A importância da democratização do acesso a terra para o desenvolvimento

Orlando Alves dos Santos Junior, pesquisador do Observatório das Metrópoles, concedeu entrevista ao IHU On-Line sobre direito à moradia, política habitacional e a crescente subordinação do Estado à lógica do mercado.

Santos Junior é um dos responsáveis pela pesquisa Regimes Urbanos, onde coordena o GT “Parcerias Público-Privadas” que, dentre outros objetivos, investiga delimitações conceituais mais precisas de PPPs  e de outros instrumentos de implementação de políticas urbanas privatizantes.

A importância da democratização do acesso a terra para o desenvolvimento

Para Orlando Alves dos Santos Junior, o problema do déficit de moradia no país é complexo e requer mudanças de concepções que assegurem não só teto, mas modos de vida dignos nas cidades.

É preciso reconhecer que, nos últimos dez anos, o programa Minha Casa Minha Vida possibilitou acesso a moradias. Porém, para o professor Orlando Alves dos Santos Junior, esse acesso já se dá num momento de avanço de lógicas privatistas sobre as cidades. É uma lógica histórica, que tem relação com a terra e a propriedade privada, mas que se acentua atualmente. Constroem-se casas, mas dentro da lógica que atende ao capital especulativo do mercado. Por isso, defende que uma política habitacional é algo mais complexo. “Um dos maiores desafios, embora não seja um desafio tão recente assim, é democratizar o acesso à terra urbanizada, bem localizada, com boa infraestrutura, das classes populares”, aponta.

Na entrevista concedida por telefone à IHU On-Line, o professor observa que essas perspectivas mercadológicas segregadoras são justamente o que se precisa superar. “Efetivamente, é conseguirmos desenvolver projetos de cidade com maior justiça social, com maior democracia, maior participação, revertendo essa lógica segregacionista e excludente que marca historicamente a construção das cidades no Brasil”, observa. “Não se pode enfrentar o poder do capital imobiliário sem abrir espaços de participação das organizações comunitárias, dos movimentos sociais, das redes e fóruns que estão discutindo as cidades, da academia e das universidades que têm seu papel também nesse debate. Enfim, uma radical democratização da gestão das cidades”, acrescenta.

É nesse particular que os movimentos sociais assumem sua importância. “Ocupações são fundamentais no enfrentamento desse projeto segregador, mas também hoje é muito interessante ver a reivindicação pelo comum”, analisa. Entretanto, para o professor, “desafio é conseguirmos articular esse conjunto de lutas. Estamos num momento muito difícil de inflexão ultraliberal que atinge também os grupos organizados da sociedade, seja pela mercantilização do espaço público, seja pela perseguição, pela coerção. O desafio é pensarmos as produções para particularmente unificar esses conjuntos de lutas num projeto de cidade efetivamente democrática”.

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Reforma agrária é o termo utilizado para designar a redistribuição fundiária (agrária ou de terras) em um Estado. Quando há a concentração de terras nas mãos de uma pessoa ou poucas pessoas, temos a formação dos latifúndios (grandes propriedades de terra que, por sua extensão, não são devida e completamente exploradas).

Os latifúndios fazem com que a terra não tenha seu valor social cumprido e acarretam a desigualdade social ao servirem apenas como fonte de enriquecimento para especuladores de imóveis. A reforma agrária visa, em sua essência, a uma distribuição fundiária mais justa que contemple os agricultores menores e menos poderosos, que, em geral, praticam a agricultura e a pecuária familiar.

Leia também: Trabalho escravo contemporâneo: realidade muito presente em latifúndios brasileiros

Tópicos deste artigo

  • 1 - O que é reforma agrária?
  • 2 - Reforma agrária no mundo
  • 3 - História da reforma agrária no Brasil
  • 4 - Prós e contras da reforma agrária

O que é reforma agrária?

A reforma agrária é um tipo de reforma de base, ou seja, uma reestruturação ou mudança que afeta diretamente as bases da sociedade. A palavra “reforma” remete à melhoria ou mudança, enquanto o termo “agrária” designa estrutura fundiária, ou seja, estrutura de organização das terras de um Estado nacional.

A importância da democratização do acesso a terra para o desenvolvimento
A reforma agrária beneficia os pequenos agricultores e favorece o reconhecimento do valor social da terra.

A Europa e suas colônias formaram-se em cima de estruturas latifundiárias, ou seja, com a posse da terra sendo exercida por poucas pessoas. Na Modernidade, o iluminismo (corrente teórico filosófica de pensamento político que surgiu na França no século XVIII) trouxe a ideia de que a terra era um bem comum a todos que exercem a cidadania em um Estado, portanto, deve-se reconhecê-la como um bem que possui um valor social.

O valor social da terra sustenta a ideia de que deve haver a plena utilização das propriedades agrárias para a produção de alimentos e bens de consumo e a extração de recursos naturais e energia, a fim de que toda a população seja contemplada pelos bens proporcionados por ela. Nesse sentido, a formação de latifúndios não explora a terra do modo como ela deve ser e exclui aquelas pessoas que podem produzir apenas em pequena escala da cadeia produtiva.

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Reforma agrária no mundo

A Revolução Francesa foi o primeiro grande movimento político de reforma agrária da Modernidade. No Antigo Regime, em que a política era comandada por uma casta nobre e a participação do clero era direta e efetiva, a terra estava distribuída na França (e nos países europeus em geral) apenas entre a nobreza e o clero. Alguns burgueses também tinham propriedades de terra, mas essa possibilidade de posse era bem restrita e estava submetida à vontade da nobreza de vender suas propriedades.

A importância da democratização do acesso a terra para o desenvolvimento
“Liberdade guiando o povo”, de Delacroix, é uma das representações mais conhecidas da Revolução Francesa.

É interessante notar que a aquisição de terras pela classe nobre não se deu de maneira comercial (compra e venda), mas pelo processo de posse e distribuição feudal entre os poderosos senhores da Idade Média, séculos antes da Revolução Francesa. Com a destituição do poder da corte francesa e o início do fim dos privilégios da classe nobre na revolução, houve o início de um processo de redistribuição fundiária na França.

Essa reforma, no entanto, contemplou, em grande parte, a classe burguesa, que possuía maiores condições de utilizar a terra e pagar por ela. Entretanto, também foram contemplados com ela muitos camponeses que adquiriram pequenas propriedades confiscadas da nobreza e do clero e tiveram até 10 anos para quitarem suas dívidas com o Estado.

Nos Estados Unidos, a reforma agrária aconteceu ainda no século XIX, mas de maneira lenta e sem grande influência política ou ideológica. No início da colonização estadunidense, os colonos que se estabeleceram no sul formaram pequenas propriedades de plantação de fumo e alimentos.

Esse modelo familiar, no entanto, logo foi substituído pelo latifundiário e pelas técnicas denominadas plantation, baseadas na formação de latifúndios, na grande produção visando a exportação, principalmente de algodão, e na utilização de mão de obra escrava. Após a independência das 13 colônias, essa estrutura fundiária manteve-se nos Estados Unidos.

Em 1850 o parlamento americano começou a lançar propostas de revisão da questão fundiária no país, mas não por meio de despropriação e sim pela compra e redistribuição de pequenas propriedades. Até 1862 a proposta não foi para a frente, até que o início da Guerra de Secessão propiciou uma espécie de remodulação de certas estruturas sociais, além de ter proporcionado uma nova configuração no Parlamento dos Estados Unidos, agora com maioria republicana.

Os republicanos, liderados pelo presidente Abraham Lincoln, eram antiescravagistas, o que ajudou na implantação do plano de distribuição das terras. Sem a mão de obra escrava, o modelo de larga produção em latifúndios era, na época, visto como insustentável pelos produtores, o que estimulou a venda das propriedades.

No México, a reforma agrária aconteceu a partir de 1910, com a Revolução Mexicana, liderada pelos líderes sociais de inspiração socialista Emiliano Zapata e Pancho Villa. Após a estruturação do golpe, a sua efetivação, a derrubada do ditador Porfírio Diaz e a instalação de um novo governo, os líderes revolucionários acataram a ideia (do influente intelectual mexicano Andrés Molina Enríquez) de confiscar e redistribuir as propriedades rurais com mais de dois mil hectares de extensão. As terras foram divididas e oferecidas, posteriormente, a agricultores menores com cartas de crédito que permitiam a sua compra.

Veja também: Quais são as potências agrícolas?

História da reforma agrária no Brasil

A concentração fundiária no Brasil teve início em 1530, com a formação das capitanias hereditárias, que eram faixas de terras brasileiras, e sua doação aos capitães donatários. Os capitães tinham a missão de colonizar o território e produzir nele, e tinham, como contrapartida, que pagar o equivalente a um sexto da produção em impostos à Coroa Portuguesa.

No princípio eram apenas 14 as capitanias hereditárias, distribuídas a homens que tinham condições de produzir em terras brasileiras. No entanto, o sistema de colonização não deu certo. Alguns capitães donatários desistiram da atuação ou não quiseram arcar com os altos custos de viagem e produção em terras brasileiras. Ainda assim o território estava concentrado nas mãos de poucos.

A partir da independência do Brasil, em 1822, as terras passam a ser geridas por aqueles que tinham maior poder econômico e político. A nobreza e a alta burguesia continuaram detentoras da maior parte das terras, o que resultou num sistema desigual baseado no latifúndio e existente até os dias atuais.

Após 1850 foi implantada a Lei de Terras, que resultou em práticas de apropriação e anexação de terras por grandes proprietários via falsificação de documentos de escrituração imobiliária (prática conhecida como grilagem de terras|1|). Em outros países capitalistas, a concentração fundiária foi eliminada ou reduzida como maneira de estimular a produção capitalista liberal. No Brasil, no entanto, a concentração fundiária ainda perdura.

A importância da democratização do acesso a terra para o desenvolvimento
O MST é a maior entidade de luta pela reforma agrária no Brasil.

    Em 1984, após uma série de duras lutas de camponeses contra a concentração fundiária no Brasil em plena Ditadura Militar, surgiu um movimento unificado pela reforma agrária chamado Movimento dos Sem Terra (MST). O movimento teve apoio de setores organizados da sociedade civil e de partidos de esquerda, além do apoio posterior de entidades internacionais.

    Prós e contras da reforma agrária

    A princípio a reforma agrária é uma ação necessária em um país de práticas de concentração fundiária. Quando a reforma é bem planejada, estruturada e executada, os benefícios podem ser notados pela população. Em um sistema capitalista liberal ou em um sistema socialista de governo e economia, há o entendimento de que a desigualdade social não permite o bom desenvolvimento econômico da população. Além disso, há o entendimento de que a terra tem um valor social que deve ser respeitado para que haja democracia e de que todos possam usufruir dos bens propiciados por ela.

    Não obstante, uma reforma agrária mal estruturada pode resultar na perpetuação, e até no acirramento da desigualdade social, quando cria mecanismos que não permitem a aquisição de pequenas propriedades por parte dos pequenos produtores agrícolas.

    Notas

    |1| A grilagem consiste na anexação ou posse de terras com a forja de documentos de escrituração (documentos que comprovam a legítima propriedade da terra a uma pessoa). Os grileiros forjavam os documentos e guardavam-nos em uma gaveta ou caixa com grilos, o que dá ao papel um aspecto envelhecido. Assim muitas terras públicas foram arrendadas de maneira ilegal por posseiros que afirmavam terem-nas adquirido ou herdado de antepassados.

    Por Francisco Porfírio
    Professor de Sociologia