Por que segundo Saussure a abordagem de estudos da língua deve ser sincrônica?

SAUSSURE E A L�NGUA PORTUGUESA

Castelar de Carvalho

(UFRJ, ABF)

A vitalidade do pensamento saussuriano, com o passar do tempo, s� tem feito renovar sua atualidade. Nos �ltimos anos, tem se multiplicado a bibliografia sobre sua doutrina, difundida a partir da publica��o do livro cl�ssico Curso de ling��stica geral (CLG). As repercuss�es de suas id�ias motrizes, assim como as escolas delas decorrentes, criaram uma metodologia pr�tica e funcional de abordagem dos fatos ling��sticos. Tal metodologia pode ser aplicada com sucesso ao estudo e ao ensino de portugu�s, como demonstra o nosso livro Para compreender Saussure, hoje na 12� edi��o, contendo os fundamentos e uma vis�o cr�tica das iluminadas id�ias do genial fundador da Ling��stica moderna, al�m de exerc�cios com quest�es relativas � l�ngua portuguesa. Neste artigo, apresentaremos uma s�ntese de suas c�lebres dicotomias: semiologia / ling��stica, signo: significado / significante, arbitrariedade / linearidade, linguagem: l�ngua / fala (norma), sincronia / diacronia, sintagma / paradigma e o corol�rio de tudo isso: a no��o de valor.

Semiologia / Ling��stica

A Semiologia (ou Semi�tica) � a teoria geral dos sinais. Ela difere da Ling��stica por sua maior abrang�ncia: enquanto a Ling��stica � o estudo cient�fico da linguagem humana, a Semiologia preocupa-se n�o apenas com a linguagem humana e verbal, mas tamb�m com a dos animais e de todo e qualquer sistema de comunica��o, seja ele natural ou convencional. Desse modo, a Ling��stica insere-se como uma parte da Semiologia. Semiologia e Semi�tica s�o termos permut�veis. A primeira surgiu na Europa, com Saussure, e a segunda, nos Estados Unidos, com o fil�sofo Charles Sanders Peirce.

O signo ling��stico
arbitrariedade / linearidade

Saussure define o signo como a uni�o do sentido e da imagem ac�stica. O que ele chama de �sentido� � a mesma coisa que conceito ou id�ia, isto�, a representa��o mental de um objeto ou da realidade social em que nos situamos, representa��o essa condicionada pela forma��o sociocultural que nos cerca desde o ber�o. Em outras palavras, para Saussure, conceito � sin�nimo de significado (plano das id�ias), algo como o lado espiritual da palavra, sua contraparte intelig�vel, em oposi��o ao significante (plano da express�o), que � sua parte sens�vel. Por outro lado, a imagem ac�stica �n�o � o som material, coisa puramente f�sica, mas a impress�o ps�quica desse som� (CLG, p. 80). Melhor dizendo, a imagem ac�stica � o significante. Com isso, temos que o signo ling��stico � �uma entidade ps�quica de duas faces�(p. 80), semelhante a uma moeda.

Mais tarde, Jakobson e a Escola Fonol�gica de Praga ir�o estabelecer definitivamente a distin��o entre som material e imagem ac�stica. Ao primeiro chamaram de fone, objeto de estudo da Fon�tica. � imagem ac�stica denominaram de fonema, conceito amplamente aceito e consagrado pela Fonologia.

Os dois elementos � significante e significado � constituem o signo �est�ointimamente unidos e um reclama o outro� (p. 80). S�o interdependentes e insepar�veis, pois sem significante n�o h� significado e sem significado n�o existe significante. Exemplificando, dir�amos que quando um falante de portugu�s recebe a impress�o ps�quica que lhe � transmitida pela imagem ac�stica ou significante / kaza /, gra�as � qual se manifesta fonicamente o signo casa, essa imagem ac�stica, de imediato, evoca-lhe psiquicamente a id�ia de abrigo, de lugar para viver, estudar, fazer suas refei��es, descansar, etc. Figurativamente, dir�amos que o falante associa o significante / kaza / ao significado domus (tomando-se o termo latino como ponto de refer�ncia para o conceito).

Quanto ao princ�pio da arbitrariedade, Saussure (p. 83) esclarece que arbitr�rio

... n�o deve dar a id�ia de que o significado dependa da livre escolha do que fala, [porque] n�o est� ao alcance do indiv�duo trocar coisa alguma num signo, uma vez esteja ele estabelecido num grupo ling��stico; queremos dizer que o significante � imotivado, isto �, arbitr�rio em rela��o ao significado, com o qual n�o tem nenhum la�o natural na realidade. (grifo nosso)

Desse modo, compreendemos por que Saussure afirma que a id�ia (ou conceito ou significado) de mar n�o tem nenhuma rela��o necess�ria e �interior� com a seq��ncia de sons, ou imagem ac�stica ou significante /mar/. Em outras palavras, o significado mar poderia ser representado perfeitamente por qualquer outro significante. E Saussure argumenta, para provar seu ponto de vista, com as diferen�as entre as l�nguas. Tanto assim que a id�ia de mar � representada em ingl�s pelo significante �sea� /si / e em franc�s, por �mer� /m�r/.

Um exemplo bastante representativo da aus�ncia de v�nculo natural entre o significante e o significado � o dos verbos depoentes latinos. Nestes, a forma � passiva, entretanto, o sentido � ativo: sequor �sigo� (e n�o �sou seguido�), utor �uso� (e n�o �sou usado�). Nestes signos, o grau de arbitrariedade � extremo, n�o havendo sequer coer�ncia morfossem�ntica entre o significante e o significado.

Na verdade, existem dois sentidos para arbitr�rio:

a) o significante em rela��o ao significado:

livro, book, livre, Buch, liber, biblion

, etc. (significantes diferentes para um mesmo significado);

b) o significado como parcela sem�ntica (em oposi��o � totalidade de um campo sem�ntico):

ingl. teacher / professor

port. professor

ingl. sheep / muttonport. carneiro

Apesar de haver postulado que o signo ling��stico �, em sua origem, arbitr�rio, Saussure n�o deixa de reconhecer a possibilidade de exist�ncia de certos graus de motiva��o entre significante e significado. Em coer�ncia com seu ponto de vista dicot�mico, prop�e a exist�ncia de um �arbitr�rio absoluto� e de um �arbitr�rio relativo�. Como exemplo de arbitr�rio absoluto, o mestre de Genebra cita os n�meros dez e nove, tomados individualmente, e nos quais a rela��o entre o significante e o significado seria totalmente arbitr�ria, isto �, essa rela��o n�o � necess�ria, � imotivada. J� na combina��o de dez com nove para formar um terceiro signo, a dezena dezenove, Saussure acha que a arbitrariedade absoluta original dos dois numerais se apresenta relativamente atenuada, dando lugar �quilo que ele classificou como arbitrariedade relativa, pois do conhecimento da significa��o das partes pode-se chegar � significa��o do todo.

O mesmo acontece no par pera / pereira, em que pera, enquanto palavra primitiva, serviria como exemplo de arbitr�rio absoluto (signo imotivado). Por sua vez, pereira, forma derivada de pera, seria um caso de arbitr�rio relativo (signo motivado), devido � rela��o sintagm�tica pera (morfema lexical) + -eira (morfema sufixal, com a no��o de ��rvore�) e � rela��o paradigm�tica estabelecida a partir da associa��o de pereira a laranjeira, bananeira, etc., uma vez que � conhecida a significa��o dos elementos formadores.

A respeito da linearidade, este � um princ�pio que se aplica �s unidades do plano da express�o (fonemas, s�labas, palavras), por serem estas emitidas em ordem linear ou sucessiva na cadeia da fala. Esse princ�pio � a base das rela��es sintagm�ticas, assunto que abordaremos mais adiante.

L�ngua / Fala (norma)

Esta � sua dicotomia b�sica e, juntamente com o par sincronia / diacronia, constitui uma das mais fecundas. Fundamentada na oposi��o social / individual, revelou-se com o tempo extremamente prof�cua. O que � fato da l�ngua (langue) est� no campo social; o que � ato da fala ou discurso (parole) situa-se na esfera do individual. Repousando sua dicotomia na Sociologia, ci�ncia nascente e j� de grande prest�gio ent�o, Saussure (p. 16) afirma e adverte ao mesmo tempo: �A linguagem tem um lado individual e um lado social, sendo imposs�vel conceber um sem o outro�. Vale lembrar que, para Saussure, a linguagem � a faculdade natural de usar uma l�ngua, �ao passo que a l�ngua constitui algo adquirido e convencional� (p. 17). Do exame exaustivo do Curso, depreendemos tr�s concep��es para l�ngua: acervo ling��stico, institui��o social e realidade sistem�tica e funcional. Analisemo-las � luz do CLG.

A l�ngua, como acervo ling��stico, � �o conjunto dos h�bitos ling��sticos que permitem a uma pessoa compreender e fazer-se compreender� (p. 92). A l�ngua � �uma soma de sinais depositados em cada c�rebro, mais ou menos como um dicion�rio cujos exemplares, todos id�nticos, fossem repartidos entre os indiv�duos� (p. 27). E, com todo o respeito a Saussure, acrescentar�amos n�s: um dicion�rio e uma gram�tica, cuja extens�o ser� proporcional ao conhecimento e � percep��o ling��stica do falante.

Na condi��o de acervo, a l�ngua guarda consigo toda a experi�ncia hist�rica acumulada por um povo durante a sua exist�ncia. Disso nos d� testemunho o latim, s�mbolo permanente da cultura e das institui��es romanas. Tamb�m o portugu�s, nos seus oito s�culos de exist�ncia, acumulou um rico e not�vel acervo ling��stico e liter�rio. Importante l�ngua de cultura, constitui tesouro comum dos povos irmanados pela lusofonia.

Como institui��o social, a l�ngua �n�o est� completa em nenhum [indiv�duo], e s� na massa ela existe de modo completo� (p. 21), por isso, ela �, simultaneamente, realidade ps�quica e institui��o social. Para Saussure, a l�ngua ��, ao mesmo tempo, um produto social da faculdade da linguagem e um conjunto de conven��es necess�rias, adotadas pelo corpo social para permitir o exerc�cio dessa faculdade nos indiv�duos� (p. 17); � �a parte social da linguagem, exterior ao indiv�duo, que, por si s�, n�o pode nem cri�-la nem modific�-la; ela n�o existe sen�o em virtude de uma esp�cie de contrato estabelecido entre os membros da comunidade� (p. 22).

A vis�o da l�ngua como realidade sistem�tica e funcional � o conte�do mais importante da concep��o saussuriana. Para o mestre de Genebra, a l�ngua �, antes de tudo, �um sistema de signos distintos correspondentes a id�ias distintas� (p. 18); � um c�digo, um sistema onde, �de essencial, s� existe a uni�o do sentido e da imagem ac�stica� (p. 23). Saussure v� a l�ngua como um objeto de �natureza homog�nea� (p. 23) e que, portanto, se enquadra perfeitamente na sua defini��o basilar: �a l�ngua � um sistema de signos que exprimem id�ias� (p. 24). Essa concep��o da l�ngua como sistema funcional est� imbricada com a no��o de valor (v. conclus�o).

A fala, ao contr�rio da l�ngua, por se constituir de atos individuais, torna-se m�ltipla, imprevis�vel, irredut�vel a uma pauta sistem�tica. Os atos ling��sticos individuais s�o ilimitados, n�o formam um sistema. Os fatos ling��sticos sociais, bem diferentemente, formam um sistema, pela sua pr�pria natureza homog�nea. Vale ressaltar, no entanto, que tanto o funcionamento quanto a explora��o da faculdade da linguagem est�o intimamente ligados �s implica��es m�tuas existentes entre os elementos l�ngua (virtualidade) e fala (realidade).

Quanto ao conceito denorma, trata-se de uma contribui��o do ling�ista romeno Eugenio Coseriu, que prop�s um acr�scimo � dicotomia saussuriana. Sua tricotomia vai do mais concreto (fala, uso individual da norma) ao mais abstrato (l�ngua, sistema funcional), passando por um grau intermedi�rio: a norma (uso coletivo da l�ngua). Em outras palavras, h� realiza��es consagradas pelo uso e que, portanto, s�o normais em determinadas circunst�ncias ling��sticas, previstas pelo sistema funcional. � � norma que nos prendemos de forma imediata, conforme o grupo social de que fazemos parte e a regi�o onde vivemos. A norma seria assim um primeiro grau de abstra��o da fala. Considerando-se a l�ngua (o sistema) um conjunto de possibilidades abstratas, a norma seria ent�o um conjunto de realiza��es concretas e de car�ter coletivo da l�ngua. Vejamos alguns exemplos da oposi��o norma / sistema no portugu�s do Brasil.

O conhecido [�], chiante p�s-voc�lica, variante de [s], � norma no Rio de Janeiro em todas as classes sociais: g�s [ga�], m�s [me�], basta [ba�ta]. J� no Sul, a pron�ncia sancionada pelo uso (ou norma) � marcadamente alveolar: [basta], [m�s], [g�s]. No campo da Morfologia, o sistema disp�e dos sufixos -ada e -edo, ambos com o sentido de cole��o. Enquanto, para designar grande quantidade de bichos, a norma culta prefere o primeiro (bicharada), a norma geral no falar ga�cho consagrou o segundo: bicharedo. O mesmo acontece com os sufixos diminutivos -inho e -ito, ambos dispon�veis no sistema funcional: a norma fora do Rio Grande do Sul � dizer-se salaminho;j� em terras ga�chas o uso sancionou salamito. No plano sint�tico, a l�ngua(sistema) portuguesa disp�e dos adv�rbios j� e mais, que, quando usados numa frase negativa, indicam a cessa��o de um fato ou de uma a��o. A norma brasileira preferiu o segundo: �Eu n�o vou mais�; �N�o chove mais�. A portuguesa optou pelo primeiro: �Eu j� n�o vou�; �J� n�o chove�. O portugu�s do Brasil prefere descrever um fato em progress�o dizendo: �Estou estudando� (aux. + ger�ndio); j� em Portugal, a norma � usar-se aux. + infinitivo: �Estou a estudar�. Ainda com rela��o � norma brasileira, n�o podemos deixar de mencionar o uso consagrado do verbo ter no lugar de haver, com o sentido de �existir�, uso inclusive j� referendado por v�rios autores brasileiros de peso, como Carlos Drummond de Andrade (�No meio do caminho tinha uma pedra�) e Manuel Bandeira (�Em Pas�rgada tem tudo�), dentre outros.

Nesse sentido, cabe ressaltar que certos deslocamentos da norma, constantes e repetidos, podem, com o tempo, fazer evoluir (mudar) a l�ngua. � o que vem ocorrendo, por exemplo, com a pron�ncia do adjetivo �ruim�. A norma gramatical em vigor recomenda pronunci�-lo como hiato: ru�m. Entretanto, a norma geral no portugu�s do Brasil � a sua realiza��o como ditongo: r�im, malgrado os esfor�os da escola. � poss�vel que no futuro seja esta a �nica pron�ncia em vigor, tanto no sistema (l�ngua) quanto na norma (uso).

Tipos de Norma

As variantes coletivas (ou subc�digos) dentro de um mesmo dom�nio ling��stico dividem-se em dois tipos principais: diat�picas (variantes ou normas regionais ) e diastr�ticas (variantes culturais ou registros).

As variantes diat�picas caracterizam as diversas normas regionais existentes dentro de um mesmo pa�s e at� dentro de um mesmo estado, como o falar ga�cho, o falar mineiro, etc. Por exemplo, �cair um tombo�, no Rio Grande do Sul; �levar um tombo�, no Rio de Janeiro.

As variantes diastr�ticas, intimamente ligadas � estratifica��o social, evidenciam a variedade de diferen�as culturais dentro de uma comunidade e podem subdividir-se em norma culta padr�o (ou nacional), norma coloquial (tensa ou distensa) e norma popular (tamb�m chamada de vulgar).

A norma culta � a modalidade escrita empregada na escola, nos textos oficiais, cient�ficos e liter�rios. Baseada na tradi��o gramatical, � a variante de maior prest�gio sociocultural. Ex.: H� muito tempo n�o o vejo. Vendem-se carros. Havia dez alunos em sala.

A norma coloquial � aquela empregada oralmente pelas classes m�dias escolarizadas. Viva e espont�nea, seu grau de desvio em rela��o � norma culta pode variar conforme as circunst�ncias de uso. Ex.: Tem muito tempo que n�o lhe vejo / n�o vejo ele. Vende-se carros. Tinha dez alunos em sala.

A norma popular caracteriza a fala das classes populares semi-escolarizadas ou n�o-escolarizadas. Nessa modalidade, o desvio em rela��o � norma gramatical � maior, caracterizando o chamado �erro�. Ex.: A gente fomos na praia. Dois cachorro-quente custa tr�s real.

H� tamb�m as variantes diaf�sicas, que dizem respeito aos diversos tipos de modalidade expressiva (familiar, estil�stica, de faixa et�ria, etc.).

Constatamos assim a pertin�ncia da divis�o tripartida de Coseriu. Todos os exemplos citados, quer caracterizando o falar de uma regi�o, quer identificando o pr�prio portugu�s do Brasil, mostram a propriedade e a conveni�ncia do fator intermedi�rio norma entre a fala e a l�ngua, fator este que tem por princ�pio realizar e dinamizar o sistema funcional (l�ngua). Ressalve-se, contudo, que a concep��o saussuriana da l�ngua como institui��o social se aproxima, de certo modo, da teoria da norma de Coseriu.

Sincronia / Diacronia

A sincronia � o eixo das simultaneidades, no qual devem ser estudadas as rela��es entre os fatos existentes ao mesmo tempo num determinado momento do sistema ling��stico, que pode ser tanto no presente quanto no passado. Em outras palavras, sincronia � sin�nimo de descri��o, de estudo do funcionamento da l�ngua. Por outro lado, no eixo das sucessividades ou diacronia, o ling�ista tem por objeto de estudo a rela��o entre um determinado fato e outros anteriores ou posteriores, que o precederam ou lhe sucederam. E Saussure adverte que tais fatos (diacr�nicos) �n�o t�m rela��o alguma com os sistemas, apesar de os condicionarem� (p. 101). Em outras palavras, o funcionamento sincr�nico da l�ngua pode conviver harmoniosamente com seus condicionamentos diacr�nicos. Acrescente-se ainda que a diacronia divide-se em hist�ria externa (estudo das rela��es existentes entre os fatores socioculturais e a evolu��o ling��stica) e hist�ria interna (trata da evolu��o estrutural � fonol�gica e morfossint�tica � da l�ngua).

Saussure considera priorit�rio o estudo sincr�nico porque o falante nativo n�o tem consci�ncia da sucess�o dos fatos da l�ngua no tempo. Para o indiv�duo que usa a l�ngua como ve�culo de comunica��o e intera��o social, essa sucess�o n�o existe. A �nica e verdadeira realidade tang�vel que se lhe apresenta de forma imediata � a do estado sincr�nico da l�ngua. Al�m disso, como a rela��o entre o significante e o significado � arbitr�ria, estar� continuamente sendo afetada pelo tempo, da� a necessidade de o estudo da l�ngua ser prioritariamente sincr�nico. Sirva de exemplo o substantivo romaria, que significava originalmente �peregrina��o a Roma para ver o Papa�. Hoje, no entanto, � usado unicamente para designar �peregrina��o religiosa em geral�. Entre n�s, por exemplo, s�o muito comuns as romarias a Aparecida do Norte, em S�o Paulo.

Advirta-se, contudo, o seguinte: Saussure postula a prioridade da sincronia e, conv�m lembrar, prioridade n�o significa exclusividade. De nossa parte, entendemos a distin��o sincronia / diacronia unicamente como procedimentos metodol�gicos de an�lise ling��stica. A esse respeito, ou�amos as pondera��es, at� certo ponto premonit�rias, do pr�prio Saussure (p. 16):

A cada instante, a linguagem implica ao mesmo tempo um sistema estabelecido e uma evolu��o: a cada instante, ela � uma institui��o atual e um produto do passado.

A l�ngua, portanto, ser� sempre sincronia E diacronia em qualquer momento de sua exist�ncia. O ponto de vista da ci�ncia ling��stica � que poder� ser OU sincr�nico OU diacr�nico, dependendo do fim que se pretende atingir. E h� determinados casos, por exemplo, em que a descri��o sincr�nica pode perfeitamente ser conjugada com a explica��o diacr�nica, enriquecendo-se, desse modo, a an�lise feita pelo ling�ista. Por exemplo, podemos descrever o verbo p�r como pertencente � segunda conjuga��o, apelando para as formas sincr�nicas atuais p�es, p�e, puseste, etc., al�m dos adjetivos poente e poedeira, nos quais o -e- medial a� existente (ou remanescente) funciona estruturalmente como vogal tem�tica. Ao mesmo tempo, podemos enriquecer a descri��o sincr�nica, complementando-a com a explica��o diacr�nica: o atual verbo p�r j� foi representado pelo infinitivo arcaico poer, que, por sua vez, se vincula ao latim vulgar ponere, com a seguinte cadeia evolutiva: poněre > ponēre > poner > p�er > poer > p�r.

Encarados sob essa perspectiva, os pontos de vista sincr�nico e diacr�nico n�o s�o excludentes, ao contr�rio, s�o complementares. Seja como for, vale registrar que Saussure, deixando de se preocupar com o processo pelo qual as l�nguas se modificam, para tentar saber o modo como elas funcionam, deu, coerentemente, primazia ao estudo sincr�nico, ponto de partida para a Ling��stica Geral e o chamado m�todo estruturalista de an�lise da l�ngua.

Sintagma / Paradigma

Para Saussure, tudo na sincronia se prende a dois eixos: o associativo (= paradigm�tico) e o sintagm�tico.

As rela��es sintagm�ticas baseiam-se no car�ter linear do signo ling��stico, �que exclui a possibilidade de pronunciar dois elementos ao mesmo tempo� (p. 142). A l�ngua � formada de elementos que se sucedem um ap�s outro linearmente, isto �, �na cadeia da fala� (p. 142). � rela��o entre esses elementos Saussure (p. 142) chama de sintagma:

O sintagma se comp�e sempre de duas ou mais unidades consecutivas: re-ler, contra todos, a vida humana, Deus � bom, se fizer bom tempo, sairemos, etc.

Colocado na cadeia sintagm�tica, um termo passa a ter valor em virtude do contraste que estabelece com aquele que o precede ou lhe sucede, �ou a ambos�, visto que um termo n�o pode aparecer ao mesmo tempo que outro, em virtude do seu car�ter linear. Em �Hoje fez calor�, por exemplo, n�o podemos pronunciar a s�laba je antes da s�laba ho, nem ho ao mesmo tempo que je; lor antes de ca, ou ca simultaneamente com lor � imposs�vel. � essa cadeia f�nica que faz com que se estabele�am rela��es sintagm�ticas entre os elementos que a comp�em. Como a rela��o sintagm�tica se estabelece em fun��o da presen�a dos termos precedente e subseq�ente no discurso, Saussure a chama tamb�m de rela��o in pr�sentia.

Por outro lado, fora do discurso, isto �, fora do plano sintagm�tico, se, em �Hoje fez calor�, dizemos hoje pensando op�-lo a outro adv�rbio, ontem, por exemplo, ou fez em oposi��o a faz, e calor a frio, estabelecemos uma rela��o paradigm�tica associativa ou in absentia, porque os termos ontem, faz e frio n�o est�o presentes no discurso. S�o elementos que se encontram na nossa mem�ria de falante �numa s�rie mnem�nica virtual�, conforme esclarece Saussure na p�g. 143 do CLG.

O paradigma � assim uma esp�cie de �banco de reservas� da l�ngua, um conjunto de unidades suscet�veis de aparecer num mesmo contexto. Desse modo, as unidades do paradigma se op�em, pois uma exclui a outra: se uma est� presente, as outras est�o ausentes. � a chamada oposi��o distintiva, que estabelece a diferen�a entre signos como gado e gato ou entre formas verbais como estudava e estudara, formados respectivamente a partir da oposi��o sonoridade / n�o-sonoridade e pret�rito imperfeito / mais-que-perfeito. A no��o de paradigma suscita, pois, a id�ia de rela��o entre unidades alternativas. � uma esp�cie de reserva virtual da l�ngua.

Define-se o sintagma como �a combina��o de formas m�nimas numa unidade ling��stica superior�. Trata-se, portanto, de rela��es (rela��o = depend�ncia, fun��o) onde o que existe, em ess�ncia, � a reciprocidade, a coexist�ncia ou solidariedade entre os elementos presentes na cadeia da fala. Essas rela��es sintagm�ticas ou de reciprocidade existem, a nosso ver, em todos os planos da l�ngua: f�nico, m�rfico e sint�tico, ao contr�rio do que deixa entrever a defini��o do pr�prio Saussure, que nos induz a conceber o sintagma apenas nos planos m�rfico e sint�tico. Sendo assim, o sintagma, em sentido lato, � toda e qualquer combina��o de unidades ling��sticas na seq��ncia de sons da fala, a servi�o da rede de rela��es da l�ngua. Por exemplo, no plano f�nico, a rela��o entre uma vogal e uma semivogal para formar o ditongo (ai /ay/); no n�vel m�rfico, a pr�pria palavra, com seus constituintes imediatos, � um sintagma lexical (am + a + va + s); sintaticamente, a rela��o sujeito + predicado caracteriza o sintagma oracional (Pedro / estudou a li��o.).

Uma Vis�o Estil�stica

No plano da express�o, as rela��es paradigm�ticas operam com base na similaridade de sons. � o caso das rimas (�Mas que dizer do poeta / numa prova escolar? / Que ele � meio pateta / e n�o sabe rimar?�, Carlos Drummond de Andrade), alitera��es (�Vozes veladas, veludosas vozes�, Cruz e Sousa), asson�ncias (�T�bios flautins fin�ssimos gritavam�, Olavo Bilac), homoteleutos [ou homeoteleutos] (�Rita n�o tem cultura, mas tem finura�, Machado de Assis).

No plano do conte�do, as rela��es paradigm�ticas baseiam-se na similaridade de sentido, na associa��o entre o termo presente na frase e a simbologia que ele desperta em nossa mente. � o caso da met�fora: �O pav�o � um arco-�ris de plumas.� (Rubem Braga), ou seja, arco-�ris = semic�rculo ou arco multicor. Embora presente no texto em prosa, a met�fora � mais usual na poesia.

J� a meton�mia, mais comum na prosa, por basear-se numa rela��o de contig�idade de sentido, atua no eixo sintagm�tico. Ex.: O autor pela obra: �Gosto de ler Machado de Assis�; a parte pelo todo: �Os desabrigados ficaram sem teto� (= casa); o continente pelo conte�do: �Tomei um copo de vinho� (o vinho contido no copo), etc.

Conclus�o

A vis�o saussuriana da l�ngua como um sistema de valores est� intimamente associada � sua c�lebre frase: �na l�ngua s� existem diferen�as�, ou seja , ela funciona sincronicamente e com base em rela��es opositivas (paradigm�ticas) no sistema e contrastivas (sintagm�ticas) no discurso. Tendo como ponto de partida as id�ias motrizes contidas no Curso de ling��stica geral, formaram-se v�rias escolas estruturalistas (fonol�gica de Praga, estil�stica de Genebra, funcionalista de Paris, glossem�tica de Copenhague), que deram conseq��ncia e continuidade ao pensamento infelizmente inacabado do genial fundador da Ling��stica moderna. A vis�o da l�ngua como um sistema semiol�gico, a teoria do signo, com seus dois princ�pios fundamentais: arbitrariedade / linearidade, a diferen�a entre sincronia (funcionamento) e diacronia (evolu��o), a distin��o fon�tica / fonologia, fone / fonema, a dupla articula��o da linguagem (1� = plano do conte�do ou morfossintaxe; 2� = plano da express�o ou fonologia), as no��es de morfema e gramema, a tricotomia l�ngua / fala / norma s�o categorias ling��sticas extremamente f�rteis, todas decorrentes do pensamento de Saussure e hoje definitivamente incorporadas �s ci�ncias da linguagem.

Bibliografia

CARVALHO, Castelar de. Para compreender Saussure. 12� ed. Petr�polis: Vozes, 2003.

SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de ling��stica geral. Trad de A. Chelini , Jos� P. Paes e I. Blikstein. S�o Paulo: Cultrix; USP, 1969.

O que e sincronia para Saussure?

Para Saussure, a lingüística é um tipo de ciência que deve se construir sobre dois eixos: o do estado e o das evoluções. O eixo do estado é o eixo sincrônico: nele, a língua é estudada como ela se apresenta em um determinado momento de sua história. Toda intervenção do tempo é excluída.

O que e linguística Sincronica?

A sincronia interessa-se pelo sistema da língua. Assim, ocupa-se de descrever os aspectos que regem, em determinado momento histórico, o funcionamento linguístico. Em outras palavras, estuda e descreve o modo com a língua funciona. Trata de fatos simultâneos, ou seja, inseridos em idêntico recorte temporal.

Qual o conceito de língua Segundo Saussure?

A língua, concebida por Saussure como sistema de signos e como organização gramatical vinculada à faculdade da linguagem, favorece a compreensão que se tem de um mundo tecido pela própria linguagem.

Qual a proposta de Saussure para fazer um estudo científico da linguagem?

Para Saussure, na língua só existem diferenças, ou seja, a língua seria um sistema consistido na oposição de elementos, no qual a presença de um elemento exclui todos os outros. Assim, na língua se opõem os fonemas para formar morfemas, morfemas para formar vocábulos e, finalmente, vocábulos para formar frases.