O que pode ser feito para resolver a questão da população em situação de rua?

Invisível nas estatísticas, população de rua demanda políticas públicas integradas

Visibilidade

Ainda que demore, a melhoria dos levantamentos estatísticos dará visibilidade a pessoas como Leonildo José Monteiro, 42 anos, que morou por muitos anos nas ruas de diferentes estados como Paraná, Mato Grosso e São Paulo. Foi viver na rua pela primeira vez quando tinha ainda apenas 10 anos, fugindo do pai pela violência que sofria, mas acabou voltando para casa. Estudou e, assim que se formou em zootecnia, aos 18 anos, deixou o pequeno município de Aripuanã (MT).

— Quando você tem um CEP, você pode arrumar um emprego, acessar a saúde. Quando você não tem uma moradia, um comprovante de endereço, te barram em muitos lugares, as portas se fecham. Então, é diferente de você estar em um espaço que tem 50, 100 pessoas. As pessoas nem dão emprego se você está dentro do albergue, existe muito preconceito — diz Monteiro.

Ele explica que "trecheiros" são aqueles que optam por pegar a estrada, sem permanecer em um local fixo. Os que não se locomovem são chamados de “pardais”. Vivendo como trecheiro, o zootécnico chegou a conhecer até mesmo outros países, como Paraguai e Argentina. Estar na rua, de acordo com ele, é enfrentar a invisibilidade, a discriminação e o medo constantes:

— Andava a pé, as pessoas não davam carona, por eu ser negro. Quando você está na rua, não tem mais expectativa da família, não tem ninguém para ligar, para falar bom dia, dar risada. Todas as pessoas que passam por você, te acham invisível, então não tem sentido de viver para o mundo. Vivemos esperando que logo dê para sair desse sofrimento, e sair desse sofrimento é descansar o seu corpo físico.

Entre 2003 e 2009, no Paraná, ele dormiu embaixo de marquises, mas desde 2013 tem sua casa própria, graças ao programa habitacional da cidade de Curitiba. O programa tem foco nas camadas vulneráveis da população, compostas por famílias em situação de risco social que enfrentam precariedade habitacional. Esses cidadãos são selecionados por meio de sorteios realizados em sessões públicas.

Dados oficiais são caminho para implementação de políticas

Para a ex-senadora Regina Sousa (PT-PI), que presidiu a Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) do Senado nos últimos 2 anos, a inclusão da população de rua no Censo 2020, mesmo que ainda seja só uma parcela, seria uma vitória:

— Como pensar políticas para essas pessoas, se elas não existem perante ao país? Acho que as pastorais que prestam apoio à população de rua podem fornecer muitos dados ao IBGE. Acho que o IBGE tem que avançar mais.

Em 2016, a então senadora realizou uma audiência pública na qual foi discutido o Programa de Inclusão Social da População em Situação de Rua, que tramita há mais de dez anos no Congresso, proposto por Paim. A proposta já foi aprovada pelo Senado e aguarda votação na Câmara dos Deputados.

— Como o projeto já tramita pelo Congresso Nacional há mais de 10 anos, são necessárias atualizações, mas isso levaria mais tempo ainda. Por isso, na audiência, a maior parte dos envolvidos achava melhor não mexer. Que as mudanças só fossem feitas quando fosse totalmente aprovado, e então pensassem em melhorias. O mais importante era ser aprovado, depois poderia ir sendo aperfeiçoado — afirma Regina Sousa.

Segundo Paulo Paim, o PL 6.802/2006, que apenas autoriza o Poder Executivo a implementar a política, está na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) daquela Casa. Prevê um conjunto integrado de medidas assistenciais e oportunidades de qualificação profissional, financiado pelo Fundo de Combate à Pobreza. O próprio Paim é relator do PLS 328/2015, de autoria do senador Telmário Mota (Pros-RR), que tramita na Comissão de Assuntos Sociais (CAS) do Senado. A matéria regulamenta a profissão de educador social para atuar diretamente no resgate da população de rua e de pessoas vulneráveis.

— As populações carcerária,  de rua, vulnerável, aumentaram. É exatamente aí que o educador social vai agir, diferentemente do assistente social, que presta assistência, mas não supre a necessidade de educar — explicou Telmário.

Para o parlamentar, é responsabilidade do Senado, e do Legislativo em geral, promover políticas que viabilizem a inserção dos moradores de rua na sociedade:

— Nós não podemos marginalizar essas pessoas. Nós já vemos muitas pessoas trabalhando voluntariamente com presidiários, pessoas de rua, pessoas enfermas. Tem muita gente de igreja que faz isso voluntariamente, de graça. Então, oficializando, esses voluntários podem se profissionalizar e ter uma compensação financeira. Quem faz um trabalho desses se envolve bastante. Se tiver uma compensação, pode se dar mais ainda.

À espera de relator na CCJ do Senado, está o Projeto de Lei da Câmara 130/2017, de autoria do deputado Paulo Teixeira (PT/SP) — na Câmara, PL 2.470/2007 —, que reserva 2% das vagas em obras e serviços a trabalhadores em situação de rua.

No ano passado também foi lançado o curso de promoção dos direitos da população em situação de rua, por meio do Programa Nacional de Educação Continuada em Direitos Humanos (Pnec). O curso, a distância e composto de seis módulos e carga horária de 30 horas, é destinado a servidores públicos, educadores, conselheiros, lideranças comunitárias, profissionais que atuem em situação de vulnerabilidade e a própria população em situação de rua.

Segundo o coordenador do Ciamp-Rua Carlos Ricardo, o curso pode ser feito por qualquer cidadão que tenha interesse, mas o foco principal são as pessoas que realizam trabalhos com a população de rua:

— Enquanto a pessoa em situação de rua está ali na fila para tomar um banho, pegar uma roupa ou sopa, ela pode ser orientada sobre seus direitos. Os cursos do Pnec também podem ser impressos como apostilas e isso facilita ainda mais o acesso da população de rua ao material.

Política intersetorial, recomenda a Defensoria Pública

Contra uma visão higienista, a Defensoria Pública, assim como outras organizações, defende uma visão humanista da pessoa que vive na rua. Enxergar a ocupação dos espaços públicos por miseráveis como uma sujeira a ser removida não ajuda a solucionar esse problema social, segundo o secretário-geral de Articulação da Defensoria Pública da União, Renan Vinícius Sotto Mayor de Oliveira, além de não contribuir para a promoção desses brasileiros.

— O ponto de partida de qualquer política pública, além de uma base de dados confiável, é a percepção de que esses seres humanos não foram para a rua simplesmente porque quiseram. Esse não é um processo natural, mas construído — explica o defensor.

Na visão de muitos cidadãos confortavelmente instalados em suas residências, o chamado “morador de rua” é um indivíduo-problema, avesso ao contato social e que, em geral, se recusa a largar a bebida e outras drogas. Além disso, pode estar sempre a ponto de cometer um malfeito, seja roubo ou agressão.

A própria imagem de alguém maltrapilho é suficiente para acionar alarmes em redes sociais e pedidos de remoção a prefeituras e outras instâncias administrativas.

Por isso é importante que os programas de atendimento a esse grupo levem em consideração não apenas potenciais riscos, mas as motivações e características de cada indivíduo, a fim de que as medidas resultem em benefícios — tanto para a população de rua quanto para os domiciliados.

— Nos abrigos, a pessoa se sente recebendo um favor. Não encontra as condições para consertar a ruptura que a levou para a rua. Há muita gente e pouca dignidade, porque o abrigo não fornece a noção de habitação — explica Soyo Mayor.

Baseado no que chama de “direito de existir”, o defensor prega  adoção de políticas setoriais, uma vez que o cidadão não precisa apenas de moradia, mas de saúde, educação, cultura e lazer para ter cidadania plena.

— E essa política intersetorial precisa ter continuidade ao longo do tempo — ressalta Soto Mayor, que lembra experiências positivas que foram feitas no Rio de Janeiro entre 2011 e 2017, mas deram lugar à disponibilização de albergues.

Como resolver o problema da população em situação de rua?

Apesar da realização de alguns programas sociais, poucas políticas públicas são desenvolvidas para solucionar esse problema. As Organizações Não Governamentais (ONGs) e as Instituições Religiosas se destacam nos serviços de amparo a essas pessoas, atuando na distribuição de alimentos, roupas e cobertores.

Como lidar com as pessoas em situação de rua no Brasil?

Acione os programas de acolhimento de pessoas em situações vulneráveis. Há programas que não estão ligados à órgãos governamentais e que prestam o serviço de acolhimento e encaminhamento, de acordo com a situação a qual a pessoa esteja exposta.

Como promover a integração dos moradores de rua na sociedade?

Desse modo, uma solução viável seria a criação de projetos que ajudem os moradores de rua a se reintegrarem socialmente, com centros de apoio especializado, com moradia, local para solicitação de documentos, além de cursos profissionalizantes interligados com empresas que visem oferecer trabalho.

Quais os principais fatores que levam as pessoas a situação de rua?

Quanto aos motivos que levam as pessoas a morar nas ruas, os maiores são: alcoolismo e/ou uso de drogas (35,5%), perda de emprego (29,8%) e conflitos familiares (29,1%).