O que constitui o processo constitucional?

Palavras-chave: Boa-Fé Objetiva. Direitos e Garantias Fundamentais. Estado Constitucional. Princípio do Contraditório. Processo Civil Cooperativo.

ABSTRACT: The present work proposes an analysis of the bases of Civil Procedure in the Constitutional State Cooperative, wich is: guarantee the fundamental right to Contradictory. At first, there Will be a brief analysis of the original conception of fundamental rights, followed by the historical evolution of the same, through the so called “dimensions of fundamental rights”, well as the implications of their current conception. On a second step, we propose a conceptual analysis of the Principle do Contradictory, fundamental guarantee provided in the list of the art.5º of the Constitution of the Republic and its role in the Cooperative Civil Procedure in the Constitutional State. Following on this, we propose a study on the change of perspective in the current concept of process, a fact that resulted in the construction of a new model, wich is: the cooperative model. This study, therefore, summed up to demonstrating the importance of the Principle of Contradictory to the modern conception of Cooperative Civil Procedure, wich finds space in the current Constitutional State.

Key-words: Fundamental rights and Guarantees; Principle of Contradictory; Good-Faith Objectiva; Cooperative Civil Procedure.

INTRODUÇÃO

No Brasil era muito comum, e ainda é, em certos casos, a interpretação e aplicação de determinado ramo do direito, baseando-se apenas na lei ordinária principal que o regulamenta. Isso em todas as áreas do Direito, onde o civilista estava prestando exclusiva atenção ao Código Civil, o penalista exclusiva atenção ao Código Penal, e assim por diante.

Infelizmente, as nossas Constituições nunca foram respeitadas como deveriam e, consequentemente, tampouco eram aplicadas efetivamente (principalmente no que tange aos direitos fundamentais). Não havia garantias que efetivassem os direitos fundamentais e sociais, constitucionalmente previstos. Dessa forma, passar-se-á a uma análise da relação do processo com a Constituição.

DA RESPEITABILIDADE DO TEXTO CONTITUCIONAL POR MEIO DO PROCESSO

Primeiramente, a título de melhor compreender o tema proposto, é preciso ressaltar a diferença entre o Direito Constitucional Processual e o Direito Processual Constitucional. Nos ensinamentos de Daniel Mitidiero:

No plano das relações entre processo e Constituição, ressalta-se a existência do “direito processual constitucional”, que constitui a condensação metodológica e sistemática dos princípios constitucionais do processo. Essa colocação metodológica e sistemática revela ao processualista dois sentidos vetoriais em que se pode sentir as relações entre processo e Constituição: de um lado, na via Constituição-processo, tem-se a tutela constitucional deste e dos princípios que devem regê-lo, alçados a nível constitucional; de outro, na perspectiva processo-Constituição, a chamada jurisdição constitucional, voltada ao controle de constitucionalidade das leis e atos administrativos e à preservação de garantias oferecidas pela Constituição.

            Assim, pode-se concluir que o Direito Constitucional Processual diz respeito às normas processuais previstas na Constituição Federal e aos princípios processuais constitucionais, como por exemplo, o Princípio do Devido Processo Legal e o Princípio do Juiz Natural, os quais são aplicados ao processos, em geral. Por outro lado, pode-se dizer que o Direito Processual Constitucional é o estudo da jurisdição constitucional, que é aquela exercida através do controle difuso, do controle concentrado e dos remédios constitucionais, os quais asseguram a preservação das garantias previstas na Constituição, que, conforme será visto a seguir, é uma das manifestações do novo modo de pensar constitucional. Contudo, neste trabalho, estamos direcionando os estudos ao Direito Constitucional Processual.

Presentemente, o Direito Constitucional está em processo de renovação dos seus estudos. Essa nova forma de pensar está atingindo o direito como um todo, sendo mais um exemplo da influência da cultura sobre o direito. A essa nova fase, deu-se o nome de neoconstitucionalismo, ou também chamada de pós-positivismo.

Com seu surgimento, os estudos do direito processual também foram influenciados por esta renovação do pensamento jurídico. Assim, o processo passa a ser estudado a partir de uma perspectiva constitucional, que, aliado a uma preparação específica, permitirá aos atores do processo que operem o direito através de novas técnicas, tais como as cláusulas gerais.

Além do fato de que a Constituição passou a ser, de fato, pressuposto para aplicação das legislações infraconstitucionais, outros fatores influenciaram esse novo modo de pensar. Primeiro, houve a percepção de que o poder da supremacia do direito também deve ser exercido contra o próprio Poder Legislativo do Estado (através dos controles difuso e concentrado). E segundo, também houve a percepção que a Constituição não é apenas um limite a esse poder político, sendo mais do que isso, é um conjunto de normas fundamentais.

Existem diversas manifestações dessas mudanças na forma de pensar a relação entre o processo e a Constituição, e Fredie Didier Jr. as elenca: a) parte-se da premissa de que a Constituição tem força normativa e, por consequência, também têm força normativa os princípios e os enunciados relacionados aos direitos fundamentais; b) expansão da jurisdição constitucional (no Brasil, controle de constitucionalidade difuso e concentrado); c) desenvolvimento de uma nova hermenêutica constitucional (com a valorização dos princípios e o desenvolvimento dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade).

Riccardo Guastini, por sua vez, estabelece entre as principais condições para a constitucionalização do direito sete premissas: a) a existência de uma Constituição rígida, que incorpora os direitos fundamentais; b) a garantia jurisdicional da Constituição, através de um sistema de controle de constitucionalidade; c) a força vinculante da Constituição, que deixa de ser vista como um conjunto de normas programáticas; d) a “sobreinterpretação” da Constituição, que passa a ser interpretada de modo extensivo, dela se deduzindo, inclusive, princípios implícitos; e) a aplicação direta das normas constitucionais também para regular as relações entre particulares; f) a interpretação adequadora das leis; e g) a influência da Constituição sobre as relações políticas (judicialização da política).

Imperativa se faz a análise pontual de cada uma das três mudanças da nova forma de pensar constitucional, indicadas por Fredie Didier Jr.

Primeiramente, a Constituição passa a ter força normativa porque a partir de então suas normas e princípios, que estão relacionados aos direitos fundamentais, passam a ter sua eficácia garantida pela própria constituição (conforme será melhor analisado no item 2.3).

A segunda manifestação do neoconstitucionalismo é a expansão da jurisdição constitucional, a qual é resultado de dois outros fenômenos: a expansão da própria atividade jurisdicional combinada com a valorização dos princípios constitucionais, fator esse que engloba a terceira modificação citada por Fredie Didier Jr., qual seja, o desenvolvimento de uma nova hermenêutica constitucional, que é marcada pela valorização dos princípios.

Essa expansão da jurisdição constitucional é um fenômeno também conhecido como controle de constitucionalidade (direito processual constitucional), que, no Brasil é exercido tanto na forma de controle difuso (por todos os órgão do Poder Judiciário que devam salvaguardar a efetividade das normas constitucionais) quanto na forma do controle concentrado (exercido exclusivamente pelo Supremo Tribunal Federal).

Com isso, potencializa-se a função primordial da jurisdição (comum) de tutela da ordem jurídica objetiva. Tutela-se o direito objetivo, mediante efeitos expansivos, de forma a acompanhar a sociedade globalizada que vivemos, que é marcada pela instantaneidade, imediatismo e pelas relações de massa.

À título de curiosidade, pode-se citar como exemplos de modificações legislativas e jurisprudenciais decorrentes do processo de expansão da jurisdição constitucional: a inclusão da repercussão geral como requisito de admissibilidade do recurso extraordinário; as súmulas vinculantes; a concessão de eficácia erga omnes às declarações de inconstitucionalidade proferidas pelo plenário do Supremo Tribunal Federal em sede de recurso extraordinário; e a alteração do posicionamento quanto aos efeitos do mandado de injunção para admiti-lo como instrumento que não mais pode contentar-se em declarar a mora legislativa, mas acaba por impor o efetivo cumprimento do mandamento constitucional mediante a criação da norma aplicável ao caso concreto.

Guilherme Botelho, sobre o neoconstitucionalismo:

Trata-se de um movimento umbilicalmente ligado ao Estado Constitucional. Correto afirmar que corresponde ao próprio Estado Constitucional de Direito em funcionamento ou, ainda, o Estado Constitucional em prática. Em suma: é o modo de pensar próprio do Estado Constitucional; sua consequência lógica e previsível. Um método baseado na lógica argumentativa, em correspondência à adoção de constituições ricas em enunciados normativos fundamentais de conceitos de abertura semântica que passam a exigir do jurista maior conhecimento inter-relacional das diversas ramificações do direito, e não apenas ele.

Ou seja, com o advento do neoconstitucionalismo, houve, em relação ao direito processual, uma grande mudança principalmente na perspectiva do juiz, tendo em vista que suas decisões serão baseadas, preponderantemente, na Constituição Federal, que passou a adotar conceitos jurídicos indeterminados e cláusulas gerais (tais como a da boa-fé objetiva), os quais se caracterizam pela utilização de expressões mais flexíveis, que, além de evitar a rigidez das soluções, permitem ao juiz maior liberdade na sua função decisória e, ao mesmo tempo, exigem dele um maior conhecimento do direito como um todo.

Prossegue o douto jurista:

Essa, todavia, não parece ser a consequência, mas a causa do Estado Constitucional. Em decorrência da substituição do direito constituído por regras, pelo constituído por princípios, rompe-se o positivismo do Estado Liberal. A ampla utilização das cláusulas gerais gerou outro fenômeno também mundialmente sentido no século XX: a intensificação da criatividade da função jurisdicional.

[...]

Frente à técnica legislativa de inserção de enunciados normativos ricos em conceitos jurídicos indeterminados, o juiz é convocado a criar (ou a reconstruir) o direito mediante o preenchimento desses conceitos, a exemplo do que ocorre atualmente com a boa-fé, a função social ou o perigo de dano irreparável. A busca por esses conceitos não se pode dar no ordenamento jurídico infraconstitucional, até porque se lá obtivesse o magistrado resposta, não seriam esses indeterminados.

[...]

Daí porque a conclusão de que não é a Constituição que irradia forças ao sistema, pelo contrário, este é que converge para a Constituição buscando nela preencher as lacunas preexistentes nos textos normativos de forma a respeitar os princípios e valores mais relevantes ao ordenamento. Pensar o contrário, isto é, que a Constituição é o centro da força do sistema, teria como resultado a aplicação  direta desta e este é justamente o maior perigo do fenômeno da constitucionalização do direito. São os textos normativos, frente às lacunas, que vão à procura e valores constitucionais através do processo de interpretação jurisprudencial. A aplicação direta poderia desrespeitar os conceitos formados nas diversas ramificações do direito e que traduzem um único valor constitucional.

Ou seja, as respostas buscadas pelos magistrados, que irão preencher esses conceitos jurídicos indeterminados estará sempre nos princípios e valores da própria Constituição. Dessa forma, a decisão do juiz será sempre constitucional, podendo-se falar em uma “espécie de processo intelectivo interior de controle de constitucionalidade”, o que acabou por gerar o fenômeno da intensificação da criatividade da função jurisdicional.

Originariamente, no que se refere à separação dos poderes no Estado Liberal, o Poder Legislativo exercia o protagonismo na atuação política e seria o responsável por estabelecer normas de conduta, gerais e abstratas (consagrando a isonomia em sentido formal, onde todos são iguais perante a lei). Já o Poder Executivo seria o responsável por aplicar o direito ex officio, tendo em vista os interesses da própria administração pública, enquanto o Poder Judiciário ficaria responsável pela aplicação da vontade concreta da lei, frente aos casos concretos.

Cabia à administração pública controlar os problemas da atualidade, ao legislador tomar as decisões voltadas para o futuro e aos juízes decidir voltados para o passado, baseados na decisões políticas tomadas pelo legislador, as quais estavam inseridas no direito então vigente.

Dessa forma, os juízes, integrantes do Poder Judiciário, deveriam se sujeitar às leis, não podendo criar novos direitos. Os juízes estavam inseridos em um quadro de “neutralização política” da atividade jurisdicional, onde apenas fazia a subsunção do fato à norma, sem se deixar influenciar por referências sociais, éticas ou políticas. Assim, não seria problema se o interesse das partes envolvidas no processo não fossem alcançados. O juiz deveria apenas aplicar a lei ao caso concreto, independentemente de seu conteúdo ou das especificações de cada circunstância, isto é, se sua decisão era justa. Dessa forma, permanecia neutro naquela relação.

Contudo, com o advento do Estado Social, houve uma mudança nessa perspectiva, e houve a percepção de que seria uma ilusão pensar que a generalidade e a abstração da lei assegurariam, por si só, a certeza jurídica e a justiça. 

Assim, além dos fenômenos causados pela expansão da jurisdição constitucional, que já foram citados, o Poder Judiciário passa a intervir em questões que antes diziam respeito apenas à política, tornando-se o protagonista entre os demais poderes do Estado (tomando o lugar que antes pertencia ao Legislativo), especialmente pelo fato que o controle de constitucionalidade, no Estado Constitucional, muitas vezes impõe suas decisões frente aos demais poderes.

Segundo os ensinamentos de Eduardo Cambi:

Além disso, a igualdade a que a concepção liberal de lei protegia era meramente formal, o que acabava por tutelar a posição das classes economicamente mais favorecidas e, via de consequência, impedia que o Estado interviesse na sociedade para proteger os mais pobres. Se todos são tratados de igual maneira, sem considerar estarem em uma mesma situação fática e jurídica, não se promove a isonomia. Igualdade de fato depende da aceitação de desigualdades jurídicas; por isto, é necessário haver ações positivas por parte do Estado. Uma legislação somente tutela a igualdade em sentido material quando, ao valorar concretamente determinada situação fática e jurídica, identifica critérios capazes de gerar tratamentos isonômicos ou não arbitrários, vale dizer, que permitam concluir se tratar de uma lei correta, razoável e justa. Em outras palavras, um tratamento desigual deve estar fundamentado em razões – fáticas e jurídicas – plausíveis para a sua permissão e, destarte, não será arbitrário.

O Estado deve se omitir em tratar desigualmente os desiguais quando não há critérios razoáveis que justifiquem tais discriminações. Por outro lado, deve atuar positivamente para promover a igualdade fática quando, para tanto, é indispensável desigualar juridicamente. Portanto, a avaliação judicial da razoabilidade dos fundamentos da lei (omissão ou ação), permite concluir que a solução adotada (discriminação ou não discriminação normativa) não é arbitrária e, portanto, é a melhor e mais justa.

Dessa forma, o Estado passa a assegurar os direitos fundamentais em sua plenitude, e o Poder Judiciário torna-se o protagonista da atuação política, abandonando a sua posição de neutralidade frente à sociedade, a qual cada vez mais busca a efetivação de seus direitos, levando ao Poder Judiciário ações individuais e coletivas voltadas à efetivação dos direitos constitucionais, podendo-se falar, inclusive, em uma explosão de litigiosidade.

Tendo isso em vista, a atuação do Poder Judiciário passou a ter maior relevância social e suas decisões se tornaram objeto de controvérsias públicas e políticas (principalmente através da visibilidade alcançada pela imprensa, que é uma espécie de controle social), vinculando, publicamente, o Poder Judiciário à efetivação dos direitos fundamentais e, por isso, à política estatal.

Por isso, tendo em vista o fato de que se a Constituição está acima de todas as funções estatais e de que cabe ao Judiciário assegurar a efetivação dos direitos fundamentais, os magistrados não poderiam se conformar com o papel de “mero carimbador das decisões políticas tomadas pelo Legislativo e/ou pelo Executivo”.

Essa afirmação ganha ainda mais força quando se leva em conta a crise da democracia representativa que vivenciamos, pois:

A lei resulta de grupos de pressões (representantes de empresários, ruralistas, religiosos, sindicalistas, servidores públicos, etc.) e de mecanismos de votação ilegítimos (v.g., voto das lideranças). A lei não traduz a vontade geral, sendo contraditória, ocasional, fragmentária, numerosa e cambiante. Não é expressão pacífica de uma sociedade política internamente coerente, tampouco um ato impessoal, geral e abstrato, que traduza interesses objetivos, coerentes e racionalmente justificáveis e generalizáveis, mas um ato personalizado – proveniente de grupos identificáveis de pessoas e dirigido a outros grupos igualmente identificáveis – que persegue interesses particulares. Consequentemente, o produto legislativo adquire caráter compromissório. As leis são pactuadas e, para se conseguir o acordo político e social a que aspiram, acabam por serem contraditórias, caóticas, obscuras e, o que é pior, revelam que, para que tal acordo seja conseguido, tudo é suscetível de transação pelas partes, mesmo os valores mais altos e os direitos mais intangíveis. Por isso, em vez de promoverem estabilidade e segurança jurídica, convertem-se em instrumentos causadores de instabilidades.

[...]

Os postulados clássicos da separação das funções entre Legislativo e Executivo também deixaram de ter correspondência na realidade. Atualmente, a lei resulta da vontade do partido ou da coligação majoritária, cabendo ao governo ditar a maioria parlamentar, o programa legislativo e o conteúdo das leis.

[...]

O Parlamento passa a gerenciar os embates políticos necessários à governabilidade do país. Isto contribui, de um lado, para a baixa produtividade legislativa do Parlamento e, por outro lado, pelo excesso de atividade legislativa do Poder Executivo (v.g., edição abusiva de medidas provisórias).

Diante dessa situação caótica em que nos vimos inseridos, nada mais natural que houvesse essa ampliação da visibilidade social e política da magistratura, que fez com que o Poder Judiciário invadisse searas jamais imagináveis anteriormente.

Então, tendo em vista que os princípios da justiça, previstos na Constituição, são objetivos que devem ser perseguidos pelo poder público, houve uma profunda alteração no cenário onde está inserida a relação entre o Estado e a sociedade.

A tutela dos direitos fundamentais não se satisfaz com o seu mero reconhecimento formal e normativo, dependendo de ações positivas, que visem sua implementação. Assim, passou-se a exigir do poder público condutas positivas (obrigações de fazer) que promovessem a justiça constitucionalmente prevista.

Nas palavras de Eduardo Cambi:

Com isso, é alterada a função do Poder Judiciário, que não apenas se restringe a tarefa de subsunção do fato à letra da lei, ou seja, não basta dizer o que é certo eu errado com base na lei (responsabilidade condicional do juiz politicamente neutralizado), mas, principalmente, examinar se o exercício discricionário do poder de legislar e de administrar conduzem à efetivação dos resultados objetivados (responsabilidade finalística do juiz). O Poder Judiciário é chamado a exercer uma função socioterapêutica, corrigindo desvios na consecução das finalidades a serem atingidas para a proteção dos direitos fundamentais, além de assumir a gestão da tensão entre a igualdade formal e a justiça social.

Assim, toda vez que os demais poderes comprometerem a eficácia dos direitos fundamentais, o Poder Judiciário terá o dever de intervir.

Contudo, há de se fazer uma ressalva. É preciso ter cuidado para que a “desneutralização política” do Judiciário não leve ao que seria desastroso - o “governo dos juízes”, pois esse fato seria lamentável por muitas razões.

Primeiro, os juízes não são eleitos da mesma forma que os membros dos Poderes Executivo e Legislativo. Segundo, os juízes não possuem um mandato fixo e gozam das garantias da vitaliciedade e inamovibilidade. Além disso, não haveria qualquer garantia de que um governo de juízes seria moralmente melhor que o dos representantes eleitos, dos demais poderes. O fato de que os valores e princípios constitucionais são maleáveis poderia levar os magistrados a uma interpretação arbitrária, o que faria prevalecer os interesses do Poder Judiciário frente aos interesses dos cidadãos.

Essa concentração de funções, que visivelmente comprometeria o Princípio das Separação dos Poderes (cláusula pétrea da Constituição Federal de 1988, insculpida no art.60, §4º, incisos III e IV), pode ser combatida com a diferenciação funcional entre o Legislativo, Executivo e Judiciário, com a delimitação institucional de competências e com o controle e interdependência recíprocos entre os diversos órgãos que exercem parte do poder do Estado.

Eduardo Cambi refere que:

A tripartição de poder, pelo sistema conhecido como “check and balances” (freios ou controles e contrapesos), visa evitar que os diferentes órgãos do Estado abusem das competências que lhe foram conferidas. Para tanto, é necessário que cada “poder” seja separado e corresponda igualmente a outro, capaz de condicioná-lo e freá-lo. O princípio da separação de poderes está, pois, baseado na ideia simples de Montesquieu, segundo a qual “somente o poder freia o poder”. Portanto, no governo constitucional, o poder último não pode ser deixado de lado a cargo exclusivo de nenhum dos poderes (Legislativo, Executivo ou Judiciário). O poder último é detido, conjuntamente, pelos três poderes do governo, em uma relação imperfeitamente especificada, na qual cada um desses poderes se revela responsável, perante os cidadãos, conforme os processos estabelecidos na Constituição.

Apesar de o Poder Judiciário ter tomado o lugar de protagonista (frise-se: apenas para garantir a efetividade dos direitos fundamentais e sociais), com a aplicação do referido sistema de controle, exercido entre os três poderes do Estado, haverá a garantia de igualdade entre os mesmos.

Assim, analisando a intervenção do Judiciário nas políticas públicas pelo seu aspecto positivo, o qual visa promover os direitos fundamentais, é imperativo que se aponte que o controle judicial, nessa atribuição, poderá recair sobre cinco objetos distintos, indicados por Eduardo Cambi: a) fixação de metas e prioridades, por parte do Poder Público, em matéria de direitos fundamentais; b) o resultado final esperado das políticas públicas; c) a quantidade de recursos a serem investidos na consecução das políticas públicas (seja quando a Constituição impõe, especificamente, quais sejam os percentuais mínimos, como ocorre com saúde e educação, nos arts.198, §2º, e 212, seja quando o Poder Público aplica mal o dinheiro público, em detrimento do mínimo existencial, promovendo gastos abusivos, como por exemplo, em propagandas ou em eventos culturais); d) a concretização das metas traçadas pelo Poder Público (v.g., art.74, I, e 84. XI e XXIV, da CF/88), por intermédio de políticas públicas; e) a eficiência mínima (isto é, a economicidade ou relação custo benefício), decorrente da aplicação do princípio constitucional da eficiência (art.37, caput, da CF/88), na aplicação dos recursos públicos, o que impõe ao administrador público otimizar o emprego dos recursos públicos disponíveis para obter os melhores e mais relevantes resultados possíveis para promover o interesse público (v.g., seria inconcebível que o poder público construísse uma escola pelo dobro do preço que a mesma construção teria se realizada pelo particular).

A partir dessas premissas, o Poder Judiciário poderá formular uma política pública, quando inexistente, implementar aquela que já existe mas não foi cumprida ou, ainda, corrigir aquelas que estejam por ventura equivocadas.

            Por fim, é imperioso que se destaque que esses três poderes que comandam a atividade estatal como um todo, deverão sempre obedecer cegamente ao princípio da subsidiariedade. Primeiramente, as normas constitucionais que disciplinam os direitos fundamentais e sociais devem ter como primeiro destinatário o Poder Legislativo, ao qual incumbirá a função de regulamentar esses direitos para que os mesmos sejam aplicados pelo Poder Executivo, que estará obrigado a fazê-lo tendo em vista que este também está sujeito ao princípio da legalidade. Em último caso, havendo conflitos de interesses, a questão será então levada ao Poder Judiciário. Ou seja, este último poder deverá atuar somente como órgão de controle dos demais poderes quando for verificado que houve atuação ou omissão inconstitucional.

CONCLUSÃO

Através de todo o exposto, modifica-se, paulatinamente, o cenário brasileiro no tocante à importância da Constituição Federal e dos direitos por ela garantidos. Já não sem tempo, aumenta a tendência do operador do Direito brasileiro em colocar o Direito Constitucional na base de todo o ordenamento jurídico, aplicando o Direito ao caso concreto, sempre tendo como pressuposto fundamental a Constituição Federal. Diante dessa situação, para os processualistas, é que tornaram-se necessários e importantíssimos estes estudos, que envolvem a relação entre processo e Constituição.

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Como se constitui um processo de constitucionalismo?

O constitucionalismo consiste na divisão das funções do poder, já que o poder é único e, o que há, é a organização do Estado para o exercício desse poder, para que se evite o arbítrio e a prepotência, e representa o governo das leis e não dos homens, da racionalidade do direito e não do mero poder.

Em que consiste o processo constitucional?

Segundo outros doutrinadores, o processo constitucional consiste no conjunto de atos mediante os quais o órgão jurisdicional atua conforme a vontade das normas constitucionais. Essa definição igualmente é restritiva, pois, tal como a anterior, só destaca a atuação do Judiciário.

Quais são os processos constitucionais?

Assim, encontramos habeas corpus, mandado de segurança individual e coletivo, habeas data, mandado de injunção, desapropriação, ação popular, ação civil pública, procedimento especial do Tribunal do Júri, ação direta de inconstitucionalidade por ação ou omissão, ação declaratória de constitucionalidade, arguição de ...

Quais são os princípios constitucional?

Resumo sobre os princípios fundamentais Estado Democrático de Direito, Soberania Popular, Soberania, Cidadania, Dignidade da Pessoa Humana, Valorização do Trabalho, Livre iniciativa e Pluralismo Político. Eis os pilares que sustentam todos os demais direitos constitucionais.

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