Quais foram os mais importantes legados da Revolução Francesa para a sociedade contemporânea?

Quais foram os mais importantes legados da Revolução Francesa para a sociedade contemporânea?

Imagem: Pixabay

14/07/2022 – 06:37:14

André Luís A. Silva

A França da pré-revolução, ou seja, da segunda metade do século XVIII, era governada por Luís XVI, um rei absolutista, que controlava, simultaneamente, a política, a economia e a justiça. Não havia democracia, o rei governava com poderes absolutos. As forças militares defendiam Luís XVI de qualquer oposição política com extrema violência, levando seus opositores para a prisão ou para a morte. A França desta época era uma sociedade nitidamente dividida por três ordens: o Primeiro Estado (o clero), composto pelos membros da igreja, como por exemplo: cardeais, bispos, padres, monges, entre outros postos que compunham a hierarquia religiosa. O Segundo Estado (a nobreza), composto pelos membros da família real, aristocratas e líderes militares. Este título, na maioria das vezes, era vitalício e hereditário, também era possível ser empossado nobre através de um ato do rei, ou adquirir a titulação através de uma compra. Por último, sendo a base da sociedade, o Terceiro Estado (camponeses, operários, artesãos, profissionais liberais e pequenos comerciantes), formavam a grande maioria da população francesa. Estes, eram quem produziam a riqueza e, ao mesmo tempo, sustentavam o clero e a nobreza através do pagamento de altos impostos, revertidos em pensões e/ou em privilégios. Os membros do Primeiro e do Segundo Estado não pagavam tributos, viviam no extremo luxo e ainda eram os proprietários da maioria das terras produtivas e das propriedades na área urbana.

Alexis de Tocqueville, filósofo político francês, aponta que a França da segunda metade do século XVIII estava prestes a vivenciar uma revolução, visto que a desigualdade econômica havia crescido muito nas décadas anteriores, desfavorecendo ainda mais os membros do Terceiro Estado. Além disso, a monarquia absolutista autoritária e violenta apresentava sinais de desgaste. Tocqueville, também aponta o fato de que os pequenos comerciantes e os profissionais liberais da época formavam uma acanhada burguesia, mas que era politicamente ativa, pois, desempenhavam o papel de inflamar toda a população do Terceiro Estado contra as injustiças sociais e econômicas promovidas pelo clero e pela nobreza. Para o filósofo político, a pequena burguesia existente foi essencial para que a revolução acontecesse na França, visto que um estado de absoluta pobreza não seria capaz de promover um movimento político tão grande como foi a Revolução Francesa.

Assim, o episódio que marca o início da Revolução Francesa é a tomada da Bastilha, em 14 de julho de 1789. A Bastilha era uma imponente fortaleza que funcionava como prisão e depósito de armas e pólvora do exército francês, mas, além disso, era o símbolo máximo da monarquia absolutista dirigida pelo rei Luís XVI. Com seus 90 metros de comprimento e 25 metros de altura, a Bastilha não foi páreo para a multidão furiosa que se aglomerava em sua frente. A massa era composta pelo Terceiro Estado, isto é, pelas pessoas comuns de Paris, que marchavam rumo à invasão da fortaleza. O confronto com os guardas foi um massacre, não se sabe ao certo o número de vítimas. Em poucas horas, a multidão tomou a Bastilha, soltou os presos, roubou as armas e a demoliu, pedra por pedra. De Paris, a revolução se alastrou para o interior da França. Dava-se início a Revolução Francesa.

De acordo com os manuais de sociologia, o conceito de revolução significa uma ruptura drástica, uma grande mudança que redireciona e reorganiza as esferas políticas, sociais, econômicas e culturais de uma sociedade. Foi exatamente isso que aconteceu na França. No mês seguinte, em agosto de 1789, sob forte pressão popular, a Assembleia Nacional aprovou a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Este documento traduz perfeitamente a ideologia da Revolução Francesa. Ao todo, a declaração era composta por 17 artigos inspirados no ideal iluminista, que afirmava a igualdade entre os homens, estabelecia o direito à liberdade, à propriedade privada, à segurança, a garantia da livre comunicação de ideias e a resistência à opressão. A declaração também definia os direitos naturais do homem, individuais e coletivos, como universais, dos quais, nenhum governo poderia ser capaz de retirá-los. Os artigos da declaração elucidam o slogan da revolução: Liberdade, Igualdade, Fraternidade.

A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão foi base para a primeira Constituição Francesa da era moderna, aprovada em setembro de 1791. Nela, limitava-se o poder do rei, transformando a França em uma monarquia constitucional, o que na prática, liquidava com o poder absoluto de Luís XVI, dando à Assembleia Nacional o poder de criar a aprovar as leis. A Constituição também aboliu uma série de privilégios do clero e da nobreza, e estabeleceu o conceito moderno de cidadão. De fato, aqui é um ponto importante, visto que nem todo francês era um cidadão apto a participar da política, para isso, era preciso ser um homem branco, livre e nascido na França, exigia-se ter uma renda mínima e ser proprietário de terras. Essa noção de cidadão era inspirada nos gregos da antiguidade, no qual, para ser um cidadão ativo, pensante e apto a participar da política, era preciso estar liberado do trabalho, dispor de lazer e ócio para se instruir. Logo, essa concepção de cidadão excluía 85% da população francesa: pobres, mulheres, trabalhadores braçais e não brancos eram considerados cidadãos passivos e foram excluídos do direito ao voto.

Para o historiador Michel Vovelle, a revolução abateu muitos privilégios do clero e da nobreza, mas, em contrapartida, criou vários outros. As mulheres não conquistaram a liberdade, apesar de terem participado ativamente do processo revolucionário. Também, não houve a eliminação das profundas desigualdades sociais e a escravidão ainda continuou por algumas décadas na França. Mas o fato é que a Revolução Francesa abriu as portas para uma série de mudanças no mundo. Segundo o historiador britânico Eric Hobsbawm, a Revolução Francesa é o marco inicial de um período no qual as sociedades seriam produzidas por revoluções, exemplo disso é a revolução promovida pelos escravos no Haiti, entre 1791 e 1804, resultando no fim da escravidão e na independência da colônia francesa de São Domingos. Também, vale lembrar das reformas constitucionais realizadas em vários países da Europa, a fim de diminuir as desigualdades e evitar possíveis revoltas populares, como a que havia acontecido na França. No Brasil, a Revolução Francesa inspirou a Conjuração Baiana (1798 – 1799), durante o período colonial, movimento de caráter independentista e republicano, que defendia as liberdades individuais e econômicas. Mais tarde, já no século XX, a recém criada Organização das Nações Unidas, aprovou em Assembleia Geral, a Declaração Universal de Direitos Humanos, estabelecendo a garantia dos direitos humanos básicos de todos os cidadãos, no intuito de promover a democracia, a paz mundial, a liberdade, a justiça e inclusão social. Este documento teve forte inspiração na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, apresentado e aprovado durante a primeira fase da Revolução Francesa.

O processo revolucionário na França durou aproximadamente dez anos e passou por várias fases. Como mencionado, seu marco inicial foi a tomada da Bastilha, em 1789, dando início ao período da Convenção Nacional, o qual foi o momento de uma série de reformas políticas e organização da Constituição. Mais tarde, em 1791, com a Constituição já em vigência, a França entra na fase da Monarquia Constitucional, que durou até setembro de 1792, quando o rei Luís XVI foi deposto, acusado de conspirar contra a revolução. Quatro meses depois, junto com outros membros da família real, foi decapitado na guilhotina. Ainda no mesmo ano, foi proclamada a Primeira República Francesa, marcada pela disputa de poder entre Jacobinos e Girondinos, processo que terminara com o golpe de Estado de Napoleão Bonaparte, conhecido como 18 Brumário, no ano de 1799, quando o líder militar se torna o primeiro-cônsul francês, colocando fim a revolução.

O dia 14 de julho é celebrado na França como o dia da Festa Nacional Francesa, feriado cívico mais importante do calendário, em memória ao fatídico episódio da tomada da Bastilha, em 1789. Todo ano, milhares de franceses se reúnem na Praça da Revolução (atual Praça da Concórdia), na Praça da Bastilha e na avenida Champs-Élysées, entre outros célebres lugares que guardam as memórias vivas da revolução. No Brasil, a data foi celebrada como feriado nacional entre os anos de 1890 e 1922. Outra memória da Revolução Francesa no Brasil é a efígie de Marianne, símbolo da revolução, que aparece estampada nas cédulas do Real e em algumas bandeiras dos municípios brasileiros.

A Revolução Francesa transformou o súdito em cidadão, derrubou o antigo regime e instaurou a república, rompeu com os escombros do feudalismo e fez alvorecer de vez o capitalismo industrial, marco que acendeu a burguesia como classe social dominante. A revolução também organizou o espectro político, definindo, ainda de forma superficial, os posicionamentos de esquerda e direita, quando Jacobinos e Girondinos travavam os debates na Assembleia Legislativa. Com efeito, o maior legado da Revolução Francesa é a ampliação das liberdades individuais, a igualdade de direitos e a união fraterna entre os povos, bem como os princípios democráticos e de cidadania que foram adotados e aprimorados com o passar dos séculos pelo ocidente. Os ideais de Liberdade, Igualdade e Fraternidade foram abandonados pela própria revolução e, até hoje, não foram alcançados em sua totalidade, mas o fato é que a Revolução Francesa e seus desdobramentos continuam sendo a semente da esperança para transformar o mundo.


por:

André Luís A. Silva

Historiador, professor e doutorando do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Estadual do Oeste do Paraná

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