Fonte: ANJOS, Augusto dos. Eu e outras poesias. 42. ed. Rio de Janeiro : Civiliza��o Brasileira, 1998. Texto proveniente de: A Biblioteca Virtual do Estudante de L�ngua Portuguesa http://www.bibvirt.futuro.usp.br> A Escola do Futuro da Universidade de S�o Paulo Permitido o uso apenas para fins educacionais. Texto-base digitalizado por: Francisco de Mesquita Moreira � Rio de Janeiro/RJ Este material pode ser redistribu�do livremente, desde que n�o seja alterado, e que as informa��es acima sejam mantidas. Para maiores informa��es, escreva para <>. Estamos em busca de patrocinadores e volunt�rios para nos ajudar a manter este projeto. Se voc� quer ajudar de alguma forma, mande um e-mail para <> ou <> EU E OUTRAS POESIAS Augusto dos Anjos Mon�logo de uma sombra �Sou uma Sombra! Venho de outras eras, Do cosmopolitismo das moneras... P�lipo de rec�nditas reentr�ncias, Larva de caos tel�rico, procedo Da escurid�o do c�smico segredo, Da subst�ncia de todas as subst�ncias! A simbiose das coisas me equilibra. Em minha ignota m�nada, ampla, vibra A alma dos movimentos rotat�rios... E � de mim que decorrem, simult�neas, A sa�de das for�as subterr�neas E a morbidez dos seres ilus�rios! Pairando acima dos mundanos tetos, N�o conhe�o o acidente da Senectus -- Esta universit�ria sanguessuga Que produz, sem disp�ndio algum de v�rus, O amarelecimento do papirus E a mis�ria anat�mica da ruga! Na exist�ncia social, possuo uma arma -- O metafisicismo de Abidarma -- E trago, sem bram�nicas tesouras, Como um dorso de az�mola passiva, A solidariedade subjetiva De todas as esp�cies sofredoras. Como um pouco de saliva quotidiana Mostro meu nojo � Natureza Humana. A podrid�o me serve de Evangelho... Amo o esterco, os res�duos ruins dos quiosques E o animal inferior que urra nos bosques � com certeza meu irm�o mais velho! Tal qual quem para o pr�prio t�mulo olha, Amarguradamente se me antolha, � luz do americano plenil�nio, Na alma crepuscular de minha ra�a Como uma voca��o para a Desgra�a E um tropismo ancestral para o Infort�nio. A� vem sujo, a co�ar chagas pleb�ias, Trazendo no deserto das id�ias O desespero end�mico do inferno, Com a cara hirta, tatuada de fuligens Esse mineiro doido das origens, Que se chama o Fil�sofo Moderno! Quis compreender, quebrando est�reis normas, A vida fenom�nica das Formas, Que, iguais a fogos passageiros, luzem. E apenas encontrou na id�ia gasta, O horror dessa mec�nica nefasta, A que todas as coisas se reduzem! E h�o de ach�-lo, amanh�, bestas agrestes, Sobre a esteira sarc�faga das pestes A mosrtrar, j� nos �ltimos momentos, Como quem se submete a uma charqueada, Ao clar�o tropical da luz danada, O esp�lio dos seus dedos pe�onhentos. Tal a finalidade dos estames! Mas ele viver�, rotos os liames Dessa estranguladora lei que aperta Todos os agregados perec�veis, Nas eteriza��es indefin�veis Da energia intra-at�mica liberta! Ser� calor, causa ub�qua de gozo, Raio X, magnetismo misterioso, Quimiotaxia, ondula��o a�rea, Fonte de repuls�es e de prazeres, Sonoridade potencial dos seres, Estrangulada dentro da mat�ria! E o que ele foi: clav�culas, abd�men, O cora��o, a boca, em s�ntese, o Homem, -- Engrenagem de v�sceras vulgares -- Os dedos carregados de pe�onha, Tudo coube na l�gica medonha Dos apodrecimentos musculares. A desarruma��o dos intestinos Assombra! Vede-a! Os vermes assassinos Dentro daquela massa que o h�mus come, Numa glutoneria hedionda, brincam, Como as cadelas que as dentu�as trincam No espasmo fisiol�gico da fome. � uma tr�gica festa emocionante! A bacteriologia inventariante Toma conta do corpo que apodrece... E at� os membros da fam�lia engulham, Vendo as larvas malignas que se embrulham No cad�ver mals�o, fazendo um s. E foi ent�o para isto que esse doudo Estragou o vibr�til plasma todo, � guisa de um faquir, pelos cen�bios?!... Num suic�dio graduado, consumir-se, E ap�s tantas vig�lias, reduzir-se � heran�a miser�vel dos micr�bios! Estoutro agora � o s�tiro peralta Que o sensualismo sodomita exalta, Nutrindo sua inf�mia a leite e a trigo... Como que, em suas cl�lulas vil�ssimas, H� estratifica��es requintad�ssimas De uma animalidade sem castigo. Brancas bacantes b�badas o beijam. Suas art�rias h�rcicas latejam, Sentindo o odor das carna��es abst�mias, E � noite, vai gozar, �brio de v�cio, No sombrio bazer domeretr�cio, O cuspo afrodis�aco das f�meas. No horror de sua an�mala nevrose, Toda a sensualidade da simbiose, Uivando, � noite, em l�bricos arroubos, Como no babil�nico sansara, Lembra a fome incoerc�vel que escancara A mucosa carn�vora dos lobos. S�frego, o monstro as v�timas aguarda. Negra paix�o cong�nita, bastarda, Do seu zooplasma of�dico resulta... E explode, igual � luz que o ar acomete, Com a veem�ncia mav�rtica do ar�ete E os arremessos de uma catapulta. Mas muitas vezes, quando a noite avan�a, Hirto, observa atrav�s a t�nue tran�a Dos filamentos flu�dicos de um halo A destra descarnada de um duende, Que tateando nas t�nebras, se estende Dentro da noite m�, para agarr�-lo! Cresce-lhe a intracef�lica tortura, E de su�alma na caverna escura, Fazendo ultra-epil�ticos esfor�os, Acorda, com os candeeiros apagados, Numa coreografia de danados, A fam�lia alarmada dos remorsos. � o despertar de um povo subterr�neo! � a fauna cavern�cola do cr�nio -- Macbeths da patol�gica vig�lia, Mostrando, em rembrandtescas telas v�rias, As incestuosidades sang�in�rias Que ele tem praticado na fam�lia. As alucina��es t�cteis pululam. Sente que megat�rios o estrangulam... A asa negra das moscas o horroriza; E autopsiando a amar�ssima exist�ncia Encontra um cancro ass�duo na consci�ncia E tr�s manchas de sangue na camisa! M�ngua-se o combust�vel da lanterna E a consci�ncia do s�tiro se inferna, Reconhecendo, b�bedo de sono, Na pr�pria �nsia dion�sica do gozo, Essa necessidade de horroroso, Que � talvez propriedade do carbono! Ah! Dentro de toda a alma existe a prova De que a dor como um dartro se renova, Quando o prazer barbaramente a ataca... Assim tamb�m, observa a ci�ncia crua, Dentro da elipse ign�voma da lua A realidade de uma esfera opaca. Somente a Arte, esculpindo a humana m�goa, Abranda as rochas r�gidas, torna �gua Todo o fogo tel�rico profundo E reduz, sem que, entanto, a desintegre, � condi��o de uma plan�cie alegre, A aspereza orogr�fica do mundo! Provo desta maneira ao mundo odiento Pelas grandes raz�es do sentimento, Sem os m�todos da abstrusa ci�ncia fria E os trov�es gritadores da dial�tica, Que a mais alta express�oda dor est�tica Consiste essencialmente na alegria. Continua o mart�rio das criaturas: -- O homic�dio nas vielas mais escuras, -- O ferido que a hostil gleba atra escarva, -- O �ltimo solil�quio dos suicidas -- E eu sinto a dor de todas essas vidas Em minha vida an�nima de larva!� Disse isto a Sombra. E, ouvindo estes voc�bulos, Da luz da lua aos p�lidos ven�bulos, Na �nsa de um nervos�ssimo entusiasmo, Julgava ouvir mon�tonas corujas, Executando, entre daveiras sujas, A orquestra arrepiadora do sarcasmo! Era a elegia pante�sta do Universo, Na produ��o do sangue humano imenso, Prostitu�do talvez, em suas bases... Era a can��o da Natureza exausta, Chorando e rindo na ironia infausta Da incoer�ncia infernal daquelas frases. E o turbilh�o de tais fonemas acres Trovejando grand�loquos massacres, H�-de ferir-me as auditivas portas, at� que minha ef�mera cabe�a, Reverta � quieta��o datrava espessa E � palidez das fotosferas mortas! Agonia de um fil�sofo Consulto o Phtah-Hotep. Leio o obsoleto Rig-Veda. E, ante obras tais, me n�o consolo... O Inconsciente me assombra e eu nele rolo Com a e�lica f�ria do harmat� inquieto! Assisto agora � morte de um inseto!... Ah! todos os fen�menos do solo Parecem realizar de p�lo a p�lo O ideal do Anaximandro de Mileto! No hier�tico are�pago heterog�neo Das id�ias, percorro como um g�nio Desde a alma de Haeckel � alma cenobial!... Rasgo dos mundos o vel�rio espesso; E em tudo igual a Goethe, reconhe�o O imp�rio da subst�ncia universal! O Morcego Meia-noite. Ao meu quarto me recolho. Meu Deus! E este morcego! E, agora, vede: Na bruta ard�ncia org�nica dasede, Morde-me a goela �gneo e escaldante molho. �Vou mandar levantar outra parede...� -- Digo. Ergo-me a tremer. Fecho o ferrolho E olho o teto. E vejo-o ainda, igual a um olho, Circularmente sobre a minha rede! Pego de um pau. Esfor�os fa�o. Chego A toc�-lo. Minh�alma se concentra. Que ventre produziu t�o feio parto?! A Consci�ncia Humana � este morcego! Por mais que a gente fa�a, � noite ele entra Imperceptivelmente em nosso quarto! Psicologia de um vencido Eu, filho do carbono e do amon�aco, Monstro de escurid�o e rutil�ncia, Sofro, desde a epig�nese da inf�ncia, A influ�ncia m� dos signos do zod�aco. Produndissimamente hipocondr�aco, Este ambiente me causa repugn�ncia... Sobe-me � boca uma �nsia an�loga � �nsia Que se escapa da boca de um card�aco. J� o verme -- este oper�rio das ru�nas -- Que o sangue podre das carnificinas Come, e � vida em geral declara guerra, Anda a espreitar meus olhos para ro�-los, E h� de deixar-me apenas os cabelos, Na frialdade inorg�nica da terra! A Id�ia De onde ela vem?! De que mat�ria bruta Vem essa luz que sobre as nebulosas Cai de inc�gnitas criptas misteriosas Como as estalactites duma gruta?! Vem da psicogen�tica e alta luta Do feixe de mol�culas nervosas, Que, em desintegra��es maravilhosas, Delibera, e depois, quer e executa! Vem do enc�falo absconso que a constringe, Chega em seguida �s cordas da laringe, T�sica, t�nue, m�nima, raqu�tica... Quebra a for�a centr�peta que a amarra, Mas, de repente, e quase morta, esbarra No molambo da l�ngua paral�tica! O L�zaro da p�tria Filho podre de antigos Goitacases, Em qualquer parte onde a cabe�a ponha, Deixa circunfer�ncias de pe�onha, Marcas oriundas de �lceras e antrazes. Todos os cinoc�falos vorazes Cheiram seu corpo. � noite, quando sonha, Sente no t�rax a press�o medonha Do bruto embate f�rreo das tenazes. Mostra aos montes e aos r�gidos rochedos A hedionda elefant�ase dos dedos H� um cansa�o no Cosmos... Anoitece. Riem as meretrizes no Cassino, E o L�zaro caminha em seu destino Para um fim que ele mesmo desconhece! Idealiza��o da humanidade futura Rugia nos meus centros cerebrais A multid�o dos s�culos futuros -- Homens que a heran�a de �mpetos impuros Tornara etnicamente irracionais! N�o sei que livro, em letras garrafais, Meus olhos liam! No h�mus dos monturos, Realizavam-se os partos mais obscuros, Dentre as genealogias animais! Como quem esmigalha protozo�rios Meti todos os dedos mercen�rios Na consci�ncia daquela multid�o... E, em vez de achar a luz que os C�us inflama, Somente achei mol�culas de lama E a mosca alegre da putrefa��o! Soneto Ao meu primeiro filho nascidomorto com 7 meses incompletos. 2 fevereiro 1911. Agregado infeliz de sangue e cal, Fruto rubro de carne agonizante, Filho da grande for�a fecundante De minha br�nzea trama neuronial, Que poder embriol�gico fatal Destruiu, com a sinergia de um gigante, Em tua morfog�nese de infante A minha morfog�nese ancestral?! Por��o de minha pl�smica subst�ncia, Em que lugar ir�s passar a inf�ncia, Tragicamente� an�nimo, a feder?! Ah! Possas tu dormir, feto esquecido, Panteisticamente dissolvido Na noumenalidade do N�O SER! Versos a um c�o Que for�a p�de adstrita e embri�es informes, Tua garganta est�pida arrancar Do segredo da c�lula ovular Para latir nas solid�es enormes? Esta obn�xia inconsci�ncia, em que tu dormes, Suficient�ssima �, para provar A inc�gnita alma, avoenga e elementar Dos teus antepassados vemiformes. C�o! -- Alma do inferior rapsodo errante! Resigna-a, ampara-a, arrima-a, afaga-a, acode-a A escala dos latidos ancestrais... E ir�s assim, pelos s�culos adiante, Latindo a esquisit�ssima pros�dia Da ang�stia heredit�ria dos teus pais! O Deus-Verme Fator universal do transformismo. Filho da teleol�gica mat�ria, Na superabund�ncia ou na mis�ria, Verme -- � o seu nome obscuro de batismo. Jamais emprega o ac�rrimo exorcismo Em sua di�ria ocupa��o fun�rea, E vive em contub�rnio com a bact�ria, Livre das roupas do antropomorfismo. Almo�a a podrid�o das drupas agras, Janta hidr�picos, r�i v�sceras magras E dos defuntos novos incha a m�o... Ah! Para ele � que a carne podre fica, E no invent�rio da mat�ria rica Cabe aos seus filhos a maior por��o! Debaixo do tamarindo No tempo de meu Pai, sob estes galhos, Como uma vela f�nebre de cera, Chorei bilh�es de vezes com a canseira De inexorabil�ssimos trabalhos! Hoje, esta �rvore, de amplos agasalhos, Guarda, como uma caixa derradeira, O passado da Flora Brasileira E a paleontologia dos Carvalhos! Quando pararem todos os rel�gios De minha vida e a voz dos necrol�gios Gritar nos notici�rios que eu morri, Voltando � p�tria da homogeneidade, Abra�ada com a pr�pria Eternidade A minha sombra h� de ficar aqui! As cismas do destino I Recife, Ponte Buarque de Macedo. Eu, indo em dire��o � casa do Agra, Assombrado com a minha sombra magra, Pensava no Destino, e tinha medo! Na austera ab�bada alta o f�sforo alvo Das estrelas luzia... O cal�amento S�xeo, de asfalto rijo, atro e vidrento, Copiava a polidez de um cr�nio alvo. Lembro-me bem. A ponte era comprida, E a minha sombra enorme enchia a ponte, Como uma pele de rinoceronte Estendida por toda a minha vida! A noite fecundava o ovo dos v�cios Animais. Do carv�o da treva imensa Ca�a um ar danado de doen�a Sobre a cara geral dos edif�cios! Tal uma horda feroz de c�es famintos, Atravessando uma esta��o deserta, Uivava dentro do eu, com a boca aberta, A matilha espantada dos instintos! Era como se, na alma da cidade, Profundamente l�brica e revolta, Mostrando as carnes, uma besta solta Soltasse o berro da animalidade. E aprofundando o racioc�nio obscuro, Eu vi, ent�o, � luz de �ureos reflexos, O trabalho gen�sico dos sexos, Fazendo � noite os homens do Futuro. Livres de microsc�pios e escalpelos, Dan�avam, parodiando saraus c�nicos, Bilh�es de centrossomas apol�nicos Na c�mara prom�scua do vitellus. Mas, a irritar-me os globos oculares, Apregoando e alardeando a cor nojenta, Fetos magros, ainda na placenta, Estendiam-me as m�os rudimentares! Mostravam-me o apriorismo incognosc�vel Dessa fatalidade igualit�ria, Que fez minha fam�lia origin�ria Do antro daquela f�brica terr�vel! A corrente atmosf�rica mais forte Zunia. E, na �gnea crosta do Cruzeiro, Julgava eu ver o f�nebre candeeiro Que h� de me alumiar na hora da morte. Ningu�m compreendia o meu solu�o, Nem mesmo Deus! Da roupa pelas brechas, O ventobravo me atirava flechas E aplica��es hiemais de gelo russo. A vingan�a dos mundos astron�micos Enviava � terra extraordin�ria faca, Posta em rija ades�o de goma laca Sobre os meus elementos anat�micos. Ah! Com certeza, Deus me castigava! Por toda a parte, como um r�u confesso, Havia um juiz que lia o meu processo E uma forca especial que me esperava! Mas o vento cessara por instantes Ou, pelo menos, o ignis sapiens do Orco Abafava-me o peito arqueado e porco Num n�cleo de subst�ncias abrasantes. � bem poss�vel que eu umdia cegue. No ardor desta letal t�rrida zona, A cor do sangue � a cor que me impressiona E a que mais neste mundo me persegue! Essa obsess�o crom�tica me abate. N�o sei por que me v�m sempre � lembran�a O est�mago esfaqueado de uma crian�a E um peda�o de v�scera escarlate. Quisera qualquer coisa provis�ria Que a minha cerebral caverna entrasse, E at� ao fim, cortasse e recortasse A faculdade aziaga da mem�ria. Na ascens�o barom�trica da calma, Eu bem sabia, ansiado e contrafeito, Que uma popula��o doente do peito Tossia sem rem�dio na minh�alma! E o cuspo que essa heredit�ria tosse Golfava, � guisa de �cido res�duo, N�o era o cuspo s� de um indiv�duo Minado pela t�sica precoce. N�o! N�o era o meu cuspo, com certeza Era a expectora��o p�trida e crassa Dos br�nquios pulmorares de uma ra�a Que violou as leis da Natureza! Era antes uma tosse ub�qua, estranha, Igual ao ru�do de um calhau redondo Arremessado no apogeu do estrondo, Pelos fundibul�rios da montanha! E a saliva daqueles infelizes Inchava, em minha boca, de tal arte, Que eu, para n�o cuspir� por toda a parte, Ia engolindo, aos poucos, a hemopt�sis! Na alta alucina��o de minhas cismas O microcosmos l�quido da gota Tinha a abund�ncia de uma art�ria rota, Arrebatada pelos aneurismas. Chegou-me o estado m�ximo da m�goa! Duas, tr�s, quatro, cinco, seis e sete Vezes que eu me furei com um canivete, A hemoglobina vinha cheia de �gua! Cuspo, cujas caudais meus bei�os regam, Sob a forma de m�nimas cam�ndulas, Benditas sejam todas essas gl�ndulas, Que,� quotidianamente, te segregam! Escarrar de um abismo noutro abismo, Mandando ao C�u o fumo de um cigarro, H� mais filosofia neste escarro Do que em toda a moral do Cristianismo! Porque, se no orbe oval que os meus p�s tocam Eu n�o deixasse o meu cuspo carrasco, Jamais exprimiria o ac�rrimo asco Que os canalhas do mundo me provocam! II Foi no horror dessa noite t�o fun�rea Que eu descobri, maior talvez que Vinci, Com a for�a visual�stica do lince, A falta de unidade na mat�ria! Os esqueletos desarticulados, Livres do acre fedor das carnes mortas, Rodopiavam, com as brancas t�bias tortas, Numa dan�a de n�meros quebrados! Todas as divindades malfazejas, Siva e Arim�, os duendes, o In e os trasgos, Imitando o barulho dos engasgos, Davam pancadas no adro das igrejas. Nessa hora de mon�logos sublimes, A companhia dos ladr�es da noite, Buscando uma taverna que os a�oite, Vai pela escurid�o pensando crimes. Perpetravam-se os atos mais funestos, E o luar, da cor de um doente de icter�cia, Iluminava, a rir, sem pudic�cia, A camisa vermelha dos incestos. Ningu�m, de certo, estava ali, a espiar-me, Mas um lampi�o, lembrava ante o meu rosto, Um sugestionador olho, ali posto De prop�sito, para hipnotizar-me! Em tudo, ent�o, meus olhos distinguiram Da miniatura singular de uma aspa, � anatomia m�nima da caspa, Embri�es de mundos que n�o progrediram! Ser cachorro! Ganir incompreendidos Verbos! Querer dizer-nos que n�o finge, E a palavra embrulhar-se na laringe, Escapando-se apenas em latidos! Despir a putresc�vel forma tosca, Na atra dissolu��o que tudo inverte, Deixar cair sobre a barriga inerte O apetite necr�fago da mosca! A alma dos animais! Pego-a, distingo-a, Acho-a nesse interior duelo secreto Entre a �nsia de um voc�bulo completo E uma express�o que n�o chegou � l�ngua! Surpreendo-a em quatrilh�es de corpos vivos, Nos antiperist�lticos abalos Que produzem nos bois e nos cavalos A contra��o dos gritos instintivos! Tempo viria, em que,� daquele horrendo Caos de corpos org�nicos disformes Rebentariam c�rebros enormes, Como bolhas febris de �gua, fervendo! Nessa �poca que os s�bios n�o ensinam, A pedra dura, os montes argilosos Criariam feixes de cord�es nervosos E o neuroplasma dos que raciocinam! Almas pigm�ias! Deus subjuga-as, cinge-as � imperfei��o! Mas vem o Tempo, e vence-o, E o meu sonho crescia nosil�ncio, Maior que as epop�ias carol�ngias! Era a revolta tr�gica dos tipos Ontog�nicos mais elementares, Desde os foramin�feros dos mares � grei liliputiana dos p�lipos. Todos os personagens da trag�dia, Cansados de viver na paz de Buda, Pareciam pedir com a boca muda A ganglion�ria c�lula interm�dia. A planta que a can�cula �gnea torra, E as coisas inorg�nicas mais nulas Apregoavam enc�falos, medulas Na alegria guerreira da desforra! Os protistas e o obscuro acervo rijo Dos espongi�rios e dos infus�rios Recebiam com os seus �rg�os sens�ricos O triunfo emocional do regozijo. E apesar de j� n�o ser assim t�o tarde, Aquela humanidade parasita, Como um bicho inferior, berrava, aflita, No meu temperamento de covarde! Mas, refletindo, a s�s, sobre o meu caso Vi que, igual a um amniota subterr�neo, jazia atravassada no meu cr�nio A intercess�o fat�dica do atraso! A hip�tese genial do microzima Me estrangulava o pensamento guapo, E eu me encolhia todo como um sapo Que tem um peso inc�modo por cima! Nas agonias do delirium-tremens, Os b�bedos alvares que me olhavam, Com os copos cheios esterilizavam A subst�ncia prol�fica dos s�mens! Enterravam as m�os dentro das goelas, E sacudidos de um tremor ind�mito Expeliam, na dor forte do v�mito, Um conjunto de gosmas amarelas. Iam depois dormir nos lupanares Onde, na gl�ria da concupisc�ncia, Depositavam quase sem consci�ncia As derradeiras for�as musculares. Fabricavam destarte os bastodermas, Em cujo repugnante recept�culo Minha perscruta��o via o espet�culo De uma prog�nie idiota de palermas. Prostitui��o ou outro qualquer nome, por tua causa, embora o homem te aceite, � que as mulheres ruins ficam sem leite E os meninos sem pai morrem de fome! Por que h� de haver aqui tantos enterros? L� no �Engenho� tamb�m, a morte � ingrata... H� o malvado carb�nculo que mata A sociedade infante dos bezerros! Quantas mo�as que o t�mulo reclama! E ap�s a podrid�o de tantas mo�as, Os porcos espojando-se nas po�as Da virgindade reduzida � lama! Morte, ponto final da �ltima cena, Forma difusa da mat�ria embele, Minha filosofia te repele, Meu racioc�nio enorme te condena! Diante de ti, nas catedrais mais ricas, Rolam sem efic�cia os amuletos, Oh! Senhora dos nossos esqueletos E das caveiras di�rias que fabricas! E eu desejava ter, numa �nsia rara, Ao pensar nas pessoas que perdera, A inconsci�ncia das m�scaras de cera Que a gente prega, como um cord�o, na cara! Era um sonho ladr�o de submergir-me Na vida universal,e, em tudo imerso, Fazer da parte abstrada do Universo, Minha morada equilibrada e firme! Nisto, pior que o remorso do assassino, Reboou, tal qual, num fundo de caverna, Numa impressionadora voz interna, o eco particular do meu Destino; III �Homem! por mais que a Id�ia deintegres, Nessas perquisi��es que n�o t�m pausa, Jamais, magro homem, saber�s a causa De todos os fen�menos alegres! Em v�o, com a bronca enxada �rdega, sondas A est�ril terra, e a hialina l�mpada oca, Trazes, por perscrutar (oh! ci�ncia louca!) O conte�do das l�grimas hediondas. Negro e sem fim � esse em que te mergulhas lugar do Cosmos, onde a dor infrene � feita como � feito o querosene Nos rec�ncavos �midos das hulhas! Porque, para que a Dor perscrutes, fora Mister que, n�o como �s, em s�ntese, antes Fosses, a refletir teus semelhantes, A pr�pria humanidade sofredora! A universal complexidade � que Ela Compreende. E se, por vezes, se divide, Mesmo ainda assim, seu todo n�o Residencia No quociente isolado da parcela! Ah! Como o ar imortal a Dor n�o finda! Das papilas nervosas que h� nos tatos Veio e vai desde os tempos mais transatos Para outros tempos que h�o de vir ainda! Como o machucamento das ins�nias Te estraga, quando toda a estuada Id�ia D�s ao s�frego estudo da ninf�ia E de outras plantas dicotiled�neas! A di�fana �gua alv�ssima e a h�rrida �scua Que da �gnea flama bruta, estriada, espirra; A forma��o molecular da mirra, o cordeiro simb�lico da P�scoa; As rebeladas c�leras que rugem No homem civilizado, e a ele se prendem Como �s pulseiras que os mascates vendem A ader�ncia teimosa da ferrugem; O orbe feraz que bastos jojos acres Produz�a rebeli�o que na batalha, Deixa os homens deitados, sem mortalha, Na sangueira concreta dos massacres; Os sanguinolent�ssimos chicotes Da hemorragia; as n�doas mais espessas, O achatamento ign�bil das cabe�as, Que ainda degrada os povos hotentotes; O Amor e a Fome, a fera ultriz que o fojo Entra, � espera que a mansa v�tima o entre, -- Tudo que gera no materno ventre A causa fisiol�gica do nojo; As p�lpebras inchadas na vig�lia, As aves mo�as que perderam a asa, O fog�o apagado de uma casa, Onde morreu o chefe da fam�lia; O trem particular que um corpo arrasta Sinistramente pela via f�rrea, A cristaliza��o da massa t�rrea, O tecido da roupa que se gasta; A �gua arbitr�ria que hiulcos caules grossos Carrega e come; as negras formas feias Dos aracn�deos e das centop�ias, O fogo-f�tuo que ilumina os ossos; As proje��es flam�vomas que ofuscam, Como uma pincelada rembrandtesca, A sensa��o que uma coalhada fresca Transmite �s m�os nervosas dos que a buscam; O antagonismo de T�fon e Os�ris, O homem grande oprimindo o homem pequeno A lua falsa de um parasseleno, A mentira mete�rica do arco-�ris; Os terremotos que, abalando os solos, Lembram pai�is de p�lvora explodindo, A rota��o dos fluidos produzindo A depress�o geol�gica dos p�los; O instinto de procriar, a �nsia leg�tima Da alma, afrontando ovante aziagos riscos, O juramento dos guerreiros priscos Metendo as m�os nas gl�ndulas da v�tima; As diferencia��es que o psicoplasma Humano sofre da mania m�stica, A pesada opress�o caracter�stica Dos dez minutos de um acesso de asma; E, (conquanto contra isto �dios regougues) A utilidade f�nebre da corda Que arrasta a r�s, depois que a r�s engorda, � morte desgra�ada dos a�ougues... Tudo isto que o terr�queo abismo encerra Forma a complica��o desse barulho Travado entre o drag�o do humano orgulho E as for�as inorg�nicas da terra! Por descobrir tudo isso, embalde cansas! Ignoto � o g�rmem dessa for�a ativa Que engendra, em cada c�lula passiva, A heterogeneidade das mudan�as! Poeta, feito mals�o, criado com os sucos De um leite mau, carn�voro asqueroso, Gerado no atavismo monstruoso Da alma desordenada dos malucos; �ltima das criaturasinferiores Governada por �tomos mesquinhos, Teu p� mata a uberdade dos caminhos E esteriliza os ventres geradores! O �spero mal que a tudo, em torno, trazes, Am�logo � ao que, negro e a seu turno, Traz o �vido fil�stomo noturno Ao sangue dos mam�feros vorazes! Ah! Por mais que, com o esp�rito, trabalhes A perfei��o dos seres existentes, H�s de mostrar a c�rie dos teus dentes Na anatomia horrenda dos detalhes! O Espa�o -- esta abstra��o spencereana Que abrange as rela��es de coexist�ncia E s�! N�o tem nenhuma depend�ncia Com as v�rtebras mortais da esp�cie humana! As radiantes elipses que as estrelas Tra�am, e ao espectador falsas se antolham S�o verdades de luz que os homens olham Sem poder, no entretanto, compreend�-las. Em v�o, com a m�o corrupta, outro �ter pedes Que essa m�o, de esquel�ticas falanges, Dentro dessa �gua que com a vista abranges, Tamb�m prova o princ�pio de Arquimedes! A fadiga feroz que te esbordoa H� de deixar-te essa medonha marca, Que, nos corpos inchados de anasarca, Deixam os dedos de qualquer pessoa! Nem ter�s no trabalho que tiveste A misericordiosa toalha amiga, Que afaga os homens doentes de bexiga E enxuga, � noite, as p�stulas da peste! Quando chegar depois a hora tranq�ila, Tu ser�s arrastado, na carreira, Como um cepo inconsciente de madeira Na evolu��o org�nica da argila! Um dia comparado com um mil�nio Seja, pois, o teu �ltimo Evangelho... � a evolu��o do novo para o velho E do homog�neo para o heterog�neo! Adeus! Fica-te a�, com o abd�men largo A apodrecer!... �s poeira e embalde vibras! O corvo que comer as tuas fibras H� de achar nelas um sabor amargo!� IV Calou-se a voz. A noite era funesta. E os queixos, a exibir trismos danados, Eu puxava os cabelos desgrenhados Como o Rei Lear, no meio da floresta! Maldizia, com ap�strofes veementes, No estentor de mil l�nguas insurretas, O convencionalismo das Pandetas E os textos maus dos c�digos recentes! Minha imagina��o atormentada Paria absurdos... Como diabos juntos, perseguiam-me os olhos dos defuntos Com a carne da escler�tica esverdeada. Secara a clorofila das lavouras. Igual aos sustenidos de uma endecha Vinha-me �s cordas gl�ticas a queixa Das coletividades sofredoras. O mundo resignava-se invertido Nas for�as principais do seu trabalho... A gravidade era um princ�pio falho, A an�lise espectral tinha mentido! O Estado, a Associa��o, os Munic�pios Eram mortos. De todo aquele mundo Restava um mecanismo moribundo E uma teleologia sem princ�pios. Eu queria correr, ir para o inferno, Para que, da psique no oculto jogo, Morressem sufocadas pelo fogo Todas as impress�es do mundo externo! Mas a Terra negava-me o equil�brio... Na Natureza, uma mulher de luto Cantava, espiando as �rvores sem fruto. A can��o prostituta do lud�brio. Budismo moderno Tome, Dr., esta tesoura, e...corte Minha singular�ssima pessoa. Que importa a mim que a bicharia roa Todo o meu cora��o, depois da morte?! Ah! Um urubu pousou na minha sorte! Tamb�m, das diatom�ceas da lagoa A cript�gama c�psula se esbroa Ao contato de bronca destra forte! Dissolva-se, portanto, minha vida Igualmente a uma c�lula ca�da Na aberra��o de um �vulo infecundo; Mas o agregado abstrato das saudades Fique batendo nas perp�tuas grades Do �ltimo verso que eu fizer no mundo! Sonho de um monista Eu e o esqueleto esqu�lido de Esquilo Viaj�vamos, com uma �nsia sibarita, por toda a pro-din�mica infinita, Na inconsci�ncia de um zo�fito tranq�ilo. A verdade espantosa do Protilo Me aterrava, mas dentro da alma aflita Via Deus -- essa m�nada esquisita -- Coordenando e animando tudo aquilo! E eu bendizia, com o esqueleto ao lado, Na guturalidade do meu brado, Alheio ao velho c�lculo dos dias, Como um pag�o no altar de Proserpina, A energia intrac�smica divina Que � o pai e � a m�e das outras energias! Solit�rio Como um fantasma que se refugia Na solid�o da natureza morta, Por tr�s dos ermos t�mulos, um dia, Eu fui refugiar-me � tua porta! Fazia frio e o frio que fazia N�o era esse que a carne nos contorta... Cortava assim como em carni�aria O a�o das facas incisivas corta! Mas tu n�o vieste ver minha Desgra�a! E eu sa�, como quem tudo repele, -- Velho caix�o a carregar destro�os -- Levando apenas na tumba carca�a O pergaminho singular da pele E o chocalho fat�dico dos ossos! Mater Originalis Forma vermicular desconhecida Que estacionaste, m�sera e mofina, Como quase impalp�vel gelatina, Nos estados prodr�micos da vida; O hierofante que leu a minha sina Ignorante � de que �s, talvez, nascida Dessa homogeneidade indefinida Que o insigne Herbert Spencer nos ensina. Nenhuma ignota uni�o ou nenhum sexo � conting�ncia org�nica do sexo A tua estacion�ria alma prendeu... Ah! De ti foi que, aut�noma e sem normas, Oh! M�e original das outras formas, A minha forma l�gubre nasceu! O Lupanar Ah! Por que monstruos�ssimo motivo Prenderam para sempre, nesta rede, Dentro do �ngulo diedro da parede, Este lugar, mo�os do mundo, vede: � o grande bebedeouro coletivo, Onde os bandalhos, como um gado vivo, Todas as noites, V�m matar a sede! � o afrod�stico leito do hetairismo A antec�mara l�brica do abismo, Em que � mister que o g�nero humano entre. Quando a promiscuidade aterradora Matar a �ltima for�a geradora E comer o �ltimo �vulo do ventre! Idealismo Falas de amor, e eu ou�o tudo e calo! O amor da Humanidade � uma mentira. �. E � por isso que na minha lira De amores f�teis poucas vezes falo. O amor! Quando virei por fim a am�-lo?! Quando, se o amor quea Humanidade inspira � o amor do sibarita e da heta�ra, De Messalina e de Sardanapalo?! Pois � mister que, para o amor sagrado, O mundo fique imaterializado -- Alavanca desviada do seu futuro -- E haja s� amizade verdadeira Duma caveira para outra caveira, Do meu sepulcro para o teu sepulcro?! �ltimo credo Como ama o homem ad�ltero o adult�rio E o �brio a garrafa t�xica de rum, Amo o coveiro -- este ladr�o comum Que arrasta a gente para o cemit�rio! � o transcendental�ssimo mist�rio! � o nous, � o pneuma, � o ego sum qui sum, � a morte, � esse danado n�mero Um Que matou Cristo e que matou Tib�rio! Creio, como o fil�sofo mais crente, na generalidade descrente Com que a subst�ncia c�smica evolui... Creio, perante a evolu��o imensa, Que o homem universal de amanh� ven�a O homem particular eu que ontem fui! O caix�o fant�stico C�lere ia o caix�o, e, nele, inclusas, Cinzas, caixas cranianas, cartilagens Oriundas, como os sonhos dos selvagens, De aberrat�rias abstra��es abstrusas! Nesse caix�o iam, talvez as Musas, Talvez meu Pai! Hoffm�nicas viagens Enchiam meu enc�falo de imagens As mais contradit�rias e confusas! A energia mon�stica do Mundo, � meia-noite, penetrava fundo No meu fenomenal c�rebro cheio... Era tarde! Fazia muito frio. Na rua apenas o caix�o sombrio Ia continuando o seu passeio! Solil�quio de um vision�rio Para desvirginar o labirinto Do velho e metaf�sico Mist�rio, Comi meus olhos crus no cemit�rio, Numa antropofagia de faminto! A digest�o desse manjar fun�reo Tornado sangue transformou-me o instinto De humanas impress�es visuais que eu sinto Nas divinas vis�es do �ncola et�reo! Vestido de hidrog�nio incandescente, Vaguei um s�culo, improficuamente, Pelas monotonias siderais... subi talvez �s m�ximas alturas, Mas, se hoje volto assim, com a alma �s escuras, � necess�rio que ainda eu suba mais! A um carneiro morto Misericordios�ssimo carneiro Esquartejado,� a maldi��o de Pio D�cimo caia em teu algoz sombrio E em todo aquele que for seu herdeiro! Maldito seja o mercador vadio Que te vender as carnes por dinheiro, pois, tua l� aquece o mundo inteiro E guarda as carnes dos que est�o com frio! Quando a faca rangeu no teu pesco�o, Ao monstro que espremeu teu sangue grosso Teus olhos -- fontes de perd�o -- perdoaram! Oh! tu que no Perd�o eu simbolizo, Se fosses Deus, no Dia de Ju�zo, Talvez perdoasses os que te mataram! Vozes da morte Agora sim! Vamos morrer, reunidos, Tamarindo de minha desventura, Tu, com o envelhecimento da nervura, Eu, com o envelhecimento dos tecidos! Ah! Esta noite � a noite dos Vencidos! E a podrid�o, meu velho! E essa futura Ultrafatalidade de ossatura, A que nos acharemos reduzidos! N�o morrer�o, por�m, tuas sementes! E assim, para o Futuro, em diferentes Florestas, vales, selvas, glebas, trilhos, Na multiplicidade dos teus ramos, Pelo muito que em vida nos amamos, Depois da morte, inda teremos filhos! Ins�nia de um simples Em cismas patol�gicas insanas, �-me grato adstringir-me, na hierarquia Das formas vivas, � categoria Das organiza��es liliputianas; Ser semelhante aos zo�fitos e �s lianas, Ter o destino de uma larva fria, Deixar enfim na cloaca mais sombria Este feixe de c�lulas humanas! E enquanto arremedando �olo iracundo, Na orgia heliogab�lica do mundo, Ganem todos os v�cios de uma vez, Apraz-me, adstrito ao tri�ngulo mesquinho De um delta humilde, apodrecer sozinho No sil�ncio de minha pequenez! Os doentes I Como uma cascavel que se enroscava, A cidade dos l�zaros dormia... Somente, na metr�plole vazia, Minha cabe�a aut�noma pensava! Mordia-me a obsess�o m� de que havia, Sob os meus p�s, na terra onde eu pisava, Um f�gado doente que sangrava E uma garganta �rf� que gemia! Tentava compreender com as conceptivas Fun��es do enc�falo as subst�ncias vivas Que nem Spencer, nem Haeckel compreenderam... E via em mim, coberto de desgra�as, O resultado de bilh�es de ra�as Que h� muito desapareceram! II Minha ang�stia feroz n�o tinha nome. Ali, na urbe natal do Desconsolo, Eu tinha de comer o �ltimo bolo Que Deus fazia para a minha fome! Convulso, o vento entoava um pseudosalmo. Contrastando, entretanto, com o ar convulso A noite funcionava como um pulso Fisiologicamente muito calmo. Ca�am sobre os meus centros nervosos, Como os pingos ardentes de cem velas, O uivo desenganado das cadelas E o gemido dos homens bexigosos. Pensava! E em que eu pensava, n�o perguntes! Mas, em cima de um t�mulo, um cachorro Pedia para mim �gua e socorro � comisera��o dos transeuntes! Bruto, de errante rio, alto e h�rrido, o urro Reboava. Al�m jazia os p�s da serra, Criando as supersti��es de minha terra, A queixada espec�fica de um burro! Gordo adubo de agreste urtiga brava, Benigna �gua, magn�nima e magn�fica, Em cuja �lgida un��o, branda e beat�fica, A Para�ba ind�gena se lava! A manga, a ameixa, a am�ndoa, a ab�bora, o �lamo E a c�mara odor�fera dos sumos Absorvem diariamente o ub�rrimo h�mus Que Deus espalha � beira do seu t�lamo! Nos de teu curso desobstru�dos trilhos, Apenas eu compreendo, em quaisquer horas, O hidrog�nio e o oxig�nio que tu choras Pelo falecimento dos teus filhos! Ah! Somente eu compreendo, satisfeito, A inc�gnita psique das massas mortas Que dormem, como as ervas, sobre as hortas, Na esteira igualit�ria do teu leito! O vento continuava sem cansa�o E enchia com a fluidez do e�lico hissope Em seu fantasmag�rido galope A abund�ncia geom�trica do espa�o. Meu ser estacionava, olhando os campos Circunjacentes. No Alto, os astros mi�dos Reduziam os C�us s�rios e rudos A uma epiderme cheia de sarampos! III Dormia embaixo, com a prom�scua v�stia No enbotamento crasso dos sentidos, A comunh�o dos homens reunidos Pela camaradagem da mol�stia. Feriam-me o� nervo �ptico e a retina Aponevroses e tend�es de Aquiles, Restos repugnant�ssimos de b�lis, V�mitos impregnados de ptialina. Da degeneresc�ncia �tnica do �ria Se escapava, entre estr�pitos e estouros, Reboando pelos s�culos vindouros, O ru�do de uma tosse heredit�ria. OH! desespero das pessoas t�sicas, Adivinhando o frio que h� nas lousas, Maior felicidade � a destas cousas Submetidas apenas �s leis f�sicas! Estas, por mais que os cardos grandes rocem Seus corpos brutos, dores n�o recebem; Estas dis bacalhaus o �leo n�o bebem, Estas n�o cospem sangue, estas n�o tossem! Descender dos macacos catarr�neos, Cair doente e passar a vida inteira Com a boca junto de uma escarradeira, Pintando o ch�o de co�gulos sang��neos! Sentir, adstritos ao quimiotropismo Er�tico, os micr�bios assanhados Passearem, como in�meros soldados, Nas cancerosidades do organismo! Falar somente uma linguagem rouca. Um portugu�s cansado e incompreens�vel, Vomitar o pulm�o na noite horr�vel Em que se deita sangue pela boca! Expulsar, aos bocados, a exist�ncia Numa bacia aut�mata de barro, Alucinado, vendo em cada escarro O retrato da pr�pria consci�ncia! Querer dizer a ang�stia de que � p�bulo E com a respira��o j� muito fraca Sentir como que a ponta de uma faca, Cortanto as ra�zes do �ltimo voc�bulo. N�o haver terap�utica que arranque Tanta opress�o como se, com efeito, A m�quina pneum�tica de Bianchi! E o ar fugindo e a Morte a arca da tumba A erguer, como um cron�metro gigante Marcando a transi��o emocionante Do lar materno para a catacumba! Mas vos n�o lamenteis, magras mulheres, Consagrando vossa �ltima fon�tica A uma recita��o de mesereres. Antes levardes ainda uma quimera Para a garganta omn�vora das lajes Do que morrerdes, hoje, urrando ultrajes Contra a dissolu��o que vos espera! Porque a morte, resfriando-vos o rosto, Consoante a minha concep��o ves�nica, � a alf�ndega, onde toda a vida org�nica H� de pagar um dia o �ltimo imposto! IV Come�ara a chover. Pelas algentes Ruas, a �gua, em cachoeiras desobstru�das Encharcava os buracos das feridas, Alagava a medula dos Doentes! Do fundo do meu tr�gico destino, Onde a Resigna��o os bra�os cruza, Sa�a, com o vexame de uma fusa, A m�goa gaguejada de um cretino. Aquele ru�do obscuro de gagueira Que � noite, em sonhos m�rbidos, me acorda, Vinha da vibra��o bruta da corda Mais rec�ndita da alma brasileira! Aturdia-me a t�trica miragem De que, naquele instante, no Amazonas, Fedia, entregue a v�sceras glutonas, A carca�a esquecida de um selvagem. A civiliza��o entrou na taba Em que ele estava. O g�nio de Colombo Manchou de opr�brios a alma do mazombo, Cuspiu na cova do morubixaba! E o �ndio, por fim, adstrito � �tnica esc�ria, Recebeu, tendo o horror no rosto impresso, Esse achincalhamento do progresso Que o anulava na cr�tica da Hist�ria! Como quem analisa uma apostema, De repente, acordando na desgra�a, Viu toda a podrid�o de sua ra�a... Na tumba de Iracema!... Ah! Tudo, como um l�gubre ciclone, Exercia sobre ela a��o funesta Desde o desbravamento da floresta � ultrajante inven��o do telefone. E sentia-se pior que um vagabundo Microc�falo vil que a esp�cie encerra, Desterrado na sua pr�pria terra, Diminu�do na cr�nica do mundo! A hereditariedade dessa pecha Seguiria seus filhos. Dora em diante Seu povo tombaria agonizante Na luta da espingarda contra a flecha! Veio-lhe ent�o como � f�mea v�m antojos. Uma desesperada �nsia improf�cua De estrangular aquela gente in�qua Que progredia sobre os seus despojos! Mas, diante a xantocr�ide ra�a loura, Jazem, caladas, todas as in�bias, E agora, sem dif�ceis nuan�as d�bias, Com uma clarivid�ncia aterradora, Em vez da prisca tribo e indiana tropa A gente deste s�culo, espantada, V� somente a caveira abandonada De uma ra�a esmagada pela Europa! V Era a hora em que arrastados pelos ventos, Os fantasmas haml�ticos dispersos Atiram na consci�ncia dos perversos A sombra dos remorsos famulentos. As m�es sem cora��o rogavam pragas Aos filhos bons. E eu, ro�do pelos medos, Batia com o pent�gono dos dedos Sobre um fundo hipot�tico de chagas! Diab�lica din�mica daninha Oprimia meu c�rebro indefeso Com a for�a oneros�ssima de um peso Que eu n�o sabia mesmo de onde vinha. Perfurava-me o peito a �spera pua do des�nimo negro que me prostra, E quase a todos os momentos mostra Minha caveira aos b�bedos da rua. Hereditariedades polit�picas Punham na minha boca putresc�vel Interjei��es de abracadabra horr�vel E os verbos indignados das Fil�picas. Todos os vocativos dos blasfemos, No horror daquela noite monstruosa, Maldiziam, com voz estentorosa, A pe�onha inicial de onde nascemos. Como que havia na �nsia de conforto De cada ser, ex.: o homem e o of�dio, Uma necessidade de suic�dio E um desejo incoerc�vel de ser morto! Naquela ang�stia absurda e tragic�mica Eu chorava, rolando sobre o lixo, Com a contor��o neur�tica de um bicho Que ingeriu 30 gramas de noz-v�mica. E, como um homem doido que se enforca, Tentava, na terr�quea superf�cie, Consubstanciar-me todo com a imund�cie, Confundir-me com aquela coisa porca! Vinha, �s vezes, por�m, o anelo inst�vel De, com o aux�lio especial do osso mass�ter Mastigando homeom�rias neutras de �ter Nutrir-me da mat�ria imponder�vel. Anelava ficar um dia, em suma, Menor que o anfi�xus e inferior � t�nia, Sem diferencia��o de esp�cie alguma. Era (nem sei em s�ntese o que diga) Um velh�ssimo instinto at�vico, era A saudade inconsciente da monera Que havia sido minha m�e antiga. Com o horror tradicional da raiva corsa Minha vontade era, perante a cova, Arrancar do meu pr�prio corpo a prova Da persist�ncia tr�gica da for�a. A pragm�tica m� de humanos usos N�o compreende que a Morte que n�o dorme � a absor��o do movimento enorme Na dispers�o dos �tomos difusos. N�o me incomoda esse �ltimo abandono Se a carne individual hoje apodrece Amanh�, como Cristo, reaparece Na universalidadej do c arbono! A vida vem do �ter que se condensa Mas o que mais no Cosmos me entusiasma � a esfera microsc�pica do plasma Fazer a luz do c�rebro que pensa. Eu voltarei, cansado, da �rdua li�a � subst�ncia inorg�nica primeva De onde, por epig�nese, veio Eva E a stirpe radiolar chamada Actissa. Quando eu for misturar-me com as violetas Minha lira, maior que a B�blia e a Fedra Reviver�, dando emo��o � pedra Na ac�stica de todos os planetas! VI � �lgida agulha, agora, alva, a saraiva Caindo, an�loga era... Um c�o agora Punha a atra l�ngua hidr�foba de fora Em contra��es miol�gicas de raiva. Mas, para al�m, entre oscilantes chamas, Acordavam os bairros da lux�ria... As prostitutas, doentes de hemat�ria, Se extenuavam nas camas. Uma, ign�bil, derreada de cansa�o, Quase que escangalhada pelo v�cio, Cheirava com prazer no sacrif�cio A lepra m� que lhe ro�a o bra�o! E ensang�entava os dedos da m�o n�vea Com o sentimento gasto e a emo��o pobre, Nessa alegria b�rbara que cobre Os saracoteamentos da lasc�via... De certo, a pervers�o de que era presa o sensorium daquela prostituta Vinha da adapta��o quase absoluta � ambi�ncia microbiana da baixeza! Entanto, virgem fostes, e, quando o �reis, N�o t�nheis ainda essa erup��o cut�nea, Nem t�nheis, v�tima �ltima da ins�nia, Duas mam�rias gl�ndulas est�reis! Ah! Certamente n�o havia ainda Rompido, com viol�ncia, no horizonte, O sol malvado que secou a fonte De vossa castidade agora finda! Talvez tiv�sseis fome, e as m�os, embalde, Estendestes ao mundo, at� que, �-toa, Fostes vender a virginal coroa Ao primeiro bandido do arrabalde. E estais velha! -- De v�s o mundo � farto, E hoje, que a sociedade vos enxota, Somente as bruxas negras da derrota Freq�entam diariamente vosso quarto! prometem-vos (quem sabe?!) entre os ciprestes Longe da mancebia dos alcouces, Nas quietudes nirv�nicas mais doces O noivado que em vida n�o tivestes! VII Quase todos os lutos conjugados, Como uma associa��o de monop�lio, Lan�avam pinceladas pretas de �leo Na arquitetura arcaica dos sobrados. Dentro da noite funda um bra�o humano Parecia cavar ao longe um po�o Para enterrar minha ilus�o de mo�o, Como a boca de um po�o artesiano! Atabalhoadamente pelos becos, Eu pensava nas coisas que perecem, Desde as musculaturas que apodrecem � ru�na vegetal dos l�rios secos. Cismava no prop�sito fun�reo Da mosca debochada que fareja O defunto, no ch�o frio da igreja, E vai depois lev�-lo ao cemit�rio! E esfregando as m�os magras, eu, inquieto, Sentia, na craniana caixa tosca, A racionalidade dessa mosca, A consci�ncia terr�vel desse inseto! Regougando, por�m, argots e alj�mias, Como quem nada encontra que o perturbe, A energ�mena gei dos �brios da urbe Festejava seu s�bado de inf�mias. A est�tica fatal das paix�es cegas, Rugindo fundamente nos neur�nios, Puxava aquele povo de dem�nios Para a promiscuidade das adegas. E a �bria turba que escaras sujas masca, � falta idiossincr�sica de escr�pulo, Absorvia com g�udio absinto, l�pulo E outras subst�ncias t�xicas da tasca. O ar ambiente cheirava a �cido ac�tico, Mas, de repente, com o ar de quem empesta, Apareceu, escorra�ando a festa, A mand�bula inchada de um morf�tico! Sali�ncias polim�rficas vermelhas, Em cujo aspecto o olhar persp�cuo prendo, Punham-lhe num destaque horrendo o horrendo Tamanho aberrat�rio das orelhas. O f�cies do morf�tico assombrava! -- Aquilo era uma negra eucaristia, Onde minh�alma inteira surpreendia A Humanidade que se lamentava! Era todo o meu sonho, assim inchado, J� podre, que a morf�ia miser�vel Tornava �s impress�es t�teis, palp�vel, Como se fosse um corpo organizado! VIII Em torno a mim, nesta hora, estriges voam, E o cemit�rio, em que eu entrei adrede, D�-me a impress�o de um boulevard que fede, Pela degrada��o dos que o povoam. Quanta gente, roubada � humana coorte Morre de fome, sobre a palha espessa, Sem ter, como Ugolino, uma cabe�a Que possa mastigar na hora da morte E nua, ap�s baixar ao caos budista, Vem para aqui, nos bra�os de um canalha porque o madapol�o para a mortalha Custa 1$200 ao lojista! Que resta das cabe�as que pensaram?! E afundado nos sonhos mais nefastos, Ao pegar num milh�o de miolos gastos, Todos os meus cabelos se arrepiaram. Os evolucionistas benfeitores Que por entre os cad�veres caminham, iguais a irm�s de caridade, vinham Com a podrid�o dar de comer �s flores! Os defuntos ent�o me ofereciam Com as articula��es das m�os inermes, Num prato de hospital, cheio de vermes, Todos os animais que apodreciam! �� poss�vel que o est�mago se afoite (Muito embora contra isto a alma se irrite) A cevar o antrop�fago apetite, Comendo carne humana, � meia-noite! Com uma ilimitad�ssima tristeza, Na impaci�ncia do est�mago vazio, Eu devorava aquele bolo frio Feito das podrid�es da Natureza! E hirto, a camisa suada, a alma aos arrancos, Vendo passar com as t�nicas obscuras, As escaveirad�ssimas figuras Das negras desonradas pelos brancos; Pisando, como quem salta, entre fardos, Nos corpos nus das mo�as hotentotes Entregues, ao clar�o de alguns archotes, � sodomia indigna dos moscardos; Eu maldizia o deus de m�os nefandas Que, transgredindo a igualit�ria regra Da Natureza, atira a ra�a negra Ao contub�rnio di�rio das quitandas! Na evolu��o de minha dor grotesca, Eu mendigava aos vermes insubmissos Como indeniza��o dos meus servi�os, O benef�cio de uma cova fresca. Manh�. E eis-me a absorver a luz de fora, Como o �ncola do p�lo �rtico, �s vezes, Absorve, ap�s a noite de seis meses, Os raios calor�ficos da aurora. Nunca mais as goteiras cairiam Como propositais setas malvadas, No frio matador das madrugadas, Por sobre o cora��o dos que sofriam! Do meu c�rebro � absconsa t�bua rasa Vinha a luz restituir o antigo cr�dito, Proporcionando-me o prazer in�dito, De quem possui um sol dentro de casa. Era a vol�pia f�nebre que os ossos Me inspiravam, trazendo-me ao sol claro, � apreens�o fisiol�gica do faro O odor cadaveroso dos destro�os! IX O invent�rio do que eu j� tinha sido Espantava. Restavam s� de Augusto A forma de um mam�fero vetusto E a cerebralidade de um vencido! O g�nio procriador da esp�cie eterna Que me fizera, em vez de hiena ou lagarta, Uma sobreviv�ncia de Sidarta, Dentro da filog�nese moderna; E arrancara milhares de exist�ncias Do ov�rio ign�bil de uma fauna imunda, Ia arrastando agora a alma infecunda Na mais triste de todas as fal�ncias. No c�u calamitoso de vingan�a Desagregava, d�spota e sem normas, O adesionismo bi�ntico das formas Multiplicadas pela lei da heran�a! A ru�na vinha horrenda e delet�ria Do subsolo infeliz, vinha de dentro Da mat�ria em fus�o que ainda h� no centro, Para alcan�ar depois a periferia! Contra a Arte, oh! Morte, em v�o teu �dio exerces! Mas, a meu ver, os s�xeos pr�dios tortos Tinham aspectos de edif�cios mortos, Decompondo-se desde os alicerces! A doen�a era geral, tudo a extenuar-se Estava. O Espa�o abstrato que n�o morre Cansara... O ar que, em col�nias flu�das, corre, Parecia tamb�m desagregar-se! �O prodromos de um t�tano medonho Repuxavam-me o rosto... Hirto de espanto, Eu sentia nascer-me n�alma, entanto, O come�o magn�fico de um sonho! Entre as formas decr�pitas do povo, J� batiam por cima dos estragos A sensa��o e os movimentos vagos Da c�lula inicial de um Cosmos novo! O letargo larv�rio da cidade Crescia. Igual a um parto, numa furna, Vinha da original treva noturna, o vagido de uma outra Humanidade! E eu, com os p�s atolados no Nirvana, Acompanhava, com um prazer secreto, A gesta��o daquele grande feto, Que vinha substituir a Esp�cie Humana! Asa de corvo Asa de corvos carniceiros, asa De mau agouro que, nos doze meses, Cobre �s vezes o espa�o e cobre �s vezes O telhado de nossa pr�pria casa... Perseguido por todos os reveses, � meu destino viver junto a esa asa, Como a cinza que vive junto � brasa, Como os Goncourts, como os irm�os siameses! � com essa asa que eu fa�o este soneto E a ind�stria humana faz o pano preto Que as fam�lias de luto martiriza... � ainda com essa asa extraordin�ria Que a Morte -- a costureira funer�ria -- Cose para o homem a �ltima camisa! Uma noite no Cairo Noite no Egito. O c�u claro e produndo Fulgura. A rua � triste. A Lua cheia Est� sinistra, e sobre a paz do mundo A alma dos Fara�s anda e vagueia. Os mastins negros v�o ladrando � lua... O Cairo � de uma formosura arcaica. Passa cantando uma mulher hebraica. O Egito � sempre assim quando anoitece! �s vezes, das pir�mides o quedo E atro perfil, exposto ao luar, parece Uma sombria interjei��o de medo! Como um contraste �queles mesereres, Num quiosque em festa alegre turba grita, E dentro dan�am homens e mulheres Numa aglomera��o cosmopolita. Tonto do vinho, um saltimbanco da �sia, Convulso e roto, no apogeu da f�ria, Executando evolu��es de razzia Solta um brado epil�tico de inj�ria! Em derredor duma ampla mesa preta -- �ltima nota do con�bio infando -- V�em-se dez jogadores de roleta Fumando, discutindo, conversando. Resplandece a celeste superf�cie. Dorme soturna a natureza s�bia... Embaixo, na mais pr�xima plan�cie, Pasta um cavalo espl�ndido da Ar�bia. Vaga no espa�o um silfo solit�rio. Troam kinnors! Depois tudo � tranq�ilo... Apenas como um velho stradiv�rio, Solu�a toda a noite a �gua do Nilo! O Mart�rio do artista Arte ingrata! E conquanto, em desalento, A �rbita elipsoidal dos olhos lhe arda, Busca exteriorizar o pensamento Que em suas fronetais c�lulas guarda! Tarda-lhe a Id�ia!� A inspira��o lhe tarda! E ei-lo a tremer, rasga o papel, violento, Como o soldado que rasgou a farda No desespero do �ltimo momento! Tenta chorar e os olhos sente enxutos!... � como o paral�tico que, � m�ngua Da pr�pria voz e na que ardente o lavra Febre de em v�o falar, com os dedos brutos Para falar, puxa e repuxa a l�ngua, E n�o lhe vem� � boca uma palavra! Duas estrofes (� mem�ria de Jo�o de Deus) Ahi! ciechi! il tanto affaticar che giova? Tutti torniamo alla gran� madre� antica E il nostro nome appena si ritrova. Petrarca A queda do teu l�rico arrabil De um sentimento portugu�s ignoto Lembra Lisboa, bela como um brinco, Que um dia no ano tr�gico de mil E setecentos e cinq�enta e cinco, Foi abalada por um terremoto! A �gua quieta do Tejo te aben�oa. Tu representas toda essa Lisboa De gl�rias quase sobrenaturais, Apenas com uma diferen�a triste, Com a diferen�a que Lisboa existe E tu, amigo, n�o existes mais! O MAR, A ESCADA E O HOMEM �Olha agora, mam�fero inferior, �� luz da espicurista ataraxia, �O fracasso de tua geografia �E do teu escafandro esmiu�ador! �Ah! Jamais saber�s ser superior, �Homem, a mim, conquanto ainda hoje em dia, �Com a ampla h�lice auxiliar com que outrora ia �Voando ao vento o vast�ssimo vapor. �Rasgue a �gua h�rrida a nau �rdega e singre-me!� E a verticalidade da Escada �ngreme: �Homem, j� transpuseste os meus degraus?!� E Augusto, o H�rcules, o Homem, aos solu�os, Ouvindo a Escada e o Mar, caiu de bru�os No pandem�nio aterrador do Caos! Decad�ncia Iguais �s linhas perpendiculares Ca�ram, como cru�is e h�rridas hastas, Nas suas 33 v�rtebras gastas Quase todas as pedras tumulares! A frialdade dos c�rculos polares, Em sucessivas atua��es nefastas, Penetrara-lhe os pr�prios neuroplastas, Estragara-lhe os centros medulares! Como quem quebra o objeto mais querido E come�a a apanhar piedosamente Todas as microsc�picas part�culas, Ele hoje v� que, ap�s tudo perdido, S� lhe restam agora o �ltimo doente E a arma��o funer�ria das clav�culas! Ricordanza della mia giovent� A minha ama-de-leite Guilhermina Furtava as moedas que o Doutor me dava. Sinh�-Mocinha, minha M�e, ralhava... Via naquilo a minha pr�pria ru�na! Minha ama, ent�o, hip�crita, afetava Susceptibilidade de menina: �-- N�o, n�o fora ela! --� E maldizia a sina, Que ela absolutamente n�o furtava. Vejo, entretanto, agora, em minha cama, Que a mim somente cabe o furto feito... Tu s� furtaste a moeda, o ouro que brilha. Furtaste a moeda s�, mas eu, minha ama, Eu furtei mais, porque furtei o peito Que dava leite para a tua filha! A um mascarado Rasga essa m�scara �tima de seda E atira-a � arca ancestral dos palimpsestos... � noite, e, � noite, a esc�ndalos e incestos � natural que o instinto humano aceda! Sem que te arranquem da garganta queda A interjei��o danada dos protestos, H�s de engolir, igual a um porco, os restos Duma comida horrivelmente azeda! A sucess�o de hebd�madas medonhas Reduzir� os mundos que tu sonhas Ao microcosmos do ovo primitivo... E tu mesmo, ap�s a �rdua e atra refrega, Ter�s somente uma vontade cega E uma tend�ncia obscura de ser vivo! Vozes de um t�mulo Morri! E a Terra -- a m�e comum -- o brilho Destes meus olhos apagou!... Assim T�ntalo, aos reais convivas, num festim, Serviu as carnes do seu pr�prio filho! Por que para este cemit�rio vim?! Por que?! Antes da vida o angusto trilho Palmilhasse, do que este que palmilho E que me assombra, porque n�o tem fim! No ardor do sonho que o fronema exalta Constru� de orgulho �nea pir�mide alta... Hoje, por�m, que se desmoronou A pir�mide real do meu orgulho, Hoje que apenas sou mat�ria e entulho Tenho consci�ncia de que nada sou! Contrastes A ant�tese do novo e do obsoleto, O Amor e a Paz, o �dio e a Carnificina, O que o homem ama e o que o homem abomina, Tudo conv�m para o homem ser completo! O �ngulo obtuso, pois, e o �ngulo reto, Uma fei��o humana e outra divina S�o como a eximenina e a endimenina Que servem ambas para o mesmo feto! Eu sei tudo isto mais do que o Eclesiastes! Por justaposi��o destes contrastes, Junta-se um hemisf�rio a outro hemisf�rio, �s alegrias juntam-se as tristezas, E o carpinteiroque fabrica as mesas Faz tamb�m os caix�es do cemit�rio!... Gemidos de arte I Esta desilus�o que me acabrunha � mais traidora do que o foi Pilatos!... Por causa disto, eu vivo pelos matos, Magro, roendo a subst�ncia c�rnea de unha. Tenho estremecimentos indecisos E sinto, haurindo o t�pido ar sereno, O mesmo assombro que sentiu Parfeno Quando arrancou os olhos de Dionisos! Em giro e em redemoinho em mim caminham R�spidas m�goas estranguladoras, Tais quais, nos fortes fulcros, as tesouras Br�nzeas, tamb�m gira e redemoinham. Os p�es -- filhos leg�timos dos trigos -- Nutrem a gera��o do �dio e da Guerra. Os cachorros an�nimos da terra S�o talvez os meus �nicos amigos! Ah! Por que desgra�ada conting�ncia � h�spida aresta s�xea �spera e abrupta Da rocha brava, numa ininterrupta Ades�o, n�o prendi minha exist�ncia?! Por que Jeov�, maior do que Laplace, N�o fez cair o t�mulo de Pl�nio Por sobre todo o meu racioc�nio Para que eu nunca mais raciocinase?! Pois minha M�e t�o cheia assim daqueles Carinhos, com que guarda meus sapatos, Por que me deu consci�ncia dos meus atos Para eu me arrepender de todos eles?! Quisera antes, mordendo glabros talos, Nabucodonosor ser do Pau d�Arco, Beber a acre e estagnada �gua do charco, Dormir na manjedoura com os cavalos! Mas a carne � que � humana! A alma � divina. Dorme num leito de feridas, goza O lodo, apalpa a �lcera cancerosa, Beija a pe�onha, e n�o se contamina! Ser homem! escapar de ser aborto! Sair de um vente inchado que se anoja, Comprar vestidos pretos numa loja E andar de luto pelo pai que � morto! E por trezentos e sessenta dias Trabalhar e comer! Mart�rios juntos! Alimentar-se dos irm�os defuntos, Chupar os ossos das alimarias! Barulho de mand�bulas e abd�mens! E vem-me com um desprezao por tudo isto Uma vontade absurda de ser Cristo Para sacrificar-me pelos homens! Soberano desejo! Soberana Ambi��o de construir para o homem uma Regi�o, onde n�o cuspa l�ngua alguma O �leo ran�oso da saliva humana! Uma regi�o sem n�doas e sem lixos, Subtra�da � hediondez de �nfimo casco, Onde a forca feroz coma o carrasco E o olho do estuprador se encha de bichos! Outras constela��es e outros espa�os Em que, no agudo grau da �ltima crise, O bra�o do ladr�o se paralise E a m�o da meretriz caia aos peda�os! II O sol agora � de um fulgor compacto, E eu vou andando, cheio de chamusco, Com a flexibilidade de um molusco, �mido, pegajoso e untuoso ao tacto! Re�nam-se em rebeli�o ardente e acesa Todas as minhas for�as emotivas E armem ciladas como cobras vivas Para despeda�ar minha tristeza! O sol de cima espiando a flora mo�a Arda, fustigue, queime, corte, morda!... Deleito a vista na verdura gorda Que nas hastes delgadas se balou�a! Avisto o vulto das sombrias granjas Perdidas no alto... Nos terrenos baixos, Das laranjeiras eu admiro os cachos E a ampla circunfer�ncia das laranjas. Ladra furiosa a tribo dos podengos. Olhando para as p�tridas charnecas Grita o ex�rcito avulso das marrecas Na �mida copa dos bambus verdoengos. Um p�ssaro alvo art�fice da teia De um ninho, salta, no �rdego trabalho, De �rvore em �rvore e de galho em galho, Com a rapidez duma semicolcheia. Em grandes semic�rculos aduncos, Entran�ados, pelo ar, largando p�los, Voam � semelhan �a de cabelos Os chicotes fin�ssimos dos juncos. Os ventos vagabundos batem, bolem Nas �rvores. O ar cheira. A terra cheira... E a alma dos vegetais rebenta inteira De todos os corp�sculos do p�len. A c�mara nupcial de cada ov�rio Se abre. No ch�o coleia a lagartixa. Por toda a parte a seiva bruta esguicha Num extravasamento involunt�rio. Eu, depois de morrer, depois de tanta Tristeza, quero, em vez do nome -- Augusto, Possuir a� o nome dum arbusto Qualquer ou de qualquer obscura planta! III Pelo acidental�ssimo caminho Fa�sca o sol. N�dios, batendo a cauda, Urram os bois. O c�u lembra uma lauda Do mais incorrupt�vel pergaminho. Uma atmosfera m� de inc�moda hulha Abafa o ambiente. O aziago ar morto a morte Fede. O ardente calor da areia forte Racha-me os p�s como se fosse agulha. N�o sei que subterr�nea e atra voz rouca, Por saibros e por cem c�ncavos vales, Como pela avenida das Mappales, Me arrasta � casa do finado Toca! Todas as tardes a esta casa venho. Aqui, outrora, sem conchego nobre, Viveu, sentiu e amou este homem pobre Que carregava canas para o engenho! Nos outros tempos e nas outras eras, Quantas flores! Agora, em vez de flores, Pintam caretas verdes nas taperas. Na bruta dispers�o de v�treos cacos, � dura luz do sol resplandecente, Tr�pega e antiga, uma parede doente Mostra a cara medonha dos buracos. O cupim negro broca o �mago fino Do teto. E tra�a trombas de elefantes Com as circunvolu��es extravagantes Do seu complicad�ssimo intestino. O lodo obscuro trepa-se nas portas. Amontoadas em grossos feixes rijos, As lagartixas, dos esconderijos, Est�o olhando aquelas coisas mortas! Fico a pensar no Esp�rito disperso Que, unindo a pedra ao gneiss e a �rvore � crian�a, Como um anel enorme de alian�a, Une todas as coisas do Universo! E assim pensando, com a cabe�a em brasas Ante a fatalidade que me oprime, Julgo ver este Esp�rito sublime, Chamando-me do sol com as suas asas! Gosto do sol ign�vomo e iracundo Como o r�ptil gosta quando se molha E na atra escurid�o dos ares, olha Melancolicamente para o mundo! Essa alegria imaterializada, Que por vezes me absorve, � o �bolo obscuro, � o peda�o j� podre de p�o duro Que o miser�vel recebeu na estrada! N�o s�o os cinco mil milh�es de francos Que a Alemanha pediu a Jules Favre... � o dinheiro coberto de azinhavre Que o escravo ganha, trabalhando aos brancos! Seja este sol meu �ltimo consolo; E o esp�rito infeliz que em mim se encarna Se alegre ao sol, como quem raspa a sarna, S�, com a miseric�rdia de um tijolo!... Tudo enfim a mesma �rbita percorre E as bocas v�o beber o mesmo leite... A lamparina quando falta o azeite Morre, da mesma forma que o homem morre. S�bito, arrebentando a horrenda calma, Grito, e se gritio � para que meu grito Seja a revela��o deste Infiniti Que eu trago encarcerado da minh�alma! Sol brasileiro! queima-me os destro�os! Quero assistir, aqui, sem pai que me ame, De p�, � luz da consci�ncia infame, � carboniza��o dos pr�prios ossos! Versos de amor A um poeta er�tico Parece muito doce aquela cana. Descasco-a, provo-a, chupo-a... ilus�o treda! O amor, poeta, � como a cana azeda, A toda a boca que o n�o prova engana. Quis saber que era o amor, por experi�ncia, E hoje que, enfim, conhe�o o seu conte�do, Pudera eu ter, eu que idolatro o estudo, Todas as ci�ncias menos esta ci�ncia! Certo, este o amor n�o � que, em �nsias, amo Mas certo, o ego�sta amor este � que acinte Amas, oposto a mim. Por conseguinte Chamas amor aquilo que eu n�o chamo. Oposto ideal ao meu ideal conservas. Diverso �, pois, o ponto outro de vista Consoante o qual, observo o amor, do ego�sta Modo de ver, consoante o qual, o observas. Porque o amor, tal como eu o estou amando, � Esp�rito, � �ter, � subst�ncia fluida, � assim como o ar que a gente pega e cuida, Cuida, entretanto, n�o o estar pegando! � a transubstancia��o de instintos rudes, Imponderabil�ssima e impalp�vel, Que anda acima da carne miser�vel Como anda a gar�a acima dos a�udes! Para reproduzir tal sentimento Daqui por diante, atenta a orelha cauta, Como M�rsias -- o inventor da flauta -- Vou inventar tamb�m outro instrumento! Mas de tal arte e esp�cie tal faz�-lo Ambiciono, que o idioma em que te eu falo Possam todas as l�nguas declin�-lo Possam todos os homens compreend�-lo. Para que, enfim, chegando � �ltima calma Meu podre cora��o roto n�o role, Integralmente desfibrado e mole, Como um saco vazio dentro d�alma! Sonetos I A meu pai doente Para onde fores, Pai, para onde fores, Irei tamb�m, trilhando as mesmas ruas... Tu, para amenizar as dores tuas, Eu, para amenizar as minhas dores! Que coisa triste! O campo t�o sem flores, E eu t�o sem cren�a e as �rvores t�o nuas E tu, gemendo, e o horror de nossas duas M�goas crescendo e se fazendo horrores! Magoaram-te, meu Pai?! Que m�o sombria, Indiferente aos mil tormentos teus De assim magoar-te sem pesar havia?! -- Seria a m�o de Deus?! Mas Deus enfim � bom, � justo, e sendo justo, Deus, Deus n�o havia de magoar-te assim! II A meu pai morto Madrugada de Treze de Janeiro, Rezo, sonhando, o of�cio da agonia. Meu Pai nessa hora junto a mim morria Sem um gemido, assim como um cordeiro! E eu nem lhe ouvi o alento derradeiro! Quando acordei, cuidei que ele dormia, E disse � minha M�e que me dizia: �Acorda-o�! deixa-o, M�e, dormir primeiro! E sa� para ver a Natureza! Em tudo o mesmo abismo de beleza, Nem uma n�voa no estrelado v�u... Mas pareceu-me, entre as estrelas fl�reas, Como Elias, num carro azul de gl�rias, Ver a alma de�� meu Pai subindo ao C�u! III Podre meu Pai! A morte o olhar lhe vidra. Em seus l�bios que os meus l�bios osculam Microrganismos f�nebres pululam Numa fermenta��o gorda de cidra. Duras leis as que os homens e a h�rrida hidra A uma s� lei biol�gica vinculam, E a marcha das mol�culas regulam, Com a invariabilidade da clepsidra! Podre meu Pai! E a m�o que enchi de beijos Ro�da toda de bichos, como os queijos Sobre a mesa de org�acos festins!... Amo meu Pai na at�mica desordem Entre as bocas necr�fagas que o mordem E a terra infecta que lhe cobre os rins! Depois da orgia O prazer que na orgia a heta�ra goza Produz no meu sensorium de bacante O efeito de uma t�nica brilhante Cobrindo ampla apostema escrofulosa! Troveja! E anelo ter, s�frega e ansiosa, O sistema nervoso de um gigante Para sofrer na minha carne estuante A dor da for�a c�smica furiosa. Apraz-me, enfim, despindo a �ltima alfaia Que ao com�rcio dos homens me traz presa, Livre deste cadeado de pe�onha, Semelhante a um cachorro de atalaia �s decomposi��es da Natureza, Ficar latindo minha dor medonha! A �rvore da serra -- As �rvores, meu filho, n�o t�m alma! E esta �rvore me serve de empecilho... � preciso cort�-la, pois, meu filho, Para que eu tenha uma velhice calma! -- Meu pai, por que sua ira n�o se acalma?! N�o v� que em tudo existe o mesmo brilho?! Deus p�s almas nos cedros... no junquilho... Esta �rvore, meu pai, possui minh�alma!... -- Disse -- e ajoelhou-se, numa rogativa: �N�o mate a �rvore, pai, para que eu viva!� E quando a �rvore, olhando a p�tria serra, Caiu aos golpes do machado bronco, O mo�o triste se abra�ou com o tronco E nunca mais se levantou da terra! Vencido No auge de atordoadora e �vida sanha Leu tudo, desde o mais pr�stino mito, por exemplo: o do boi �pis do Egito Ao velho Niebelungen da Alemanha. Acometido de uma febre estranha Sem o esc�ndalo f�nico de um grito, mergulhou a cabe�a no Infinito, Arrancou os cabelos na montanha! Desceu depois � gleba mais bastarda, Pondo a �urea ins�gnia her�ldica da farda � vontade do v�mito plebeu... E ao vir-lhe o cuspo di�rio � boca fria O vencido pensava que cuspia Na c�lula infeliz de onde nasceu. O Corrupi�o Escaveirado corrupi�o idiota, Olha a atmosfera livre, o amplo �ter belo, E a alga cript�gama e a �snea e o cogumelo, Que do fundo do ch�o todo o ano brota! Mas a �nsia de alto voar, de � antiga rota Voar, n�o tens mais! E pois, preto e amarelo, P�es-te a assobiar, bruto, sem cerebelo A gargalhada da �ltima derrota! A gaiola aboliu tua vontade. Tu nunca mais ver�s a liberdade!... Ah! Tu somente ainda �s igual a mim. Continua a comer teu milho alpiste. Foi este mundo que me fez t�o triste, Foi a gaiola que te p�s assim! Noite de um vision�rio N�mero cento e tr�s. Rua Direita. Eu tinha a sensa��o de quem se esfola E inopinadamente o corpo atola Numa po�a de carne liquefeita! -- �Que esta alucina��o t�til n�o cres�a!� -- Dizia; e erguia, oh! c�u, alto, por ver-vos, Com a rebeldia ac�rrima dos nervos Minha atormentad�ssima cabe�a. � a potencialidade que me eleva Ao grande Deus, e absorve em cada viagem Minh�alma -- este sombrio personagem Do drama pante�stico da treva! Depois de dezesseis anos de estudo Generaliza��es grandes e ousadas Traziam minhas for�as concentradas Na compreens�o mon�stica de tudo. Mas a aguadilha p�trida o ombro inerme Me aspergia, banhava minhas t�bias, E a ela se aliava o ardor das sirtes l�bias, Cortanto o melanismo da epiderme. Arim�nico g�nio destrutivo Desconjuntava minha aut�noma alma Esbandalhando essa unidade calma, Que forma a coer�ncia do ser vivo. E eu s� a tremer com a l�ngua grossa E a voli��o no c�mulo do ex�cio, Como quem � levado para o hosp�cio Aos trambolh�es, num canto de carro;ca! Perante o inexor�vel c�u aceso Agrega��es abi�ticas esp�rias, Como um cara, recebendo inj�rias, Recebiam os cuspos do desprezo. A essa hora, nas tel�rias reservas, O reino mineral americano Dormia, sob os p�s do orgulho humano, E a cimalha min�scula das ervas. E n�o haver quem, �ntegra, lhe entregue, Com os ligamentos gl�ticos precisos, A liberdade de vingar em risos A ang�stia milen�ria que o persegue! Bolia nos obscuros labirintos Da f�rtil terra gorda, �mida e fresca, A �nfima fauna absc�ndita e grotesca Da fam�lia bastarda dos helmintos. As vegetalidades subalternas Que osserenos noturnos orvalhavam, Pela alta frieza intr�nseca, lembravam Toalhas molhadas sobre as minhas pernas. E no estrume fresqu�ssimo da gleba Formigavam, com a s�mplice sarcode, O vibri�o, o ancil�stomo, o colpode E outros irm�os leg�timso da ameba! E todas essas formas que Deus lan�a No Cosmos, me pediam, com o ar horr�vel, Um peda�o de l�ngua dispon�vel Para a filogen�tica vingan�a! A cidade exalava um podre b�fio: Os an�ncios das casas de com�rcio, Mais tristes que as elegais de Prop�rcio, Pareciam talvez meu epit�fio. O motor teleol�gico da Vida Parara! Agora, em di�stoles de guerra, Vinha do cora��o quente da terra Um rumor de mat�ria dissolvida. A qu�mica feroz do cemit�rio Transformava por��es de �tomos juntos No �leo mals�o que escorre dos defuntos, Com a abund�ncia de um geyser delet�rio. Dedos denunciadores escreviam Na l�gubre extens�o da rua preta Todo o destino negro do planeta, Onde minhas mol�culas sofriam. Um necr�filo mau for�ava as lousas E eu -- coet�neo do horrendo cataclismo -- Era puxado para aquele abismo No redemoinho universal das cousas! Alucina��o � beira-mar Um medo de morrer meus p�s esfriava. Noite alta. Ante o tel�rico recorte, na diuturna disc�rdia, a equ�rea coorte Atordoadamente ribombava! Eu, eg�latra c�ptico, cismava Em meu destino!... O vento estava forte E aquela matem�rica da Morte Com os seus n�meros negros, me assombrava! Mas a alga usufrutu�ria dos oceanos E os malacopter�gios subraquianos Que um castigo de esp�cie emudeceu, No eterno horror das convuls�es mar�timas Pareciam tamb�m corpos de v�timas Condenados � Morte, assim como eu! Vandalismo Meu cora��o tem catedrais imensas, Templos de priscas e long�nquas datas, Onde um nume de amor, em serenatas, Canta a aleluia virginal das cren�as. Na ogiva f�lgida e nas colunatas Vertem lustrais irradia��es intensas Cintila��es de l�mpadas suspensas E as ametistas e os flor�es e as pratas. Com os velhos Templ�rios medievais Entrei um dia nessas catedrais E nesses templos claros e risonhos... E erguendo os gl�dios e brandindo as hastas, No desespero dos iconoclastas Quebrei a imagem dos meus pr�prios sonhos! Versos �ntimos V�s! Ningu�m assistiu ao formid�vel Enterro de tua �ltima quimera. Somente a Ingratid�o -- esta pantera -- Foi tua companheira insepar�vel! Acostuma-te � lama que te espera! O Homem, que, nesta terra miser�vel, Necessidade de tamb�m ser fera. Toma um f�sforo. Acende teu cigarro! o beijo, amigo, � a v�spera do escarro, A m�o que afaga � a mesma que apedreja. Se a algu�m causa inda pena a tua chaga, Apedreja essa m�o vil que te
afaga, Vencedor Toma as espadas r�tilas, guerreiro, E � rutil�ncia das espadas, toma A adaga de a�o, o gl�dio de a�o, e doma Meu cora��o -- estranho carniceiro! N�o podes?! Chama ent�o presto o primeiro E o mais possante gladiador de Roma. E qual mais pronto, e qual mais presto assoma Nenhum p�de domar o prisioneiro. Meu cora��o triunfava nas arenas. Veio depois um domador de hienas E outro mais, e, por fim, veio um atleta, Vieram todos, por fim; ao todo, uns cem... E n�o p�de dom�-lo enfim ningu�m, Que ningu�m doma um cora��o de poeta! A Ilha de Cipango Estou sozinho! A estrada se desdobra Como uma imensa e rutilante cobra De epiderfe fin�ssima de areia... E por essa fin�ssima epiderme Eis-me passeando como um grande verme Que, ao sol, em plena podrid�o, passeia! A agonia do sol vai ter come�o! Caio de joelhos, tr�mulo... Ofere�o Preces a Deus de amor e de respeito E o Ocaso que nas �guas se retrata Nitidamente repdoruz, exata, A saudade interior que h� no meu peito... tenho alucina��es de toda a sorte... Impressionado sem cessar com a Morte E sentindo o que um l�zaro n�o sente, Em negras nuan�as l�gubres e aziagas Vejo terribil�ssimas adagas, Atravessando os ares bruscamente. Os olhos volvo para o c�u divino E observo-me pigmeu e pequenino Atrav�s de min�sculos espelhos. Assim, quem diante duma cordilheira, P�ra, entre assombros, pela vez primeira, Sente vontade de cair de joelhos! Soa o rumor fat�dico dos ventos, Anunciando� desmoronamentos De mil lajedos sobre mil lajedos... E ao longe soam tr�gicos fracassos De her�is, partindo e fraturando os bra�os Nas pontas escarpadas dos rochedos! Mas de repente, num enleio doce, Qual num sonho arrebatado fosse, Na ilha encantada de Cipango tombo, Da qual, no meio, em luz perp�tua, brilha A� �rvore da perp�tua maravilha, � cuja sombra descansou Colombo! Foi nessa ilha encantada de Cipango, Verde, afetando a forma de um losango, Rica, ostentando amplo floral risonho, Que Toscanelli viu seu sonho extinto E como sucedeu a Afonso Quinto Foi sobre essa ilha que extingui meu sonho! Lembro-me bem. Nesse maldito dia O g�nio singular da Fantasia Convidou-me a sorrir para um passeio... Ir�amos a um pa�s de eternas pazes Onde em cada deserto h� mil o�sis E em cada rocha um cristalino veio. Gozei numa hora s�culos de afagos, Banhei-me na �gua de risonhos lagos, E finalmente me cobri de flores... Mas veio o vento que a Desgra�a espalha E cobriu-me com o pano da mortalha, Que estou cosendo para os meus amores! Desde ent�o para c� fiquei sombrioi! Um penetrante e corrosivo frio Anestesiou-me a sensibilidade E a grandes golpes arrancou as ra�zes Que prendiam meus dias infelizes A um sonho antigo de felicidade! Invoco os Deuses salvadores do erro. A tarde morre. Passa o seu enterro!... A luz descreve siguezagues tortos Enviando � terra os derradeiros beijos. Pela estrada feral dois realejos Est�o chorando meus amores mortos! E a treva ocupa toda a estrada longa... O Firmamento � uma caverna oblonga Em cujo fundo a Via-L�ctea existe. E como agora a lua cheia brilha! Ilha maldita vinte vezes a ilha Que para todo o sempre me fez triste! Mater Como a cris�lida emergindo do ovo Para que o campo fl�rido a concentre, Assim, oh! M�e, sujo de sangue, um novo Ser, entre dores, te emergiu do ventre! E puseste-lhe, haurindo amplo deleite, No l�bio r�seo a grande teta farta -- Fecunda fonte desse mesmo leite Que amamentou os �febos de Esparta. -- Com que avidez ele essa fonte suga! Ningu�m mais com a Beleza est� de acordo, Do que essa pequenina sanguessuga, Bebendo a vida no teu seio gordo! Pois, quanto a mim, sem pretens�es, comparo, Essas humanas coisas pequeninas A um biscuit de quilate muito raro Exposto a�, � amostra, nas vitrinas. Mas o ramo frag�limo e venusto Que hoje nas d�beis g�mulas se esbo�a, H� de crescer, h� de tornar-se arbusto E �lamo altivo de ramagem grossa. Clara, a atmosfera se encher� de aromas, O Sol vir� das �pocas sadias... E o antigo le�o, que te esgotou as pomas, H� de beijar-te as m�os todos os dias! Quando chegar depois tua velhice Batida pelos b�rbaros invernos, Relembrar�s chorando o que eu te disse, � sombra dos sic�moros eternos! Poema negro A Santos Neto Para iludir minha desgra�a, estudo. Intimamente sei que n�o me iludo. Para onde vou (o mundo inteiro o nota) Nos meus olhares f�nebres, carrego A indiferen�a est�pida de um cego E o ar indolente de um chin�s idiota! A passagem dos s�culos me assombra. Para onde ir� correndo minha sombra Nesse cavalo de eletricidade?! Caminho, e a mim pergunto, na vertigem: -- Quem sou? Para onde vou? Qual minha origem? E parece-me um sonho a realidade. Em v�o com o grito do meu peito impreco! Dos brados meus ouvindo apenas o eco, Eu tor�o os bra�os numa ang�stia douda E muita vez, � meia-noite, rio Sinistramente, vendo o verme frio Que h� de comer a minha carne toda! � a Morte -- esta carn�vora assanhada -- Serpente m� de l�ngua envenenada Que tudo que acha no caminho, come... -- Faminta e atra mulher que, a 1 de Janeiro, Sai para assassinar o mundo inteiro, E o mundo inteiro n�o lhe mata a fome! Nesta sombria an�lise das cousas, Corro. Arranco os cad�veres das lousas E as suas partes podres examino... Mas de repente, ouvindo um grande estrondo, Na podrid�o� daquele embrulho hediondo Reconhe�o assombrado o meu Destino! Surpreendo-me, sozinho, numa cova. Ent�o meu desvario se renova... Como que, abrindo todos os jazigos, A Morte, em trajes pretos e amarelos. Levanta contra mim grandes cutelos E as baionetas dos drag�es antigos! E quando vi que aquilo vinha vindo Eu fui caindo como um sol caindo De decl�nio em decl�nio; e de decl�nio Em decl�nio, como a gula de uma fera, Quis ver o que era, e quando vi o que era, Vi que era p�, vi que era esterquil�nio! Chegou a tua vez, oh! Natureza! Eu desafio agora essa grandeza, Perante a qual meus olhos se extasiam. Eu desafio, desta cova escura, No histerismo danado da tortura Todos os monstros que os teus peitos criam. Tu n�o �s minha m�e, velha nefasta! Com o teu chicote frio de madrasta Tu me a�oitaste vinte e duas vezes... Por tua causa apodreci nas cruzes, Em que pregas os filhos que produzes Durante os desgra�ados nove meses! Semeadora terr�vel de defuntod, Contra a agress�o dos teus contrastes juntos A besta, que em mim dorme, acorda em berros Acorda, e ap�s gritar a �ltima inj�ria, Chocalha os dentes com medonha f�ria Como se fosso o atrito de dois ferros! Pois bem! Chegou minha hora de vingan�a. Tu mataste o meu tempo de crian�a E de segunda-feira at� domingo, Amarrado no horror de tua rede, Deste-me fogo quanto eu tinha sede... Deixa-te estar, canalha, que eu me vingo! S�bito outra vis�o negra me espanta! Estou em Roma. � Sexta-feira Santa. A trava invade o obscuro orbe terrestre No Vaticano, em grupos prosternados, Com as longas fardas rubras, os soldados Buardam o corpo do Divino Mestre. Como as estalactites da caverna, Cai no sil�ncio da Cidade Eterna A �gua da chuva em largos fios grossos... De Jesus Cristo resta unicamente Um esqueleto; e a gente, vendo-o, a gente Sente vontade de abra�ar-lhe os ossos! N�o h� ningu�m na estrada da Ripetta. Dentro da igreja de S�o Pedro, quieta, As luzes funerais arquejam fracas... O vento entoa c�nticos de morte. Roma estremece! Al�m, num rumor forte Recome�a o barulha das matracas. A desagrega��o da minha Id�ia Aumenta. Como as chagas da morf�ia O medo, o desalento e o desconforto Paralisam-me os c�rculos motores. Na Eternidade, os ventos gemedores Est�o dizendo que Jesus � morto! N�o! Jesus n�o morreu! Vive na serra Da Borborema, no ar de minha terra, Na mol�cula e no �tomo... Resume A espiritualidade da mat�ria E ele � que embala o corpo da mis�ria E faz da cloaca uma urna de perfume. Na agonia� de tantos pesadelos Uma dor bruta puxa-me� os cabelos. Desperto. � t�o vazia a minha vida! No pensamento desconexo e falho Trago as cartas confusas de um baralho E peda�o de cera derretida! Dorme a casa. O c�u dorme. A �rvore dorme Eu, somente eu, com a minha dor enorme Os olhos ensang�ento na vig�lia! E observo, enquanto o horror me corta a fala O aspecto sepulcral da austera sala E a impassibilidade da mob�lia. Meu cora��o, como um crital, se quebre O term�metro negue minha febre, Torne-se gelo o sangue que me abrase E eu me converta na cegonha triste Que das ru�nas duma cassa assiste Ao desmoronamento de outra casa! Ao terminar este sendito poema Onde vazei a minha dor suprema Tenho os olhos em l�grimas imersos... Rola-me na cabe�a o c�rebro oco. Por ventura, meu Deus, estarei louco?! Daqui por diante n�o farei mais versos. Eterna m�goa O homem por sobre quem caiu a praga Da tristeza do Mundo, o homem que � triste Para todos os s�culos existe E nunca mais o seu pesar se apaga! N�o cr� em nada, pois, nada h� que traga Consolo � M�goa, a que s� ele assiste. Quer resistir, e quanto mais resiste Mais se lhe aumenta e se lhe afunda a chaga. Sabe que sofre, mas o que n�o sabe � que essa m�goa infinda assim, n�o cabe Na sua vida, � que essa m�goa infinda Transp�e a vida do seu corpo inerme; E quando esse homem se transforma em verme � essa m�goa que o acompanha ainda! Queixas noturnas Quem foi que viu a minha Dor chorando?! Saio. Minh�alma sai agoniada. Andam monstros sombrios pela estrada E pela estrada, entre estes monstros, ando! N�o trago sobre a t�nica fingida As ins�gnias medonhas do infeliz Como os falsos mendigos de Paris Na atra rua de Santa Margarida. O quadro de afli��es que me consomem O pr�prio Pedro Am�rico n�o pinta... Para pint�-lo, era preciso a tinta Feita de todos os tormentos do homem! Como um ladr�o sentado numa ponte Espera algu�m, armado de arcabuz, Na �nsia incoerc�vel de roubar a luz, Estou � espera de que o Sol desponte! Bati nas pedras dum tormento rude E a minha m�goa de hoje � t�o intensa Que eu penso que a Alegria � uma doen�a E a Tristeza � minha �nica sa�de. As minhas roupas, quero at� romp�-las! Quero, arrancado das pris�es carnais, Viver na luz dos astros imortais, Abra�ado com todas as estrelas! A Noite vai crescendo apavorante E dentro do meu peito, no combate, A Eternidade esmagadora bate Numa dilata��o exorbitante! E eu luto contra a universal grandeza Na mais terr�vel desespera��o � a luta, � o pr�lio enorme, � a rebeli�o Da criatura contra a natureza! Para essas lutas uma vida � pouca Inda mesmo que os m�sculos se esforcem; Os pobres bra�os do mortal se torcem E o sangue jorra, em coalhos, pela boca. E muitas vezes a agonia � tanta Que, rolando dos �ltimos degraus, O H�rcules treme e vai tombar no caos De onde seu corpo nunca mais levanta! � natural que esse H�rcules se estor�a, E tombe para sempre nessas lutas, Estrangulado pelas rodas brutas Do mecanismo que tiver mais for�a. Ah! Por todos os s�culos vindouros H� de travar-se essa batalha v� Do dia de hoje contra o de amanh�, Igual � luta dos crist�os e mouros! Sobre hist�rias de amor o interrogar-me � v�o, � in�til, � improf�cuo, em suma; N�o sou capaz de amar mulher alguma Nem h� mulher talvez capaz de amar-me. O amor tem favos e tem caldos quentes E ao mesmo tempo que faz bem, faz mal; O cora��o do Poeta � um hospital Onde morreram todos os doentes. Hoje � amargo tudo quanto eu gosto; A b�n��o matutina que recebo... E � tudo; o p�o que como, a �gua que bebo, O velho tamarindo a que me encosto! Vou enterrar agora a harpa bo�mia Na atra e assombrosa solid�o feroz Onde n�o cheguem o eco duma voz E o grito desvairado da blasf�mia! Que dentro de minh�alma americana N�o mais palpite o cora��o -- esta arca, Este rel�gio tr�gico que marca Todos os atos da trag�dia humana! Seja esta minha queixa derradeira Cantada sobre o t�mulo de Orfeu; Seja este, enfim, o �ltimo canto meu Por esta grande noite brasileira! Melancolia! Estende-me tu�asa! �s a �rvore em que devo reclinar-me... Se algum dia o Prazer vier procurar-me Dize a este monstro que fugi de casa! Ins�nia Noite. Da M�goa o esp�rito noct�mbulo Passou de certo por aqui chorando! Assim, em m�goa, eu tamb�m vou passando Son�mbulo... son�mbulo... son�mbulo... Que voz � esta que a gemer concentro No meu ouvido e que do meu ouvido Como um bemol e como um sustenido Rola impetuosa por meu peito adentro?! -- Por que � que este gemido me acompanha?! Mas dos meus olhos no sombrio palco S�bito surge como um catafalco Uma cidade ou mapa-m�ndi estranha. A dispers�o dos sonhos vagos re�no. Desta cidade pelas ruas erra A prociss�o dos M�rtires da Terra Desde os Crist�os at� Giordano Bruno! Vejo diante de mim Santa Francisca Que com o cil�cio as tenta��es suplanta, E invejo o sofrimento desta Santa, Em cujo olhar o V�cio n�o fa�sca! Se eu pudesse ser puro! Se eu pudesse, Depois de embebedado deste vinho. Sair da vida puro como o arminho Que os cabelos dos velhos embranquece! Por que cumpri o universal ditame?! Pois se eu sabia onde morava o V�cio, Por que n�o evitei o precip�cio Estrangulando minha carne infame?! At� que dia o intoxicado aroma Das paix�es torpes sorverei contente? E os dias correr�o eternamente?! E eu nunca sairei desta Sodoma?! � propor��o que a minha ins�nia aumenta Hier�glifos e esfinges interrogo... Mas, triunfalmente, nos c�us altos, logo Toda a alvorada espl�ndida se ostenta. Vagueio pela Noite deca�da... No espa�o a luz de Aldebar� e de �rgus Vai projetando sobre os campos largos O derradeiro f�sforo da Vida. O Sol, equilibrando-se na esfera, Restitui-me a pureza da hematose E ent�o uma interior metamorfose Nas minhas arcas cerebrais se opera. O odor da margarida e da beg�nia Subitamente me penetra o olfato... Aqui, neste sil�ncio e neste mato, Respira com vontade a alma camp�nia! Grita a satisfa��o na alma dos bichos. Incensa o ambiente o fumo dos cachimbos. As �rvores, as flores, os corimbos, Recordam santos nos seus pr�prios nichos. Com o olhar a verde periferia abarco. Estou alegre. Agora, por exemplo, Cercado destas �rvores, contemplo As maravilhas reais do meu Pau d�Arco! Cedo vir�, por�m,� o funer�rio, Atro drag�o da escura noite, hedionda, Em que o T�dio, batendo na alma, estronda Como um grande trov�o extraordin�rio. Outra vez serei p�bulo do susto E terei outra vez de, em m�goa imerso, Sacrificar-me por amor do Verso No meu eterno leito de Procusto! Barcarola Camtam nautas, choram flautas Pelo mar e pelo mar Uma sereia a cantar Vela o Destino dos nautas. Espelham-se os esplendores Do c�u, em reflexos, nas �guas, fingindo cristais Das mais deslumbrantes cores. Em fulvos fil�es doirados Cai a luz dos astros por Sobre o mar�timo horror Como globos estrelados. L� onde as rochas se assentam Fulguram como outros s�is Os flam�vomos far�is Que os navegantes orientam. Vai uma onda, vem outra onda E nesse eterno vaiv�m Coitadas! n�o acham quem, Quem as esconda, as esconda... Alegoria tristonha Do que pelo Mundo vai! Se um sonha e se ergue, outro cai; Se um cai, outro se ergue e sonha. Mas desgra�ado do pobre Que em meio da Vida cai! Esse n�o volta, esse vai Para o t�mulo que o cobre. Vagueia um poeta num barco. O C�u, de cima, a luzir Como um diamante de Ofir Imita a curva de um arco. A Lua -- globo de lou�a -- Surgiu, em l�cido v�u. Cantam! Os astros do C�u Ou�am e a Lua Cheia ou�a! Ou�o do alto a Lua Cheia Que a sereia vai falar... Haja sil�ncio no mar Para se ouvir a sereia. Que � que ela diz?! Ser� uma Hist�ria de amor feliz? N�o! O que a sereia diz N�o � hist�ria nenhuma. � como um requiem profundo De trist�ssimos bem�is... Sua voz � igual � voz Das dores todas do mundo. �Fecha-te nesse medonho �Redudo de Maldi��o, �Viajeiro da Extrema-Un��o, �Sonhador do �ltimo sonho! �Numa redoma ilus�ria �Cercou-te a gl�ria falaz, �Mas nunca mais, nunca mais �H� de cercar-te essa gl�ria! �Nunca mais! S�, por�m, forte. �O poeta � como Jesus! �Abra�a-te � tua Cruz �E morre, poeta da Morte!� -- E disse e porque isto disse O luar no C�u se apagou... S�bito o barco tombou Sem que o poeta o pressentisse! Vista de luto o Universo E Deus se enlute no C�u! Mais um poeta que morreu, Mais um coveiro do Verso! Cantam nautas, choram flautas Pelo mar e pelo mar Uma sereia a cantar Vela o Destino dos nautas! Tristezas de um quarto minguante Quarto Minguante! E, embora a lua o aclare, Este Engenho Pau d�Arco � muito triste... Nos engenhos da v�rzea n�o existe Talvez um outro que se lhe equipare! Do observat�rio em que eu estou situado A lua magra, quando a noite cresce, Vista, atrav�s do vidro azul, parece Um paralelep�pedo quebrado! O sono esmaga o enc�falo do povo. Tenho 300 quilos no epigastro... D�i-me a cabe�a. Agora a cara do astro Lembra a metade de uma casca de ovo. Diabo! N�o ser mais tempo de milagre! Para que esta opress�o desapare�a Vou amarrar um pano na cabe�a, Molhar a minha fornte com vinagre. Aumentam-se-me ent�o os grandes medos. O hemisf�rio lunar se ergue e se abaixa Num desenvolvimento de borracha, Variando � a��o mec�nica dos dedos! Vai-me crescendo a aberra��o do sonho. Morde-me os nervos o desejo doudo De dissolver-me, de enterrar-me todo Naquele semic�rculo medonho! Mas tudo isto � ilus�o de minha parte! Quem sabe se n�o � porque n�o saio Desde que, 6� feira, 3 de maio, Eu escrevi os meus Gemidos de Arte?! A l�mpada a estirar l�nguas vermelhas Lambe o ar. No bruto horror que me arrebata, Como um degenerado psicopata Eis-me a contar o n�mero das telhas! -- Uma, duas, tr�s, quatro... E aos tombos, tonta Sinto a cabe�a e a conta perco; e, em suma, A conta recome�o, em �nsias: -- Uma... Mas novamente eis-me a perder a conta! Sucede a uma tontura outra tontura. -- Estarei morto?! E a esta pergunta estranha Responde a Vida -- aquela grande aranha Que anda tecendo a minha desventura! -- A luz do quarto diminuindo o brilho Segue todas as fases de um eclipse... Come�o a ver coisas de Apocalipse No tri�ngulo escaleno do ladrilho! Deito-me enfim. Ponho o chap�u num gancho. Cinco len��is balan�am numa corda, Mas aquilo mortalhas me recorda, E o amontoamento dos len��is desmancho. V�m-me � imagina��o sonhos dementes. Acho-me, por exemplo, numa festa... Tomba uma torre sobre a minha testa, Caem-me de uma s� vez todos os dentes! Ent�o dois ossos ro�dos me assombram... -- �Por ventura haver� quem queira roer-nos?! Os vermes j� n�o querem mais comer-nos E os formigueiros j� nos desprezaram�. Figuras espectrais de bocas tronchas Tornam-me o pesadelo duradouro... Choro e quero beber a �gua do choro Com as m�os dispostas � fei��o de conchas. Tal uma planta aqu�tica submersa, Antegozando as �ltimas del�cias Mergulho as m�os -- vis ra�zes advent�cias -- No algod�o quente de um tapete persa. Por muito tempo rolo no tapete. S�bito me ergo. A lua � morta. Um frio Cai sobre o meu est�mago vazio Como se fosse um copo de sorvete! A alta frialdade me insensibiliza; O suor me ensopa. Meu tormento � infindo... Minha fam�lia ainda est� dormindo E eu n�o posso pedir outra camisa! Abro a janela. Elevam-se fuma�as Do engenho enorme. A luz fulge abundante E em vez do sepulcral Quarto Minguante Vi que era o sol batendo nas vidra�as. Pelos respirat�rios t�nues tubos Dos poros vegetais, no ato da entrega Do mato verde, a terra resfolega Estrumada, feliz, cheia de adubos. C�ncavo, o c�u, radiante e estriado, observa A universal cria��o. Broncos e feios, V�rios reptis cortam os campos, cheios Dos tenros tinhor�es e da �mida erva. Babujada por baixos bei�os brutos, No h�mus feraz, hier�tica, se ostenta A monarquia da �rvore opulenta Que d� aos homens o �bolo dos frutos. De mim diverso, r�gido e de rastos Com a solidez do tegumento sujo Sulca, em di�metro, o solo um caramujo Naturalmente pelos mata-pastos. Entretanto, passei o dia inquieto, A ouvir, nestes buc�licos retiros Toda a salva festal de 21 tiros Que festejou� os funerais de Hamleto! Ah! Minha ru�na � pior do que a de Tebas! Quisera ser, numa �ltima cobi�a, A fatia esponjosa de carni�a Que os corvos comem sobre as jurubebas! Porque, longe do p�o com que me nutres Nesta hora, oh! Vida em que a sofrer me enxotas Eu estaria como as bestas mortas Pendurado no bico dos abutres! Mist�rios de um f�sforo Pego de um f�sforo. Olho-o. Olho-o ainda. Risco-o Depois. E o que depois fica e depois Resta � um ou, por outra, � mais de um, s�o dois T�mulos dentro de um carv�o prom�scuo. Dois s�o, porque um, certo, � do sonho ass�duo Que a individual psique humana tece e O outro � o do sonho altru�stico da esp�cie Que � o substractum dos sonhos do indiv�duo! E exclamo, �brio, a esvaziar b�quicos odres: -- �Cinza, s�ntese m� da podrid�o, �Miniatura aleg�rica do ch�o, �Onde os ventres maternos ficam podres; �Na tua clandestina e erma alma vasta, �Onde nenhuma l�mpada se acende, �Meu racioc�nio s�frego surpreende �Todas as formas da mat�ria gasta!� Raciocinar! Aziaga conting�ncia! Ser quadr�pede! Andar de quatro p�s � mais do que ser Cristo e ser Mois�s Porque � ser animal sem ter consci�ncia! B�bedo, os bei�os na �nfora �nfima, harto, Mergulho, e na �nfima �nfora, harto, sinto O amargor espec�fico do absinto E o cheiro animal�ssimo do parto! E afogo mentalmente os olhos fundos Na amorfia da c�tula inicial, De onde, por epig�nese geral, Todos os organismos s�o oriundos. Presto, irrupto, atrav�s ov�ide e hialino Vidro, aparece, amorfo e l�rido, ante Minha massa encef�lica minguante Todo o g�nero humano intra-uterino! � o caos da avita v�scera avarenta -- Mucosa nojent�ssima de pus, A nutrir diariamente os fetos nus Pelas vilosidades da placenta! -- Certo, o arquitetural e �ntegro aspecto Do mundo o mesmo inda e, que, ora, o que nele Morre, sou eu, sois v�s, � todo aquele Que vem de um ventre� inchado, �nfimo e infecto! � a flor dos geneal�gicos abismos -- Zooplasma pequen�ssimo e plebeu, De onde o desprotegido homem nasceu Para a fatalidade dos tropismos. -- Depois, � o ceu absc�ndito do Nada, � este ato extraordin�rio de morrer Que h� de na �ltima hebd�mada, atender Ao pedido da cl�lula cansada! Um dia restar�, na terra inst�vel, De minha antropoc�ntrica mat�ria Numa c�ncava x�cara fun�rea Uma colher de cinza miser�vel! Abro na treva os olhos quase cegos. Que m�o sinistra e desgra�ada encheu Os olhos tristes que meu Pai me deu De alfinetes, de agulhas e de pregos?! Pesam sobre o meu corpo oitenta arr�teis! Dentro um d�namo d�spota, sozinho, Sob a morfologia de um moinho, Move todos os meus nervos vibr�teis. Ent�o, do meu esp�rito, em segredo, Se escapa, dentre as t�nebras, muito alto, Na s�ntese acrob�tica de um salto, O espectro angulos�ssimo do Medo! Em cismas filos�ficas me perco E vejo, como nunca outro homem viu, Na anfigonia que me produziu Nonilh�es de mol�culas de esterco. Vida, m�nada vil, c�smico zero, Migalha de albumina semifluida, Que fez a boca m�stica do druida E a l�ngua revoltada de Lutero; Teus gineceus prol�ficos envolvem Cinza fetal!... Basta um f�sforo s� Para mostrar a inc�gnita de p�, Em que todos os seres se resolvem! Ah! Maldito o con�bio incestuoso Dessas afinidades eletivas, De onde quimicamente tu derivas, Na aclama��o simbi�tica do gozo! O enterro de minha �ltima neurona Desfila... E eis-me outro f�sforo a riscas. E esse acidente qu�mico vulgar Extraordinariamente me impressiona! Mas minha crise artr�tica n�o tarda. Adeus! Que eu vejo enfim, com a alma vencida Na abje��o embriol�gica da vida O futuro de cinza que me aguarda! OUTRAS POESIASO Lamento das coisas Triste, a escutar, pancada por pancada, A sucessividade dos segundos, Ou�o, em sons subterr�neos, do Orbe oriundos O choro da Energia abandonada! � a dor da For�a desaproveitada -- O cantoch�o dos d�namos profundos, Que, podendo mover milh�es de mundos, Jazem ainda na est�tica do Nada! � o solu�o da forma ainda imprecisa... Da transcend�ncia que se n�o realiza... Da luz que n�o chegou a ser lampejo... E � em suma, o subconsciente a� formidando Da Natureza que parou, chorando, No rudimentarismo do Desejo! O meu nirvana No alheamento da obscura forma humana, De que, pensando, me desencarcero, Foi que eu, num grito de emo��o, sincero Encontrei, afinal, o meu Nirvana! Nessa manumiss�o schopenhauereana, Onde a Vida do humano aspecto fero Se desarraiga, eu, feito for�a, impero Na iman�ncia da Id�ia Soberana! Destru�da a sensa��o que oriunda fora Do tato -- �nfima antena aferidora Destas tegument�rias m�os pleb�ias -- Gozo o prazer, que os anos n�o carcomem, De haver trocado a minha forma de homem Pela imortalidade das Id�ias! Caput Immortale Na din�mica aziaga das descidas, Aglomeradamente e em turbilh�o Solucem dentro do Universo anci�o, Todas as urbes siderais vencidas! Morra o �ter. Cesse a luz. Parem as vidas. Sobre� a pancosmol�gica exaust�o Reste apenas o acervo �rido e v�o Das muscularidades consumidas! Ainda assim, a animar o cosmos ermo, Morto o com�rcio f�sico nefando, OH! Nauta aflito do Subliminal, Como a �ltima express�o da Dor sem termo, Tua cabe�a h� de ficar vibrando Na negatividade universal! Ap�strofe � carne Quando eu pego nas carnes do meu rosto Pressinto o fim da org�nica batalha: -- Olhos que o h�mus necr�fago estracalha, Diafragmas, decompondo-se, ao sol posto... E o Homem -- negro heter�clito composto, Onde a alva flama ps�quica trabalha. Desagrega-se e deixa na mortalha O tato, a vista, o ouvido, o olfato e� o gosto! Carne, feixe de m�nadas bastardas. Conquanto em fl�meo fogo ef�mero ardas, A dardejar relampejantes brilhos. D�i-me ver, muito embora a alma te acenda, Em tua podrid�o a heran�a horrenda, Que eu tenho de deixar para os meus filhos! Louvor � unidade �Escafandros, arp�es, sondas e agulhas �Debalde aplicas aos heter�geneos �Fen�menos, e, h� in�meros mil�nios, �Num pluralismo hediondo o olhar mergulhas! �Une, pois, a irmanar diamantes e hulhas, �Com essa intui��o mon�stica dos g�nios, �A hirta forma falaz do aere perennius �A transitoriedade das fagulhas!� -- Era a estrangula�ao, sem retumb�ncia, Da multimilen�ria disson�ncia Que as harmonias siderais invade... Era, numa alta aclama��o, sem gritos, O regresso dos �tomos aflitos Ao descanso perp�tuo da Unidade! O p�ntano Podem v�-lo, sem dor, meus semelhantes!... Mas, para mim que a Natureza escuto, Este p�ntano � o t�mulo absoluto, De todas as grandezas come�antes! Larvas desconhecidas de gigantes Sobre o seu leito de pe�onha e luto Dormem tranq�ilamente o sono bruto Dos superorganismos ainda infantes! Em sua estagna��o arde uma ra�a, Tragicamente, � espera de quem passa Para abrir-lhe, �s esc�ncaras, a porta... E eu sinto a ang�stia dessa ra�a ardente Condenada a esperar perpetuamente No universo esmagado da �gua morta! Supr�me convulsion O equil�brio do humano pensamento Sofre tamb�m a s�bita ruptura, Que produz muita vez, na noite escura, A convuls�o mete�rica do vento. E a alma o obn�xio quietismo sonolento Rasga; e, opondo-se � In�rcia, � a ess�ncia pura, � a s�ntese, � o transunto, � a abreviatura De todo o ubiq�it�rio Movimento! Sonho, -- liberta��o do homem cativo -- Ruptura do equil�brio subjetivo, Ah! foi teu beijo convulsionador Que produziu este contraste fundo Entre a abund�ncia do que eu sou, no Mundo, E o nada do meu homem interior! A um g�rmen Come�aste a existir, gel�ia crua, E h�s de crescer, no teu sil�ncio, tanto Que, � natural, ainda algum dia, o pranto Das tuas concre��es pl�smicas flua! A �gua, em conjuga��o com a terra nua, Vence o granito, deprimindo-o... O espanto Convulsiona os esp�ritos, e, entanto, Teu desenvolvimento contunua! Antes, gel�ia humana, n�o progridas E em retrograda��es indefinidas, Volvas � antiga inexist�ncia calma!... Antes o Nada, oh! g�rmen, que ainda haveres De atingir, como o g�men de outros seres, Ao supremo infort�nio de ser alma! Natureza �ntima Ao fil�sofo Farias Brito Cansada de observar-se na corrente Que os acontecimentos refletia, Reconcentrando-se em si mesma, um� dia, A Natureza olhou-se interiormente! Baldada introspec��o! Noumenalmente O que Ela, em realidade, ainda sentia Era a mesma imortal monotonia De sua face externa indiferente! E a Natureza disse com desgosto: �Terei somente, porventura, rosto?! �Serei apenas mera crusta espessa?! �Pois � poss�vel que Eu, causa do Mundo, �Quando mais em mim mesma me aprofundo �Menos interiormente me conhe�a?!� A floresta Em v�o com o mundo da floresta privas! -- Todas as hermen�uticas sondagens, Ante o hieroglifo e o enigma das folhagens, S�o absolutamente negativas! Arauc�rias, tra�ando arcos de ogivas, Bracejamentos de �lamos selvagens, Como um convite para estranhas viagens, Tornam todas as almas pensativas! H� uma for�a vencida nesse mundo! Todo o organismo florestal profundo � dor viva, trancada num disfarce... Vivem s�, nele, os elementos broncos, -- As ambi��es que se fizeram troncos, Porque nunca puderam realizar-se! A meretriz A rua dos destinos desgra�ados Faz medo. O V�cio estruge. Ouvem-se os brados Da dana��o carnal... L�brica, � lua, Na sodomia das mais negras bodas Desarticula-se, em cor�as doudas, Uma mulher completamente nua! � a meretriz que, de cabelos ruivos, Bramando, �bria e lasciva, h�rridos uivos Na mesma esteira p�blica, recebe, Entre farraparias e esplendores, O eretismo das classes superiores E o orgasmo bastard�ssimo da plebe! � ela que, aliando, � luz do olhar protervo, O indumento vil�ssimo do servo Ao brilho da augustal toga pretexta, Sente, alta noite, em contor��es sombrias, Na vacuidade das entranhas frias O esgotamento intr�nseco da besta! � ela que, hirta, a arquivar credos desfeitos, Com as m�os chagadas, espremendo os peitos, Reduzidos, por fim, a �mbulas moles, Sofre em cada mol�cula a ang�stia alta De haver secado, como o estepe, � falta Da �gua criadora que alimenta as proles! � ela que, arremessada sobre o rude Despenhadeiro da decrepitude, Na vizinhan�a aziaga dos ossu�rios Representa, atrav�s os meus sentidos, A escurid�o dos gineceus falidos E a desgra�a de todos os ov�rios! Irrita-se-lhe a carne � meia-noite. Espica�a-se a ignom�nia, excita-a o acoite Do inc�ndio que lha inflama a l�ngua esp�ria. E a mulher, funcion�ria dos instintos, Com a roupa amarfanhada e os bei�os tintos, Gane instintivamente de lux�ria! Navio para o qual todos os portos Est�o fechados, urna de ovos mortos, Ch�o de onde uma s� planta n�o rebenta, Ei-la, de bru�os, b�beda de gozo Saciando o geotropismo pavoroso De unir o corpo � terra famulenta! Nesse espolinhamento repugnante O esqueleto irritado da bacante Estrala... Lembra o ru�do harto azorrague A vergastar �speros dorsos grossos. E � aterradora essa alegria de ossos Pedindo ao sensualismo que os esmague! � o pseudo-regozijo dos eunucos Por natureza, dos que s�o caducos Desde que a M�e-Comum lhes deu in�cio... � a dor profunda da incapacidade Que, pela pr�pria hereditariedade A lei da sele��o disfar�a em V�cio! � o j�bilo aparente da alma quase A eclipsar-se, no horror da oc�dua fase Esterilizadora de �rg�os... � o hino Da mat�ria incapaz, filha do inferno, Pagando com vol�pia o crime eterno De n�o ter sido fiel ao seu destino! � o Desespero que se faz bramido De anelo animal�ssimo incontido, Mais que a vaga incoerc�vel na �gua oce�nea... � a Carne que, j� morta essencialmente, Para a Finalidade Transcendente Gera o prod�gio an�mico da Ins�nia! Nas frias antec�meras do Nada O fantasma da f�mea castigada, Passa agora ao clar�o da lua acesa E � seu corpo expiat�rio, alvo e desnudo A s�ntese eucar�stica de tudo Que n�o se realizou na Natureza! Antigamente, aos t�citos apelos Das suas carnes e dos seus cabelos, Na �ptica abreviatura de um reflexo, Fulgia, em cada humana nebulosa, Toda a sensualidade tempestuosa Dos apetites b�rbaros do Sexo! O atavismo das ra�as sibaritas, Criando concupisc�ncias infinitas Como eviterno lobo insatisfeito; Na homofagia hedionda que o consome, Vinha saciar a milen�ria fome Dentro das abund�ncias do seu leito! Toda a libidinagem dos morma�os Americanos flu�a-lhe dos bra�os, Irradiava-se-lhe, h�rcica, das veias E em torrencialidades quentes e �midas, Gorda a escorrer-lhe das �rt�rias t�midas Lembrava um transbordar de �nforas cheias. A hora da morte acende-lhe o intelecto E � �mida habita��o do v�cio abjecto Afluem milh�es de s�is, rubros, radiando... Res�duos memoriais tornan-se luzes Fazem-se id�ias e ela v� as cruzes Do seu martirol�gico miserando! In�cios atrofiados de �tica, �nsia De perfei��o, sonhos de culmin�ncia, Libertos da ancestral modorra calma, Saem da inf�ncia embrion�ria e erguem-se, adultos, Lan�ando a sombra horr�vel dos seus vultos Sobre a noite fechada daquela alma! � o sublevamento coletivo De um mundo inteiro que aparece vivo, Numa cenografia de diorama, Que, momentaneamente luz fecunda, Brilha na prostituta moribunda Como a fosforec�ncia sobre a lama! � a visita alarmante do que outrora Na abund�ncia prosp�rrima da aurora, Pudera progredir, talvez, decerto, Mas que, adstrito a inferior plasma incons�til, Ficou rolando, como aborto in�til, Como o ................. do deserto! Vede! A prostitui��o of�dia aziaga Cujo t�xico instila a inf�mia , e a estraga Na delinq��ncia .............. impune, Agarrou-se-lhe aos seios impudicos Como o abra�o mort�fero do Ficus Sugando a seiva da �rvore a que se une! ................................................................................. ................................................................................. ................................................................................. ................................................................................. ................................................................................. ................................................................................. Enroscou-se-lhe aos abra�os com tal gosto, Mordeu-lhe a boca e o rosto... ................................................................................. ................................................................................. ................................................................................. ................................................................................. Ser meretriz depois do t�mulo! A alma Roubada a hirta quietude da urbe calma onde se extinguem todos os escolhos: E, condenada, ao tr�gico ditame, Oferecer-se � bicharia infame Com a terra do sepulcro a encher-lhe os olhos! Sentir a l�ngua aluir-se-lhe na boca E com a cabe�a sem cabelos, oca... ................................................................................. Na horrorosa avuls�o da forma n�vea Dizer ainda palavras de lasc�via ................................................................................. Guerra Guerra � esfor�o, � inquietude, � �nsia, � transporte... � a dramatiza��o sangrenta e dura Da avidez com que o Esp�rito procura Ser perfeito, ser m�ximo, ser forte! � a Subconsci�ncia que se transfigura Em voli��o conflagradora... � a coorte Das ra�as todas, que se entrega � morte Para a felicidade da Criatura! � a obsess�o de ver sangue, � o instinto horrendo De subir, na ordem c�smica, descendo � irracionalidade primitiva... � a Natureza que, no seu arcano, Precisa de encharcar-se em sangue humano Para mostrar aos homens que est� viva! O sarc�fago Senhor da alta hermen�utica do Fado Perlustro o atrium da Morte... � frio o ambiente E a chuva corta inexoravelmente O dorso de um sarc�fago molhado! Ah! Ningu�m ouve o solu�ante brado De dor produnfa, ac�rrima e latente, Que o sarc�fago, ereto e im�vel, sente Em sua pr�pria sombra sepultado! D�i-lhe (quem sabe?!) essa grandeza horr�vel, Que em toda a sua m�scara se expande, � humana como��o impondo-a, inteira... D�i-lhe, em suma, perante o Incognosc�vel, Essa fatalidade de ser grande Para guardar unicamente poeira! Hino � dor Dor, sa�de dos seres que se fanam, Riqueza da alma, ps�quico tesouro, Alegria das gl�ndulas do choro De onde todas as l�grimas emanam... �s suprema! Os meus �tomos se ufanam De� pertencer-te, oh! Dor, ancoradouro Dos desgra�ados, sol do c�rebro, ouro De que as pr�prias desgra�as se engalanam! Sou teu amante! Ardo em teu corpo abstrato. Com os corp�sculos m�gicos do tato Prendo a orquestra de chamas que executas... E, assim, sem convuls�o que me alvorece, Minha maior ventura � estar de posse De tuas claridades absolutas! �ltima visio Quando o homem, resgatado da cegueira Vir Deus num simples gr�o de argila errante, Ter� nascido nesse mesmo instante A mineralogia derradeira! A imp�rvia escurid�o obnubilante H� de cessar! Em sua gl�ria inteira Deus resplandecer� dentro da poeira Como um gasofil�ceo de diamante! Nessa �ltima vis�o j� subterr�nea, Um movimento universal de ins�nia Arrancar� da insci�ncia o homem precito... A Verdade vir� das pedras mortas E o homem compreender� todas as portas Que ele ainda tem de abrir para o Infinito! Aos meus filhos Na intermit�ncia da vital canseira, Sois v�s que sustentais (For�a Alta exige-o...) Com o vosso catal�tico prest�gio, Meu fantasma de carne passageira! Vulc�o da bioqu�mica fogueira Destruiu-me todo o org�nico fast�gio... Dai-me asas, pois, para o �ltimo rem�gio, Dai-me alma, pois, para a hora derradeira! Culmin�ncias humanas ainda obscuras, Express�es do universo radioativo, �ons emanados do meu pr�prio ideal, Benditos v�s, que, em �pocas futuras, Haveis de ser no mundo subjetivo, Minha continuidade emocional! A dan�a da psique A dan�a dos enc�falos acesos Come�a. A carne � fogo, A alma arde, A espa�os As cabe�as, as m�os, os p�s e os bra�os Tombam, cedendo � a��o de ignotos pesos! � ent�o que a vaga dos instintos presos -- M�e de esterilidades e cansa�os -- Atira os pensamentos mais devassos Contra os ossos cranianos indefesos. Subitamente a cerebral cor�ia P�ra. O cosmos sint�tico da Id�ia Surge. Emo��es extraordin�rias sinto. Arranco do meu cr�nio as nebulosas E acho um feixe de for�as prodigiosas Sustentando dois monstros: a alma e o instinto! O poeta do hediondo Sofro acelerad�ssimas pancadas No cora��o. Ataca-me a exist�ncia A mortificadora coalesc�ncia Das desgra�as humanas congregadas! Em alucinat�rias cavalgadas, Eu sinto, ent�o, sondando-me a consci�ncia A ultra-inquisitorial clarivid�ncia De todas as neuronas acordadas! Quanto me d�i no c�rebro esta sonda! Ah! Certamente eu sou a mais hedionda Generaliza��o do Desconforto... Eu sou aquele que ficou sozinho Cantando sobre os ossos do caminho A poesia de tudo quanto � morto! A fome e a amor A um monstro Fome! E, na �nsia voraz que, �vida, aumenta, Receando outras mand�bulas e esbangem, Os dentes antrop�fagos que rangem, Antes da refei��o sanguinolenta! Amor! E a satir�ase sedenta, Rugindo, enquanto as almas se confrangem, Todas as dana��es sexuais que abrangem A apol�nica besta famulenta! Ambos assim, tragando a ambi�ncia vasta, No desembestamento que os arrasta, Superexcitad�ssimos, os dois Representam, no ardor dos seus assomos, A alegoria do que outrora fomos E a imagem bronca do que inda hoje sois! Homo infimus Homem, carne sem luz, criatura cega, Realidade geogr�fica infeliz, O Universo calado te renega E a tua pr�pria boca te maldiz! O n�umeno e o fen�meno, o alfa e o �mega Amarguram-te. Hebd�madas hostis Passam... Teu cora��o se desagrega, Sangram-te os olhos, e, entretanto, ris! Fruto injustific�vel dentre os frutos, Mont�o de estercor�ria argila preta, Excresc�ncia de terra singular. Deixa a tua alegria aos seres brutos, Porque, na superf�cie do planeta, Tu s� tens um direito: -- o de chorar! Minha finalidade Turbilh�o teleol�fico incoerc�vel, Que for�a alguma inibit�ria acalma, Levou-me o cr�nio e p�s-lhe dentro a palma Dos que amam apreender o Inapreens�vel! Predetermina��o imprescriptivel Oriunda da infra-astral Subst�ncia calma Plasmou, aparelhou, talhou minha alma Para cantar de prefer�ncia o Horr�vel! Na canoniza��o emocionante, Da dor humana, sou maior que Dante, -- A �guia dos latif�ndios florentinos! Sistematizo, sulu�ando, o Inferno... E trago em mim, num sincronismo eterno A f�rmula de todos os destinos! Numa forja De inexplic�veis �nsias prisioneiro Hoje entrei numa forja, ao meio-dia. Trinta e seis graus � sombra. O �ter possu�a A t�rmica viol�ncia de um braseiro. ��������������� Dentro, a cuspir esc�rias ��������������� De f�lgida limalha Dardejando centelhas transit�rias, No horror da metal�rgica batalha ��������������� O ferro chiava e ria! Ria, num sardonismo doloroso ��������������� De ing�nita amargura, ��������������� Da qual, bruta, provinha Como de um negro c�spio de �gua impura ��������������� A multissecular desesperan�a ��������������� De sua esp�cia abjeta Condenada a uma est�tica mesquinha! Ria com essa met�lica tristeza ��������������� De ser na Natureza, ��������������� Onde a Mat�ria avan�a ��������������� E a Subst�ncia caminha Aceleradamente para o gozo ��������������� Da integra��o completa. Uma consci�ncia eternamente obscura! O ferro continuava a chiar e a rir, ��������������� E eu nervoso, irritado ��������������� Quase com febre, a ouvir ��������������� Cada �tomo de ferro ��������������� Contra a incude esmagado ��������������� Sofrer, berrar, tinir. Compreendia por fim que aquele berro � subst�ncia inorg�nica arrancado Era a dor do min�rio castigado Na impossibilidade de reagir! Era um cosmos inteiro sofredor, ��������������� Cujo negror profundo ��������������� Astro nenhum exorna ��������������� Gritando na bigorna Asperamente a sua pr�pria dor! ��������������� Era, erguido do p�, ��������������� Inopinadamente ��������������� Para que � vida quente Da sinergia c�smica desperte, ��������������� A ansiedade de um mundo ��������������� Doente de ser inerte, ��������������� Cansado de estar s�! ��������������� Era a revela��o ��������������� De tudo que ainda dorme No metal bruto ou na gel�ia informe No parto primitivo da Cria��o! ��������������� Era o ru�do-clar�o, ��������������� -- O �gneo jato vulc�nico Que, atravessando a absconsa cripta enorme ��������������� De minha cavernosa subconsci�ncia, ��������������� Punha em clarivid�ncia Intramoleculares s�is acesos Perpetuamente �s mesmas formas presos, Agarrados � in�rcia do Inorg�nico ��������������� Escravos da Coes�o! Repuxavam-me a boca h�rridos trismos ��������������� E eu sentia, afinal, ��������������� Essa ang�stia alarmante Pr�pria da aliena��o raciocinante, ��������������� Cheia de �nsias e medos ��������������� Com crispa��es nos dedos ��������������� Piores que os paroxismos Da �rvore que a atmosfera ultriz destronca. A ouvir todo esse cosmos potencial, Preso aos mineral�gicos abismos ��������������� Angustiado e arquejante A debater-se na estreiteza bronca ��������������� De um bloco de metal! ��������������� Como que a forja t�trica ��������������� Num estridor de estrago Executava, em l�gubre crescendo ��������������� A ant�fona assim�trica E o incompreens�vel wagnerismo aziago ��������������� De seu destino horrendo! Ao clangor de tais carmes de mart�rio Em cismas negras eu recaio imerso ��������������� Buscando no del�rio De uma imagina��o convulsionada Mais revolta talvez de que a onda atl�ntica ��������������� Compreender a sem�ntica Dessa aleluia b�rbara gritada �s margens glacial�ssimas do Nada Pelas coisas mais brutas do Universo! Noli me tangere A exalta��o emocional do Gozo, O Amor, a Gl�ria, a Ci�ncia, a Arte e a Beleza Servem de combust�veis � ira acesa Das tempestades do meu ser nervoso! Eu sou, por conseq��ncia, um ser monstruoso! Em minha arca encef�lica indefesa Choram as for�as m�s da Natureza Sem possibilidades de repouso! Agregados an�malos malditos Despeda�am-se, mordem-se, d�o gritos Nas minhas camas cerebrais fun�reas... Ai! N�o toqueis em minhas faces verdes, Sob pena, homens felizes, de sofrerdes A sensa��o de todas as mis�rias! O Canto dos presos Troa, a alardear b�rbaros sons abstrusos, O epital�mio da Suprema Falta, Entoado asperamente, em voz muito alta, Pela promiscuidade dos reclusos! No wagnerismo desses sons confusos, Em que o Mal se engrandece e o �dio se exalta, Uiva, � luz de fant�stica ribalta, A ignom�nia de todos os abusos! � a pros�dia do c�rcere, � a part�nea Aterradoramente heterog�nea Dos grandes transviamentos subjetivos... � a saudade dos erros satisfeitos, Que, n�o cabendo mais dentro dos peitos, Se escapa pela boca dos cativos! Aberra��o Na velhice autom�tica e na inf�ncia, (Hoje, ontem, amanh� e em qualquer era) Minha hibridez � a s�mula sincera Das defectividades da Subst�ncia: Criando na alma a estesia abstrusa da �nsia, Como Belerofonte com a Quimera Mato o ideal; cresto o sonho; achato a esfera E acho odor de cad�ver na fragr�ncia! Chamo-me Aberra��o. Minha alma � um misto De anomalias l�gubres. Existo Como a cancro, a exigir que os s�os enfermem... Te�o a inf�mia; urdo o crime; engendro o lodo E nas mudan�as do Universo todo Deixo inscrita a mem�ria do meu g�rmen! V�tima do dualismo Ser miser�vel dentre os miser�veis -- Carrego em minhas c�lulas sombrias Antagonismos irreconcili�veis E as mais opostas idiosincrasias! Muito mais cedo do que o imagin�veis Eis-vos, minha alma, enfim, dada �s bravias C�leras dos dualismos implac�veis E � gula negra das antinomias! Psique biforme, o C�u e o Inferno absorvo... Cria��o a um tempo escura e cor-de-rosa, Feita dos mais vari�veis elementos, Ceva-se em minha carne, como um corvo, A simultaneidade ultramonstruosa De todos os contrastes famulentos! Ao luar Quando, � noite, o Infinito se levanta � luz do luar, pelos caminhos quedos Minha t�til intensidade � tanta Que eu sinto a alma do Cosmos nos meus dedos! Quebro a cust�dia dos sentidos tredos E a minha m�o, dona, por fim, de quanta Grandeza o Orbe estrangula em seus segredos, Todas as coisas �ntimas suplanta! Penetro, agarro, ausculto, apreendo, invado Nos paroxismos da hiperestesia, O Infinit�simo e o Indeterminado... Transponho ousadamente o �tomo rude E, transmudado em rutil�ncia fria, Encho o Espa�o com a minha plenitude! A um epil�tico Perguntar�s quem sou?! -- ao suor que te unta, � dor que os queixos te arrebenta, aos trismos Da epilepsia horrenda, e nos abismos Ningu�m responder� tua pergunta! Reclamada por negros magnetismos Tua cabe�a h� de cair, defunta Na aterradora opera��o conjunta Da tarefa animal dos organismos! Mas ap�s o antrop�fago alambique Em que � mister todo o teu corpo fique Reduzido a excre��es de s�nie e lodo, Como a luz que arde, virgem, num monturo, Tu h�s de entrar completamente puro Para a circula��o do Grande Todo! Canto de onipot�ncia Cloto, �tropos, T�fon, Laquesis, Siva... E acima deles, como um astro, a arder, Na hiperculmina��o definitiva O meu supremo e estraordin�rio Ser! Em minha sobre-humana retentiva Brilhavam, como a luz do amanhecer, A perfei��o virtual tornada viva E o embri�o do que podia acontecer! Por antecipa��o divinat�ria, Eu, projetado muito al�m da Hist�ria, Sentia dos fen�menos o fim... A coisa em si movia-se aos meus brados E os acontecimentos subjugados Olhavam como escravos para mim! Minha �rvore Olha: � um tri�ngulo est�ril de �nvia estrada! Como que a erva tem dor... Roem-na amarguras Talvez humanas, e entre rochas duras Mostra ao Cosmos a face degradada! Entre os pedrou�os maus dessa morada � que, �s apalpadelas e �s escuras, H�o de encontrar as gera��es futuras S�, minha �rvore humana desfolhada! Mulher nenhuma afagar� meu tronco! Eu n�o me abalarei, nem mesmo ao ronco Do furac�o que, r�bido, remoinha... Folhas e frutos, sobre a terra ardente H�o de encher outras �rvores! Somente Minha desgra�a h� de ficar sozinha! Anseio Quem sou eu, neste erg�stulo das vidas Danadamente, a solu�ar de dor?! -- Trinta trilh�es de c�lulas vencidas, Nutrindo uma efem�ride interior. Branda, entanto, a afagar tantas feridas, A �urea m�o taumat�rgica do Amor Tra�a, nas minhas formas carcomidas, A estrutura de um mundo superior! Alta noite, esse mundo incoerente Essa elementar�ssima semente Do que hei de ser, tenta transpor o Ideal... Grita em meu grito, alarga-se em meu hausto, E, ai! como eu sinto no esqueleto exausto N�o poder dar-lhe vida material! � mesa Cedo � sofreguid�o do est�mago. � a hora De comer. Coisa hedionda! Corro. E agora, Antegozando a ensang�entada presa, Rodeado pelas moscas repugnantes ��������������� Eis-me sentado � mesa! Como por��es de carne morta... Ai! Como Os que, como eu, t�m carne, com este assomo Que a esp�cie humana em comer carne tem!... Como! E pois que a Raz�o n�o me reprime, Possa a terra vingar-se do meu crime ��������������� Comendo-me tamb�m. M�os ��������������� H� m�os que fazem medo Feias agrega��s pentagonais, Umas, em sangue, a delinq�entes natos, Assinalados pelo mancinismo, ��������������� Pertencentes talvez... Outras, negras, a farpas de rochedo ��������������� Completamente iguais... M�os de linhas an�logas e anfratos Que a Natureza onicriadora fez Em contraposi��o e antagonismo �s da estrela, �s da neve, �s dos cristais. M�os que adquiriram olhos, pituit�rias Olfativas, tent�culos sutis, E � noite, v�o cheirar, quebrando portas O azul gasofil�ceo silencioso ��������������� Dos t�lamos crist�os. M�os ad�lteras, m�os mais sang�in�rias E estupradoras do que os bisturis Cortando a carne em flor das crian�as mortas. ��������������� Monstruos�ssimas m�os, Que apalpam e olham com lasc�via e gozo A pureza dos corpos infantis. Revela��o I Escafandrista de insondado oceano Sou eu que, aliando Buda ao sibarita, Penetro a ess�ncia plasm�tica infinita, -- M�e prom�scua do amor e do �dio insano! Sou eu que, hirto, auscultando o absconso arcano, Por um poder de ac�stica esquisita, Ou�o o universo ansioso que se agita Dentro de cada pensamento humano! No abstrato abismo equ�reo, em que me inundo, Sou eu que, revolvendo o ego profundo E a escurid�o dos c�rebros medonhos, Restituo triunfalmente � esfera calma Todos os cosmos que circulam na alma Sob a forma embriol�gica de sonhos! II Treva e fulgura��o; s�nie e perfume; Massa palp�vel e �ter; desconforto E ataraxia; feto vivo e aborto... -- Tudo a unidade do meu ser resume! Sou eu que, ateando da alma o oc�duo lume, Apreendo, em cisma abismadora absorto, A potencialidade do que � morto E a efic�cia prol�fica do estrume! Ah! Sou eu que, transpondo a escarpa angusta Dos limites org�nicos estreitos, Dentro dos quais recalco em v�o minha �nsia, Sinto bater na putresc�vel crusta Do tegumento que me cobre os peitos Toda a imortalidade da Subst�ncia! Versos a um coveiro Numerar sepulturas e carneiros, Reduzir carnes podres a algarismos, Tal �, sem complicados silogismos, A aritm�tica hedionda dos coveiros! Um, dois, tr�s, quatro, cinco... Esoterismos Da Morte! E eu vejo, em f�lgidos letreiros, Na progress�o dos n�meros inteiros A g�nese de todos os abismos! Oh! Pit�goras da �ltima aritm�tica, Continua a contar na paz asc�tica Dos t�bidos carneiros sepulcrais: T�bias, c�rebros, cr�nios, r�dios e �meros, Porque, infinita como os pr�prios n�meros, A tua conta n�o acaba mais! Trevas Haver�, por hip�tese, nas geenas Luz bastante fulm�nea que transforme Dentro da noite cavernosa e enorme Minhas trevas an�micas serenas?! Raio horrendo haver� que as rasgue apenas?! N�o! Porque, na abismal subst�ncia informe, Para convulsionar a alma que dorme Todas as tempestades s�o pequenas! H� de a Terra vibrar na ard�ncia infinda Do �ter em branca luz transubstanciado, Rotos os nimbos maus que a obstruem a esmo... A pr�pria Esfinge h� de falar-vos ainda E eu, somente eu, hei de ficar trancado Na noite aterradora de mim mesmo! As montanhas I Das nebulosas em que te emaranhas Levanta-te, alma, e dize-me, afinal, Qual �, na natureza espiritual, A significa��o dessas montanhas! Quem n�o v� nas gran�ticas entranhas A subjetividade ascensional Paralisada e estrangulada, mal Quis erguer-se a cum�adas tamanhas?! Ah! Nesse anelo tr�gico de altura N�o ser�o as montanhas, porventura, Estacionadas, �ngremes, assim, Por um abortamento de mec�nica, A representa��o ainda inorg�nica De tudo aquilo que parou em mim?! II Agora, oh! deslumbrada alma, perscuta O puerp�rio geol�gico interior, De onde rebenta, em contra��es de dor, Toda a subleva��o da crusta hirsuta! No curso inquieto da terr�quea luta Quantos desejos f�rvidos de amor N�o dormem, recalcados, sob o horror Dessas agrega��es de pedra bruta?! Como nesses relevos orogr�ficos, Inacess�veis aos humanos tr�ficos Onde s�is, em semente, amam jazer, Quem sabe, alma, se o que ainda n�o existe N�o vive em g�rmem no agregado triste Da s�ntese sombria do meu Ser?! Apocalipse Minha divinat�ria Arte ultrapassa Os s�culos ef�meros e nota Diminui��o din�mica, derrota Na atual for�a, integ�rrima, da Massa. � a subvers�o universal que amea�a A Natureza, e, em noite aziaga e ignota, Destr�i a ebuli��o que a �gua alvorota E p�e todos os astros na desgra�a! S�o despeda�amentos, derrubadas, Federa��es sid�ricas quebradas... E eu s�, o �ltimo a ser, pelo orbe adiante, Espi�o da catacl�smica surpresa, A �nica luz tragicamente acesa Na universalidade agonizante! A nau A Heitor de Lima S�frega, al�ando o hirto espor�o guerreiro, Zarpa. A �ngreme cordoalha �mida fica... Lambe-lhe a quilha a esp�mea onda impudica E �brios trit�es, babando, haurem-lhe o cheiro! Na glauca art�ria equ�rea ou no estaleiro Ergue a alma mastrea��o, que o �ter indica, E estende os bra�os da madeira rica Para as popula��es do mundo inteiro! Aguarda-a ampla reentr�ncia de angra horrenda, P�ra e, a amarra agarrada � �ncora, sonha! M�goas, se as tem, subjugue-as ou disfarce-as... E n�o haver uma alma que lhe entenda A ang�stia transoce�nica medonha No rangido de todas as enx�rcias! Vol�pia imortal Cuidas que o genes�aco prazer, Fomo do �tomo e eur�tmico transporte De todas as mol�culas, aborte Na hora em que a nossa carne apodrecer?! N�o! Essa luz radial, em que arde o Ser, Para a perpetua��o da Esp�cie forte, Tragicamente, ainda depois da morte, Dentro dos ossos, continua a arder! Surdos destarte a ap�strofes e brados, Os nossos esqueletos descarnados, Em convulsivas contor��es sensuais, Haurindo o g�s sulf�drico das covas, Com essa vol�pia das ossadas novas H�o de ainda se apertar cada vez mais! O fim das coisas Pode o homem bruto, adstrito � ci�ncia grave, Arrancar, num triunfo surpreendente, Das profundezas do Subconsciente O milagre estupendo da aeronave! Rasgue os broncos basaltos negros, cave, S�frego, o solo s�xeo; e, na �nsia ardente De perscrutar o �ntimo do orbe, invente A l�mpada aflog�stica de Davy! Em v�o! Contra o poder criador do Sonho O Fim das Coisas mostra-se medonho Como o desaguadouro atro de um rio... E quando, ao cabo do �ltimo mil�nio, A humanidade vai pesar seu g�nio Encontra o mundo, que ela encheu , vazio! Viagem de um vencido Noite. Cruzes na estrada. Aves com frio... E, enquanto eu trope�ava sobre os paus, A ef�gie apocal�ptica do Caos Dan�ava no meu c�rebro sombrio! O C�u estava horrivelmente preto E as �rvores magr�ssimas lembravam Pontos de admira��o que sa admiravam De ver passar ali meu esqueleto! Sozinho, uivando hoffm�nicos dizeres, Aprazia-me assim, na escurid�o, Mergulhar minha ex�tica vis�o Na intimidade noumenal dos seres. Eu procurava, com uma vela acesa, O feto original, de onde decorrem Todas essas mol�culas que morrem Nas transubstancia��es da Natureza. Mas o que meus sentidos apreendiam Dentro da treva l�gubre, era s� O ocaso sistem�tico de p�, Em que as formas humanas se sumiam! Reboava, num ruidoso borborinho Bruto, an�logo ao pe� de m�rcios brados, A rebeldia dos meus p�s danados Nas pedras resignadas do caminho. Sentia estar pisando com a planta �vida Um povo de rad�culas e embri�es Prestes a rebentar como vulc�es, Do ventre equatorial da terra gr�vida! Dentro de mim, como num ch�o profundo, Choravam, com solu�os quase humanos, Convulsionando C�us, almas e oceanos As formas microsc�picas do mundo! Era a larva agarrada a absconsas landes, Era o abjeto vibri�o rudimentar Na impot�ncia angustiosa de falar, No desespero de n�o serem grandes! Vinha-me � boca, assim, na �nsia dos p�rias, Como o protesto de uma ra�a invicta, O brado emocionante da vindicta Das sensibilidades solit�rias! A longanimidade e o vilip�ndio, A abstin�ncia e a lux�ria, o bem e o mal Ardiam no meu orco cerebral, Numa crepita��o pr�pria de inc�ndio! Em contraposi��o � paz fun�rea, Do�a profundamente no meu cr�nio Esse funcionamento simult�neo De todos os conflitos da mat�ria! Eu, perdido no Cosmos, me tornara A assembl�ia bel�gera mals�, Onde Ormuzd guerreava com Arim�, Na disc�rdia perp�tua do sansara! J� me fazia medo aquela viagem A carregar pelas ladeiras t�tricas, Na �ssea arma��o das v�rtebras sim�tricas A ang�stia da biol�gica engrenagem! No C�u, de onde se v� o Homem de rastros, Brilhava, vingadora, a esclarecer As manchas subjetivas do meu ser A espionagem fat�dica dos astros! Sentinelas de esp�ritos e estradas, Noite alta, com a sid�rica lanterna, Eles entravam todos na caverna Das consci�ncias humanas mais fechadas! Ao castigo daquela rutil�ncia, Maior que o olhar que perseguiu Caim, Cumpria-se afinal dentro de mim O pr�prio sofrimento da Subst�ncia! Como quem traz ao dorso muitas cargas Eu sofria, ao colher simples gard�nia, A multiplica��o heterog�nea De sensa��es diversamente amargas. Mas das �rvores, frias como lousas, Flu�a, horrenda e mon�tona, uma voz T�o grande, t�o profunda, t�o feroz Que parecia vir da alma das cousas: �Se todos os fen�menos complexos, Desde a consci�ncia � ant�tese dos sexos V�m de um d�namo flu�dico de g�s, Se hoje, obscuro, amanh� p�ncaros galgas, A humildade bot�nica das algas De que grandeza n�o ser� capaz?! Quem sabe, enquanto Deus, Jeov� ou Siva Oculta � tua for�a cognitiva Fenomenalidades que h�o de vir, Se a contra��o que hoje produz o choro N�o h� de ser no s�culo vindouro Um simples movimento para rir?! Que esp�cies outras, do Equador aos p�los, Na pris�o milen�ria dos subsolos, Rasgando avidamente o h�mus mals�o, N�o trabalham, com a febre mais bravia, Para erguer, na �nsia c�smica, a Energia � �ltima etapa da objetiva��o?! � in�til, pois, que, a espiar enigmas, entres Na qu�mica gen�sica dos ventres, Porque em todas as coisas, afinal, Cr�nio, ov�rio, montanha, �rvore, iceberg, Tragicamente, diante do Homem, se ergue A esfinge do Mist�rio Universal! A pr�pria for�a em que teu Ser se expande, Deu-te (oh! mist�rio que se n�o traduz!) Neste astro ruim de t�nebras e abrolhos A efem�ride org�nica dos olhos E o simulacro atordoador da Luz! Por isto, oh! filho dos terr�queos limos, N�s, arvoredos desterrados, rimos Das v�s diatribes com que aturdes o ar... Rimos, isto �, choramos, porque, em suma, Rir da desgra�a que de ti ressuma � quase a mesma coisa que chorar!�� �s vibra��es daquele horr�vel carme Meu disp�ndio nervoso era tamanho Que eu sentia no corpo um v�cuo estranho Como uma boca s�frega a esvaziar-me! Na avan �ada epil�tica dos medos Cria ouvir, a escalar C�us e apogues, A voz cavernos�ssima de Deus, Reproduzida pelos arvoredos! Agora, astro decr�pito, em destro�os, Eu, desgra�adamente magro, a eguer-me, Tinha necessidade de esconder-me Longe da esp�cie humana, com os meus ossos! Restava apenas na minha alma bruta Onde frutificara outrora o Amor Uma volicional fome interior De ren�ncia bud�stica absoluta! Porque, naquela noite de �nsia e inferno, Eu fora, alheio ao mundan�rio ru�do, A maior express�o do homem vencido Diante da sombra do Mist�rio Eterno! A noite A nebulosidade amea�adora Tolda o �ter, mancha a gleba, agride os rios E urde amplas teias de carv�es sombrios No ar que �lacre e radiante, h� instantes, fora. A �gua transubstancia-se. A onda estoura Na negrid�o do oceano e entre os navios Troa b�rbara zoada de ais bravios, Extraordinariamente atordoadora. � cust�dia do an�mico registro A planet�ria escurid�o se anexa... Somente, iguais a espi�es que acordam cedo, Ficam brilhando com fulgor sinistro Dentro da treva on�moda e complexa Os olhos fundos dos que est�o com medo! A obsess�o do sangue Acordou, vendo sangue... Horr�vel! O osso Frontal em fogo... Ia talvez morrer, Disse. Olhou-se no espelho. Era t�o mo�o, Ah! Certamente n�o podia ser! Levantou-se. E, eis que viu, antes do almo�o, Na m�o dos a�ougueiros, a escorrer Fita rubra de sangue muito grosso, A carne que ele havia de comer! No inferno da vis�o alucianada, Viu montanhas de sangue enchendo a estrada, Viu v�sceras vermelhas pelo ch�o... E amou, com um berro b�rbaro de gozo, O monocromatismo monstruoso Daquela universal vermelhid�o! Vox victimae Morto! Consci�ncia quieta haja o assassino Que me acabou, dando-me ao corpo v�o Esta vol�pia de ficar no ch�o Fruindo na tabidez sabor divino! Espiando o meu cad�ver ressupino, No mar da humana prolifera��o, Outras cabe;as aparecer�o Para compartilhar do meu destino! Na festa genetl�aca do Nada, Abra�o-me com a terra atormentada Em contub�rnio convulsionador... E ai! Como � boa esta vol�pia obscura Que une os ossos cansados da criatura Ao corpo ubiq�it�rio do Criador! O �ltimo n�mero Hora da minha morte. Hirta, ao meu lado, A Id�ia estertorava-se... No fundo Do meu entendimento moribundo Jazia o �ltimo N�mero cansado. Era de v�-lo, im�vel, resignado, Tragicamente de si mesmo oriundo, Fora da sucess�o, estranho ao mundo, Com o reflexo f�nebre do Incriado: Bradei: -- Que fazes ainda no meu cr�nio? E o �ltimo N�mero, atro e subterr�neo, Parecia dizer-me: �� tarde, amigo! Pois que a minha antog�nica Grandeza Nunca vibrou em tua l�ngua presa, N�o te abandono mais! Morro contigo!�� M�goas Quando nasci, num m�s de tantas flores, Todas murcharam, tristes, langorosas, Tristes fanaram redolentes rosas, Morreram todas, todas sem olores. Mais tarde da exist�ncia nos verdores Da inf�ncia nunca tive as venturosas Alegrias que passam bonan�osas, Oh! Minha inf�ncia nunca tive flores! Volvendo � quadra azul da mocidade, Minh�alma levo aflita � Eternidade, Quando a morte matar meus dissabores. Cansado de chorar pelas estradas, Exausto de pisar m�goas pisadas, Hoje eu carrego a cruz de minhas dores! O condenado Folga a Justica e Geme a natureza Bocage Alma feita somente de granito, Condenada a sofrer cruel tortura Pela rua sombria d�amargura -- Ei-lo que passa -- r�probo maldito. Olhar ao ch�o cravado e sempre fito, Parece contemplar a sepultura Das suas ilus�es que a desventura Desfez em p� no h�rrido delito. E, � cruz da expia��o subindo mudo, A vida a lhe fugir j� sente prestes Quando ao golpe do algoz, calou-se tudo. O mundo � um sepulcro de tristeza. Ali, por entre matas de ciprestes, Folga a justi�a e geme a natureza. Soneto Ouvi. snhora, o c�ntico sentido Do cora��o que geme e s�estertora N��nsia letal que mata e que o devora E que tornou-o assim, triste e descrido. Ouvi, senhora, amei; de amor ferido, As minhas cren�as que alentei outrora Rolam dispersas, p�lidas agora, Desfeitas todas num guaiar dorido. E como a luz do sol vai-se apagando! E eu tiste, triste pela vida afora, Eterno pegureiro caminhando. Revolvo as cinzas de passadas eras, Sombrio e mudo e glacial, senhora, Como um coveiro a sepultar quimeras! Infeliz Alma vi�va das paix�es da vida, Tu que, na estrada da exist�ncia em fora, Cantaste e riste, e na exist�ncia agora Triste solu�as a ilus�o perdida; OH! tu, que na grinalda emurchecida De teu passado de felicidade Foste juntar os goivos da Saudade �s flores da Esperan�a enlanguescida; Se nada te aniquila o desalento Que te invade, e pesar negro e profundo, Esconde � Natureza o sofrimento, E fica no teu ermo entristecida, Alma arrancada do prazer do mundo, Alma vi�va das paix�es da vida. Soneto N�augusta solid�o dos cemit�rios, Resvalando nas sombras dos ciprestes, Passam meus sonhos sepultados nestes Brancos sepulcros, p�lidos, fun�reos. S�o minhas cren�as divinais, ardentes -- Alvos fantasmas pelos merenc�rios T�mulos tristes, soturnais, silentes, Hoje rolando nos umbrais marm�reos, Quando da vida, no eternal solu�o, Eu choro e gemo e triste me debru�o Na laje fria dos meus sonhos pulcros, Desliza ent�o a l�gubre cooorte. E rompe a orquestra sepulcral da morte, Quebrando a paz suprema dos sepulcros. Noivado Os namorados ternos suspiravam, Quando h� de ser o venturoso dia?! Quando h� de ser?! O noivo ent�o dizia E a noiva e ambos d�amores s�embriagavam. E a mesma frase o noivo repetia; Fora no campo p�ssaros trinavam. Quando h� de ser?! E os p�ssaros falavam, H� de chegar, a brisa respondia. Vinha rompendo a aurora majestosa, Dos rouxin�is ao sonoroso arpejo E a luz do sol vibrava esplendorosa. Chegara enfim o dia desejado, Ambos unidos, solu�ara um beijo, Era o supremo beijo de noivado! Soneto No meu peito arde em chamas abrasada A pira da vingan�a reprimida, E em centelhas de raiva ensurdecida A vingan�a suprema e concentrada E espuma e ruge a c�lera entranhada, Como no mar a vaga embravecida Vai bater-se na rocha empedernida, Espumando e rugindo em marulhada Mas se das minhas dores ao calv�rio, Eu subo na altitude dolorida De um Cristo a redimir um mundo v�rio, Em luta co�a natura sempiterna, J� que do mundo n�o vinguei-me em vida, A morte me ser� vingan�a eterna. Triste regresso A Dias Paredes Uma vez um poeta, um tresloucado, Apaixonou-se d�uma virgem bela; Vivia alegre o vate apaixonado, Louco vivia, enamorado dela. Mas a P�tria chamou-o. Era soldado. E tinha� que deixar pra sempre aquela Meiga vis�o, ol�mpica e singela?! E partiu, cora��o amargurado. Dos canh�es ao ribombo, e das metralhas, Altivo lutador, venceu batalhas, Juncou-lhe a fronte aurifulgente estrela. E voltou, mas a fronte aureolada, Ao chegar, pendeu triste e desmaiada, No sepulcro da loura virgem bela. Amor e religi�o Conheci-o: era um padre, um desses santos Sacerdotes da F� de cren�a pura, Da sua fala na eternal do�ura Falava o cora��o. Quantos, oh! Quantos Ouviram dele frases de candura Que d�infelizes enxugavam prantos! E como alegres n�o ficaram tantos Cora��es sem prazer e sem ventura. No entanto dizem que este padre amara. Morrera um dia desvairado, estulto, Su�alma livre para o c�u se alara. E Deus lhe disse: ��s duas vezes santo, Pois se da Religi�o fizeste culto, Foste do amor o m�rtir sacrossanto�. Soneto Ao meu prezado irm�o Alexandre J�nior pelas nove primaveras que hoje completou. Canta no espa�o a passarada e canta Dentro do peito o cora��o contente, Tu�alma ri-se descuidosamente, Minh�alma alegre no teu rir s�encanta. Irm�o querido, bom Pap[a, consente Que neste dia de ventura tanta V�, num abra�o de ternura santa, Mostrar-te o afeto que meu peito sente. Somente assim festejarei teus anos; Enquanto outros podem, d�o-te enganos, J�ias, bonecos de formoso busto, Eu s� encontro no primor da rima A justa oferta, a j�ia que te exprima O amor fraterno do teu mano. Saudade Hoje que a m�goa me apunhala o seio, E o cora��o me rasga atroz, imensa, Eu a bendigo da descren�a em meio, Porque eu hoje s� vivo da descren�a. � noite quando em funda soledade Minh�alma se recolhe tristemente, Pra iluminar-me a alma descontente, Se acende o c�rio triste da Saudade. E assim afeito �s m�goas e ao tormento, E � dor e ao sofrimento eterno afeito, Para dar vida � dor e ao sofrimento, Da saudade na campa enegrecida Guardo a lembran�a que me snagra o peito, Mas que no entanto me alimenta a vida. A esmola de Dulce Ao Alfredo A. E todo o dia eu vou como um perdido De dor, por entre a dolorosa estrada, Pedir a Dulce, a minha bem amada A esmola dum carinho apetecido. E ela fita-me, o olhar enlanguescido, E eu balbucio tr�mula balada: -- Senhora dai-me u�ma esmola -- e estertorada A minha voz solu�a num gemido. Morre-me a voz, e eu gemo o �ltimo arpejo, Estendendo � Dulce a m�o, a f� perdida, E dos l�bios de Dulce cai um beijo. Depois,� como este beijo me consola! Bendita seja a Dulce! A minha vida Estava unicamente nessa esmola. Soneto G�nio das trevas l�gubres, acolhe-me, Leva-me o esp�rito dessa luz que mata, E a alma me ofusca e o peito me maltrata, E o viver calmo e sossegado tolhe-me! Leva-me, obumbra-me em teu seio, acolhe-me N�asa da Morte redentora, e � ingrata Luz deste mundo em breve me arrebata E num pallium de t�nebras recolhe-me! Aqui h� muita luz e muita aurora, H� perfumes d�amor -- venenos d�alma -- E eu busco a plaga onde o repouso mora, E as trevas moram, e, onde d��gua raso O olhar n�o trago, nem me turba a calma A aurora deste amor que � o meu ocaso! O mar O mar � triste como um cemit�rio; Cada rocha � uma eterna sepultura Banhada pela im�cula brancura De ondas chorando num alvor et�reo. Ah! dessas vagas no bramir fun�reo Jamais vibrou a sinfonia pura Do Amor; l�, s� descanta, dentre a escura Treva do oceano, a voz do meu salt�rio! Quando a c�ndida espuma dessas vagas, Banhando a fria solid�o das fragas, Onde a quebrar-se� t�o fugaz se esfuma, Reflete a luz do sol que j� n�o arde, Treme na treva a p�rpura da tarde, Chora a Saudade envolta nesta espuma! Soneto Aurora morta, foge! Eu busco a virgem loura Que fugiu-me do peito ao teu clar�o de morte E Ela era a minha estrela, o meu �nico Norte, O grande Sol de afeto -- o Sol que as almas doura! Fugiu... E em si levou a Luz consoladora Do amor -- esse clar�o eterno d�alma forte -- Astro da minha Paz, S�rius da minha Sorte E da Noite da vida a V�nus redentora. Agora, oh! minha M�goa, agita as tuas asas, Vem! Rasga deste peito as nebulosas gazas E, num p�lio auroral de Luz deslumbradora, Ascende � Claridade. Adeus oh! Dia escuro, Dia do meu Passado! Irrompe, meu Futuro; Aurora morta, foge -- eu busco a virgem loura! Soneto Canta teu riso espl�ndido sonata, E h�, no teu riso de anjos encantados, Como que um doce tilintar de prata E a vibra��o de mil cristais quebrados. Bendito o riso assim que se desata -- C�tara suave dos apaixonados, Sonorizando os sonhos j� passados, Cantando sempre em tr�nula volata! Aurora ideal dos dias meus risonhos, Quando, �mido de beijos em ress�bios Teu riso esponta, despertando sonhos... Ah! Num del�quio de ventura louca, Vai-se minh�alma toda nos teus beijos, Ri-se o meu cora��o na tua boca! Cravo de noiva Ao Dias Paredes Cravo de noiva. A n�vea cor de cera Que o seu seio branqueja, � como os prantos N�veos, que a virgem chora, entre os encantos Dum noivado risonho em primavera. Flor de mist�rios d�alma, sacrossantos, Guarda segredos divinais que eu dera Duas vidas, se duas eu tivera Pra desvendar os seus segredos santos. E tudo quer que nessa flor se enleve O poeta. � que dessa concha arm�nea, Da lactesc�ncia ang�lica da neve, Se evolam castos, virginais aromas De ess�ncia estranha; ol�ncias de virg�nea Carne fremindo num langor de pomas. Plenil�nio Desmaia o plenil�nio. A gaze p�lida Que lhe serve de alv�ssimo sud�rio Respira ess�ncias raras, toda a c�ida M�stica ess�ncia desse alampad�rio. E a lua � como um p�lido sacr�rio, Onde as almas das virgens em cris�lida De seios alvos e de fronte p�lida, Derramam a urna dum perfume v�rio. Voga a lua na et�rea imensidade! Ela, eterna noct�mbula do Amor, Eu, noct�mbulo da Dor e da Saudade. Ah! Como a branca e merenc�ria lua, Tamb�m envolta num sud�rio -- a Dor, Minh�alma triste pelos c�us flutua! C�tara m�stica Cantas... E eu ou�o et�rea cavatina! H� nos teus l�bios -- dois sangrentos c�rios -- A g�mea floresc�ncia de dois l�rios Entrela�ados numa un��o divina. Como o santo levita dos Mart�rios, Rendo piedosa d�lia peregrina � tua doce voz que me fascina, -- Harpa virgem brandindo mil del�rios! Quedo-me aos poucos, penseroso e pasmo, E a Noite afeia como num sarcasmo E agora a sombra versperal morreu... Chegou a Noite... E para mim, meu anjo, Teu canto agora � um salmodiar de arcanjo, � a m�sica de Deus que vem do C�u! S�plica num t�mulo Maria, eis-me a tues p�s. Eu venho arrependido, Implorar-te o perd�o do imenso crime meu! Eis-me, pois, a teus p�s, perdoa o teu vencido, A�ucena de Deus, l�rio morto do C�u! Perd�o! E a minha voz estertora um gemido, E o l�bio meu para sempre apartado do tue N�o h� de beijar mais o teu l�bio querido! Ah! Quando tu morreste, o meu Sonho morreu! Perd�o, p�tria da Aurora exilada do Sonho! -- Irei agora, assim, pelo mundo, para onde Me levar o Destino abatido e tristonho... Perd�o! E este sil�ncio e esta tumba que cala! Ins�nia, ins�nia, ins�nia, ah! ningu�m me responde... Perd�o! E este sepulcro imenso que n�o fala! Afetos Bendito o amor que infiltra n�alma o enleio E santifica da exist�ncia o cado, -- Amor que � mirra e que � sagrado nardo, Turificando a languidez dum seio! O amor, por�m, que da Desgra�a veio Maldito seja, seja como o fardo Desta descren�a funeral� em que ardo E com que o fogo da paix�o ateio! Funambulescamente a alma se atira � luta das paix�es, e, como a Aurora Que ao beijo vesperal anseia e expira, Desce para a alma o ocaso da Car�cia Ora em sonhos de Dor, supremos, e ora Em contor��es supremas de Del�cia! Mart�rio supremo Duma Quimera ao fascinante abra�o, Por um Cocito ardente e luxurioso, Onde nunca gemeu o humano passo, Transpus um dia o Inferno Azul do Gozo! O amor em lavas de cand�ncia d�a�o, Banhou-me o peito... Em �nsia de repouso, Da Messalina fria no rega�o, Chora saudades do terreno pouso! Como um m�rtir de estranho sacrif�cio, Tinha os l�bios crestados pela ard�ncia Da luz letal do grande Sol do V�cio! E mergulhei mais fundo no estu�rio... Mas, no Inferno do Gozo, sem Calv�rio, Cristo d�amor morri pela inoc�ncia! R�gio Festa no pa�o! Noite... E no entretanto Luzes, flores, clar�es por toda a festa E h� nos r�gios sal�es, em cada aresta, Cred�ncias d�ouro de supremo encanto. No baldaquino a orquestra real se apresta E o �ureo dossel finge um relevo santo... -- Bissos eg�pcios d�alto gosto, a um canto, Flordilisados de nelumbo e giesta. Morreu a noite e veio o Sol Eterno -- �mbar de sangue que desceu do Inferno No turbilh�o dos alvos raios diurnos... Brilham no pa�o refulg�ncias de elmo E a princesa assomou como um santelmo Na realeza branca dos coturnos. M�rtir da fome Nesta da vida l�gubre caverna De ossos e frios funerais que eu sinto Como um chacal saciando o eterno instinto Vou saciando a minha Fome Eterna. -- Fomoe de sangue de um Passado extinto, De extintas cren�as -- bacanal superna, Horr�vel assim como a Hidra de Lerna E muda como o bronze de Corinto! �nsias de sonhos, desespero fundo! E a alma que sonha no marnel do Mundo, Morre de Fome pelas noites belas... E como� o Cristo -- o M�rtir do Calv�rio Morre. E no entanto vai para o estel�rio Matar a Fome num festim de estrelas! Festival Para J�natas Costa C�mbalos soam no sal�o. O dia Foge, e ao compasso de arrabis serenos A valsa rompe, em compassados trenos Sobre os veludos da tape�aria. Estatuetas de m�rmore de Lemnos Est�o dispostas numa simetria Inconfund�vel, recordando a estria Dos corpos de Afrodite e V�nus. Fulgem por entre mil cristais vermelhos O alvo cristal dos n�tidos espelhos E a seda verde dos arbustos glabros. E em meio �s refra��es verdes e hialinas, Vibra, batendo em todas as retinas,� A incandesc�ncia irial dos candelabros. Noturno Chove. L� fora os lampi�es escuros Semelham monjas a morrer... Os ventos, Desencadeados, v�o bater, violentos, De encontro �s torres e de encontro aos muros. Saio de casa. Os passos mal seguros Tr�mulo movo, mas meus movimentos Susto, diante do vulto dos conventos, Negro, amea�ando os s�culos futuros! De S�o Francisco no plangente bronze Em badaladas compassadas onze Horas soaram... Surge agora a Lua. E eu sonho erguer-me aos p�ramos et�reos Enquanto a chuva cai nos cemit�rios E o vento apaga os lampi�es da rua! Soneto (Feito no decurso de dois minutos, em homenagem ao anivers�rio natal�cio de Alexandre Rodrigues dos Anjos -- 28 de abril de 1905.) Para quem tem na vida compreendido Toda a grandeza da Fraternidade O anivers�rio dum irm�o querido A alma de alegres emo��es invade. Depois quando no irm�o estremecido Fazem alian�a o g�nio e a probidade, Atinge o amor um grau nunca atingido No term�metro santo da Amizade. O Alexandre dos Anjos merecia Grandes coroas nesse grande dia, Tesouros reais, aur�feros tesouros... Ter� no entanto indubitavelmente A admira��o do s�culo presente E a sagra��o dos s�culos vindouros! O negro Oh! Negro, oh! Filho da Hotent�ia ufana Teus bra�os br�nzeos como dois escudos, S�o dois colossos, dois gigantes mudos, Representando a integridade humana! Nesses bra�os de for�a soberana Gloriosamente � luz do sol desnudos Ao bruto encontro dos ferr�es agudos Gemeu por muito tempo a alma africana! No colorido dos teus br�nzeos bra�os, Fulge o fogo mordente dos morma�os E a chama fulge do solar brasido... E eu cuido ver os m�ltiplos produtos Da Terra -- as flores e os metais e os frutos Simbolizados nesse colorido! Senectude precoce Envelheci. A cal da sepultura Caiu por sobre a minha mocidade... E eu que julgava em minha idealidade Ver inda toda a gera��o futura! Eu que julgava! Pois n�o � verdade?! Hoje estou velho. Olha essa neve pura! -- Foi saudade? Foi dor? -- Foi tanta agrura Que eu nem sei se foi dor ou foi saudade! Sei que durante toda a travessia Da minha inf�ncia tr�gica, vivia, Assim como uma casa abandonada. Vinte e quatro anos em vinte e quatro horas... Sei que na inf�ncia nunca tive auroras, E afora disto, eu j� nem sei mais nada! Andr� Ch�nier Na real magnific�ncia dos gigantes Grave como um lacedem�nio harmoste Andr� Ch�nier ia subir ao poste A que Lu�s XVI subira dantes! Que a sua morte a homem nenhum desgoste E incite o hero�smo das na��es distantes!... Por isso, ele, a morrer, canta vibrantes Versos divinos que arrebatam a hoste. N�o h� quem nele um s� tremor denote! -- Continua a cantar, a alma serena... Mas, de repente, pressentindo a lousa, Batendo com a cabe�a no barrote Da guilhotina, diz ao povo: -- �� pena! -- Aqui ainda havia alguma cousa...� Mystica visio Vinha passando pelo meu caminho Um vulto estranhamente iluminado... Para onde eu ia, o vulto ia a meu lado E desde ent�o, n�o andei mais sozinho! Abra�ou-me, beijou-me com um carinho Que a um ser divino n�o seria dado... E eu me elevava, sendo assim beijado Muito acima do humano burburinho! Falou-me de ilus�es e de luares, Da tribo alegre que povoa os ares... -- Assombrava-me aquela claridade! Mas atrav�s daquelas falsas luzes Pude rever enfim todas as cruzes Que t�m pesado sobre a Humanidade! Ilus�o Dizes que sou feliz. N�o mentes. Dizes Tudo que sentes. A infelicidade Parece �s vezes com a felicidade E os infelizes mostram ser felizes! Assim, em Tebas -- a tumbal cidade, A m�mia de um her�i do tempo de �sis, Ostenta ainda as mesmas cicatrizes Que eternizaram sua heroicidade! Quem v� o her�i, inda com o bra�o altivo, Diz que ele n�o morreu, diz que ele � vivo, E, persuadido fica do que diz... Bem como tu, que nessa cren�a infinda Feliz me viste no Passado, e a inda Te persuades de que sou feliz! Gozo insatisfeito Entre o gozo que aspiro, e o sofrimento De minha mocidade, experimento O mais profundo e abalador atrito... Queimam-me o peito c�usticos de fogo Esta �nsia de absoluto desafogo Abrange todo o c�rculo infinito. Na insaciedade desse gozo falho Busco no desespero do trabalho, Sem um domingo ao menos de repouso, Fazer parar a m�quina do instinto, Mas, quanto mais me desespero, sinto A insaciabilidade desse gozo! Dol�ncias Oh! Lua morta de minha vida, ��������������� Os sonhos meus Em v�o te buscam, andas perdida E eu ando em busca dos rastos teus... Vago sem cren�as, vagas sem norte, Cheia de brumas e enegrecida, Ah! Se morreste pra minha vida! Vive, consolo de minha morte! Baixa, portanto, cora��o ermo ��������������� De lua fria � plaga triste, plaga sombria Dessa dor lenta que n�o tem termo. Tu que tombaste no caos extremo Da Noite imensa do meu Passado, Sabes da ang�stia do torturado... Ah! Tu bem sabes por que � que eu gemo! Instilo m�goas saudoso, e enquanto Planto saudades num campo morto, Ningu�m ao menos d�-me um conforto, Um s� ao menos! E no entretanto Ningu�m me chora! Ah! Se eu tombar ��������������� Cedo na lida... Oh! Lua fria vem me chorar Oh! Lua morta da minha vida! Idealiza��es A Santos Neto I Em v�o flameja, rubro, �gneo, sangrento O sol, e, fulvos, aos astrais des�gnios, Raios flamejam e fuzilam �gneos, Nas chispas fulvas de um vulc�o violento! � tudo em v�o! Atr�s da luz dourada, Negras, pompeiam (triste maldi��o!) -- Asas de corvo pelo cora��o... -- Crep�sculo fatal vindo do Nada! Que importa o Sol! A Treva, a Sombra -- eis tudo! E no meu peito -- condenada treva -- A sombra desce, e o meu pesar se eleva E chora e sangra, mudo, mudo, mudo... E h� no mei peito -- ocaso nunca visto, Martirizado porque nunca dorme As Sete Chagas dum mart�rio enorme, E os Sete Passos que magoaram Cristo! II Agora dorme o astro de sangue e de ouro Como um sult�o cansado! As nuvens como Odaliscas, da Noite ao negro assomo Beijam-lhe o corpo ensang�entado d�ouro. Legi�es de n�voas mortas e finadas Como fragmenta��es d�ouro e basalto Lembram guirlandas pompeando no Alto Eterizadas, volaterizadas. E a Noite emerge, santa e vitoriosa Dente um velarium de veludos. Atros, Descem os nimbos... No ar h� malabatros Turiferando a negrid�o tediosa. Al�m, dourando as n�voas dos espa�os, Na majestade dum condor bendito, Subindo � majestade do Infinito, A Via-L�ctea vai abrindo os bra�os! �ureas estrelas, alvas, luminosas, Trazem no peito o branco das manh�s E dormem brancas como leviat�os Sobre o oceano astral das nebulosas. Eu amo a noite que este Sol arranca! Namoro estrelas... S�rius me deslumbra, V�sper me encanta, e eu beijo na penumbra A imagem lirial da Noite Branca. III De novo, a Aurora, entre esplendores, h�-de Alva, se erguer, como tombou outrora, E como a Aurora -- o Sol -- h�stia da Aurora, Aben�oada pela Eternidade! E ei-lo de novo, ontem moribundo, Hoje de novo, curvo ao seu destino, Fant�stico, cicl�pico, assassino �brio de fogo, dominando o mundo! Mas de que serve o Sol, se triste em cada Raio que tomba no marnel da terra, Mais em meu peito uma ilus�o se enterra, Mais em minh�alma um desespero brada?! De que serve, se, � luz �urea que dele Emana e estua e se refrange e ferve, A M�goa ferve e estua, de que serve Se � desespero e maldi��o todo ele?! Pois, de que serve, se aclarandoos cerros E engalanando os arvoredos gaios, A alma se abate, como se esses raios N�alma caindo, se tornassem� ferros?! IV Poeta, em v�o na luz do sol te inflamas, E nessa luz queimas-te em v�o! �s todo P�, e h�s de ser ap�s as chamas, lodo, Como Herculanum foi ap�s as chamas. Ah! Como tu, em lodo tudo acaba, O le�o, o tigre, o mastodonte, a lesma, Tudo por fim h� de acabar na mesma T�nebra que hoje sobre ti desaba. Ningu�m se exime dessa lei imensa Que, em plena e fulva reverbera��o, Arrasta as almas pela Escurid�o, E arrasta os cora��es pela Descren�a. Ergue, pois poeta, um pedestal de tanta Treva e dor tanta, e num supremo e insano E extraordin�rio e grande e sobre-humano Esfor�o, sobre ao pedestal, e... canta! Canta a Descren�a que passou cortanto As tuas ilus�es pelas ra�zes, E em vez de chagas e de cicatrizes Deixar, foi valas funerais deixando. E foi deixando essas fun�reas, frias, Medonhas valas, onde, como abutres Medonhos, de ossos, de ilus�es te nutres, Vives de cinzas e de ruinarias! V Agora � noite! E na estelar coorte, Como recorda��o da festa diurna, Geme a pungente orquestra��o noturna E chora a fanfarra triunfal da Morte. Ent�o, a Lua que no c�u se espalha, Iluminando as serranias, banha As serranias duma luz estranha, Alva como um peda�o de mortalha! Nessa m�sica que a alma me ilumina Tento esquecer as minhas pr�prias dores, Canto, e minh�alma cobre-se de flores -- Fera rendida � m�sica divina. Harpas concertam! Brandas melodias Plangem... Sil�ncio! Mas de novo as harpas Reboam pelo mar, pelas escarpas, Pelos rochedos, pelas penedias... Eu amo a Noite que este Sol arranca! Namoro estrelas... S�rius me deslumbra, V�sper me encanta, e eu beijo na penumbra A imagem lirial da Noite Branca! A vit�ria do esp�rito Era uma preta, funeral mesquita, Abandonada aos lobos e aos leopardos Numa floresta l�gubre e esquisita. Engalanava-lhe as paredes frias Uma coroa de urzes e de cardos Coberta em p�lio pelas la�arias. Uma vez, aos lampejos derradeiros Das irisadas vespertinas velas, Feras rompiam tojos e balseiros. E pelas catacumbas desprezadas, Mochos vagavam como sentinelas, Em atalaia �s gera��es passadas! Um crep�sculo imenso, nunca visto Tauxiava o C�u de grandes roxos Da mesma cor da t�nica de Cristo. Fulgia em tudo uma estria��o violeta E um viol�ceo clar�o banhava os mochos Quem em torno estavam da mesquita preta. J� na emin�ncia da amplid�o sid�rea Como uma umbela, se desenrolava A esteira astral da retra��o et�rea. Os astros mortos refulgiam vivos E a noite, ampla e brilhante, rutilava Lantejoulada de opalinos crivos. S�bito algu�m, o passo constrangendo, -- Um vento frio come�ou gemendo. Era uma vi�va, e o olhar errante, a vi�va, Em passo lento, foi transpondo a porta, Eternamente aberta ao sol e � chuva. A Lua encheu o espa�o sem limites E, dentro, nos altares esboroados, Foram caindo como estalactites. Sobre o ouro e a prata das alfaias priscas Um dil�vio de f�sforos prateados E uma chuva doirada de fa�scas. Fora, entretanto, por um ch�o de onagras Vinha passeando como numa viagem Um grupo feio de panteras magras. E havia no atro olhar dessas panteras Essa alegria doida da carnagem Que � a alegria �nica das feras. E ardendo na impuls�o das �nsias doidas E em sevas f�rias, infernais ardendo Todas as feras, as panteras todas Avan�am para a vi�va desvalida. E raivosas, contra ela, arremetendo, Tiram-lhe todas ali mesmo a vida. Morria a noite. As fl�mulas altivas Do sol nascente erguiam-se vermelhas, Comouma exposi��o de carnes vivas. E iam cair em p�rolas de sangue Sobre as asas doiradas das abelhas, E sobre o corpo da vi�va� exangue. A Natureza celebrava a festa Do astro glorioso em cantos e baladas -- O pr�prio Deus cantava na floresta! Nos arvoredos rejuvenescidos, Estrugiam can��es desesperadas De misereres e de sustenidos. Al�m, entanto, na redoma clara Que envolve a porta da regi�o et�rea, O esp�rito da vi�va se quedara Ao contemplar dessa fulgente porta E dessa clara e alva redoma a�rea, No desfilar de sua carne morta A transitoriedade da mat�ria! Canto �ntimo Meu amor, em sonhos erra, Muito longe, altivo e ufano Do barulho do oceano E do gemido da terra! O Sol est� moribundo. Um grande recolhimento Preside neste momento Todas as for�as do Mundo. De l�, dos grandes espa�os, Onde h� sonhos inef�veis Vejo os vermes miser�veis Que h�o de comer os meus bra�os. Ah! Se me ouvisses falando! (E eu sei que �s dores resistes) Dir-te-ia coisas t�o tristes Que acabarias chorando. Que mal o amor me tem feito! Duvidas?! Pois, se duvidas, Vem c�, olha estas feridas, Que o amor abriu no meu peito. Passo longos dias, a esmo... N�o me queixo mais da sort Nem tenho medo da Morte Que eu tenho a Morte em mim mesmo! �Meu amor, em sonhos, erra, Muito longe, altivo e ufano Do barulho do oceano E do gemido da terra!�� A luva Para o Augusto Belmont Pansa na gl�ria! Arfa-lhe o peito, opresso. -- O pensamento � uma locomotiva -- Tem a grandeza duma for�a viva Correndo sem cessar para o Progresso. Que importa que, contra ele, horrendo e preto O �spide bjeto do Pesar se mova!... E s�, no quadril�tero da alcova, Vem-lhe � imagina��o este soneto: �A princ�pio escrevia simplesmente Para entreter o esp�rito... Escrevia Mais por impulso de idiossincrasia Do que por uma propuls�o consciente. Entendi, depois disso, que devia, Como Vulcano, sobre a forja ardente Da Ilha de Lemnos, trabalhar contente, Durante as vinte e quatro horas do dia! Riam de mim, os monstros zombeteiros, Trabalharei assim dias inteiros, Sem ter uma alma s� que me idolatre... Tenha a sorte de C�cero proscrito Ou morra embora, tr�gico e maldito, Como Cam�es morrendo sobre um catre!� Nisto, abre, em �nsias, a tumbal janela E diz, olhando o c�u que al�m se expande: �-- A maldade do mundo � muito grande, Mas meu orgulho ainda � maior do que ela! Ruja a boca danada da profana Coorte dos homens, com o seu grande grito, Que meu orgulho do alto do Infinito Suplantar� a pr�pria esp�cie humana! Quebro montanhas e aos tuf�es resisto Numa absoluta impassibilidade�, E como um desafio � eternidade Atira a luva para o pr�prio Cristo! Chove. Sobre a cidade geme a chuva, Batem-lhe os nervos, sacudindo-o todo, E na suprema convuls�o o doudo Parece aos astros atirar a luva! A caridade No universo a caridade Em contraste ao v�cio infando � como um astro brilhando Sobre a dor da humanidade! Nos mais sombrios horrores Por entre a m�goa nefasta A caridade se arrasta Toda coberta de flores! Semeadora de carinhos Ela abre todas as portas E no horror das horas mortas Vem beijar os pobrezinhos. Torna as tormentas mais calmas Ouve o solu�o do mundo E dentro do amor profundo Abrange todas as almas. O c�u de estrelas se veste Em fluidos de misticismo Vibra no nosso organismo Um sentimento celeste. A alegria mais acesa Nossas cabe�as invade... Gl�ria, pois, � Caridade No seio da Natureza! ��������������� ��������������� Estribilho Cantemos todos os anos Na festa da Caridade A solidariedade Dos sentimentos humanos. OUTROS POEMAS ESQUECIDOSAbandonada Bem depressa sumiu-se a vaporosa Nuvem de amores, de ilus�es t�o bela; �O brilho� se pagou daquela estrela Que a vida lhe tornava venturosa! Sombras que passam, sombras cor-de-rosa -- Todas se foram num festivo bando, Fugazes sonhos, g�rrulos voando -- Resta somente um�alma tristurosa. Coitada! o gozo lhe fugiu correndo, Hoje ela habita a erma soledade, Em que vive e em que aos poucos vai morrendo! Seu rosto triste, seu olhar magoado, Fazem lembrar em noute de saudade A luz morti�a d�um olhar nublado. Ceticismo Desci um dia ao tenebroso abismo, Onde a D�vida ergueu altar profano; Cansado de lutar no mundo insano Fraco que sou volvi ao ceticismo. Da Igreja -- a Grande M�e -- o exorcismo Terr�vel me feriu, e ent�o sereno De joelhos aos p�s do Nazareno Baixo rezei em fundo misticismo: -- Oh! Deus, eu creio em ti, mas me perdoa! Se esta d�vida cruel qual me magoa Me torna �nfimo, desgra�ado r�u. Ah, entre o medo que o meu ser aterra, N�o sei se viva pra morrer na terra, N�o sei se morra p�ra viver no c�u! A m�scara Eu sei que h� muito pranto na exist�ncia, Dores que ferem cora��es de pedra, E onde a vida borbulha e o sangue medra, A� existe a m�gua em sua ess�ncia. No del�rio, por�m, da febre ardente Da ventura fugaz e transit�ria O peito rompe a capa torment�ria Para sorrindo palpitar contente. Assim a turba inconsciente passa, Muitos que esgotam do prazer a ta�a Sentem no peito a dor indefinida. E entre a m�goa que a m�sc�ra eterna apouca A Humanidade ri-se e ri-se louca No carnaval int�rmino da vida. O coveiro Uma tarde de abril suave e pura Visitava eu somente ao derradeiro Lar; tinha ido ver a sepultura De um ente caro, amigo verdadeiro. L� encontrei um p�lido coveiro Com a cabe�a para o ch�o pendida; Eu senti a minh�alma entristecida E interroguei-o: �Eterno companheiro Da morte, quem matou-te o cora��o?� Ele apontou para uma cruz no ch�o, Ali jazia o seu amor primeiro! Depois, tomando a enxada, gravemente, Balbuciou, sorrindo tristemente: -- �Ai, foi por isso que me fiz coveiro!� Pecadora Tinha no olhar cet�neo, aveludado, A chama cruel que arrasta os cora��es, Os seios rijos eram dois bras�es Onde fulgia o simb�lo do pecado. Bela, divina, o porte emoldurado No m�rmore sublime dos contornos, Os seios brancos, palpitantes, mornos, Dan�avam-lhe no colo perfumado. No entanto, esta mulher de gr� beleza, Moldada pela m�o da Natureza, Tornou-se a pecadora vil. Do fado Do destino fatal, presa, morria, Uma noite entre as vascas da agonia, Tendo no corpo o verme do pecado! No claustro Pelas do claustro salas silenciosas, De lutulentas, �midas arcadas, Na vastid�o silente das caladas Ab�badas sombrias tenebrosas, Vagueiam tristemente desfiladas De freiras e de monjas tristurosas, Que guardam cinzas de ilus�es passadas, E � noute quando rezam na clausura, No sigilo das rezas misteriosas, Nem a sombra mais leve de ventura! S� as arcadas ogivais desnudas, E as mesmas monjas sempre tristurosas, E as mesmas portas impass�veis, mudas! Il trovatore Canta da torre o trovador saudoso -- Addio, Eleonora! oh! sonhos meus! E o canto se desprende harmonioso, Na vibra��o final do extremo adeus. Repercute dolente, mavioso, Subindo pelo Azul da Inspira��o; Assim canta tamb�m meu cora��o, Trovador tortorado e angustioso, Ai! n�o, n�o acordeis, lembran�as minhas! Saudade d�umas noutes em que vinhas Cantar comigo um doce desafio! Mas, pouco a pouco, os sons esmorecendo, Perdem-se as notas pelo Azul morrendo, -- Addio Eleonora, addio, addio! A louca Quando ela passa: -- a veste desgrenhada, O cabelo revolto em desalinho, No seu olhar feroz eu adivinho O mist�rio da dor que a traz penada. Mo�a, t�o mo�a e j� desventurada; Da desdita ferida pelo espinho, Vai morta em vida assim pelo caminho, No sud�rio da m�goa sepultada. Eu sei a sua hist�ria. -- Em seu passado Houve um drama d�amor misterioso -- O segredo d�um peito torturado -- E hoje, para guardar a m�goa oculta, Canta, solu�a -- o cora��o saudoso, Chora, gargalha, a desgra�ada estulta. Primavera Primavera gentil dos meus amores, -- Arca cer�lea de ilus�es et�reas, Chova-te o C�u cintila��es sid�reas E a terra chova no teu seio flores! Esplende, Primavera, os teus fulgores, Na aur�ola azul, dos dias teus risonhos, Tu que sorveste o fel das minhas dores E me trouxeste o n�ctar dos teus sonhos! Cedo vir�, por�m, o tiste outono, Os dias voltar�o a ser tristonhos E tu h�s de dormir o eterno sono, Num sepulcro de rosas e de flores, Arca sagrada de cer�leos sonhos, Primavera gentil dos meus amores! A esperan�a A Esperan�a n�o murcha, ela n�o cansa, Tamb�m como ela n�o sucumbe a Cren�a, V�o-se sonhos nas asas da Descren�a, Voltam sonhos nas asas da Esperan�a. Muita gente infeliz assim n�o pensa; No entanto o mundo � uma ilus�o completa, E n�o � a Esperan�a por senten�a Este la�o que ao mundo nos manieta? Mocidade, portanto, ergue o teu grito, Sirva-te a Cren�a do fanal bendito, Salve-te a gl�ria no futuro -- avan�a! E eu, que vivo atrelado ao desalento, Tamb�m espero o fim do meu tormento, Na voz da Morte a me bradar; descansa! � Soneto Senhora, eu trajo o luto do Passado, Este luto sem fim que � o meu Calv�rio E ansio e choro, delirante e v�rio, Son�mbulo da dor angustiado. Quantas venturas que me acalentaram! Meu peito t�m�lo do prazer finado Foi outrora do riso aben�oado, O ber�o onde as venturas se embalaram. Mas n�o queiras saber nunca risonha O mist�rio d�um peito que estertora E o segredo d�um�alma que n�o sonha! N�o, n�o busques saber porque, Senhora, � minha sina perenal, tristonha -- Cantar o Ocaso quando surge a Aurora. Sofredora Cobre-lhe a fria palidez do rosto O sendal da tristeza que a desola; Chora -- o orvalho do pranto lhe perola As faces maceradas de desgosto. Quando o ros�rio de seu pranto rola, Das brancas rosas do seu triste rosto Que rolam murchas como um sol j� posto Um perfume de l�grimas se evola. Tenta �s vezes, por�m, nervosa e louca Esquecer por momento a m�goa intensa Arrancando um sorriso � flor da boca. Mas volta logo um negro desconforto, Bela na Dor, sublime na Descren�a, Como Jesus a solu�ar no Horto. Ecos d�alma Oh! madrugada de ilus�es, sant�ssima, Sombra perdida l� do meu Passado, Vinde entornar a cl�mide pur�ssima Da luz que fulge no ideal sagrado! Longe das tristes noutes tumulares Quem me dera viver entre quimeras, Por entre o resplandor das Primaveras Oh! madrugada azul dos meus sonhares. Mas quando vibrar a �ltima balada Da tarde e se calar a passarada Na bruma sepulcral que o c�u emba�a Quem me dera morrer ent�o risonho Fitando a nebulosa do meu sonho E a Via-L�ctea da Ilus�o que passa! Amor e cren�a Sabes que � Deus? Esse infinito e santo Ser que preside e rege os outros seres, Que os encantos e a for�a dos poderes Re�ne tudo em si, num s� encanto? Esse mist�rio eterno e sacrossanto, Essa sublime adora��o do crente, Que lava as dores e que enxuga o pranto? Ah! Se queres saber a sua grandeza Estente o teu olhar � Natureza, Fita a c�p�la do C�u santa e infinita! Deus � o Templo do Bem. Na altura imensa, O amor � a h�stia que bendiz a cren�a, Ama, pois, cr� em Deus e... s� bendita! Arana Ela � o tipo perfeito da ariana. Branca, nevada, p�bere, mimosa, A carne exuberante e capitosa Trescala a ess�ncia que de si dimana. As n�eas pomas do candor da rosa, Rendilhando-lhe o colo de sultana, Emergem da camisa cetinosa Entre as rendas sutis de filigrana. Dorme talvez. Em fl�cido abandono Lembra formosa no seu casto sono A languidez dormente da indiana. Enquanto o amante p�lido, a seu lado, Medita, a fronte triste, o olhar velado, No Mist�rio da Carne Soberana. Tempos idos N�o enterres, coveiro, o meu Passado, Tem pena dessas cinzas que ficaram; Eu vivo d�essas cren�as qe passaram, E quero sempre t�-las ao meu lado! N�o, n�o quero o meu sonho sepultado No cemit�rio da Desilus�o, Que n�o se enterra assim sem compaix�o Os escombros benditos do Passado! Ai! n�o me arranques d�alma este conforto! -- Quero abra�ar� o meu Passado morto -- Dizer adeus aos sonhos meus perdidos! Deixa ao menos que eu suba � Eternidade Velado pelo c�rio da Saudade, Ao dobre funeral dos tempos idos! Soneto Na rua em funeral ei-la que passa A romaria eterna dos aflitos, A prociss�o dos tristes, dos proscritos, Dos romeiros saudosos da desgra�a. E na cho�a a lam�ria que traspassa O cora��o, al�m, �nsias e gritos De m�es que arquejam sobre os pobrezitos Filhos que a fome derrubou na pra�a. Entre todos, por�m, l�nguida e bela, Da juventude a� virginal capela A lhe cingir de luz a fronte ba�a, Vai Corina mendiga e esfarrapada, A alma saudosa pelo amor vibrada -- A Stella Matutina da Desgra�a. Soneto Adeus, adeus, adeus!� E suspirando Sa� deixando morta a minha amada, Vinha� o luar iluminando a estrada E eu vinha pela estrada solu�ando. Perto um ribeiro claro murmurando Muito baixinho como quem chorava, Parecia o ribeiro estar chorando As l�grimas que eu triste gotejava. S�bito ecoou o sino o som profundo! Adeus!� -- eu disse. para mim no mundo Tudo acabou-se, apenas restam m�goas. Mas no mist�rio astral da noite bela Pareceu-me inda ouvir o nome dela No marulhar mon�tono das �guas! A aenonave Cindindo a vastid�o do Azul profundo, Sulcando o espa�o, devassando a terra, A Aeronave que um mist�rio encerra Vai pelo espa�o acompanhando o mundo. E na esteira sem fim da az�lea esfera Ei-la embalada n�amplid�o dos ares, Fitando o abismo sepulcral dos mares Vencendo o azul que ante si s�erguera. Voa, se eleva em busca do Infinito, � como um despertar de estranho mito, Auroreando a humana consci�ncia. Cheia da� luz do cintilar de um astro, Deixa ver na fulg�ncia do seu rastro A trajet�ria augusta da Ci�ncia. Lirial Porque choras assim, tristonho l�rio, Se eu sou o orvalho eterno que te chora, P�ra que pendes o c�lice que enflora Teu seio branco do palor do c�rio?! Baixa a mim, irm� p�lida da Aurora, Estrela esmaecida do Mart�rio; Envolto da tristeza no del�rio, Deixa beijar-se a face que descora! Fosses antes a rosa purpurina E eu beijaria a p�tala divina Da rosa onde n�o pousa a desventura. Ai! que ao menos talvez na vida escassa N�o chorasses � sombra da desgra�a, Para eu sorrir � sombra da ventura! A minha estrela Eu disse -- Vai-te, estrela do Passado! Esconde-te no Azul da Imensidade, L� onde nunca chegue esta saudade, -- A sombra deste afeto estiolado. Disse, e a estrela foi p�ra o C�u subindo, Minh�alma que de longe a acompanhava, Viu o adeus que ela do C�u enviava, E quando ela no Azul foi se sumindo Surgia a Aurora -- a m�gica princesa! E eu vi o Sol do C�u iluminando A Catedral da Grande Natureza. Mas a noute chegou, triste, com ela Negras sombras tamb�m foram chegando, E eu nunca mais vi a minha estrela! Soneto A pra�a estava cheia. O condenado Transpunha nobremente o cadafalso, Puro de crime, isento de pecado, V�tima augusta de indel�vel falso. E na atitude do Crucificado, O olhar azul pregado n�amplid�o, Pude rever naquele desgra�ado O drama lutuoso da Paix�o. Quando do algoz cruento o bra�o al�ado Se dispunha a vibrar sem compaix�o O golpe na cabe�a do culpado Ele, o algoz -- o criminoso -- ent�o, Caiu na pra�a como fulminado A solu�ar: perd�o, perd�o, perd�o! Versos d�um exilado Eu vou partir. Na l�mpida corrente Rasga o batel o leito d��gua fina -- Albatroz deslizando mansamente Como se fosse vaporosa Ondina. Exilado de ti, oh! P�tria! ausente Irei cantar a m�goa peregrina Como canta o pastor a matutina Trova d�amor, � luz do sol nascente! N�o mais virei talvez e, l� sozinho, Hei de lembrar-me do meu p�trio ninho D�onde levo comigo a nostalgia E esta lembran�a que hoje me quebranta E que eu levo hoje como a imagem santa Dos sonhos todos que j� tive um dia! Ave dolorosa Ave perdida para sempre -- cren�a Perdida -- segue a trilha que te tra�a O Destino, ave negra da Desgra�a, G�mea da M�goa e n�ncia da Descren�a! Dos sonhos meus na Catedral imensa Que nunca pouses. L�, na n�voa ba�a, Onde o teu vulto l�rido esvoa�a, Seja-te a vida uma agonia intensa! Vives de cren�as mortas e te nutres, Empenhada na sanha dos abutres, Num desespero r�bido, assassino... E h�s de tombar um dia em m�goas lentas, Negrejada das asas lutulentas Que te emprestar o corvo do Destino! Nimbus Nimbos de bronze que empanais escuros O santu�rio azul da Natureza, Quando vos vejo negros palinuros Da tempestade negra e da tristeza, Abismados na bruma enegrecida, Julgo ver nos reflexos da minh�alma As mesmas nuvens deslizando em calma, Os nimbos das procelas desta vida; Mas quando c�u � l�mpido, sem bruma Que a transpar�ncia tolda, sem nenhuma Nuvem sequer, ent�o, num mar de esp�ran�a, Que o c�u reflete, a vida � qual risonho Batel, e a alma � a fl�mula do sonho, Que o guia e leva ao porto da bonan�a. No campo Tarde. Um arroio canta pela umbrosa Estrada; as �guas l�mpidas alvejam Como cristais. Aragem suspirosa Agita os roseirias que ali vicejam. No Alto, entretanto, os astros rumorejam Um press�gio de noute luminosa E ei-la que assoma -- a Louca Tenebrosa, Branca, emergindo �s trevas que a negrejam. Chora a corrente m�rmura, e, � dolente Un��o da noute, as flores tamb�m choram Num chuveiro de p�talas, nitente, Pendem e caem -- os roseirais descoram E elas b�iam no pranto da corrente Que as rosas, ao luar, chorando enfloram. Ins�nia No mundo vago das idealidades Afundei minha louca fantasia; Cedo atraiu-me a aur�ola fugidia Da refulg�ncia antiga das idades. Mas ao esplendor das velhas majestades Vacila a mente e o seu ardor esfria; Busquei ent�o na nebulosa fria Das Ilus�es, sonhar novas idades. Que desespero insano me apavora! Aqui, chora um ocaso sepultado; Ali, pompeia a luz da branca aurora E eu tremo e hesito entre um mist�rio escuro -- Quero partir em busca do Passado -- Quero correr em busca do Futuro. O bandolim Cantas, solu�as, bandolim do Fado E de Saudade o peito meu transbordas; Choras, e eu julgo que nas tuas cordas Choram todas as cordas do Passado! Guardas a alma talvez d�um desgra�ado, Um dia morto da Ilus�o �s bordas, Tanto que cantas, e ilus�es acordas, Tanto que gemes, bandolim do Fado. Quando alta noute, a lua � triste e calma, Teu canto, vindo de produndas fr�guas, � como as n�nias do Coveiro d�alma! Tudo eterizas num coral de endeixas... E vais aos poucos solu�ando m�goas, E vais aos poucos solu�ando queixas! Ara maldita Como um�ave, cindindo os c�us risonhos, Meiga, tu vinhas a cindir os ares, E, qual h�stia, caindo dos altares, Foste caindo n�ara dos meus sonhos. E eu vi os seios teus virem inconhos -- Esses teus seios que os cer�leos lares Branquejaram de eternos nenufares, Para nunca tocarem negros sonhos! Ca�ste enfim no meu sacr�rio ardente, Quiseste-me beijar a ara do peito, E eu quis beijar-te o l�bio redolente. E beijei-te, mas eis que neste enleio, Tocando n�ara negra o n�veo seio, Ca�ste morta ao celestial preceito. Soneto Na et�rea limpidez de um sonho branco, L�cia sorriu-se � bruma nevoenta, E a procela chorou n�um fundo arranco De m�goa triste e de paix�o violenta. E L�cia disse � bruma lutulenta: -- Foge, sen�o co�o o meu olhar te espanco! E eu vi que, � voz de L�cia, grave e lenta, O c�u tremia em seu trevoso flanco. Fulgia a bruma para sempre. A vida Despontava na aurora amortecida � rutil�ncia m�gica do dia. Aquele riso despertava a aurora! E tudo riu-se, e como L�cia, agora, O sol, alegre e rubro, tamb�m ria! Treva e luz Neste p�lago escuro em que te afundas, Longe das sombras aurorais e amadas, Sentes o peito em �nsias revoltadas, Diluis teu peito em sensa��es profundas. Mas, eis que emerges, luminosa, �s fundas �guas do mar das gl�rias obumbradas, E, ante o branco estendal das madrugadas, Nua, em banho ideal de amor te inundas. Agora, � luz das alvoradas santas Ungem-te o corpo redol�ncias tantas, Que, ao ver-te nua, o Mundo se concentre, E a lua, a Virgem M�e dos c�us escampos, Que beija a terra e que aben�oa os campos, Beije-te o seio e te aben�oe o ventre! Soneto O Templo da Descren�a -- ei-lo que avisto. A imensa Cruz da Dor est� serena como um l�rio! E vejo o pedestal que sustenta o Mart�rio; E vejo o pedestal que sustenta a Descren�a! -- A colunata �xul do Sonho Morto -- o c�rio Da Quimera Falaz, o t�mulo da Cren�a, Tudo! at� o altar onde a Ang�stia vibra intensa N�uma f�ria assombral de feras em del�rio! Penetro louco enfim o abismo funer�rio, E a rasgar, a rasgar o l�rido sacr�rio, Em mim como no Templo a Ang�stia se condensa, E em mim como no Templo, urnas de Sonho; e, em bando, Flores mortas da Aurora, e, eu sombrio chorando Ante a imagem fatal do Sepulcro da Cren�a! A peste Filha da raiva de Jeov� -- a Peste N�um insano ceifar que aterra e espanta, De espa�o a espa�o sepulturas planta E em cada cora��o planta um cipreste! Exulta o Eterno e... tudo chora, tudo! Quando Ela passa, semeando a Morte, Todos dizem co�os olhos para a Sorte -- � o castigo de Deus que passa mudo! -- F�lgido foco de escaldantes brasas -- O sol a segue, e a Peste ri-se, enquanto Vai devastando o cora��o das casas... E como� o sol que a segue e deixa um rastro De luz em tudo, ela, como o sol� -- o astro -- Deixa um rastro de luto em cada canto! Ideal Quero-te assim, formosa entre as formosas, No olhar d�amor a m�stica fulg�ncia E o misticismo c�ndido das rosas, Plena de gra�a, santa de inoc�ncia! Anjo de luz de astral aurifulg�ncia, Et�reo como as Wilis vaporosas, Embaladas no albor da adolesc�ncia, -- Virgens filhas das virgens nebulosas! Quero-te assim, formosa, entre esplendores, Colmado o seio de virentes flores, A alma dilu�da em eterais cismares... Quero-te assim -- e que bendita sejas Como as aras sagradas das igrejas, Como o Cristo sagrado dos altares. Sombra imortal -- E tu elas, a s�s, no p� da fulgur�ncia Como uma velha cruz vela na sombra morta! Fora, a noute � tumbal... e a saudade da inf�ncia, Como um�alma de m�e, me acalenta e conforta! Noute! E somente tu velas a rutil�ncia... Lua que j� passou� e que hoje ainda corta O penetral que guia � derradeira est�ncia, O penetral que leva � derradeira porta! Revejo em ti, mulher, num l�nguido smorzando A sombra virginal qu�eu adoro chorando E h� de um dia amparar-me na luta correndo... Ah! que um dia da Vida, estes dardos ac�leos Ca�am, tamb�m da Dor, l� dos bra�os herc�leos, Domados pela meiga �nfale a que me rendo! Cora��o frio Frio o sagrado cora��o da lua, Teu cora��o rolou da luz serena! E eu tinha ido ver a aurora tua Nos raios d�ouro da celeste arena... E vi-te triste, desvalida e nua! E o olhar perdi, ansiando a luz amena No sil�ncio not�vago da rua... -- Son�mbulo glacial da estranha pena! Estavas fria! A neve que a alma corta N�o gele talvez mais, nem mais alquebre Um cora��o como a alma que est� morta... E estavas morta, eu vi, eu que te almejo, Sombra de gelo que me apaga a febre, -- Lua que esfria o sol do meu desejo! Noturno Para o vale noital da eterna gaza Rolou o Sol -- imenso moribundo -- E a noute veio na negrura d�asa, Santificada pela Dor do Mundo! U�a luz, entanto, no negror me abrasa, E um canto vai morrer no vale fundo... Que luz � esta que das brumas vasa, Que canto � este, virginal, profundo?! Rumores santos... e no santo arpejo, Somente tristes os teus olhos veho, Para o Infinito e para o C�u voltados! Cantas, e � noute de fatais abrolhos... Choras, e no meu peito estes teus olhos Como que cravam dois punhais gelados! Sedutora Alva d�aurora, e em l�nguida sonata Vinhas transpondo a margem do caminho, Branca bem como empalidecido arminho, Alvorejando em arrebol de prata. Bendita a Santa do Carinho, inata! E, ajoelhando � imagem do Carinho, O roble altivo� entreteceu-te um ninho, Alva d�aurora, te acolheu a mata. P�rolas e ouro pela serrania... No lago branco e r�tilo do dia O azul pompeava para sempre vasto. Chegaste, o seio branco, e, tu, chegando, Uma pantera foi-se ajoelhando, Rendida ao efl�vio do teu seio casto! Pelo mundo �nsias que pungem, m�rbidos encantos, Crepita��es de flamas incendidas Nalma explodindo como fogos santos, V�o pelo mundo ensang�entando as Vidas. Efl�vios quentes e fatais quebrantos Crestam a alma das virgens adormidas... E as brumas velam nos sinistros mantos E as virgens dormem nas tumbais jazidas! S�bitos fremem �spasmos derradeiros... E a paix�o morre� e os cora��es coveiros V�o como duendes pelos c�us risonhos, Chorando auroras m�sicas perdidas Na estrada santa ensang�entando as Vidas, Nos campos-santos enterrando os Sonhos! Soneto E o mar gemeu a funda melop�ia � luz feral que a tarde morta instila, Triste como um solu�o de Dalila, Fria como um crep�sculo da Jud�ia. J� V�sper, no Alto, a l�nquida, cintila! Naquela hora morria para a Id�ia A minha branca e desgra�ada D�a, Qual rosa branca que ao tuf�o vacila. E o mar chamou-a para o fundo abismo! E o c�u chamou-a para o Misticismo. Nesse momento a Lua vinha calma E c�u e mar num desespero mudo N�o viram que num halo de veludo � alma de D�a se evolava est�alma. O riso �Ri, cora��o, trist�ssimo palha�o�. Cruz e Sousa O Riso -- o valtairesco clown -- quem mede-o?! -- Ele, que ao frio alvor da M�goa Humana, Na Via-L�ctea fria do Nirvana, Alenta a Vida que tombou no T�dio! Que � Dor se prende, e a todo o seu ass�dio, E ergue � sombra da dor a que se irmana Laur�is de sangue de vol�pia insana, Clar�es de sonho em nimbos de epic�dio! Bendito sejas, Riso, clown da Sorte -- Fogo sagrado nos festins da Morte -- Eterno fogo, saturnal do Inferno! Eu te bendigo! No mundano c�mulo �s a Ironia que tombou no t�mulo Nas sombras mortas de um desgosto eterno! Soneto Vamos, querida! J� � Ave-Maria -- A hora dos tristes e dos descontentes. Desfaz-se o peito em vibra��es dormentes E o Fado geme sob a n�voa fria! Que eu sinta n�alma o que tu n�alma sentes! Nesta Missa de Atroz Melancolia Bebes chorando o Vinho da Agonia -- Consagra��o das almas padecentes! Foi numa tarde assim que nos amamos. Silfos morriam... No ar, os gaturamos Num recesso de n�voa, adormecida... Punge-me o peito da Saudade o cardo Enquanto num mocho, sonolento e tardo, Canta no espa�o a maldi��o da Vida! A um m�rtir Alma em cil�cio, vem, enrista a clava, Brande no seio o esp�culo e o acinace E unjam-te o seio que d�auroras nasce Sangrentas b�n��os eclodindo em lava! Nossa Senhora te unge a face escrava, Cristo saudoso te aben�oa a face De monja -- violeta que do C�u baixasse � Virgem Santa Natureza brava! Vais caminhando para a terra extrema, Rosa dos Sonhos! e o teu galho trema E a tua cren�a, o desespero mate-a... E em nuvens d�ouro ascende enfim ao plaustro Da Neve Eterna, estrela azul do claustro, Levada para o Azul da Via-L�ctea! Pelo mar Manh� em flor. O mar � um policromo E imenso lago d��ris e alabastros... � aurora � brano e ao sol, o mar � como Um p�lio imenso que caiu dos astros. Longe, bem longe, no alvoral assomo Ergue um navio os altanados mastros E o Oceano dorme -- alourecido pomo Num leito irial de p�rolas e nastros. A alma da M�goa vai pelo seu dorso, Em sonhos geme... Um cora��o de corso Geme no mar, vibra no mar, entanto, Colma-lhe o seio a opala das esponjas... E � noute morta choram vagas -- monjas Purificadas no cristal do pranto! Pallida luna �s do Passado! Vieste d�alvorada N�asa dos elfos pela Morte espalma... Cantas... e eu ou�o esta berceuse calma Da harpa dos mundos ideais do Nada! Ergue o Missal brilhante de tu�alma, Mas nessa eleva��o mistificada, Vem, que eu te espero, Deusa constelada Desce, an�mona �xul que o C�u ensalma! Venhas e des�as, Lua dos Mart�rios, Des�as, mas venhas pela un��o dos l�rios. Vis�o de Ocaso de anluaradas comas, Vaso de Un��o descido dos espa�os, Para ungirmos n�s dois, os nossos pa�os, Na tule idealizada dos aromas. A morte de V�nus Velhos berilos, p�lidas cortinas, Morno frouxel de nardos recendendo Velam-lhe o sono, e V�nus vai morrendo No ber�o azul� das n�voas matutinas! Halos de luz de brancas musselinas V�o-lhe do corpo virginal descendo -- Abelha irial que foi adormecendo Sobre um coxim de p�rolas divinas. E quando o Sol lhe beija a esp�dua nua, Cai-lhe da carne o resplendor da Lua No reverbero dos deslumbramentos... Enquanto no ar h� s�ndalos, h� flores E haustos de morte -- os �ltimos cangores Da m�sica chorosa dos mementos! Sonho de amor Sobre o aromal e amplo coxim de Flora, Que os vapores da tarde inca incensavam E que um incenso t�nue e bom vapora, Os namorados l�nguidos sonhavam. A alma do Ocaso entrava o c�u agora E havia pelas t�nebras que entravam Ora estrangulamentos surdos, ora Ru�dos de carnes que se estrangulavam. E sonharam assim durante toda A noute, e toda a alva manh� durante! -- O Sol jorrava largos raios longos E em roda v�ride e nevado, em roda, Lembrava o campo um colorido ondeante De vidros verdes e cristais oblongos! Soneto A orgia mata a mocidade, quando Rugem na carne do del�rio as feras, E o mo�o morre como est� sonhando Nas suas vinte e cinco primaveras. Em cima -- o oiro sem mancha das esferas, Em baixo oiro manchado de execrando Festim de sibaritas, de heteras Lubricamente se despeda�ando! Em cima, a rede do estel�rio im�culo Suspensa no alto como um tabern�culo -- A orgia, em baixo, e no del�rio doudo Como arvoredos juvenis tombados Os mo�os mortos, os bras�es manchados, E um turbilh�o de p�rpuras no lodo! Soneto E ele morreu. Ele que foi um forte Que nunca se quebrou pelo Desgosto Morreu... mas n�o deixou na ara do rosto Um s� vest�gio que acusasse a Morte! O anatomista que investiga a sorte Das vidas que se abismam no Sol-posto Ficaria admirado do seu rosto Vendo-o t�o belo, t�o sereno e forte! Quando meu Pai deixou o lar amigo Um sabi� da casa muito antigo, Que h� muito tempo n�o cantava l�, Diluiu o sil�ncio em litanias... E hoje, poetas, j� faz sete dias Que eu ou�o o canto desse sabi�! Vae victis A Dor meu cora��o tor�a e retor�a E me retalhe como se retalha Para esc�rnio e alegria da canalha Um le�o vencido que perdeu a for�a! Sobre mum caia essa vingan�a corsa, J� que perdi a �ltima batalha! E, enquanto o T�dio a carne me trabalha, A Dor meu cora��o tor�a e retor�a! Cubra-me o corpo a podrid�o dos trapos! Os vibri�es, os vermes vis, os sapos Encontrem nele p�bulo eviterno... -- Reposit�rio de milh�es de miasmas Onde se fartem todos os fantasmas, Primavera, ver�o, outono, inverno! A dor Chama-se a Dor, e quando passa, enluta E todo mundo que por ela passa H� de beber a ta�a da cicuta E h� de beber at� o fim da ta�a! H� de beber, enxuto o olhar, enxuta A face, e o travo h� de sentir, e a amea�a Amarga dessa desgra�ada fruta Que � a fruta amargosa da Desgra�a! E quando o mundo todo paralisa E quando a multid�o toda agoniza, Ela, inda altiva, ela, inda o olhar sereno De agonizante multid�o rodeada, Derrama em cada boca envenenada Mais uma gota do fatal veneno! Terra f�nebre Aqui morreram tantos poetas! Tanta Guitarra morta este lugar encerra!... Aqui � o Campo-Santo, aqui � a Terra! Em que a alma chora e em que a Saudade canta! O caminheiro que o Pesar desterra, Pare chorando nesta Terra Santa, E se cantar como a Saudade canta, O caminheiro fique nesta Terra! � noute aqui um trovador eterno Chora, abra�ado �s campas dos poetas, -- Esse sombrio trovador � o Inverno! Aqui � a Terra, onde, ao noturno a�oute, Carpem na sombra p�ssaros ascetas, Gemem poetas -- p�ssaros da Noute! Soneto O sonho, a cren�a e o amor, sendo a risonha Sant�ssima Trindade da Ventura Pode ser venturosa a criatura Que n�o cr�, que n�o ama e que n�o sonha?! Pois a alma acostumada a ser tristonha Pode achar por acaso ou porventura Felicidade numa sepultura, Contentamento numa dor medonha?! H� muito tempo, o sonho, do meu seio De minha cren�a arrebentando a grade Pois se eu n�o amo e se tamb�m n�o creio De onde me vem este contentamento, De onde me vem esta felicidade?! Meditando Penso em venturas! A alma do homem pensa Sempre em venturas! Sorte do homem! O homem H� de embalar eternamente a cren�a Sem ter grilh�es e sem ter leis que o domem! Punjam-no os vermes da Desgra�a, assomem Descren�as, surjam t�dios na Descren�a, Luta, e morrem os vermes que o consomem, Vence, e por fim, nada h� que o abata e o ven�a! Por isso, poeta, eu penso na Ventura! E o pensamento, na Suprema Altura Sinto, no imenso Azul do Firmamento Ir rolando pelo ouro das estrelas, E esse ouro santo vir rolando pelas Trevas profundas do meu pensamento! Soneto Para que nesta vida o esp�rito esfalfaste Em v�s medita��es, homem meditabundo?! Escalpelaste todo o cad�ver do mundo E, por fim, nada achaste... e, por fim, nada achaste! A loucura destruiu tudo que arquitetaste E a Alemanha tremeu ao teu gemido fundo!... De que te serviu, pois, estudares, profundo, O homem e a lesma e a rocha e a pedra e o carvalho e a haste?! Pois, para penetrar o mist�rio das lousas, Foi-te mister sondar a subst�ncia das cousas Constru�ste de ilus�es um mundo diferente, Desconheceste Deus no vidro do astrol�bio E quando a ci�ncia v� te proclamava s�bio A tua constru��o quebrou-se de repente! O �brio Bebi! Mas sei porque bebi!... Buscava Em verdes nuan�as de miragens, ver Se nesta �nsia suprema de beber, Achava a Gl�ria que ningu�m achava! E todo o dia ent�o eu me embriagava -- Novo Sileno, -- em busca de ascender A essa Babel fict�cia do Prazer Que procuravam e que eu procurava. Tr�s de mim, na atra estrada que trilhei, Quantos tamb�m, quantos tamb�m deixei, Mas eu n�o contarei nunca a ningu�m. A ningu�m nunca eu contarei a hist�ria Dos que, como eu, foram buscar a Gl�ria E que, como eu, ir�o morrer tamb�m. O canto da coruja A coruja cantara-lhe na porta Sinistramente a noite inteira! Ind�cio Mais certo n�o havia!� -- Era o supl�cio!... Da� a pouco, ela seria morta. Saiu. O Sol ardia.� A estrada torta Lembrava a antiga ponte de Subl�cio... Havia pelo ch�o um desperd�cio De folhas que a �urea xantofila corta. Nisto, ouve o canto aziago da coruja! -- Quer fugir, e n�o v� por onde fuja. Implora a Deus como a um fetihe vago... -- Se ao menos voasse! -- E o horror come�a! Rasga As vestes; uma convuls�o a engasga E morre ouvindo o mesmo canto aziago! Nome maldito Das trombetas prof�ticas o alarde Falou-lhe, por seus onze aug�rios certos: �� maldito o teu nome! E aos c�us abertos, N�o h� divina prote��o que o guarde!� D�vidas cru�is! Momentos cru�is! Incertos E cru�is momentos! �nsias cru�is! E, � tarde, Saiu aos tombos, como um c�o covarde, A percorrer desertos e desertos... E, assombrado, com medo do Infinito, Por toda a parte, onde, aos trope�os, ia, Por toda a parte viu seu nome escrito! Vieram-lhe as �nsias. Teve sede e fome... E foi assim que ele morreu um dia Amaldi�oado pelo pr�prio nome! Dol�ncias Eu fui cad�ver antes de viver! Meu corpo, assim como o de Jesus Cristo, Sofreu o que olhos de homem n�o t�m visto E olhos de fera n�o puderam ver! Acostumei-me, assim, pois, a sofrer E acostumado a assim sofrer existo... Existo! -- E apesar disto, apesar disto Inda cad�ver hei tamb�m de ser! Quando eu morrer de novo, amigos, quando Eu, de saudades me despeda�ando De novo, triste e sem cantar, morrer, Nada se altere em sua marcha infinda -- O tamarindo reverde�a ainda, A lua continue sempre a nascer! A l�grima -- Fa�a-me o obs�quio de trazer reunidos Clorureto de s�dio, �gua e albumina... Ah! Basta isto, porque isto � que origina A l�grima de todos os vencidos! -- A farmacologia e a medicina Com a relatividade dos sentidos Desconhecem os mil desconhecidos Segredos dessa secre��o divina. -- O farmac�utico me obtemperou. -- Vem-me ent�o � lembran�a o pai ioi� Na �nsia ps�quica da �ltima efic�cia! E logo a l�grima em meus olhos cai. Ah! Vale mais lembrar-me eu de meu Pai Do que todas as drogas da farm�cia! Ave libertas Ao clar�o da madrugada, Da liberdade ao toque alvissareiro, Banhou-se o cora��o do Brasileiro Num efl�vio de luz auroreada. � que baqueia a vida escravizada! J� se ouvem os clangores do pregoeiro, Como um Trit�o, levando ao mundo inteiro, Da Rep�blica a nova sublimada. E ali do despotismo entre os escombros, Rola um drama que a P�tria exal�a e doura Numa aur�ola de paz imorredoura, A Rep�blica rola-lhe nos ombros; Enquanto fora na trevosa agrura Sucumbe o servilismo, e, esplendorosa, A liberdade assoma majestosa, -- Estrela d�Alva imaculada e pura! � livre a P�tria outrora opressa e exangue! Esse lab�u que mancha a gl�ria p�blica, Que apouca o triunfo e que se chama sangue, Manchar n�o pode as aras da Rep�blica. N�o! que esse ideal puro, risonho, H� de transpor sereno os penetrais Da P�tria, e h� de elevar-se neste sonho Ao topo azul das Gl�rias Imortais! Esplende, pois, oh! Redentora d�alma, Oh! Liberdade, essa bendita e branca Luz que os negrores da opress�o espanca, Essa luz etereal bendita e calma. V�s, oh P�tria, fazei que destes brilhos, Caia do santu�rio l� da Hist�ria, Fulgente do valor da vossa gl�ria, A b�n��o do valor dos vossos filhos! Quadras Embala-me em teus bra�os, De amores bons � sombra -- Quero em cheirosa alfombra Pousar os sonhos lassos! Teus seios, oh! morena -- Rel�quias de Carrara -- T�m a ambrosia rara Da mais rara verbena. Aperta-me em teu peito, E d�-me assim, divina, De l�rios e boninas Um velud�neo leito. Assim como Jesus, Eu quero o meu Calv�rio -- Anelo morrer v�rio Dos bra�os teus na Cruz! Porque n�o me confortas?! Bem sei, perdeste a ci�ncia, Morreu-te a redol�ncia, Alma das virgens mortas -- Mas n�o! Apaga os tra�os De t�o funesto aspeito... Aperta-me em teu peito, Embala-me em teus bra�os! V�nus morta A Via-Sacra Azul do amor primeiro Veste hoje o luto que a desgra�a veste No miserere do meu desespero... -- Lotus dilu�do n�alma dum cipreste! Como um lil�s eternizando abrolhos Tinge de roxo o arminho da grinalda, Rola a violeta santa dos teus olhos -- Tufos de goivo em conchas de esmeralda. No v�cuo imenso das desesperan�as E dos passados vi�os, Recordo o beijo que te dei nas tran�as Emolduradas num flor�o de ri�os. E como um nume de pesar, plangente, Guarda a saudade que levou do Marne, Eu guardo o travo deste beijo ardente E a Nostalgia desta P�tria -- a Carne. Sonho abra�ar-te, p�lida cam�lia, Mas neste sonho, langue e seminua, Pareces reviver a antiga Of�lia, Opalesc�ncia tr�gica da lua! Tu, oh Quimera, de reverberantes E rubras asas de beliantos pulcros, Crava-lhe n�alma o tirso das bacantes, Brande-lhe n�alma o frio dos sepulcros. Reza-lhe todo o cantoch�o memento Dessa Missa de amor da Extrema Agrura, Aben�oada pelo meu tormento E consagrada pela sepultura. E que ela suba na serena gaza Dos mist�rios dourados e serenos � terra Ideal das p�rpuras em brasa E ao C�u doirado e auroreal de V�nus! Ode ao amor Enches o peito de cada homem, medras Nalma de cada virgem, e toda a alma Enches de beijos de infinita calma... E o aroma dos teus beijos infinitos Entra na terra, bate nos granitos E quebra as rochas e arrebenta as pedras! �s soberano! Sangras e torturas! Ora, tangendo tiorbas em volatas, Cantas a Vida que sangrando matas, Ora, clavas brandindo em seva e insana F�ria, lembras, Amor, a soberana Imagem p�trea das montanhas duras. Beijam-te o passo multid�es escravas Dos Desgra�ados! -- Estas multid�es Sonham p�trias doiradas de ilus�es Entre os t�rculos negros da Desgra�a -- Flores que tombam quando a neve passa No turblh�o das avalanches bravas! Tudo dominas! -- Dos verg�is tranq�ilos Aos Capit�lios, e dos Capit�lios Aos claros pulcros e brilhantes s�lios De esplendor pulcro e de fulg�ncias claras, Rendilhados de fulvas gemas raras E pontilhados de crisoberilos. Sobes ao monte ondeo edelweiss pompeia Nalma do que subiu �quele monte! Mas, vezes, desces ao segredo insonte Do mar profundo onde a sereia canta E onde a Alc�one tr�mula se espanta Ouvindo a gusla crebra da sereia! Rompe a manh�. Sinos al�m bimbalham. Troa o con�bio dos amores velhos -- As borboletas e os escaravelhos Beijam-se no ar...Retroa o sino. E, quietos Beijam-se al�m os silfos e os insetos Sob a esteira dos campos que se orvalham. E em tudo estruge a tua d�lia -- d�lia Que na fibra mais forte e at� na fibra Mais t�nue, chora e se lamenta e vibra... E em cada peito onde um Ocaso chora Levanta a cruz da reden��o da Aurora Como a Judite a redimir Bet�lia! Bem haja, pois, esse poder terr�vel, -- Essa domina��o aterradora -- Enorme for�a regeneradora Que faz dos homens um le�o que dorme E do Amor faz uma pot�ncia enorme Que vela sobre os homens, impass�vel! Esta de amor onde queixosa, Irene, Quedo, sonhei-a, aos astros, ontem, quando Entre estrias de estrelas, fosforeando, Egr�gia estavas no teu plaustro egr�gio Mais bela do que a Virgem de Corr�gio E os quadros divinais de Guido Reni! Qual um crente em asi�tico pagode, Entre timbales e anafis estr�dulos, Cativo, beija os �ureos p�s dos �dolos, Assim, Irene, eis-me de ti cativo! Cativaste-me, Irene, e eis o motivo, Eis o motivo porque fiz esta ode. Canto de agonia Agonia de amor, agonia bendita! -- Misto de infinita m�goa e de cren�a infinita. Nos desertos da Vida uma estrela fulgura E o Viajeiro do Amor, vendo-a, triste, murmura: -- Que eu nunca chore assim! Que eu nunca chore como Chorei, ontem, a s�s, num volutuoso assomo, Numa prece de amor, numa fel�cia infinda, Del�cia que ainda gozo, ora��o, prece que ainda Entre saudades rezo, e entre sorrisos e entre M�goas solu�o, at� que esta dor se concentre No �mago de meu peito e de minha saudade. Amor, escurid�o e eterna claridade... -- Calor que hoje me alenta e h� de matar-me em breve, Frio que me assassina, amor e frio, neve, Neve que me embala como um ber�o divino, Neve da minha dor, neve do meu destino! E eu aqui a chorar nesta noite t�o fria! Agonia, agonia, agonia, agonia! -- Diz e morre-lhe a voz, e cansado e morrendo O Viajeiro vai, e v� a luz e vendo Uma sombra que passa, uma nuvem que corre, Caminha e vai, o louco, abra�a a sombra e... morre! E a alma se lhe dilui na amplid�o infinita... Agonia de amar, agonia bendita! Hist�ria de um vencido Sol alto. A terra escalda: � um forno. A flama oriunda Da solar refra��o bate no mundo, acende O p�, aclara o mar e por tudo se estende E arde em tudo, mordendo a atra terra infecunda. E o Velho veio para o labor cotidiano, Triste, do alegre Sol ao grande globo quente E p�s-se para a�, desoladoramente A revolver da terra o atro e infecundo arcano. Por seis horas seu bra�o empenhado na luta, Fez reboar pelo solo, alta e descompassada A dura vibra��o inc�moda da enxada, Rasgando, do agro solo, a superf�cie bruta. Mas o bra�o cansou! Trabalhou... e o trabalho -- Do Eterno Bem motor principal e alavanca -- Arrancara-lhe a Cren�a assim como se arranca De um ninho a seda branca e de uma �rvore o galho! Sangrou-lhe o cora��o e a saudade da Aurora! -- O H�rcules que ele fora! O fraco que ele hoje era! E surpreendido viu que um abismo se erguera Entre o fraco que era hoje, e entre o H�rcules de outrora! Pois havia de assim, nesta maldita senda De sofrimento ignaro em sofrimento ignaro Ir caminhando at� tombar sem um amparo No tremendo marnel da Desgra�a tremenda?! II Noute! O sil�ncio vinha entrando pelo mundo E ele, l�gubre e s�, tr�pego e cambaleando Foi-se arrastando, foi aos poucos se arrastando, Para as bordas fatais dum precip�cio fundo! Quis um momento ainda olhar para o Passado... E em tudo que o rodeava, oito vezes, fun�reo Horrorizado viu como num cemit�rio Cad�veres de um lado e cinzas de outro lado! De s�bito, avistando uma frondosa t�lia Julgou, louco, avistar a �Rvore da Esperan�a... E bateram-lhe ent�o de chofre na lembran�a A casa que deixara, os filhos, a fam�lia! N�o morreria, pois! Somente morreria Se da Vida, sozinho, ele pisasse os trilhos... Que mal lhe haviam feito a esposa e a irm� e os filhos?! Preciso era viver! Portanto, viveria! Viveria! E a fecunda e deleitosa seara Verde dos campos, onde arde e floresce a Cren�a, Compensaria toda a sua dor imensa Tal qual o C�u a dor de Cristo compensara! E aos trope�os, tombando, o Velho caminhava... Caminhava, e a sonhar, b�bado de miragem, Nem viu que era chegado o termo da viagem, E amplo, a rugir-lhe aos p�s, o precip�cio estava. Num instante viu tudo, e compreendendo tudo, Quis fazer um esfor�o -- o �ltimo esfor�o, e o bra�o Pendeu exangue, o peito arqueou-se, o cansa�o Empolgara-o, e ele quis falar e estava mudo! Mudo! E a quem contaria agora as suas m�goas?! E tr�gico, no horror brutoda despedida Abra�ou-se com a Dor, abra�ou-se com a Vida E sepultou-se ali no cora��o das �guas! Cantavam muito ao longe uns carmes doloridos! Eram tropeiros, era a turba trovadora Que assim cantava, enquanto a Terra Vencedora Celebrava ao luar a Missa dos Vencidos! E o cad�ver, a toa, a flux d��gua, flutua! Ningu�m o v�, ningu�m o acalenta, o acalenta... Somente entre a negrura atra da terra poenta Algu�m beija, algu�m vela o cad�ver: a Lua! Estrofes sentidas Eu sei que o Amor enche o Universo todo E se prende dos poetas � guitarra Como o p�lipo que se agarra ao lodo E a ostra que �s rochas eternais se agarra. O amor reduz-nos a uniformes placas, Uniformiza todos os anelos E une organiza��es fortes e fracas Nos mesmos la�os e nos mesmos elos. Por muito tempo eu lhe sorvi o aroma, E, desvairado, sem prever o abismo Fiz desse amor um �dolo de Roma, Eleito Deus no altar do fetichismo! Tudo sacrifiquei para ador�-lo -- Mas hoje, vendo o horror dos meus destro�os, Tenho vontade de estrangul�-lo E reduzi-lo muitas vezes a ossos! Todo o ser que no mundo turbilhona Veja do Amor, � luz das minhas frases, Uma montanha que se desmorona, Estremecendo em suas pr�prias bases. E em qualquer parte do Universo veja -- Sombrias ru�nas de um solar egr�gio E o desmoronamento duma Igreja Despeda�ada pelo sacril�gio. A Natureza veste extraordin�rias Roupagens de ouro. Al�m, nas oliveiras, Aves de v�rias cores e de v�rias Esp�cies, cantam �peras inteiras. A compreens�o da minha niilidade Aumenta � propor��o que aumenta o dia E pouco a pouco o enc�falo me invade Numa clareza de fotografia. Na �rea em que estou, ao matinal assomo, Passa um rebanho de carneiros d�ceis... E o Sol arranca as minhas cren�as como Boucher de Perthes arrancava f�sseis. Observo ent�o a condi��o tristonha Da Humanidade, �bria de fumo e de �pio, Tal qual ela �, e n�o tal qual a sonha E a v� o S�bio pelo telesc�pio. O S�bio v� em propor��es enormes Aquilo que � composto de pequenas Partes, construindo corpos quase informes E aquilo que � uma parcela apenas. Da observa��o nos elevados montes Prefiro, � nitidez real dos aspectos, Ver mastodontes onde h� mastodontes E insetos ver onde h� somente insetos. A inanidade da Ilus�o demonstro Mas, demonstrando-a, sinto um violento Rancor da Vida -- este maldito monstro Que no meu pr�prio est�mago alimento! Nisto a alma o of�cio da Paix�o entoa E vai cair, heroicamente, na �gua Da misterios�ssima lagoa Que a l�ngua humana denomina M�goa! Dos meus sonhos o ex�rcito desfila E, � frente dele, eu vou cantando a n�nia Do Amor que eu tive e que se fez argila, Como Tirteu na guerra de Mess�nia! Transponho assim toda a sombria escarpa Sinistro como quem medita um crime... E quando a Dor me d�i, tanjo minha harpa E a harpa saudosa a minha Dor exprime! Estes versos de amor que agora findo Foram sentidos na solid�o de uma horta, � sombra dum verdoengo tamarindo Que representa a minha inf�ncia morta! � FIM |