Um rápido alinhamento de expetativas Este artigo aborda o conceito de “projeto”, sua estrutura, nuances, desafios e oportunidades, além de dois dos principais métodos para gestão de projetos: o modelo tradicional, em “cascata”, e o Agile. Não fazem parte do escopo deste texto discussões sobre ferramentas nem estratégias sobre gestão propriamente dita, embora façamos diversos comentários sobre pontos de
atenção e cuidados a serem tomados. Antes de falar sobre metodologias, frameworks e formas de gestão, é importante entender o que, exatamente, é um projeto. De acordo com a definição do Guia PMBOK (Project Management Body of Knowledge), projeto “é um esforço temporário empreendido para criar um produto, serviço ou resultado único. Projetos são realizados para cumprir objetivos através da produção de entregas (…) tangíveis ou
intangíveis.” Dessa forma, devemos entendê-lo como uma iniciativa que tem começo e fim, e que busca algum tipo de melhoria nos mais diversos diferentes âmbitos: ferramentas, métodos, processos, produtos, políticas, serviços, dentre outros. Afinal, ninguém faz um projeto para que as coisas continuem do jeito que estão, certo? (Embora, alguns tenham resultados um tanto… controversos — as famosas iniciativas de pioria.) Um dos
maiores desafios de um projeto tende a ser a interdependência de ações: como ele promove a conjunção de tarefas entre diversas áreas e disciplinas de uma (ou mais) organização, um dos elementos-chave para o sucesso é estabelecer a comunicação e a coordenação adequadas de suas atividades. E isso pode ser feito de diversas maneiras, como veremos à frente. Mesmo em projetos de cunho individual — quando planejamos um programa de desenvolvimento pessoal, uma mudança de residência ou um plano de
carreira, por exemplo –, há envolvimento e interdependência de outras pessoas e situações. Outro ponto importante é entender que algumas iniciativas podem constituir ou não um projeto de acordo com o contexto em que estão inseridas. Por exemplo: para mim, que nunca construí um carro na vida (sequer um de rolimã), fazê-lo seria um projeto; para o operário da linha de produção da indústria automobilística, construir um carro faz parte de um processo, já que representa uma atividade
repetida, para qual já existe uma organização de trabalho funcional. Feito o entendimento inicial sobre o conceito de projeto, vamos às formas de gerenciá-lo. O PMI — Project Management Institute — foi criado nos Estados Unidos em 1969 com o objetivo de pesquisar, discutir e formular as boas práticas de gestão de projetos. Na década de 1980, seus fundadores desenvolveram os
primeiros programas de certificação na área, dando aos profissionais aprovados o título de PMP — Project Management Professional (hoje são mais de 370.000 ao redor do mundo). Um tempo depois, no começo dos anos 90, a primeira versão do PMBOK — o Project Management Body of Knowledge, traduzido aqui como Guia do Conhecimento em Gestão de Projetos — foi publicada [1]. O PMI funciona por meio de “capítulos”, que são escritórios abertos em diversas cidades do mundo e que
realizam fóruns de discussão relacionados ao tema, formação e certificação de profissionais, além de fomentar uma rede de associados que atuam na disseminação de sua metodologia de gestão de projetos, contida no PMBOK. Este, por sua vez, consolida as chamadas melhores práticas de gestão de projetos e representa a consolidação do trabalho de pesquisa de milhares de profissionais da área que foram, ao longo dos anos, compilando suas experiências, desafios, cases de sucesso e, assim, aprimorando as
práticas vigentes. O guia está dividido em dez áreas de conhecimento, aqui descritas muito brevemente: O termo “projeto em cascata” (waterfall project) remonta ao estilo de uma de suas principais ferramentas, o diagrama de Gantt (Gantt chart), que é faseado, lembrando os degraus da queda d’água de uma cachoeira: Cada fase representa uma etapa de avanço do projeto e, para que a etapa seguinte tenha início é necessário que a anterior esteja totalmente concluída — o que acontece por meio de um termo de aceite assinado pelos gestores e stakeholders do projeto. O objetivo é garantir que o time e o contexto estejam prontos para avançar para o próximo bloco de atividades definido durante etapa de planejamento, sem que tarefas pendentes possam gerar problemas ou atrasos. Em termos de estrutura, um projeto em cascata geralmente é definido pelas seguintes etapas:
Durante muito tempo, esta metodologia foi a mais utilizada para planejamento, execução e entrega de projetos nas mais distintas frentes: construção civil, projetos de defesa, desenvolvimento de software, engenharia de produtos, pesquisa de medicamentos, programas educacionais etc. É, de longe, a mais popular: são cerca de 700.000 membros do PMI em quase todos os países do mundo, embora desde o início dos anos 2000 tenha começado a perder espaço para os frameworks ágeis, especialmente no contexto tecnológico, com o despontar das empresas de tecnologia e startups, como veremos a seguir. Isso tem a ver com a velocidade com que as mudanças têm ocorrido nos últimos anos e a flexibilidades que esse cenário requer: um projeto em cascata funciona sob a tríade custo, escopo e tempo — fatores que estão diretamente interligados. Qualquer alteração em um deles, portanto, implica em alteração nos demais. Essas alterações, por sua vez, precisam passar por um comitê de aprovação denominado Comitê de Gestão de Mudanças (Change Management Board), que poderá autorizar ou não sua inclusão no âmbito das atividades definidas no Plano de Projeto. Em caso positivo, elas, bem como todas as etapas subsequentes — incluindo as que estiverem em andamento — terão de ser replanejadas, a fim de atualizar esse Plano adequadamente. No contexto da Indústria 4.0, caracterizado pela “disrupção” em inúmeras esferas, a gestão de projetos sob essa metodologia pode gerar entraves para o tempo de resposta oferecido a essas mudanças do mercado, tornando uma entrega de projeto obsoleta antes mesmo que ela esteja finalizada — e comitês de mudança podem não ser rápidos o suficiente para retomar o passo, tendo em vista todas as etapas (e assinaturas) necessárias para aprovação de mudanças. Ainda assim, a metodologia de gestão de projetos em cascata é sem dúvida uma das mais robustas do mercado, contando com a experiência e a colaboração de milhares de profissionais que se dedicam ao seu aperfeiçoamento contínuo. Seja entusiasta dela ou não, em algum momento você certamente vai se deparar com os famosos diagramas de Gantt feitos no MS Project, caso isso ainda não tenha ocorrido. Frameworks ágeisAntes de começar, gosto de esclarecer dois conceitos: por que framework e não metodologia ágil? Embora muitas pessoas utilizem incorretamente o termo “metodologia” para se referir a projetos conduzidos sob os valores e princípios ágeis, ele é impreciso. Metodologia tem a ver com orientações de certa forma prescritivas, um conjunto de regras a serem seguidas. Ao ler o Guia do Conhecimento em Gestão de Projetos do PMI, por exemplo, nós temos não apenas a declaração de inúmeras situações de projeto, como também referências sobre como agir em cada uma delas, inclusive em casos de problema e dificuldades — as chamadas “melhores práticas”. Já no framework esse aspecto de prescrição não está presente; ele oferece diretrizes gerais de condução, acompanhamento e engajamento, mas deixa a critério das equipes de projeto decidir como e por meio de quais ferramentas o framework será implantado. Sendo assim, é comum haver adaptações mesmo de frameworks bastante disseminados — como o Scrum e o Kanban, por exemplo –, o que é plausível e até estimulado pelos próprios organizadores do Manifesto Ágil. A propósito, o Manifesto surgiu em 2001, durante um encontro entre 17 profissionais [2] que já praticavam formas mais “leves” de conduzir projetos e que discutiram quais deveriam ser os métodos essenciais para o desenvolvimento de software. O resultado disso ficou conhecido como “Manifesto Ágil”, e representa os quatro valores mais importantes a reger uma iniciativa desse tipo. São eles: Indivíduos e interações mais que processos e ferramentas Software em funcionamento mais que documentação abrangente Colaboração com o cliente mais que negociação de contratos Responder a mudanças mais que seguir um plano [3] Embora tenha sua origem no desenvolvimento de software, o Manifesto pode ser expandido para qualquer outro contexto de projetos. É importante enfatizar também que, ainda que seja dada uma relevância maior para os componentes do lado esquerdo dessas afirmações, destacados em negrito, ele não prescinde daquelas retratadas à direita. Sendo assim:
O Manifesto Ágil foi posteriormente “completado” com doze princípios para orientar ações e escolhas de métodos e ferramentas, no intuito de maximizar o resultado dos projetos. São eles:
Tendo isso em mente, falemos sobre um dos frameworks mais populares. ScrumO Scrum é um dos principais métodos ágeis. Ele nasceu em meados dos anos 90, quando dois caras, Jeff Sutherland e Ken Schwaber, cansados dos projetos confusos, com cronogramas irrealistas e orçamentos apertados em que trabalharam até então buscaram novas formas de se organizar e realizar as atividades. Devido a sua versatilidade, ele pode ser utilizado em diferentes contextos e complexidades: desde uma campanha publicitária até a estruturação de informações do FBI [4]. Segundo a definição de seus criadores:
Ao contrário da metodologia em cascata, o Scrum funciona a partir de iterações incrementais que vão, aos poucos, construindo seu produto / serviço. E diferente do PMBOK também, o guia de implementação [5] possui meras 19 páginas, em comparação às quase 800 daquele. Isso significa que se trata de um método fácil de aprender, ainda que nem sempre fácil de aplicar. A etapa inicial é caracterizada pela definição de papeis:
Note que não há uma hierarquia entre esses papeis — todos atuam de forma colaborativa, comprometidos com a entrega da melhor solução possível e sempre mantendo o foco no cliente e sua experiência. No caso do SM, costuma-se falar em servant leader, ou seja, um líder que serve ao grupo (em vez de controlá-lo). Uma vez definidos os representantes de cada papel, o projeto tem início com a criação de um backlog de produto, isto é, uma lista contendo todas as tarefas que precisam ser realizadas para que o objetivo seja atingido. A partir dela, e baseado na interpretação dos interesses do cliente final, o P.O. priorizará ssas tarefas, segundo sua relevância e perspectiva de valor entregue ao cliente. Vale ressaltar que o backlog nunca estará completo — conforme o projeto avança e os ciclos se sucedem, novos requerimentos e tarefas surgirão e serão incluídos nele. O Scrum funciona sob cerimônias que são realizadas periodicamente dentre os membros do time de desenvolvimento, SM e PO:
Na figura acima, o navio representa o time do projeto; as âncoras são os fatores e comportamentos que “reduziram a velocidade da navegação”; as nuvens soprando indicam iniciativas, ideias e comportamentos que deram velocidade às entregas; e, por fim, a ilha é o objetivo que deveria (ou foi) alcançado. É produtivo deixar que as pessoas interajam com a figura, colocando post-its e pequenas notas exemplificando cada uma dessas situações. Ao SM cabe o papel de fomentar a participação de todos e, principalmente, impedir que a Retrospectiva se transforme em uma sessão para “lavar roupa suja”. Essas cerimônias são então repetidas a cada nova Sprint, até que o produto esteja acabado. Ou melhor: uma vez finalizado, o produto entra em um looping de melhorias contínuas. Ao contrário dos projetos em cascata, em que todo o trabalho é entregue de uma só vez ao final do ciclo, no Scrum isso acontece em estágios sucessivos a partir de um MUP [6] (minimun usable product ou protótipo minimamente utilizável, se preferir), que vai sendo incrementado. Um princípio vital do Scrum é a noção de transparência. Todos no time precisam ter pleno conhecimento do que os demais estão fazendo, o nível de avanço do projeto e os objetivos esperados. Sendo a visibilidade tão fundamental, recomendo a utilização de quadros (Kanban) para disponibilizar uma “gestão à vista” de tudo o que está sendo feito. KanbanNeste tópico, trato o Kanban como ferramenta de suporte ao Scrum e não como método (que tem uma série de nuances distintas). Esses quadros ajudam o time a se localizar em termos de tarefas a serem realizadas, bem como seus responsáveis, e o progresso geral do projeto. Isso evita uma série de perguntas aborrecidas sobre “o que você está fazendo?”, “quando fica pronto?” e similares. A partir do Kanban, o time reforça seu papel de autogestão, atualizando a evolução do projeto. Comumente, isso é feito durante o Daily Scrum (que tal realizar este encontro de frente para um quadro Kanban?). A representação mínima de um Kanban requer 3 colunas: “a fazer” (backlog), “em andamento” e “concluído”.Conforme o time evolui na aplicação da ferramenta, novas colunas poderão ser incorporadas para representar etapas-chave do projeto. As tarefas serão identificadas por cartões (post its) que, por sua vez, serão movidos pelo time (respeitando a responsabilidade de cada um pela tarefa) através dessas colunas, conforme o trabalho for sendo desenvolvido. Posteriormente publicaremos um artigo dedicado ao Kanban para auxiliá-los nessa jornada 😉 Melhor do mundo?Não existe um método “melhor”; existe um método mais adequado às necessidades e contexto do projeto que você está desenvolvendo. Em startups e empresas envolvidas em circuitos de inovação, há uma tendência pela utilização do Agile, dada sua flexibilidade a mudanças e ciclos incrementais de produto. Por outro lado, um profissional certificado como PMP tem como vantagem poder atuar em qualquer projeto em qualquer lugar do mundo, visto que a metodologia em cascata representada pelo PMBOK é universal. Minha sugestão é que você experimente essas duas formas em iniciativas de sua empresa, a fim de se familiarizar com elas. Com tempo, você elegerá uma principal e começará a customizá-la para obter resultados ainda melhores. Saiba mais em: - Project Management Institute, Guia do Conhecimento em Gerenciamento de Projetos (Guia PMBOK), 6ª edição, 2017. - SUTHERLAND, Jeff. Scrum — a arte de fazer o dobro do trabalho na metade do tempo. São Paulo: Sextante, 2019. - SUTHERLAND, Jeff & SCHWABER, Ken. Scrum Guide. [1] Atualmente estamos na 7ª edição, que possui cerca de 800 páginas e pode ser baixada (somente membros associados) a partir do site dos capítulos do PMI ou adquirida a partir de livrarias e e-commerce em geral. [2] Alistair Cockburn, Andrew Hunt, Arie van Bennekum, Brian Marick, Dave Thomas, James Grenning, Jeff Sutherland, Jim Highsmith, Jon Kern, Ken Schwaber, Kent Beck, Martin Fowler, Mike Beedle, Robert C. Martin, Ron Jeffries, Steve Mellor e Ward Cunningham. [3] Vide https://agilemanifesto.org/. [4] Este case é contado no livro “Scrum”, do Jeff Sutherland, indicado na sessão “Saiba mais”. [5] Vide referência do “Scrum Guide”. [6] Tenho dado preferência ao termo MUP em vez de MVP (minimun viable product) para refletir a importância da experiência do cliente com o produto. |