A experiência da mesma dev carta

A experiência da mesma dev carta

O Natal se vai e as férias se encerram. Está na hora de voltar ao trabalho com a vantagem de a volta ser em uma semana que tende a ser tranquila, marcada pelo olhar para o ano que se inicia em instantes. Escrevo que “tende a ser tranquila” pois se sabe muito bem que não há como prever o que acontecerá amanhã, daqui a pouco ou no segundo seguinte.

Neste texto de volta as férias, porém, não quero falar de previsões para o futuro. Melhor deixá-las para os próximos dias – se é que me atreverei em fazê-las. Tenho mesmo é pensado em algo do passado: escrever cartas. Sim, esta forma rudimentar de comunicação que por anos nos permitiu atualizar informações de parentes, amigos e desconhecidos.

Escrevo sobre cartas porque me chamou atenção nesses últimos dias a cena de crianças depositando suas esperanças em uma caixa de correio em um desse grandes magazines americanos que frequentei durante as férias. Todas estavam acompanhadas pelos pais que, como eu, nasceram em uma época em que e-mail, SMS, WhatsApp e outros quetais só existiam em filmes de ficção científica.

Assim como aqueles gringos que visitavam a loja para deixar seu pedido ao Papai Noel, milhares de guris e gurias escreviam a sua cartinha aqui no Brasil. Leio no site dos Correios que foram mais de 20 mil cartas com os mais diversos pedidos. De brinquedos mágicos a prato de comida.

Curioso como a ideia de escrever uma carta ao Papai Noel persista diante das inúmeras possibilidades que a Era Digital nos proporciona. Hoje em dia, o “bom velhinho” bem que poderia ter uma conta no WhatsApp ou, no mínimo, um e-mail para receber mensagens de todo o mundo.

Você, que não é mais criança, lembra quando foi a última vez que escreveu uma carta? Não refiro-me a uma carta ao Papai Noel. Mas uma carta normal, contando detalhes da sua vida, momentos que você vivenciou, história que experimentou ou futilidades do cotidiano. Faz muito tempo não é mesmo?

Eu resolvi exercitar este hábito recentemente. Após receber uma mensagem de voz de uma amiga, com a qual não me encontrava pessoalmente há quase um ano, tive a intenção de surpreendê-la. Em lugar de uma resposta no mesmo tom e pelo mesmo meio, escrevi uma carta para ela. Foi interessante.

Durante muito tempo na minha adolescência e pós-adolescência mantive relacionamentos apaixonados com gurias que conheci em viagens pelo Brasil. Escrevia com detalhes meus sentimentos e descrevia minhas intenções que eram correspondidas também por carta. Todas devidamente guardadas em uma caixa de papelão no meu quarto. Em lugar de platônico, nosso amor era postal. Nosso carinho nunca ultrapassava a linha do papel (e dos bons costumes).

A última carta que havia escrito à mão, antes desta experiência recente, foi quando cheguei a São Paulo, em 1991. Foi para meu tio, Tito Tajes, meu padrinho e mais um dos jornalistas que tivemos na família. Eu estava intranquilo diante do desafio que enfrentava naquele ano ao aceitar o convite para ser repórter da TV Globo. Colocava em dúvida minha capacidade de me manter no emprego por aqui e revelava medo de ter de voltar ao Rio Grande do Sul assumindo o fracasso na minha aventura paulistana. Como sempre, o Tio foi preciso: por carta, me respondeu que confiava na minha capacidade profissional e, se eu tivesse de retornar para Porto Alegre, não devia explicação para ninguém. Ao fim, ainda me tranquilizou: se voltar, estarei aqui de braços abertos para recebê-lo. Sigo em São Paulo até hoje, o Tio, infelizmente, morreu algum tempo depois daquela troca de cartas, mas tenho certeza que teria todo o carinho se tivesse de, precocemente, desembarcar em Porto Alegre.

Tantos anos depois, escrever uma carta é quase uma aventura. Tem de encontrar o papel ideal, um envelope que faça aquela carta se parecer com uma carta e não uma mensagem comercial, procurar o endereço correto do destinatário, selar e postar no Correio ( e pagar por isso). Sem contar que entre escrever a carta e colocá-la no Correio, por total falta de hábito, demorei quase um mês. Uma eternidade frente a instantaneidade dos tempos atuais. Convenhamos, enviar um e-mail ou um WhatsApp é bem mais simples e rápido.

A carta, porém, tem identidade própria. Ao contrário das mensagens digitais, não existe uma fonte pré-definida. Sua letra tem a sua cara. A escrita leva o peso da sua mão, parte da sua personalidade. Você é obrigado a refletir mais cada palavra, cada frase, cada mensagem que pretende transmitir.

Verdade que exige alguns cuidados: é preciso capricho na letra sob o risco de o leitor não entender a mensagem do escrevinhador. Tem de se pensar bem no que vai escrever, pois se errar ou rabiscar – e eu odeio sujeira no texto – não tem tecla para deletar: tem de começar tudo de novo. Tem de separar sílabas, coisa que não faço há um bom tempo. Não tem corretor ortográfico: que perigo! Sem contar que a falta de prática faz a mão doer.

Até hoje não sei se minha carta chegou a minha destinatária e qual foi a reação dela ao abrir o envelope, se é que ela se deu ao trabalho de abri-lo. Mas deixo aqui o convite para você fazer este mesmo exercício: escrever uma carta à mão para um amigo. Se ele vai gostar, não sei. Mas tenho certeza que você vai curtir essa experiência.

Eu adorei!