigos).

Por outro lado, n�o lhes escapa que o desinteresse e a aus�ncia de conhecimento pr�vio acerca dessas quest�es, por parte de muitos alunos, s�o obst�culos para o ensino e a aprendizagem na sala de aula. Tr�s das cinco professoras entrevistadas registraram que a sua iniciativa de discutir fatos pol�ticos, a exemplo das elei��es � presid�ncia da Rep�blica Federativa do Brasil em 2006, n�o provocou resultados mais significativos porque os pais n�o participaram dos debates promovidos pela escola. Em parte, isso � uma decorr�ncia de suas limita��es (o �tempo livre� dos pais acaba sendo empregado como alternativa para aumentar o rendimento da fam�lia). De qualquer maneira, o n�o acompanhamento das atividades propostas pela escola � mais um entrave � educa��o de crian�as, adolescentes e jovens e � forma��o da cidadania.

Dentre as v�rias sugest�es que as professoras expuseram para melhorarem o seu desempenho profissional e, assim, contribu�rem para a forma��o de cidad�os sintonizados com os problemas do mundo e comprometidos com mudan�as no territ�rio onde vivem, destacam-se a reivindica��o ao seu direito � forma��o continuada, e a organiza��o, por parte da dire��o da escola, professores e outros, de palestras e mini-cursos para a comunidade em que as escolas se situam.

Essa �ltima sugest�o representa um avan�o importante, pois as professoras compreendem que a forma��o da cidadania solicita uma parceria entre todos os envolvidos na educa��o, e que a educa��o n�o se restringe � escola, nem aos �rg�os governamentais que a regulamentam e a dirigem, dentro e fora do munic�pio. Isso n�o seria um sinal de que come�am a ver que a pr�tica pedag�gica �, antes de qualquer coisa, uma pr�tica social de car�ter pol�tico?

Considera��es finais

A pesquisa apontou que alunos e professores, de uma maneira geral, est�o cientes da necessidade da abordagem de temas de Geografia Pol�tica e Geopol�tica nas aulas de Geografia dos Ensinos Fundamental e M�dio. Por isso mesmo, suas sugest�es para a melhoria da aprendizagem e do desempenho profissional s�o pertinentes e significativas.

Os alunos enunciam a import�ncia da realiza��o de trabalhos interdisciplinares nas aulas de Geografia, por meio de atividades ligadas �s Artes, em suas diferentes manifesta��es, a exemplo da m�sica e do teatro. De um lado, tais atividades podem motivar aqueles que n�o t�m interesse por tais temas, em parte uma decorr�ncia dos preconceitos em rela��o � Pol�tica e ao Pol�tico, muito fortes na sociedade brasileira; de outro, contribuem para a aprendizagem de temas - reconhe�a-se isso - muitas vezes abstratos, isto �, que exigem o desenvolvimento do pensamento l�gico.

Em rela��o aos problemas pol�ticos na dimens�o do munic�pio, reivindicam a realiza��o de trabalhos de campo, um procedimento metodol�gico adequado e que pode - por que n�o? - ser a �porta de entrada� para uma compreens�o diferenciada da Pol�tica e do Pol�tico, um desafio maior no trabalho de desmonte das concep��es negativas que os acompanham h� muito tempo. Por que n�o come�ar esse trabalho na escola?

Os professores sinalizam para um envolvimento de toda a comunidade por interm�dio de atividades que definem a din�mica da vida pol�tica, o que sugere uma tend�ncia para a compreens�o da pr�tica pedag�gica como uma pr�tica social de car�ter pol�tico. Isso � essencial para uma revaloriza��o da escola. E do papel do Ensino de Geografia:as rela��es entre territ�rio, poder e cidadania, est�o presentes nas aulas toda vez que se abordam os temas de Geografia Pol�tica e Geopol�tica. Mais do que isso: contribuem para desmistificar a neutralidade cient�fica.

Dessa maneira, caminha-se, ainda que timidamente, na perspectiva de que qualquer revis�o dos paradigmas da ci�ncia n�o pode eludir nem a Pol�tica, nem o Pol�tico. E pode-se resgatar o conjunto de saberes e de valores que configuraram o sentido cultural da educa��o, durante s�culos.

Resgatar valores como a cidadania, para torn�-la plena no Brasil e associ�-la ao mundo (cidadania cosmopolita), e a democracia, para que �liberdade, igualdade e fraternidade� sejam reais, � poss�vel por meio de procedimentos metodol�gicos que propiciem o desenvolvimento de �racioc�nios geogr�ficos�. A abordagem de temas de Geografia Pol�tica e Geopol�tica, nas aulas de Geografia, �, pois, decisiva para que professores e alunos realizem o papel do Ensino de Geografia: compreender os problemas do mundo atual tais como se manifestam no territ�rio.

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Qual a importância do ensino de Geografia para o estudante?

Em resumo, o estudo da Geografia permite aprimorar o sentido de direção, a leitura de mapas, a compreensão das relações espaciais, o conhecimento do tempo, do clima e dos recursos naturais, além do desenvolvimento de outras áreas de conhecimento.

Qual a importância da geografia crítica no ensino da Geografia?

A geografia crítica é uma corrente que propõe romper com a ideia de neutralidade científica para fazer da geografia uma ciência apta a elaborar uma crítica radical à sociedade capitalista pelo estudo do espaço e das formas de apropriação da natureza.

Qual é o papel da Geografia escolar na formação dos cidadãos críticos?

A Geografia Crítica utilizando-se do conhecimento que os alunos já possuem, pode auxiliar a formar cidadãos críticos, que analisam o seu espaço, o seu país e a sociedade, o que pode ajudar a diminuir as desigualdades sociais e amenizar a corrida capitalista, no sentido de diminuir seus efeitos de opressão à maioria da ...

Como a Geografia pode contribuir na construção de um pensamento crítico sobre a realidade do mundo?

A Geografia possibilita compreender não só as relações sociais mas também os fenômenos que ocorrem na superfície terrestre e como esses fenômenos afetam a população. Por meio dessa compreensão, podemos observar as diferenças entre os povos, sua localização, suas diferenças sociais, econômicas e políticas.