Quando foi criado o fundo eleitoral

A aprovação da LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) para 2022 pelo Congresso Nacional fez com que o fundo eleitoral, conhecido como Fundão, voltasse ao centro do debate público brasileiro. O texto do relator, deputado federal Juscelino Filho (DEM-MA), aumentou o valor do fundo de R$ 1,7 bilhão para R$ 5,7 bilhões.

O Fundão foi criado em 2017 para financiar as campanhas eleitorais depois que o STF (Supremo Tribunal Federal) proibiu as doações de empresas. O processo foi aberto pela OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), para quem o financiamento de campanha por pessoas jurídicas violava o principio de igualdade política, uma vez que pessoas com menos recursos que quisessem contribuir no processo eleitoral não tinham como competir o volume de doações de empresas.

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O julgamento foi concluído em 2015. Oito ministros foram a favor da proibição do financiamento por pessoas jurídicas. Os votos contrários foram de Gilmar Mendes, Celso de Mello e Teori Zavascki.

"É preciso destacar que a mudança nas regras de financiamento de campanha no Brasil foi um passo importante. Os recursos públicos passam a ser distribuídos aos partidos de acordo com as regras aprovadas. A medida seria uma forma de diminuir uma série de problemas do financiamento privado e daria maior transparência às campanhas eleitorais, o que é fundamental para a democracia", diz a cientista política Carolina Botelho, pesquisadora do IESP/Uerj (Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro).

No entanto, o dinheiro do Fundão precisa ser redirecionado de outras áreas, como saúde e educação. Para Botelho, a ampliação do fundo eleitoral em meio à crise sanitária e econômica decorrente da pandemia de covid-19 "é um erro e é injustificável".

"A população tem sofrido com o vírus, o desemprego, a miséria e a fome, tornando essa aprovação uma imoralidade e um verdadeiro desprezo por aquilo que é prioritário neste momento. Além disso, impõe custos adicionais e inesperados ao já parco e vulnerável orçamento público", afirma.

Votação nominal foi negada

O texto que definiu a ampliação do fundo eleitoral não estava presente em nenhuma emenda à LDO, e foi integrado ao projeto de lei apenas no relatório final que foi aprovado pela CMO (Comissão Mista de Orçamento) antes de ser encaminhado ao plenário do Congresso. O relatório aprovado na CMO teve voto contrário de apenas quatro parlamentares.

Na votação no Congresso, depois de aprovada a LDO, as bancadas do Novo na Câmara e do Podemos no Senado apresentaram um destaque para retirar o trecho que amplia o fundo eleitoral. O Novo pediu votação nominal e orientação de bancada. O deputado federal Marcelo Ramos (PL-AM), que presidia a sessão, negou os dois pedidos. O destaque também foi rejeitado.

Logo depois que o destaque foi derrubado, Novo, Cidadania, Podemos, PSOL e PSL e um grupo de deputados federais, em sua maioria governistas, pediram para registrar que eram contra a ampliação do fundo eleitoral nos termos da LDO. Naquele momento, no entanto, o efeito prático deste registro já era nulo.

A discussão sobre financiamento público em campanhas eleitorais não é de nenhuma forma nova e nem tampouco exclusivamente brasileira. Há argumentos tanto para dar continuidade a ele quanto para descontinuá-lo. Dessa forma, para entender as atuais manchetes a respeito do fundo eleitoral e a evidente relevância do tema no cenário político atual, preparamos este texto.

Ricardo José Pereira Rodrigues, doutor em ciência política e consultor legislativo, em seu artigo intitulado “Financiamento de Partidos Políticos e Fundos Partidários”, reúne e apresenta brevemente argumentos a favor e contra o financiamento de partidos políticos. O argumento daqueles que se posicionam a favor do financiamento, segundo o artigo, é que os partidos desempenham uma função pública e servem como veículos de participação política. Isso os torna “merecedores de apoio financeiro, quando fontes privadas não se fazem suficientes para financiar um nível adequado da atividade” (ROWBOTTOM, 2010, p. 129 apud  RODRIGUES, 2012, p. 32). Por outro lado, aqueles que são contrários explicam:

O financiamento público direto dos partidos prejudica as funções democráticas desempenhadas por essas instituições. Primeiro porque os partidos teriam menos incentivos para buscar uma maior aproximação com os eleitores já que sua sobrevivência financeira estaria garantida (ROWBOTTOM, 2010, p. 130 apud RODRIGUES, 2012, p. 32).

Ambos os argumentos são válidos e a discussão não se esgota, assim como muitas discussões na política. Contudo, é inegável a constante necessidade de se pensar melhorias na aplicação dos auxílios, tendo em vista que essa contribuição financeira pública, apesar de ser necessária, gera para a sociedade um custo — o famoso custo da democracia. 

No Brasil, adota-se o sistema misto de financiamento político, assim como em diversos países, como Estados Unidos, Alemanha, Japão e África do Sul. Isto quer dizer que nessas nações há contribuição tanto pública quanto privada para assegurar a continuidade do regime democrático e a existência dos partidos políticos. Apesar de muitos países adotarem o sistema misto, cada um regulamenta o seu funcionamento à sua maneira, seja especificando a possível origem dos recursos, seja limitando a quantidade permitida de doações privadas.

Fundo Partidário x Fundo Eleitoral

Primeiramente, ao falar de financiamento público aos partidos, é importante diferenciar o Fundo Partidário do Fundo Eleitoral. O Fundo Especial de Assistência aos Partidos Políticos (Fundo Partidário), foi instituído em 1995 pela Lei n. 9.096, com o objetivo de “assegurar, no interesse do regime democrático, a autenticidade do sistema representativo e defender os direitos fundamentais definidos na Constituição Federal”  (Art. 1º). O financiamento é repassado mensalmente aos partidos e o fundo é composto por dotações orçamentárias da União, multas, penalidades, doações (públicas e privadas) e outros recursos financeiros que lhes forem atribuídos por lei¹.

Já o Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC, popularmente conhecido como fundão eleitoral, foi criado pelas Leis n. 13.487 e 13.488 de 2017 durante a minirreforma eleitoral. O pagamento do auxílio oriundo de dotações orçamentárias da União é feito somente em ano eleitoral, no primeiro dia útil de junho, com o objetivo de auxiliar os partidos exclusivamente com gastos relativos à campanha eleitoral. A distribuição entre as agremiações partidárias segue as diretrizes determinadas na Lei 9.504:

I – 2% (dois por cento), divididos igualitariamente entre todos os partidos com estatutos registrados no Tribunal Superior Eleitoral;

II – 35% (trinta e cinco por cento), divididos entre os partidos que tenham pelo menos um representante na Câmara dos Deputados, na proporção do percentual de votos por eles obtidos na última eleição geral para a Câmara dos Deputados;

III – 48% (quarenta e oito por cento), divididos entre os partidos, na proporção do número de representantes na Câmara dos Deputados, consideradas as legendas dos titulares;

IV – 15% (quinze por cento), divididos entre os partidos, na proporção do número de representantes no Senado Federal, consideradas as legendas dos titulares.

A ADI 4.650

A criação desse fundo está diretamente ligada à Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.650, proposta pela Ordem dos Advogados do Brasil e julgada pelos ministros do Supremo Tribunal Federal de 2013 a 2015. No pleito, foi julgada a constitucionalidade de doações de pessoas jurídicas a campanhas eleitorais. 

O principal argumento utilizado pela OAB na defesa de seu ponto de vista foi o do princípio da isonomia entre os candidatos; segundo a Ordem, “ao permitir doações de pessoas jurídicas, [essa permissão] possibilitava que as desigualdades existentes no campo econômico fossem transferidas para o campo político, permitindo que algumas pessoas tivessem maior influência nos pleitos eleitorais do que outras”  (NUNES, 2019. p. 46). Além disso, a OAB defendeu que a participação jurídica nas campanhas eleitorais feria os princípios da cidadania e do republicanismo, com o argumento de que a democracia é feita de cidadão para cidadão. Dessa forma, as interferências jurídicas deveriam ser consideradas incompatíveis com os interesses democráticos por não serem guiadas pelo interesse coletivo, e sim por interesse próprio (NUNES, 2019. p. 46).

Com oito votos a favor e três contra, a votação da ADI n. 4.650 foi finalizada em 2015, com a maioria da corte sendo favorável à proibição das doações jurídicas. E a mudança já valeu para as eleições de 2016.

A sustentação dos ministros que votaram em favor da ADI seguiu a argumentação da OAB, e também foi acrescentado que as doações jurídicas perpetuavam estruturas desiguais de poder como o patrimonialismo e a relação clientelista entre doadores e beneficiários. Destaca o ministro Joaquim Barbosa em seu voto:

O financiamento de campanha pode apresentar para a empresa, assim, um meio de acesso no campo político suscetível de propiciar benefícios outorgados pela pessoa eleita. É o chamado “toma lá, dá cá” tão conhecido de todos aqueles que acompanham a vida política brasileira (ADI n. 4.650, 2015, p.64).

No campo contrário à ADI, foi pontuado que a Constituição Federal é ampla quanto à interpretação da forma como o modelo de financiamento deve ser adotado, e também que seria imprudente inferir que há nas doações pretensões ilegais. Como salienta o ministro Teori Zawaski: 

Diz-se, por outro lado, que pessoas jurídicas só contribuem por interesse. Não se contesta esse fato. Todavia, é exatamente isso que ocorre também com as pessoas naturais: suas contribuições não podem ser consideradas desinteressadas. Nem num caso, nem no outro, entretanto, há de se afirmar que os interesses a que visam as contribuições para partidos ou campanhas políticas sejam, invariavelmente, interesses ilegítimos (ADI n. 4.650, 2015, p. 144).

Com a discussão finalizada na corte e a ADI aprovada, coube ao Congresso Nacional propor emendas à legislação para que as legendas não fossem tão prejudicadas pela perda significativa desse tipo de doação. O fato é que, segundo o TSE, nas eleições de 2010, 74,4% de todas as doações feitas aos partidos vieram de pessoas jurídicas, e, em 2014, esse número aumentou para 76,5% (NUNES, 2019, p. 33). Portanto, sem a criação do Fundo Eleitoral, os partidos — principalmente os pequenos — seriam bastante impactados. Assim, os parlamentares aprovaram as Leis n. 13.165 de 2015, n. 13.487 de 2017 e n. 13.488 de 2017, dispositivos legais que alteraram a Lei dos Partidos Políticos 9.096/95 e a Lei das Eleições 9.504/97.

Votação da LDO de 2021

Durante a votação da Lei de Diretrizes Orçamentárias – LDO deste ano, foi acrescentado para votação o orçamento do Fundo Eleitoral. O valor logo chamou a atenção da sociedade e da mídia por ser considerado alto em comparação aos dos anos anteriores. Em 2018, foi de 1,7 bilhão; em 2020, o montante somou mais de 2 bilhões e, para as eleições de 2022, o valor aprovado na LDO pelo Congresso totalizou 5,7 bilhões de reais. 

O texto que seguiu para a votação foi votado pelos deputados em sua totalidade, apesar de o líder do Partido Novo na Câmara, Vinícius Poit (NOVO/SP), ter apresentado um requerimento para que a votação do fundo fosse separada da LDO. Por conta disso, fica difícil saber qual partido ou bancada se opôs ou foi a favor do montante aprovado para o fundo. Todavia, a título de conhecimento, aqui vai uma pequena lista de quais foram os partidos que obtiveram votos unânimes na Câmara. As bancadas dos partidos PT, PSOL, Novo, PV, Rede e PCdoB tiveram voto unânime contra a LDO; já as bancadas dos partidos Patriotas, PL, PSC, PTB, Republicanos e Solidariedade tiveram voto unânime a favor do texto discutido. 

Entre deputados famosos por se posicionarem contra o fundo eleitoral, a votação foi divergente. As deputadas Bia Kicis (PSL/DF), Carla Zambelli (PSL/SP) e o filho do presidente Bolsonaro, Eduardo Bolsonaro (PSL/SP), votaram a favor do texto; por outro lado, o deputado Kim Kataguiri (DEM/SP) contrariou a maioria da bancada do seu partido e votou contra a LDO para 2022. 

O texto foi aprovado pelo Congresso Nacional e agora segue para sanção ou veto presidencial.


¹https://www.tse.jus.br/partidos/fundo-partidario-1