Eu sou gentil o suficiente para acalmar sua pele, leve o suficiente para voar no céu

Fonte:

ANJOS, Augusto dos. Eu e outras poesias. 42. ed. Rio de Janeiro : Civiliza��o Brasileira, 1998.

Texto proveniente de:

A Biblioteca Virtual do Estudante de L�ngua Portuguesa

http://www.bibvirt.futuro.usp.br>

A Escola do Futuro da Universidade de S�o Paulo

Permitido o uso apenas para fins educacionais.

Texto-base digitalizado por:

Francisco de Mesquita Moreira � Rio de Janeiro/RJ

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EU E OUTRAS POESIAS

Augusto dos Anjos

Mon�logo de uma sombra

�Sou uma Sombra! Venho de outras eras,

Do cosmopolitismo das moneras...

P�lipo de rec�nditas reentr�ncias,

Larva de caos tel�rico, procedo

Da escurid�o do c�smico segredo,

Da subst�ncia de todas as subst�ncias!

A simbiose das coisas me equilibra.

Em minha ignota m�nada, ampla, vibra

A alma dos movimentos rotat�rios...

E � de mim que decorrem, simult�neas,

A sa�de das for�as subterr�neas

E a morbidez dos seres ilus�rios!

Pairando acima dos mundanos tetos,

N�o conhe�o o acidente da Senectus

-- Esta universit�ria sanguessuga

Que produz, sem disp�ndio algum de v�rus,

O amarelecimento do papirus

E a mis�ria anat�mica da ruga!

Na exist�ncia social, possuo uma arma

-- O metafisicismo de Abidarma --

E trago, sem bram�nicas tesouras,

Como um dorso de az�mola passiva,

A solidariedade subjetiva

De todas as esp�cies sofredoras.

Como um pouco de saliva quotidiana

Mostro meu nojo � Natureza Humana.

A podrid�o me serve de Evangelho...

Amo o esterco, os res�duos ruins dos quiosques

E o animal inferior que urra nos bosques

� com certeza meu irm�o mais velho!

Tal qual quem para o pr�prio t�mulo olha,

Amarguradamente se me antolha,

� luz do americano plenil�nio,

Na alma crepuscular de minha ra�a

Como uma voca��o para a Desgra�a

E um tropismo ancestral para o Infort�nio.

A� vem sujo, a co�ar chagas pleb�ias,

Trazendo no deserto das id�ias

O desespero end�mico do inferno,

Com a cara hirta, tatuada de fuligens

Esse mineiro doido das origens,

Que se chama o Fil�sofo Moderno!

Quis compreender, quebrando est�reis normas,

A vida fenom�nica das Formas,

Que, iguais a fogos passageiros, luzem.

E apenas encontrou na id�ia gasta,

O horror dessa mec�nica nefasta,

A que todas as coisas se reduzem!

E h�o de ach�-lo, amanh�, bestas agrestes,

Sobre a esteira sarc�faga das pestes

A mosrtrar, j� nos �ltimos momentos,

Como quem se submete a uma charqueada,

Ao clar�o tropical da luz danada,

O esp�lio dos seus dedos pe�onhentos.

Tal a finalidade dos estames!

Mas ele viver�, rotos os liames

Dessa estranguladora lei que aperta

Todos os agregados perec�veis,

Nas eteriza��es indefin�veis

Da energia intra-at�mica liberta!

Ser� calor, causa ub�qua de gozo,

Raio X, magnetismo misterioso,

Quimiotaxia, ondula��o a�rea,

Fonte de repuls�es e de prazeres,

Sonoridade potencial dos seres,

Estrangulada dentro da mat�ria!

E o que ele foi: clav�culas, abd�men,

O cora��o, a boca, em s�ntese, o Homem,

-- Engrenagem de v�sceras vulgares --

Os dedos carregados de pe�onha,

Tudo coube na l�gica medonha

Dos apodrecimentos musculares.

A desarruma��o dos intestinos

Assombra! Vede-a! Os vermes assassinos

Dentro daquela massa que o h�mus come,

Numa glutoneria hedionda, brincam,

Como as cadelas que as dentu�as trincam

No espasmo fisiol�gico da fome.

� uma tr�gica festa emocionante!

A bacteriologia inventariante

Toma conta do corpo que apodrece...

E at� os membros da fam�lia engulham,

Vendo as larvas malignas que se embrulham

No cad�ver mals�o, fazendo um s.

E foi ent�o para isto que esse doudo

Estragou o vibr�til plasma todo,

� guisa de um faquir, pelos cen�bios?!...

Num suic�dio graduado, consumir-se,

E ap�s tantas vig�lias, reduzir-se

� heran�a miser�vel dos micr�bios!

Estoutro agora � o s�tiro peralta

Que o sensualismo sodomita exalta,

Nutrindo sua inf�mia a leite e a trigo...

Como que, em suas cl�lulas vil�ssimas,

H� estratifica��es requintad�ssimas

De uma animalidade sem castigo.

Brancas bacantes b�badas o beijam.

Suas art�rias h�rcicas latejam,

Sentindo o odor das carna��es abst�mias,

E � noite, vai gozar, �brio de v�cio,

No sombrio bazer domeretr�cio,

O cuspo afrodis�aco das f�meas.

No horror de sua an�mala nevrose,

Toda a sensualidade da simbiose,

Uivando, � noite, em l�bricos arroubos,

Como no babil�nico sansara,

Lembra a fome incoerc�vel que escancara

A mucosa carn�vora dos lobos.

S�frego, o monstro as v�timas aguarda.

Negra paix�o cong�nita, bastarda,

Do seu zooplasma of�dico resulta...

E explode, igual � luz que o ar acomete,

Com a veem�ncia mav�rtica do ar�ete

E os arremessos de uma catapulta.

Mas muitas vezes, quando a noite avan�a,

Hirto, observa atrav�s a t�nue tran�a

Dos filamentos flu�dicos de um halo

A destra descarnada de um duende,

Que tateando nas t�nebras, se estende

Dentro da noite m�, para agarr�-lo!

Cresce-lhe a intracef�lica tortura,

E de su�alma na caverna escura,

Fazendo ultra-epil�ticos esfor�os,

Acorda, com os candeeiros apagados,

Numa coreografia de danados,

A fam�lia alarmada dos remorsos.

� o despertar de um povo subterr�neo!

� a fauna cavern�cola do cr�nio

-- Macbeths da patol�gica vig�lia,

Mostrando, em rembrandtescas telas v�rias,

As incestuosidades sang�in�rias

Que ele tem praticado na fam�lia.

As alucina��es t�cteis pululam.

Sente que megat�rios o estrangulam...

A asa negra das moscas o horroriza;

E autopsiando a amar�ssima exist�ncia

Encontra um cancro ass�duo na consci�ncia

E tr�s manchas de sangue na camisa!

M�ngua-se o combust�vel da lanterna

E a consci�ncia do s�tiro se inferna,

Reconhecendo, b�bedo de sono,

Na pr�pria �nsia dion�sica do gozo,

Essa necessidade de horroroso,

Que � talvez propriedade do carbono!

Ah! Dentro de toda a alma existe a prova

De que a dor como um dartro se renova,

Quando o prazer barbaramente a ataca...

Assim tamb�m, observa a ci�ncia crua,

Dentro da elipse ign�voma da lua

A realidade de uma esfera opaca.

Somente a Arte, esculpindo a humana m�goa,

Abranda as rochas r�gidas, torna �gua

Todo o fogo tel�rico profundo

E reduz, sem que, entanto, a desintegre,

� condi��o de uma plan�cie alegre,

A aspereza orogr�fica do mundo!

Provo desta maneira ao mundo odiento

Pelas grandes raz�es do sentimento,

Sem os m�todos da abstrusa ci�ncia fria

E os trov�es gritadores da dial�tica,

Que a mais alta express�oda dor est�tica

Consiste essencialmente na alegria.

Continua o mart�rio das criaturas:

-- O homic�dio nas vielas mais escuras,

-- O ferido que a hostil gleba atra escarva,

-- O �ltimo solil�quio dos suicidas --

E eu sinto a dor de todas essas vidas

Em minha vida an�nima de larva!�

Disse isto a Sombra. E, ouvindo estes voc�bulos,

Da luz da lua aos p�lidos ven�bulos,

Na �nsa de um nervos�ssimo entusiasmo,

Julgava ouvir mon�tonas corujas,

Executando, entre daveiras sujas,

A orquestra arrepiadora do sarcasmo!

Era a elegia pante�sta do Universo,

Na produ��o do sangue humano imenso,

Prostitu�do talvez, em suas bases...

Era a can��o da Natureza exausta,

Chorando e rindo na ironia infausta

Da incoer�ncia infernal daquelas frases.

E o turbilh�o de tais fonemas acres

Trovejando grand�loquos massacres,

H�-de ferir-me as auditivas portas,

at� que minha ef�mera cabe�a,

Reverta � quieta��o datrava espessa

E � palidez das fotosferas mortas!

Agonia de um fil�sofo

Consulto o Phtah-Hotep. Leio o obsoleto

Rig-Veda. E, ante obras tais, me n�o consolo...

O Inconsciente me assombra e eu nele rolo

Com a e�lica f�ria do harmat� inquieto!

Assisto agora � morte de um inseto!...

Ah! todos os fen�menos do solo

Parecem realizar de p�lo a p�lo

O ideal do Anaximandro de Mileto!

No hier�tico are�pago heterog�neo

Das id�ias, percorro como um g�nio

Desde a alma de Haeckel � alma cenobial!...

Rasgo dos mundos o vel�rio espesso;

E em tudo igual a Goethe, reconhe�o

O imp�rio da subst�ncia universal!

O Morcego

Meia-noite. Ao meu quarto me recolho.

Meu Deus! E este morcego! E, agora, vede:

Na bruta ard�ncia org�nica dasede,

Morde-me a goela �gneo e escaldante molho.

�Vou mandar levantar outra parede...�

-- Digo. Ergo-me a tremer. Fecho o ferrolho

E olho o teto. E vejo-o ainda, igual a um olho,

Circularmente sobre a minha rede!

Pego de um pau. Esfor�os fa�o. Chego

A toc�-lo. Minh�alma se concentra.

Que ventre produziu t�o feio parto?!

A Consci�ncia Humana � este morcego!

Por mais que a gente fa�a, � noite ele entra

Imperceptivelmente em nosso quarto!

Psicologia de um vencido

Eu, filho do carbono e do amon�aco,

Monstro de escurid�o e rutil�ncia,

Sofro, desde a epig�nese da inf�ncia,

A influ�ncia m� dos signos do zod�aco.

Produndissimamente hipocondr�aco,

Este ambiente me causa repugn�ncia...

Sobe-me � boca uma �nsia an�loga � �nsia

Que se escapa da boca de um card�aco.

J� o verme -- este oper�rio das ru�nas --

Que o sangue podre das carnificinas

Come, e � vida em geral declara guerra,

Anda a espreitar meus olhos para ro�-los,

E h� de deixar-me apenas os cabelos,

Na frialdade inorg�nica da terra!

A Id�ia

De onde ela vem?! De que mat�ria bruta

Vem essa luz que sobre as nebulosas

Cai de inc�gnitas criptas misteriosas

Como as estalactites duma gruta?!

Vem da psicogen�tica e alta luta

Do feixe de mol�culas nervosas,

Que, em desintegra��es maravilhosas,

Delibera, e depois, quer e executa!

Vem do enc�falo absconso que a constringe,

Chega em seguida �s cordas da laringe,

T�sica, t�nue, m�nima, raqu�tica...

Quebra a for�a centr�peta que a amarra,

Mas, de repente, e quase morta, esbarra

No molambo da l�ngua paral�tica!

O L�zaro da p�tria

Filho podre de antigos Goitacases,

Em qualquer parte onde a cabe�a ponha,

Deixa circunfer�ncias de pe�onha,

Marcas oriundas de �lceras e antrazes.

Todos os cinoc�falos vorazes

Cheiram seu corpo. � noite, quando sonha,

Sente no t�rax a press�o medonha

Do bruto embate f�rreo das tenazes.

Mostra aos montes e aos r�gidos rochedos

A hedionda elefant�ase dos dedos

H� um cansa�o no Cosmos... Anoitece.

Riem as meretrizes no Cassino,

E o L�zaro caminha em seu destino

Para um fim que ele mesmo desconhece!

Idealiza��o da humanidade futura

Rugia nos meus centros cerebrais

A multid�o dos s�culos futuros

-- Homens que a heran�a de �mpetos impuros

Tornara etnicamente irracionais!

N�o sei que livro, em letras garrafais,

Meus olhos liam! No h�mus dos monturos,

Realizavam-se os partos mais obscuros,

Dentre as genealogias animais!

Como quem esmigalha protozo�rios

Meti todos os dedos mercen�rios

Na consci�ncia daquela multid�o...

E, em vez de achar a luz que os C�us inflama,

Somente achei mol�culas de lama

E a mosca alegre da putrefa��o!

Soneto

Ao meu primeiro filho nascidomorto com 7 meses incompletos.

2 fevereiro 1911.

Agregado infeliz de sangue e cal,

Fruto rubro de carne agonizante,

Filho da grande for�a fecundante

De minha br�nzea trama neuronial,

Que poder embriol�gico fatal

Destruiu, com a sinergia de um gigante,

Em tua morfog�nese de infante

A minha morfog�nese ancestral?!

Por��o de minha pl�smica subst�ncia,

Em que lugar ir�s passar a inf�ncia,

Tragicamente� an�nimo, a feder?!

Ah! Possas tu dormir, feto esquecido,

Panteisticamente dissolvido

Na noumenalidade do N�O SER!

Versos a um c�o

Que for�a p�de adstrita e embri�es informes,

Tua garganta est�pida arrancar

Do segredo da c�lula ovular

Para latir nas solid�es enormes?

Esta obn�xia inconsci�ncia, em que tu dormes,

Suficient�ssima �, para provar

A inc�gnita alma, avoenga e elementar

Dos teus antepassados vemiformes.

C�o! -- Alma do inferior rapsodo errante!

Resigna-a, ampara-a, arrima-a, afaga-a, acode-a

A escala dos latidos ancestrais...

E ir�s assim, pelos s�culos adiante,

Latindo a esquisit�ssima pros�dia

Da ang�stia heredit�ria dos teus pais!

O Deus-Verme

Fator universal do transformismo.

Filho da teleol�gica mat�ria,

Na superabund�ncia ou na mis�ria,

Verme -- � o seu nome obscuro de batismo.

Jamais emprega o ac�rrimo exorcismo

Em sua di�ria ocupa��o fun�rea,

E vive em contub�rnio com a bact�ria,

Livre das roupas do antropomorfismo.

Almo�a a podrid�o das drupas agras,

Janta hidr�picos, r�i v�sceras magras

E dos defuntos novos incha a m�o...

Ah! Para ele � que a carne podre fica,

E no invent�rio da mat�ria rica

Cabe aos seus filhos a maior por��o!

Debaixo do tamarindo

No tempo de meu Pai, sob estes galhos,

Como uma vela f�nebre de cera,

Chorei bilh�es de vezes com a canseira

De inexorabil�ssimos trabalhos!

Hoje, esta �rvore, de amplos agasalhos,

Guarda, como uma caixa derradeira,

O passado da Flora Brasileira

E a paleontologia dos Carvalhos!

Quando pararem todos os rel�gios

De minha vida e a voz dos necrol�gios

Gritar nos notici�rios que eu morri,

Voltando � p�tria da homogeneidade,

Abra�ada com a pr�pria Eternidade

A minha sombra h� de ficar aqui!

As cismas do destino

I

Recife, Ponte Buarque de Macedo.

Eu, indo em dire��o � casa do Agra,

Assombrado com a minha sombra magra,

Pensava no Destino, e tinha medo!

Na austera ab�bada alta o f�sforo alvo

Das estrelas luzia... O cal�amento

S�xeo, de asfalto rijo, atro e vidrento,

Copiava a polidez de um cr�nio alvo.

Lembro-me bem. A ponte era comprida,

E a minha sombra enorme enchia a ponte,

Como uma pele de rinoceronte

Estendida por toda a minha vida!

A noite fecundava o ovo dos v�cios

Animais. Do carv�o da treva imensa

Ca�a um ar danado de doen�a

Sobre a cara geral dos edif�cios!

Tal uma horda feroz de c�es famintos,

Atravessando uma esta��o deserta,

Uivava dentro do eu, com a boca aberta,

A matilha espantada dos instintos!

Era como se, na alma da cidade,

Profundamente l�brica e revolta,

Mostrando as carnes, uma besta solta

Soltasse o berro da animalidade.

E aprofundando o racioc�nio obscuro,

Eu vi, ent�o, � luz de �ureos reflexos,

O trabalho gen�sico dos sexos,

Fazendo � noite os homens do Futuro.

Livres de microsc�pios e escalpelos,

Dan�avam, parodiando saraus c�nicos,

Bilh�es de centrossomas apol�nicos

Na c�mara prom�scua do vitellus.

Mas, a irritar-me os globos oculares,

Apregoando e alardeando a cor nojenta,

Fetos magros, ainda na placenta,

Estendiam-me as m�os rudimentares!

Mostravam-me o apriorismo incognosc�vel

Dessa fatalidade igualit�ria,

Que fez minha fam�lia origin�ria

Do antro daquela f�brica terr�vel!

A corrente atmosf�rica mais forte

Zunia. E, na �gnea crosta do Cruzeiro,

Julgava eu ver o f�nebre candeeiro

Que h� de me alumiar na hora da morte.

Ningu�m compreendia o meu solu�o,

Nem mesmo Deus! Da roupa pelas brechas,

O ventobravo me atirava flechas

E aplica��es hiemais de gelo russo.

A vingan�a dos mundos astron�micos

Enviava � terra extraordin�ria faca,

Posta em rija ades�o de goma laca

Sobre os meus elementos anat�micos.

Ah! Com certeza, Deus me castigava!

Por toda a parte, como um r�u confesso,

Havia um juiz que lia o meu processo

E uma forca especial que me esperava!

Mas o vento cessara por instantes

Ou, pelo menos, o ignis sapiens do Orco

Abafava-me o peito arqueado e porco

Num n�cleo de subst�ncias abrasantes.

� bem poss�vel que eu umdia cegue.

No ardor desta letal t�rrida zona,

A cor do sangue � a cor que me impressiona

E a que mais neste mundo me persegue!

Essa obsess�o crom�tica me abate.

N�o sei por que me v�m sempre � lembran�a

O est�mago esfaqueado de uma crian�a

E um peda�o de v�scera escarlate.

Quisera qualquer coisa provis�ria

Que a minha cerebral caverna entrasse,

E at� ao fim, cortasse e recortasse

A faculdade aziaga da mem�ria.

Na ascens�o barom�trica da calma,

Eu bem sabia, ansiado e contrafeito,

Que uma popula��o doente do peito

Tossia sem rem�dio na minh�alma!

E o cuspo que essa heredit�ria tosse

Golfava, � guisa de �cido res�duo,

N�o era o cuspo s� de um indiv�duo

Minado pela t�sica precoce.

N�o! N�o era o meu cuspo, com certeza

Era a expectora��o p�trida e crassa

Dos br�nquios pulmorares de uma ra�a

Que violou as leis da Natureza!

Era antes uma tosse ub�qua, estranha,

Igual ao ru�do de um calhau redondo

Arremessado no apogeu do estrondo,

Pelos fundibul�rios da montanha!

E a saliva daqueles infelizes

Inchava, em minha boca, de tal arte,

Que eu, para n�o cuspir� por toda a parte,

Ia engolindo, aos poucos, a hemopt�sis!

Na alta alucina��o de minhas cismas

O microcosmos l�quido da gota

Tinha a abund�ncia de uma art�ria rota,

Arrebatada pelos aneurismas.

Chegou-me o estado m�ximo da m�goa!

Duas, tr�s, quatro, cinco, seis e sete

Vezes que eu me furei com um canivete,

A hemoglobina vinha cheia de �gua!

Cuspo, cujas caudais meus bei�os regam,

Sob a forma de m�nimas cam�ndulas,

Benditas sejam todas essas gl�ndulas,

Que,� quotidianamente, te segregam!

Escarrar de um abismo noutro abismo,

Mandando ao C�u o fumo de um cigarro,

H� mais filosofia neste escarro

Do que em toda a moral do Cristianismo!

Porque, se no orbe oval que os meus p�s tocam

Eu n�o deixasse o meu cuspo carrasco,

Jamais exprimiria o ac�rrimo asco

Que os canalhas do mundo me provocam!

II

Foi no horror dessa noite t�o fun�rea

Que eu descobri, maior talvez que Vinci,

Com a for�a visual�stica do lince,

A falta de unidade na mat�ria!

Os esqueletos desarticulados,

Livres do acre fedor das carnes mortas,

Rodopiavam, com as brancas t�bias tortas,

Numa dan�a de n�meros quebrados!

Todas as divindades malfazejas,

Siva e Arim�, os duendes, o In e os trasgos,

Imitando o barulho dos engasgos,

Davam pancadas no adro das igrejas.

Nessa hora de mon�logos sublimes,

A companhia dos ladr�es da noite,

Buscando uma taverna que os a�oite,

Vai pela escurid�o pensando crimes.

Perpetravam-se os atos mais funestos,

E o luar, da cor de um doente de icter�cia,

Iluminava, a rir, sem pudic�cia,

A camisa vermelha dos incestos.

Ningu�m, de certo, estava ali, a espiar-me,

Mas um lampi�o, lembrava ante o meu rosto,

Um sugestionador olho, ali posto

De prop�sito, para hipnotizar-me!

Em tudo, ent�o, meus olhos distinguiram

Da miniatura singular de uma aspa,

� anatomia m�nima da caspa,

Embri�es de mundos que n�o progrediram!

Ser cachorro! Ganir incompreendidos

Verbos! Querer dizer-nos que n�o finge,

E a palavra embrulhar-se na laringe,

Escapando-se apenas em latidos!

Despir a putresc�vel forma tosca,

Na atra dissolu��o que tudo inverte,

Deixar cair sobre a barriga inerte

O apetite necr�fago da mosca!

A alma dos animais! Pego-a, distingo-a,

Acho-a nesse interior duelo secreto

Entre a �nsia de um voc�bulo completo

E uma express�o que n�o chegou � l�ngua!

Surpreendo-a em quatrilh�es de corpos vivos,

Nos antiperist�lticos abalos

Que produzem nos bois e nos cavalos

A contra��o dos gritos instintivos!

Tempo viria, em que,� daquele horrendo

Caos de corpos org�nicos disformes

Rebentariam c�rebros enormes,

Como bolhas febris de �gua, fervendo!

Nessa �poca que os s�bios n�o ensinam,

A pedra dura, os montes argilosos

Criariam feixes de cord�es nervosos

E o neuroplasma dos que raciocinam!

Almas pigm�ias! Deus subjuga-as, cinge-as

� imperfei��o! Mas vem o Tempo, e vence-o,

E o meu sonho crescia nosil�ncio,

Maior que as epop�ias carol�ngias!

Era a revolta tr�gica dos tipos

Ontog�nicos mais elementares,

Desde os foramin�feros dos mares

� grei liliputiana dos p�lipos.

Todos os personagens da trag�dia,

Cansados de viver na paz de Buda,

Pareciam pedir com a boca muda

A ganglion�ria c�lula interm�dia.

A planta que a can�cula �gnea torra,

E as coisas inorg�nicas mais nulas

Apregoavam enc�falos, medulas

Na alegria guerreira da desforra!

Os protistas e o obscuro acervo rijo

Dos espongi�rios e dos infus�rios

Recebiam com os seus �rg�os sens�ricos

O triunfo emocional do regozijo.

E apesar de j� n�o ser assim t�o tarde,

Aquela humanidade parasita,

Como um bicho inferior, berrava, aflita,

No meu temperamento de covarde!

Mas, refletindo, a s�s, sobre o meu caso

Vi que, igual a um amniota subterr�neo,

jazia atravassada no meu cr�nio

A intercess�o fat�dica do atraso!

A hip�tese genial do microzima

Me estrangulava o pensamento guapo,

E eu me encolhia todo como um sapo

Que tem um peso inc�modo por cima!

Nas agonias do delirium-tremens,

Os b�bedos alvares que me olhavam,

Com os copos cheios esterilizavam

A subst�ncia prol�fica dos s�mens!

Enterravam as m�os dentro das goelas,

E sacudidos de um tremor ind�mito

Expeliam, na dor forte do v�mito,

Um conjunto de gosmas amarelas.

Iam depois dormir nos lupanares

Onde, na gl�ria da concupisc�ncia,

Depositavam quase sem consci�ncia

As derradeiras for�as musculares.

Fabricavam destarte os bastodermas,

Em cujo repugnante recept�culo

Minha perscruta��o via o espet�culo

De uma prog�nie idiota de palermas.

Prostitui��o ou outro qualquer nome,

por tua causa, embora o homem te aceite,

� que as mulheres ruins ficam sem leite

E os meninos sem pai morrem de fome!

Por que h� de haver aqui tantos enterros?

L� no �Engenho� tamb�m, a morte � ingrata...

H� o malvado carb�nculo que mata

A sociedade infante dos bezerros!

Quantas mo�as que o t�mulo reclama!

E ap�s a podrid�o de tantas mo�as,

Os porcos espojando-se nas po�as

Da virgindade reduzida � lama!

Morte, ponto final da �ltima cena,

Forma difusa da mat�ria embele,

Minha filosofia te repele,

Meu racioc�nio enorme te condena!

Diante de ti, nas catedrais mais ricas,

Rolam sem efic�cia os amuletos,

Oh! Senhora dos nossos esqueletos

E das caveiras di�rias que fabricas!

E eu desejava ter, numa �nsia rara,

Ao pensar nas pessoas que perdera,

A inconsci�ncia das m�scaras de cera

Que a gente prega, como um cord�o, na cara!

Era um sonho ladr�o de submergir-me

Na vida universal,e, em tudo imerso,

Fazer da parte abstrada do Universo,

Minha morada equilibrada e firme!

Nisto, pior que o remorso do assassino,

Reboou, tal qual, num fundo de caverna,

Numa impressionadora voz interna,

o eco particular do meu Destino;

III

�Homem! por mais que a Id�ia deintegres,

Nessas perquisi��es que n�o t�m pausa,

Jamais, magro homem, saber�s a causa

De todos os fen�menos alegres!

Em v�o, com a bronca enxada �rdega, sondas

A est�ril terra, e a hialina l�mpada oca,

Trazes, por perscrutar (oh! ci�ncia louca!)

O conte�do das l�grimas hediondas.

Negro e sem fim � esse em que te mergulhas

lugar do Cosmos, onde a dor infrene

� feita como � feito o querosene

Nos rec�ncavos �midos das hulhas!

Porque, para que a Dor perscrutes, fora

Mister que, n�o como �s, em s�ntese, antes

Fosses, a refletir teus semelhantes,

A pr�pria humanidade sofredora!

A universal complexidade � que Ela

Compreende. E se, por vezes, se divide,

Mesmo ainda assim, seu todo n�o Residencia

No quociente isolado da parcela!

Ah! Como o ar imortal a Dor n�o finda!

Das papilas nervosas que h� nos tatos

Veio e vai desde os tempos mais transatos

Para outros tempos que h�o de vir ainda!

Como o machucamento das ins�nias

Te estraga, quando toda a estuada Id�ia

D�s ao s�frego estudo da ninf�ia

E de outras plantas dicotiled�neas!

A di�fana �gua alv�ssima e a h�rrida �scua

Que da �gnea flama bruta, estriada, espirra;

A forma��o molecular da mirra,

o cordeiro simb�lico da P�scoa;

As rebeladas c�leras que rugem

No homem civilizado, e a ele se prendem

Como �s pulseiras que os mascates vendem

A ader�ncia teimosa da ferrugem;

O orbe feraz que bastos jojos acres

Produz�a rebeli�o que na batalha,

Deixa os homens deitados, sem mortalha,

Na sangueira concreta dos massacres;

Os sanguinolent�ssimos chicotes

Da hemorragia; as n�doas mais espessas,

O achatamento ign�bil das cabe�as,

Que ainda degrada os povos hotentotes;

O Amor e a Fome, a fera ultriz que o fojo

Entra, � espera que a mansa v�tima o entre,

-- Tudo que gera no materno ventre

A causa fisiol�gica do nojo;

As p�lpebras inchadas na vig�lia,

As aves mo�as que perderam a asa,

O fog�o apagado de uma casa,

Onde morreu o chefe da fam�lia;

O trem particular que um corpo arrasta

Sinistramente pela via f�rrea,

A cristaliza��o da massa t�rrea,

O tecido da roupa que se gasta;

A �gua arbitr�ria que hiulcos caules grossos

Carrega e come; as negras formas feias

Dos aracn�deos e das centop�ias,

O fogo-f�tuo que ilumina os ossos;

As proje��es flam�vomas que ofuscam,

Como uma pincelada rembrandtesca,

A sensa��o que uma coalhada fresca

Transmite �s m�os nervosas dos que a buscam;

O antagonismo de T�fon e Os�ris,

O homem grande oprimindo o homem pequeno

A lua falsa de um parasseleno,

A mentira mete�rica do arco-�ris;

Os terremotos que, abalando os solos,

Lembram pai�is de p�lvora explodindo,

A rota��o dos fluidos produzindo

A depress�o geol�gica dos p�los;

O instinto de procriar, a �nsia leg�tima

Da alma, afrontando ovante aziagos riscos,

O juramento dos guerreiros priscos

Metendo as m�os nas gl�ndulas da v�tima;

As diferencia��es que o psicoplasma

Humano sofre da mania m�stica,

A pesada opress�o caracter�stica

Dos dez minutos de um acesso de asma;

E, (conquanto contra isto �dios regougues)

A utilidade f�nebre da corda

Que arrasta a r�s, depois que a r�s engorda,

� morte desgra�ada dos a�ougues...

Tudo isto que o terr�queo abismo encerra

Forma a complica��o desse barulho

Travado entre o drag�o do humano orgulho

E as for�as inorg�nicas da terra!

Por descobrir tudo isso, embalde cansas!

Ignoto � o g�rmem dessa for�a ativa

Que engendra, em cada c�lula passiva,

A heterogeneidade das mudan�as!

Poeta, feito mals�o, criado com os sucos

De um leite mau, carn�voro asqueroso,

Gerado no atavismo monstruoso

Da alma desordenada dos malucos;

�ltima das criaturasinferiores

Governada por �tomos mesquinhos,

Teu p� mata a uberdade dos caminhos

E esteriliza os ventres geradores!

O �spero mal que a tudo, em torno, trazes,

Am�logo � ao que, negro e a seu turno,

Traz o �vido fil�stomo noturno

Ao sangue dos mam�feros vorazes!

Ah! Por mais que, com o esp�rito, trabalhes

A perfei��o dos seres existentes,

H�s de mostrar a c�rie dos teus dentes

Na anatomia horrenda dos detalhes!

O Espa�o -- esta abstra��o spencereana

Que abrange as rela��es de coexist�ncia

E s�! N�o tem nenhuma depend�ncia

Com as v�rtebras mortais da esp�cie humana!

As radiantes elipses que as estrelas

Tra�am, e ao espectador falsas se antolham

S�o verdades de luz que os homens olham

Sem poder, no entretanto, compreend�-las.

Em v�o, com a m�o corrupta, outro �ter pedes

Que essa m�o, de esquel�ticas falanges,

Dentro dessa �gua que com a vista abranges,

Tamb�m prova o princ�pio de Arquimedes!

A fadiga feroz que te esbordoa

H� de deixar-te essa medonha marca,

Que, nos corpos inchados de anasarca,

Deixam os dedos de qualquer pessoa!

Nem ter�s no trabalho que tiveste

A misericordiosa toalha amiga,

Que afaga os homens doentes de bexiga

E enxuga, � noite, as p�stulas da peste!

Quando chegar depois a hora tranq�ila,

Tu ser�s arrastado, na carreira,

Como um cepo inconsciente de madeira

Na evolu��o org�nica da argila!

Um dia comparado com um mil�nio

Seja, pois, o teu �ltimo Evangelho...

� a evolu��o do novo para o velho

E do homog�neo para o heterog�neo!

Adeus! Fica-te a�, com o abd�men largo

A apodrecer!... �s poeira e embalde vibras!

O corvo que comer as tuas fibras

H� de achar nelas um sabor amargo!�

IV

Calou-se a voz. A noite era funesta.

E os queixos, a exibir trismos danados,

Eu puxava os cabelos desgrenhados

Como o Rei Lear, no meio da floresta!

Maldizia, com ap�strofes veementes,

No estentor de mil l�nguas insurretas,

O convencionalismo das Pandetas

E os textos maus dos c�digos recentes!

Minha imagina��o atormentada

Paria absurdos... Como diabos juntos,

perseguiam-me os olhos dos defuntos

Com a carne da escler�tica esverdeada.

Secara a clorofila das lavouras.

Igual aos sustenidos de uma endecha

Vinha-me �s cordas gl�ticas a queixa

Das coletividades sofredoras.

O mundo resignava-se invertido

Nas for�as principais do seu trabalho...

A gravidade era um princ�pio falho,

A an�lise espectral tinha mentido!

O Estado, a Associa��o, os Munic�pios

Eram mortos. De todo aquele mundo

Restava um mecanismo moribundo

E uma teleologia sem princ�pios.

Eu queria correr, ir para o inferno,

Para que, da psique no oculto jogo,

Morressem sufocadas pelo fogo

Todas as impress�es do mundo externo!

Mas a Terra negava-me o equil�brio...

Na Natureza, uma mulher de luto

Cantava, espiando as �rvores sem fruto.

A can��o prostituta do lud�brio.

Budismo moderno

Tome, Dr., esta tesoura, e...corte

Minha singular�ssima pessoa.

Que importa a mim que a bicharia roa

Todo o meu cora��o, depois da morte?!

Ah! Um urubu pousou na minha sorte!

Tamb�m, das diatom�ceas da lagoa

A cript�gama c�psula se esbroa

Ao contato de bronca destra forte!

Dissolva-se, portanto, minha vida

Igualmente a uma c�lula ca�da

Na aberra��o de um �vulo infecundo;

Mas o agregado abstrato das saudades

Fique batendo nas perp�tuas grades

Do �ltimo verso que eu fizer no mundo!

Sonho de um monista

Eu e o esqueleto esqu�lido de Esquilo

Viaj�vamos, com uma �nsia sibarita,

por toda a pro-din�mica infinita,

Na inconsci�ncia de um zo�fito tranq�ilo.

A verdade espantosa do Protilo

Me aterrava, mas dentro da alma aflita

Via Deus -- essa m�nada esquisita --

Coordenando e animando tudo aquilo!

E eu bendizia, com o esqueleto ao lado,

Na guturalidade do meu brado,

Alheio ao velho c�lculo dos dias,

Como um pag�o no altar de Proserpina,

A energia intrac�smica divina

Que � o pai e � a m�e das outras energias!

Solit�rio

Como um fantasma que se refugia

Na solid�o da natureza morta,

Por tr�s dos ermos t�mulos, um dia,

Eu fui refugiar-me � tua porta!

Fazia frio e o frio que fazia

N�o era esse que a carne nos contorta...

Cortava assim como em carni�aria

O a�o das facas incisivas corta!

Mas tu n�o vieste ver minha Desgra�a!

E eu sa�, como quem tudo repele,

-- Velho caix�o a carregar destro�os --

Levando apenas na tumba carca�a

O pergaminho singular da pele

E o chocalho fat�dico dos ossos!

Mater Originalis

Forma vermicular desconhecida

Que estacionaste, m�sera e mofina,

Como quase impalp�vel gelatina,

Nos estados prodr�micos da vida;

O hierofante que leu a minha sina

Ignorante � de que �s, talvez, nascida

Dessa homogeneidade indefinida

Que o insigne Herbert Spencer nos ensina.

Nenhuma ignota uni�o ou nenhum sexo

� conting�ncia org�nica do sexo

A tua estacion�ria alma prendeu...

Ah! De ti foi que, aut�noma e sem normas,

Oh! M�e original das outras formas,

A minha forma l�gubre nasceu!

O Lupanar

Ah! Por que monstruos�ssimo motivo

Prenderam para sempre, nesta rede,

Dentro do �ngulo diedro da parede,
A alma do homem poil�gamo e lascivo?!

Este lugar, mo�os do mundo, vede:

� o grande bebedeouro coletivo,

Onde os bandalhos, como um gado vivo,

Todas as noites, V�m matar a sede!

� o afrod�stico leito do hetairismo

A antec�mara l�brica do abismo,

Em que � mister que o g�nero humano entre.

Quando a promiscuidade aterradora

Matar a �ltima for�a geradora

E comer o �ltimo �vulo do ventre!

Idealismo

Falas de amor, e eu ou�o tudo e calo!

O amor da Humanidade � uma mentira.

�. E � por isso que na minha lira

De amores f�teis poucas vezes falo.

O amor! Quando virei por fim a am�-lo?!

Quando, se o amor quea Humanidade inspira

� o amor do sibarita e da heta�ra,

De Messalina e de Sardanapalo?!

Pois � mister que, para o amor sagrado,

O mundo fique imaterializado

-- Alavanca desviada do seu futuro --

E haja s� amizade verdadeira

Duma caveira para outra caveira,

Do meu sepulcro para o teu sepulcro?!

�ltimo credo

Como ama o homem ad�ltero o adult�rio

E o �brio a garrafa t�xica de rum,

Amo o coveiro -- este ladr�o comum

Que arrasta a gente para o cemit�rio!

� o transcendental�ssimo mist�rio!

� o nous, � o pneuma, � o ego sum qui sum,

� a morte, � esse danado n�mero Um

Que matou Cristo e que matou Tib�rio!

Creio, como o fil�sofo mais crente,

na generalidade descrente

Com que a subst�ncia c�smica evolui...

Creio, perante a evolu��o imensa,

Que o homem universal de amanh� ven�a

O homem particular eu que ontem fui!

O caix�o fant�stico

C�lere ia o caix�o, e, nele, inclusas,

Cinzas, caixas cranianas, cartilagens

Oriundas, como os sonhos dos selvagens,

De aberrat�rias abstra��es abstrusas!

Nesse caix�o iam, talvez as Musas,

Talvez meu Pai! Hoffm�nicas viagens

Enchiam meu enc�falo de imagens

As mais contradit�rias e confusas!

A energia mon�stica do Mundo,

� meia-noite, penetrava fundo

No meu fenomenal c�rebro cheio...

Era tarde! Fazia muito frio.

Na rua apenas o caix�o sombrio

Ia continuando o seu passeio!

Solil�quio de um vision�rio

Para desvirginar o labirinto

Do velho e metaf�sico Mist�rio,

Comi meus olhos crus no cemit�rio,

Numa antropofagia de faminto!

A digest�o desse manjar fun�reo

Tornado sangue transformou-me o instinto

De humanas impress�es visuais que eu sinto

Nas divinas vis�es do �ncola et�reo!

Vestido de hidrog�nio incandescente,

Vaguei um s�culo, improficuamente,

Pelas monotonias siderais...

subi talvez �s m�ximas alturas,

Mas, se hoje volto assim, com a alma �s escuras,

� necess�rio que ainda eu suba mais!

A um carneiro morto

Misericordios�ssimo carneiro

Esquartejado,� a maldi��o de Pio

D�cimo caia em teu algoz sombrio

E em todo aquele que for seu herdeiro!

Maldito seja o mercador vadio

Que te vender as carnes por dinheiro,

pois, tua l� aquece o mundo inteiro

E guarda as carnes dos que est�o com frio!

Quando a faca rangeu no teu pesco�o,

Ao monstro que espremeu teu sangue grosso

Teus olhos -- fontes de perd�o -- perdoaram!

Oh! tu que no Perd�o eu simbolizo,

Se fosses Deus, no Dia de Ju�zo,

Talvez perdoasses os que te mataram!

Vozes da morte

Agora sim! Vamos morrer, reunidos,

Tamarindo de minha desventura,

Tu, com o envelhecimento da nervura,

Eu, com o envelhecimento dos tecidos!

Ah! Esta noite � a noite dos Vencidos!

E a podrid�o, meu velho! E essa futura

Ultrafatalidade de ossatura,

A que nos acharemos reduzidos!

N�o morrer�o, por�m, tuas sementes!

E assim, para o Futuro, em diferentes

Florestas, vales, selvas, glebas, trilhos,

Na multiplicidade dos teus ramos,

Pelo muito que em vida nos amamos,

Depois da morte, inda teremos filhos!

Ins�nia de um simples

Em cismas patol�gicas insanas,

�-me grato adstringir-me, na hierarquia

Das formas vivas, � categoria

Das organiza��es liliputianas;

Ser semelhante aos zo�fitos e �s lianas,

Ter o destino de uma larva fria,

Deixar enfim na cloaca mais sombria

Este feixe de c�lulas humanas!

E enquanto arremedando �olo iracundo,

Na orgia heliogab�lica do mundo,

Ganem todos os v�cios de uma vez,

Apraz-me, adstrito ao tri�ngulo mesquinho

De um delta humilde, apodrecer sozinho

No sil�ncio de minha pequenez!

Os doentes

I

Como uma cascavel que se enroscava,

A cidade dos l�zaros dormia...

Somente, na metr�plole vazia,

Minha cabe�a aut�noma pensava!

Mordia-me a obsess�o m� de que havia,

Sob os meus p�s, na terra onde eu pisava,

Um f�gado doente que sangrava

E uma garganta �rf� que gemia!

Tentava compreender com as conceptivas

Fun��es do enc�falo as subst�ncias vivas

Que nem Spencer, nem Haeckel compreenderam...

E via em mim, coberto de desgra�as,

O resultado de bilh�es de ra�as

Que h� muito desapareceram!

II

Minha ang�stia feroz n�o tinha nome.

Ali, na urbe natal do Desconsolo,

Eu tinha de comer o �ltimo bolo

Que Deus fazia para a minha fome!

Convulso, o vento entoava um pseudosalmo.

Contrastando, entretanto, com o ar convulso

A noite funcionava como um pulso

Fisiologicamente muito calmo.

Ca�am sobre os meus centros nervosos,

Como os pingos ardentes de cem velas,

O uivo desenganado das cadelas

E o gemido dos homens bexigosos.

Pensava! E em que eu pensava, n�o perguntes!

Mas, em cima de um t�mulo, um cachorro

Pedia para mim �gua e socorro

� comisera��o dos transeuntes!

Bruto, de errante rio, alto e h�rrido, o urro

Reboava. Al�m jazia os p�s da serra,

Criando as supersti��es de minha terra,

A queixada espec�fica de um burro!

Gordo adubo de agreste urtiga brava,

Benigna �gua, magn�nima e magn�fica,

Em cuja �lgida un��o, branda e beat�fica,

A Para�ba ind�gena se lava!

A manga, a ameixa, a am�ndoa, a ab�bora, o �lamo

E a c�mara odor�fera dos sumos

Absorvem diariamente o ub�rrimo h�mus

Que Deus espalha � beira do seu t�lamo!

Nos de teu curso desobstru�dos trilhos,

Apenas eu compreendo, em quaisquer horas,

O hidrog�nio e o oxig�nio que tu choras

Pelo falecimento dos teus filhos!

Ah! Somente eu compreendo, satisfeito,

A inc�gnita psique das massas mortas

Que dormem, como as ervas, sobre as hortas,

Na esteira igualit�ria do teu leito!

O vento continuava sem cansa�o

E enchia com a fluidez do e�lico hissope

Em seu fantasmag�rido galope

A abund�ncia geom�trica do espa�o.

Meu ser estacionava, olhando os campos

Circunjacentes. No Alto, os astros mi�dos

Reduziam os C�us s�rios e rudos

A uma epiderme cheia de sarampos!

III

Dormia embaixo, com a prom�scua v�stia

No enbotamento crasso dos sentidos,

A comunh�o dos homens reunidos

Pela camaradagem da mol�stia.

Feriam-me o� nervo �ptico e a retina

Aponevroses e tend�es de Aquiles,

Restos repugnant�ssimos de b�lis,

V�mitos impregnados de ptialina.

Da degeneresc�ncia �tnica do �ria

Se escapava, entre estr�pitos e estouros,

Reboando pelos s�culos vindouros,

O ru�do de uma tosse heredit�ria.

OH! desespero das pessoas t�sicas,

Adivinhando o frio que h� nas lousas,

Maior felicidade � a destas cousas

Submetidas apenas �s leis f�sicas!

Estas, por mais que os cardos grandes rocem

Seus corpos brutos, dores n�o recebem;

Estas dis bacalhaus o �leo n�o bebem,

Estas n�o cospem sangue, estas n�o tossem!

Descender dos macacos catarr�neos,

Cair doente e passar a vida inteira

Com a boca junto de uma escarradeira,

Pintando o ch�o de co�gulos sang��neos!

Sentir, adstritos ao quimiotropismo

Er�tico, os micr�bios assanhados

Passearem, como in�meros soldados,

Nas cancerosidades do organismo!

Falar somente uma linguagem rouca.

Um portugu�s cansado e incompreens�vel,

Vomitar o pulm�o na noite horr�vel

Em que se deita sangue pela boca!

Expulsar, aos bocados, a exist�ncia

Numa bacia aut�mata de barro,

Alucinado, vendo em cada escarro

O retrato da pr�pria consci�ncia!

Querer dizer a ang�stia de que � p�bulo

E com a respira��o j� muito fraca

Sentir como que a ponta de uma faca,

Cortanto as ra�zes do �ltimo voc�bulo.

N�o haver terap�utica que arranque

Tanta opress�o como se, com efeito,
Lhe houvessem sacudido sobre o peito

A m�quina pneum�tica de Bianchi!

E o ar fugindo e a Morte a arca da tumba

A erguer, como um cron�metro gigante

Marcando a transi��o emocionante

Do lar materno para a catacumba!

Mas vos n�o lamenteis, magras mulheres,
Nos ardores danados da febre h�tica,

Consagrando vossa �ltima fon�tica

A uma recita��o de mesereres.

Antes levardes ainda uma quimera

Para a garganta omn�vora das lajes

Do que morrerdes, hoje, urrando ultrajes

Contra a dissolu��o que vos espera!

Porque a morte, resfriando-vos o rosto,

Consoante a minha concep��o ves�nica,

� a alf�ndega, onde toda a vida org�nica

H� de pagar um dia o �ltimo imposto!

IV

Come�ara a chover. Pelas algentes

Ruas, a �gua, em cachoeiras desobstru�das

Encharcava os buracos das feridas,

Alagava a medula dos Doentes!

Do fundo do meu tr�gico destino,

Onde a Resigna��o os bra�os cruza,

Sa�a, com o vexame de uma fusa,

A m�goa gaguejada de um cretino.

Aquele ru�do obscuro de gagueira

Que � noite, em sonhos m�rbidos, me acorda,

Vinha da vibra��o bruta da corda

Mais rec�ndita da alma brasileira!

Aturdia-me a t�trica miragem

De que, naquele instante, no Amazonas,

Fedia, entregue a v�sceras glutonas,

A carca�a esquecida de um selvagem.

A civiliza��o entrou na taba

Em que ele estava. O g�nio de Colombo

Manchou de opr�brios a alma do mazombo,

Cuspiu na cova do morubixaba!

E o �ndio, por fim, adstrito � �tnica esc�ria,

Recebeu, tendo o horror no rosto impresso,

Esse achincalhamento do progresso

Que o anulava na cr�tica da Hist�ria!

Como quem analisa uma apostema,

De repente, acordando na desgra�a,

Viu toda a podrid�o de sua ra�a...

Na tumba de Iracema!...

Ah! Tudo, como um l�gubre ciclone,

Exercia sobre ela a��o funesta

Desde o desbravamento da floresta

� ultrajante inven��o do telefone.

E sentia-se pior que um vagabundo

Microc�falo vil que a esp�cie encerra,

Desterrado na sua pr�pria terra,

Diminu�do na cr�nica do mundo!

A hereditariedade dessa pecha

Seguiria seus filhos. Dora em diante

Seu povo tombaria agonizante

Na luta da espingarda contra a flecha!

Veio-lhe ent�o como � f�mea v�m antojos.

Uma desesperada �nsia improf�cua

De estrangular aquela gente in�qua

Que progredia sobre os seus despojos!

Mas, diante a xantocr�ide ra�a loura,

Jazem, caladas, todas as in�bias,

E agora, sem dif�ceis nuan�as d�bias,

Com uma clarivid�ncia aterradora,

Em vez da prisca tribo e indiana tropa

A gente deste s�culo, espantada,

V� somente a caveira abandonada

De uma ra�a esmagada pela Europa!

V

Era a hora em que arrastados pelos ventos,

Os fantasmas haml�ticos dispersos

Atiram na consci�ncia dos perversos

A sombra dos remorsos famulentos.

As m�es sem cora��o rogavam pragas

Aos filhos bons. E eu, ro�do pelos medos,

Batia com o pent�gono dos dedos

Sobre um fundo hipot�tico de chagas!

Diab�lica din�mica daninha

Oprimia meu c�rebro indefeso

Com a for�a oneros�ssima de um peso

Que eu n�o sabia mesmo de onde vinha.

Perfurava-me o peito a �spera pua

do des�nimo negro que me prostra,

E quase a todos os momentos mostra

Minha caveira aos b�bedos da rua.

Hereditariedades polit�picas

Punham na minha boca putresc�vel

Interjei��es de abracadabra horr�vel

E os verbos indignados das Fil�picas.

Todos os vocativos dos blasfemos,

No horror daquela noite monstruosa,

Maldiziam, com voz estentorosa,

A pe�onha inicial de onde nascemos.

Como que havia na �nsia de conforto

De cada ser, ex.: o homem e o of�dio,

Uma necessidade de suic�dio

E um desejo incoerc�vel de ser morto!

Naquela ang�stia absurda e tragic�mica

Eu chorava, rolando sobre o lixo,

Com a contor��o neur�tica de um bicho

Que ingeriu 30 gramas de noz-v�mica.

E, como um homem doido que se enforca,

Tentava, na terr�quea superf�cie,

Consubstanciar-me todo com a imund�cie,

Confundir-me com aquela coisa porca!

Vinha, �s vezes, por�m, o anelo inst�vel

De, com o aux�lio especial do osso mass�ter

Mastigando homeom�rias neutras de �ter

Nutrir-me da mat�ria imponder�vel.

Anelava ficar um dia, em suma,

Menor que o anfi�xus e inferior � t�nia,
Reduzido � plast�dula homog�nea,

Sem diferencia��o de esp�cie alguma.

Era (nem sei em s�ntese o que diga)

Um velh�ssimo instinto at�vico, era

A saudade inconsciente da monera

Que havia sido minha m�e antiga.

Com o horror tradicional da raiva corsa

Minha vontade era, perante a cova,

Arrancar do meu pr�prio corpo a prova

Da persist�ncia tr�gica da for�a.

A pragm�tica m� de humanos usos

N�o compreende que a Morte que n�o dorme

� a absor��o do movimento enorme

Na dispers�o dos �tomos difusos.

N�o me incomoda esse �ltimo abandono

Se a carne individual hoje apodrece

Amanh�, como Cristo, reaparece

Na universalidadej do c arbono!

A vida vem do �ter que se condensa

Mas o que mais no Cosmos me entusiasma

� a esfera microsc�pica do plasma

Fazer a luz do c�rebro que pensa.

Eu voltarei, cansado, da �rdua li�a

� subst�ncia inorg�nica primeva

De onde, por epig�nese, veio Eva

E a stirpe radiolar chamada Actissa.

Quando eu for misturar-me com as violetas

Minha lira, maior que a B�blia e a Fedra

Reviver�, dando emo��o � pedra

Na ac�stica de todos os planetas!

VI

� �lgida agulha, agora, alva, a saraiva

Caindo, an�loga era... Um c�o agora

Punha a atra l�ngua hidr�foba de fora

Em contra��es miol�gicas de raiva.

Mas, para al�m, entre oscilantes chamas,

Acordavam os bairros da lux�ria...

As prostitutas, doentes de hemat�ria,

Se extenuavam nas camas.

Uma, ign�bil, derreada de cansa�o,

Quase que escangalhada pelo v�cio,

Cheirava com prazer no sacrif�cio

A lepra m� que lhe ro�a o bra�o!

E ensang�entava os dedos da m�o n�vea

Com o sentimento gasto e a emo��o pobre,

Nessa alegria b�rbara que cobre

Os saracoteamentos da lasc�via...

De certo, a pervers�o de que era presa

o sensorium daquela prostituta

Vinha da adapta��o quase absoluta

� ambi�ncia microbiana da baixeza!

Entanto, virgem fostes, e, quando o �reis,

N�o t�nheis ainda essa erup��o cut�nea,

Nem t�nheis, v�tima �ltima da ins�nia,

Duas mam�rias gl�ndulas est�reis!

Ah! Certamente n�o havia ainda

Rompido, com viol�ncia, no horizonte,

O sol malvado que secou a fonte

De vossa castidade agora finda!

Talvez tiv�sseis fome, e as m�os, embalde,

Estendestes ao mundo, at� que, �-toa,

Fostes vender a virginal coroa

Ao primeiro bandido do arrabalde.

E estais velha! -- De v�s o mundo � farto,

E hoje, que a sociedade vos enxota,

Somente as bruxas negras da derrota

Freq�entam diariamente vosso quarto!

prometem-vos (quem sabe?!) entre os ciprestes

Longe da mancebia dos alcouces,

Nas quietudes nirv�nicas mais doces

O noivado que em vida n�o tivestes!

VII

Quase todos os lutos conjugados,

Como uma associa��o de monop�lio,

Lan�avam pinceladas pretas de �leo

Na arquitetura arcaica dos sobrados.

Dentro da noite funda um bra�o humano

Parecia cavar ao longe um po�o

Para enterrar minha ilus�o de mo�o,

Como a boca de um po�o artesiano!

Atabalhoadamente pelos becos,

Eu pensava nas coisas que perecem,

Desde as musculaturas que apodrecem

� ru�na vegetal dos l�rios secos.

Cismava no prop�sito fun�reo

Da mosca debochada que fareja

O defunto, no ch�o frio da igreja,

E vai depois lev�-lo ao cemit�rio!

E esfregando as m�os magras, eu, inquieto,

Sentia, na craniana caixa tosca,

A racionalidade dessa mosca,

A consci�ncia terr�vel desse inseto!

Regougando, por�m, argots e alj�mias,

Como quem nada encontra que o perturbe,

A energ�mena gei dos �brios da urbe

Festejava seu s�bado de inf�mias.

A est�tica fatal das paix�es cegas,

Rugindo fundamente nos neur�nios,

Puxava aquele povo de dem�nios

Para a promiscuidade das adegas.

E a �bria turba que escaras sujas masca,

� falta idiossincr�sica de escr�pulo,

Absorvia com g�udio absinto, l�pulo

E outras subst�ncias t�xicas da tasca.

O ar ambiente cheirava a �cido ac�tico,

Mas, de repente, com o ar de quem empesta,

Apareceu, escorra�ando a festa,

A mand�bula inchada de um morf�tico!

Sali�ncias polim�rficas vermelhas,

Em cujo aspecto o olhar persp�cuo prendo,

Punham-lhe num destaque horrendo o horrendo

Tamanho aberrat�rio das orelhas.

O f�cies do morf�tico assombrava!

-- Aquilo era uma negra eucaristia,

Onde minh�alma inteira surpreendia

A Humanidade que se lamentava!

Era todo o meu sonho, assim inchado,

J� podre, que a morf�ia miser�vel

Tornava �s impress�es t�teis, palp�vel,

Como se fosse um corpo organizado!

VIII

Em torno a mim, nesta hora, estriges voam,

E o cemit�rio, em que eu entrei adrede,

D�-me a impress�o de um boulevard que fede,

Pela degrada��o dos que o povoam.

Quanta gente, roubada � humana coorte

Morre de fome, sobre a palha espessa,

Sem ter, como Ugolino, uma cabe�a

Que possa mastigar na hora da morte

E nua, ap�s baixar ao caos budista,

Vem para aqui, nos bra�os de um canalha

porque o madapol�o para a mortalha

Custa 1$200 ao lojista!

Que resta das cabe�as que pensaram?!

E afundado nos sonhos mais nefastos,

Ao pegar num milh�o de miolos gastos,

Todos os meus cabelos se arrepiaram.

Os evolucionistas benfeitores

Que por entre os cad�veres caminham,

iguais a irm�s de caridade, vinham

Com a podrid�o dar de comer �s flores!

Os defuntos ent�o me ofereciam

Com as articula��es das m�os inermes,

Num prato de hospital, cheio de vermes,

Todos os animais que apodreciam!

�� poss�vel que o est�mago se afoite

(Muito embora contra isto a alma se irrite)

A cevar o antrop�fago apetite,

Comendo carne humana, � meia-noite!

Com uma ilimitad�ssima tristeza,

Na impaci�ncia do est�mago vazio,

Eu devorava aquele bolo frio

Feito das podrid�es da Natureza!

E hirto, a camisa suada, a alma aos arrancos,

Vendo passar com as t�nicas obscuras,

As escaveirad�ssimas figuras

Das negras desonradas pelos brancos;

Pisando, como quem salta, entre fardos,

Nos corpos nus das mo�as hotentotes

Entregues, ao clar�o de alguns archotes,

� sodomia indigna dos moscardos;

Eu maldizia o deus de m�os nefandas

Que, transgredindo a igualit�ria regra

Da Natureza, atira a ra�a negra

Ao contub�rnio di�rio das quitandas!

Na evolu��o de minha dor grotesca,

Eu mendigava aos vermes insubmissos

Como indeniza��o dos meus servi�os,

O benef�cio de uma cova fresca.

Manh�. E eis-me a absorver a luz de fora,

Como o �ncola do p�lo �rtico, �s vezes,

Absorve, ap�s a noite de seis meses,

Os raios calor�ficos da aurora.

Nunca mais as goteiras cairiam

Como propositais setas malvadas,

No frio matador das madrugadas,

Por sobre o cora��o dos que sofriam!

Do meu c�rebro � absconsa t�bua rasa

Vinha a luz restituir o antigo cr�dito,

Proporcionando-me o prazer in�dito,

De quem possui um sol dentro de casa.

Era a vol�pia f�nebre que os ossos

Me inspiravam, trazendo-me ao sol claro,

� apreens�o fisiol�gica do faro

O odor cadaveroso dos destro�os!

IX

O invent�rio do que eu j� tinha sido

Espantava. Restavam s� de Augusto

A forma de um mam�fero vetusto

E a cerebralidade de um vencido!

O g�nio procriador da esp�cie eterna

Que me fizera, em vez de hiena ou lagarta,

Uma sobreviv�ncia de Sidarta,

Dentro da filog�nese moderna;

E arrancara milhares de exist�ncias

Do ov�rio ign�bil de uma fauna imunda,

Ia arrastando agora a alma infecunda

Na mais triste de todas as fal�ncias.

No c�u calamitoso de vingan�a

Desagregava, d�spota e sem normas,

O adesionismo bi�ntico das formas

Multiplicadas pela lei da heran�a!

A ru�na vinha horrenda e delet�ria

Do subsolo infeliz, vinha de dentro

Da mat�ria em fus�o que ainda h� no centro,

Para alcan�ar depois a periferia!

Contra a Arte, oh! Morte, em v�o teu �dio exerces!

Mas, a meu ver, os s�xeos pr�dios tortos

Tinham aspectos de edif�cios mortos,

Decompondo-se desde os alicerces!

A doen�a era geral, tudo a extenuar-se

Estava. O Espa�o abstrato que n�o morre

Cansara... O ar que, em col�nias flu�das, corre,

Parecia tamb�m desagregar-se!

�O prodromos de um t�tano medonho

Repuxavam-me o rosto... Hirto de espanto,

Eu sentia nascer-me n�alma, entanto,

O come�o magn�fico de um sonho!

Entre as formas decr�pitas do povo,

J� batiam por cima dos estragos

A sensa��o e os movimentos vagos

Da c�lula inicial de um Cosmos novo!

O letargo larv�rio da cidade

Crescia. Igual a um parto, numa furna,

Vinha da original treva noturna,

o vagido de uma outra Humanidade!

E eu, com os p�s atolados no Nirvana,

Acompanhava, com um prazer secreto,

A gesta��o daquele grande feto,

Que vinha substituir a Esp�cie Humana!

Asa de corvo

Asa de corvos carniceiros, asa

De mau agouro que, nos doze meses,

Cobre �s vezes o espa�o e cobre �s vezes

O telhado de nossa pr�pria casa...

Perseguido por todos os reveses,

� meu destino viver junto a esa asa,

Como a cinza que vive junto � brasa,

Como os Goncourts, como os irm�os siameses!

� com essa asa que eu fa�o este soneto

E a ind�stria humana faz o pano preto

Que as fam�lias de luto martiriza...

� ainda com essa asa extraordin�ria

Que a Morte -- a costureira funer�ria --

Cose para o homem a �ltima camisa!

Uma noite no Cairo

Noite no Egito. O c�u claro e produndo

Fulgura. A rua � triste. A Lua cheia

Est� sinistra, e sobre a paz do mundo

A alma dos Fara�s anda e vagueia.

Os mastins negros v�o ladrando � lua...

O Cairo � de uma formosura arcaica.
No �ngulo mais rec�ndito da rua

Passa cantando uma mulher hebraica.

O Egito � sempre assim quando anoitece!

�s vezes, das pir�mides o quedo

E atro perfil, exposto ao luar, parece

Uma sombria interjei��o de medo!

Como um contraste �queles mesereres,

Num quiosque em festa alegre turba grita,

E dentro dan�am homens e mulheres

Numa aglomera��o cosmopolita.

Tonto do vinho, um saltimbanco da �sia,

Convulso e roto, no apogeu da f�ria,

Executando evolu��es de razzia

Solta um brado epil�tico de inj�ria!

Em derredor duma ampla mesa preta

-- �ltima nota do con�bio infando --

V�em-se dez jogadores de roleta

Fumando, discutindo, conversando.

Resplandece a celeste superf�cie.

Dorme soturna a natureza s�bia...

Embaixo, na mais pr�xima plan�cie,

Pasta um cavalo espl�ndido da Ar�bia.

Vaga no espa�o um silfo solit�rio.

Troam kinnors! Depois tudo � tranq�ilo...

Apenas como um velho stradiv�rio,

Solu�a toda a noite a �gua do Nilo!

O Mart�rio do artista

Arte ingrata! E conquanto, em desalento,

A �rbita elipsoidal dos olhos lhe arda,

Busca exteriorizar o pensamento

Que em suas fronetais c�lulas guarda!

Tarda-lhe a Id�ia!� A inspira��o lhe tarda!

E ei-lo a tremer, rasga o papel, violento,

Como o soldado que rasgou a farda

No desespero do �ltimo momento!

Tenta chorar e os olhos sente enxutos!...

� como o paral�tico que, � m�ngua

Da pr�pria voz e na que ardente o lavra

Febre de em v�o falar, com os dedos brutos

Para falar, puxa e repuxa a l�ngua,

E n�o lhe vem� � boca uma palavra!

Duas estrofes

(� mem�ria de Jo�o de Deus)

Ahi! ciechi! il tanto affaticar che giova?

Tutti torniamo alla gran� madre� antica

E il nostro nome appena si ritrova.

Petrarca

A queda do teu l�rico arrabil

De um sentimento portugu�s ignoto

Lembra Lisboa, bela como um brinco,

Que um dia no ano tr�gico de mil

E setecentos e cinq�enta e cinco,

Foi abalada por um terremoto!

A �gua quieta do Tejo te aben�oa.

Tu representas toda essa Lisboa

De gl�rias quase sobrenaturais,

Apenas com uma diferen�a triste,

Com a diferen�a que Lisboa existe

E tu, amigo, n�o existes mais!

O MAR, A ESCADA E O HOMEM

�Olha agora, mam�fero inferior,

�� luz da espicurista ataraxia,

�O fracasso de tua geografia

�E do teu escafandro esmiu�ador!

�Ah! Jamais saber�s ser superior,

�Homem, a mim, conquanto ainda hoje em dia,

�Com a ampla h�lice auxiliar com que outrora ia

�Voando ao vento o vast�ssimo vapor.

�Rasgue a �gua h�rrida a nau �rdega e singre-me!�

E a verticalidade da Escada �ngreme:

�Homem, j� transpuseste os meus degraus?!�

E Augusto, o H�rcules, o Homem, aos solu�os,

Ouvindo a Escada e o Mar, caiu de bru�os

No pandem�nio aterrador do Caos!

Decad�ncia

Iguais �s linhas perpendiculares

Ca�ram, como cru�is e h�rridas hastas,

Nas suas 33 v�rtebras gastas

Quase todas as pedras tumulares!

A frialdade dos c�rculos polares,

Em sucessivas atua��es nefastas,

Penetrara-lhe os pr�prios neuroplastas,

Estragara-lhe os centros medulares!

Como quem quebra o objeto mais querido

E come�a a apanhar piedosamente

Todas as microsc�picas part�culas,

Ele hoje v� que, ap�s tudo perdido,

S� lhe restam agora o �ltimo doente

E a arma��o funer�ria das clav�culas!

Ricordanza della mia giovent�

A minha ama-de-leite Guilhermina

Furtava as moedas que o Doutor me dava.

Sinh�-Mocinha, minha M�e, ralhava...

Via naquilo a minha pr�pria ru�na!

Minha ama, ent�o, hip�crita, afetava

Susceptibilidade de menina:

�-- N�o, n�o fora ela! --� E maldizia a sina,

Que ela absolutamente n�o furtava.

Vejo, entretanto, agora, em minha cama,

Que a mim somente cabe o furto feito...

Tu s� furtaste a moeda, o ouro que brilha.

Furtaste a moeda s�, mas eu, minha ama,

Eu furtei mais, porque furtei o peito

Que dava leite para a tua filha!

A um mascarado

Rasga essa m�scara �tima de seda

E atira-a � arca ancestral dos palimpsestos...

� noite, e, � noite, a esc�ndalos e incestos

� natural que o instinto humano aceda!

Sem que te arranquem da garganta queda

A interjei��o danada dos protestos,

H�s de engolir, igual a um porco, os restos

Duma comida horrivelmente azeda!

A sucess�o de hebd�madas medonhas

Reduzir� os mundos que tu sonhas

Ao microcosmos do ovo primitivo...

E tu mesmo, ap�s a �rdua e atra refrega,

Ter�s somente uma vontade cega

E uma tend�ncia obscura de ser vivo!

Vozes de um t�mulo

Morri! E a Terra -- a m�e comum -- o brilho

Destes meus olhos apagou!... Assim

T�ntalo, aos reais convivas, num festim,

Serviu as carnes do seu pr�prio filho!

Por que para este cemit�rio vim?!

Por que?! Antes da vida o angusto trilho

Palmilhasse, do que este que palmilho

E que me assombra, porque n�o tem fim!

No ardor do sonho que o fronema exalta

Constru� de orgulho �nea pir�mide alta...

Hoje, por�m, que se desmoronou

A pir�mide real do meu orgulho,

Hoje que apenas sou mat�ria e entulho

Tenho consci�ncia de que nada sou!

Contrastes

A ant�tese do novo e do obsoleto,

O Amor e a Paz, o �dio e a Carnificina,

O que o homem ama e o que o homem abomina,

Tudo conv�m para o homem ser completo!

O �ngulo obtuso, pois, e o �ngulo reto,

Uma fei��o humana e outra divina

S�o como a eximenina e a endimenina

Que servem ambas para o mesmo feto!

Eu sei tudo isto mais do que o Eclesiastes!

Por justaposi��o destes contrastes,

Junta-se um hemisf�rio a outro hemisf�rio,

�s alegrias juntam-se as tristezas,

E o carpinteiroque fabrica as mesas

Faz tamb�m os caix�es do cemit�rio!...

Gemidos de arte

I

Esta desilus�o que me acabrunha

� mais traidora do que o foi Pilatos!...

Por causa disto, eu vivo pelos matos,

Magro, roendo a subst�ncia c�rnea de unha.

Tenho estremecimentos indecisos

E sinto, haurindo o t�pido ar sereno,

O mesmo assombro que sentiu Parfeno

Quando arrancou os olhos de Dionisos!

Em giro e em redemoinho em mim caminham

R�spidas m�goas estranguladoras,

Tais quais, nos fortes fulcros, as tesouras

Br�nzeas, tamb�m gira e redemoinham.

Os p�es -- filhos leg�timos dos trigos --

Nutrem a gera��o do �dio e da Guerra.

Os cachorros an�nimos da terra

S�o talvez os meus �nicos amigos!

Ah! Por que desgra�ada conting�ncia

� h�spida aresta s�xea �spera e abrupta

Da rocha brava, numa ininterrupta

Ades�o, n�o prendi minha exist�ncia?!

Por que Jeov�, maior do que Laplace,

N�o fez cair o t�mulo de Pl�nio

Por sobre todo o meu racioc�nio

Para que eu nunca mais raciocinase?!

Pois minha M�e t�o cheia assim daqueles

Carinhos, com que guarda meus sapatos,

Por que me deu consci�ncia dos meus atos

Para eu me arrepender de todos eles?!

Quisera antes, mordendo glabros talos,

Nabucodonosor ser do Pau d�Arco,

Beber a acre e estagnada �gua do charco,

Dormir na manjedoura com os cavalos!

Mas a carne � que � humana! A alma � divina.

Dorme num leito de feridas, goza

O lodo, apalpa a �lcera cancerosa,

Beija a pe�onha, e n�o se contamina!

Ser homem! escapar de ser aborto!

Sair de um vente inchado que se anoja,

Comprar vestidos pretos numa loja

E andar de luto pelo pai que � morto!

E por trezentos e sessenta dias

Trabalhar e comer! Mart�rios juntos!

Alimentar-se dos irm�os defuntos,

Chupar os ossos das alimarias!

Barulho de mand�bulas e abd�mens!

E vem-me com um desprezao por tudo isto

Uma vontade absurda de ser Cristo

Para sacrificar-me pelos homens!

Soberano desejo! Soberana

Ambi��o de construir para o homem uma

Regi�o, onde n�o cuspa l�ngua alguma

O �leo ran�oso da saliva humana!

Uma regi�o sem n�doas e sem lixos,

Subtra�da � hediondez de �nfimo casco,

Onde a forca feroz coma o carrasco

E o olho do estuprador se encha de bichos!

Outras constela��es e outros espa�os

Em que, no agudo grau da �ltima crise,

O bra�o do ladr�o se paralise

E a m�o da meretriz caia aos peda�os!

II

O sol agora � de um fulgor compacto,

E eu vou andando, cheio de chamusco,

Com a flexibilidade de um molusco,

�mido, pegajoso e untuoso ao tacto!

Re�nam-se em rebeli�o ardente e acesa

Todas as minhas for�as emotivas

E armem ciladas como cobras vivas

Para despeda�ar minha tristeza!

O sol de cima espiando a flora mo�a

Arda, fustigue, queime, corte, morda!...

Deleito a vista na verdura gorda

Que nas hastes delgadas se balou�a!

Avisto o vulto das sombrias granjas

Perdidas no alto... Nos terrenos baixos,

Das laranjeiras eu admiro os cachos

E a ampla circunfer�ncia das laranjas.

Ladra furiosa a tribo dos podengos.

Olhando para as p�tridas charnecas

Grita o ex�rcito avulso das marrecas

Na �mida copa dos bambus verdoengos.

Um p�ssaro alvo art�fice da teia

De um ninho, salta, no �rdego trabalho,

De �rvore em �rvore e de galho em galho,

Com a rapidez duma semicolcheia.

Em grandes semic�rculos aduncos,

Entran�ados, pelo ar, largando p�los,

Voam � semelhan �a de cabelos

Os chicotes fin�ssimos dos juncos.

Os ventos vagabundos batem, bolem

Nas �rvores. O ar cheira. A terra cheira...

E a alma dos vegetais rebenta inteira

De todos os corp�sculos do p�len.

A c�mara nupcial de cada ov�rio

Se abre. No ch�o coleia a lagartixa.

Por toda a parte a seiva bruta esguicha

Num extravasamento involunt�rio.

Eu, depois de morrer, depois de tanta

Tristeza, quero, em vez do nome -- Augusto,

Possuir a� o nome dum arbusto

Qualquer ou de qualquer obscura planta!

III

Pelo acidental�ssimo caminho

Fa�sca o sol. N�dios, batendo a cauda,

Urram os bois. O c�u lembra uma lauda

Do mais incorrupt�vel pergaminho.

Uma atmosfera m� de inc�moda hulha

Abafa o ambiente. O aziago ar morto a morte

Fede. O ardente calor da areia forte

Racha-me os p�s como se fosse agulha.

N�o sei que subterr�nea e atra voz rouca,

Por saibros e por cem c�ncavos vales,

Como pela avenida das Mappales,

Me arrasta � casa do finado Toca!

Todas as tardes a esta casa venho.

Aqui, outrora, sem conchego nobre,

Viveu, sentiu e amou este homem pobre

Que carregava canas para o engenho!

Nos outros tempos e nas outras eras,

Quantas flores! Agora, em vez de flores,
Os musgos, como ex�ticos pintores,

Pintam caretas verdes nas taperas.

Na bruta dispers�o de v�treos cacos,

� dura luz do sol resplandecente,

Tr�pega e antiga, uma parede doente

Mostra a cara medonha dos buracos.

O cupim negro broca o �mago fino

Do teto. E tra�a trombas de elefantes

Com as circunvolu��es extravagantes

Do seu complicad�ssimo intestino.

O lodo obscuro trepa-se nas portas.

Amontoadas em grossos feixes rijos,

As lagartixas, dos esconderijos,

Est�o olhando aquelas coisas mortas!

Fico a pensar no Esp�rito disperso

Que, unindo a pedra ao gneiss e a �rvore � crian�a,

Como um anel enorme de alian�a,

Une todas as coisas do Universo!

E assim pensando, com a cabe�a em brasas

Ante a fatalidade que me oprime,

Julgo ver este Esp�rito sublime,

Chamando-me do sol com as suas asas!

Gosto do sol ign�vomo e iracundo

Como o r�ptil gosta quando se molha

E na atra escurid�o dos ares, olha

Melancolicamente para o mundo!

Essa alegria imaterializada,

Que por vezes me absorve, � o �bolo obscuro,

� o peda�o j� podre de p�o duro

Que o miser�vel recebeu na estrada!

N�o s�o os cinco mil milh�es de francos

Que a Alemanha pediu a Jules Favre...

� o dinheiro coberto de azinhavre

Que o escravo ganha, trabalhando aos brancos!

Seja este sol meu �ltimo consolo;

E o esp�rito infeliz que em mim se encarna

Se alegre ao sol, como quem raspa a sarna,

S�, com a miseric�rdia de um tijolo!...

Tudo enfim a mesma �rbita percorre

E as bocas v�o beber o mesmo leite...

A lamparina quando falta o azeite

Morre, da mesma forma que o homem morre.

S�bito, arrebentando a horrenda calma,

Grito, e se gritio � para que meu grito

Seja a revela��o deste Infiniti

Que eu trago encarcerado da minh�alma!

Sol brasileiro! queima-me os destro�os!

Quero assistir, aqui, sem pai que me ame,

De p�, � luz da consci�ncia infame,

� carboniza��o dos pr�prios ossos!

Versos de amor

A um poeta er�tico

Parece muito doce aquela cana.

Descasco-a, provo-a, chupo-a... ilus�o treda!

O amor, poeta, � como a cana azeda,

A toda a boca que o n�o prova engana.

Quis saber que era o amor, por experi�ncia,

E hoje que, enfim, conhe�o o seu conte�do,

Pudera eu ter, eu que idolatro o estudo,

Todas as ci�ncias menos esta ci�ncia!

Certo, este o amor n�o � que, em �nsias, amo

Mas certo, o ego�sta amor este � que acinte

Amas, oposto a mim. Por conseguinte

Chamas amor aquilo que eu n�o chamo.

Oposto ideal ao meu ideal conservas.

Diverso �, pois, o ponto outro de vista

Consoante o qual, observo o amor, do ego�sta

Modo de ver, consoante o qual, o observas.

Porque o amor, tal como eu o estou amando,

� Esp�rito, � �ter, � subst�ncia fluida,

� assim como o ar que a gente pega e cuida,

Cuida, entretanto, n�o o estar pegando!

� a transubstancia��o de instintos rudes,

Imponderabil�ssima e impalp�vel,

Que anda acima da carne miser�vel

Como anda a gar�a acima dos a�udes!

Para reproduzir tal sentimento

Daqui por diante, atenta a orelha cauta,

Como M�rsias -- o inventor da flauta --

Vou inventar tamb�m outro instrumento!

Mas de tal arte e esp�cie tal faz�-lo

Ambiciono, que o idioma em que te eu falo

Possam todas as l�nguas declin�-lo

Possam todos os homens compreend�-lo.

Para que, enfim, chegando � �ltima calma

Meu podre cora��o roto n�o role,

Integralmente desfibrado e mole,

Como um saco vazio dentro d�alma!

Sonetos

I

A meu pai doente

Para onde fores, Pai, para onde fores,

Irei tamb�m, trilhando as mesmas ruas...

Tu, para amenizar as dores tuas,

Eu, para amenizar as minhas dores!

Que coisa triste! O campo t�o sem flores,

E eu t�o sem cren�a e as �rvores t�o nuas

E tu, gemendo, e o horror de nossas duas

M�goas crescendo e se fazendo horrores!

Magoaram-te, meu Pai?! Que m�o sombria,

Indiferente aos mil tormentos teus

De assim magoar-te sem pesar havia?!

-- Seria a m�o de Deus?! Mas Deus enfim

� bom, � justo, e sendo justo, Deus,

Deus n�o havia de magoar-te assim!

II

A meu pai morto

Madrugada de Treze de Janeiro,

Rezo, sonhando, o of�cio da agonia.

Meu Pai nessa hora junto a mim morria

Sem um gemido, assim como um cordeiro!

E eu nem lhe ouvi o alento derradeiro!

Quando acordei, cuidei que ele dormia,

E disse � minha M�e que me dizia:

�Acorda-o�! deixa-o, M�e, dormir primeiro!

E sa� para ver a Natureza!

Em tudo o mesmo abismo de beleza,

Nem uma n�voa no estrelado v�u...

Mas pareceu-me, entre as estrelas fl�reas,

Como Elias, num carro azul de gl�rias,

Ver a alma de�� meu Pai subindo ao C�u!

III

Podre meu Pai! A morte o olhar lhe vidra.

Em seus l�bios que os meus l�bios osculam

Microrganismos f�nebres pululam

Numa fermenta��o gorda de cidra.

Duras leis as que os homens e a h�rrida hidra

A uma s� lei biol�gica vinculam,

E a marcha das mol�culas regulam,

Com a invariabilidade da clepsidra!

Podre meu Pai! E a m�o que enchi de beijos

Ro�da toda de bichos, como os queijos

Sobre a mesa de org�acos festins!...

Amo meu Pai na at�mica desordem

Entre as bocas necr�fagas que o mordem

E a terra infecta que lhe cobre os rins!

Depois da orgia

O prazer que na orgia a heta�ra goza

Produz no meu sensorium de bacante

O efeito de uma t�nica brilhante

Cobrindo ampla apostema escrofulosa!

Troveja! E anelo ter, s�frega e ansiosa,

O sistema nervoso de um gigante

Para sofrer na minha carne estuante

A dor da for�a c�smica furiosa.

Apraz-me, enfim, despindo a �ltima alfaia

Que ao com�rcio dos homens me traz presa,

Livre deste cadeado de pe�onha,

Semelhante a um cachorro de atalaia

�s decomposi��es da Natureza,

Ficar latindo minha dor medonha!

A �rvore da serra

-- As �rvores, meu filho, n�o t�m alma!

E esta �rvore me serve de empecilho...

� preciso cort�-la, pois, meu filho,

Para que eu tenha uma velhice calma!

-- Meu pai, por que sua ira n�o se acalma?!

N�o v� que em tudo existe o mesmo brilho?!

Deus p�s almas nos cedros... no junquilho...

Esta �rvore, meu pai, possui minh�alma!...

-- Disse -- e ajoelhou-se, numa rogativa:

�N�o mate a �rvore, pai, para que eu viva!�

E quando a �rvore, olhando a p�tria serra,

Caiu aos golpes do machado bronco,

O mo�o triste se abra�ou com o tronco

E nunca mais se levantou da terra!

Vencido

No auge de atordoadora e �vida sanha

Leu tudo, desde o mais pr�stino mito,

por exemplo: o do boi �pis do Egito

Ao velho Niebelungen da Alemanha.

Acometido de uma febre estranha

Sem o esc�ndalo f�nico de um grito,

mergulhou a cabe�a no Infinito,

Arrancou os cabelos na montanha!

Desceu depois � gleba mais bastarda,

Pondo a �urea ins�gnia her�ldica da farda

� vontade do v�mito plebeu...

E ao vir-lhe o cuspo di�rio � boca fria

O vencido pensava que cuspia

Na c�lula infeliz de onde nasceu.

O Corrupi�o

Escaveirado corrupi�o idiota,

Olha a atmosfera livre, o amplo �ter belo,

E a alga cript�gama e a �snea e o cogumelo,

Que do fundo do ch�o todo o ano brota!

Mas a �nsia de alto voar, de � antiga rota

Voar, n�o tens mais! E pois, preto e amarelo,

P�es-te a assobiar, bruto, sem cerebelo

A gargalhada da �ltima derrota!

A gaiola aboliu tua vontade.

Tu nunca mais ver�s a liberdade!...

Ah! Tu somente ainda �s igual a mim.

Continua a comer teu milho alpiste.

Foi este mundo que me fez t�o triste,

Foi a gaiola que te p�s assim!

Noite de um vision�rio

N�mero cento e tr�s. Rua Direita.

Eu tinha a sensa��o de quem se esfola

E inopinadamente o corpo atola

Numa po�a de carne liquefeita!

-- �Que esta alucina��o t�til n�o cres�a!�

-- Dizia; e erguia, oh! c�u, alto, por ver-vos,

Com a rebeldia ac�rrima dos nervos

Minha atormentad�ssima cabe�a.

� a potencialidade que me eleva

Ao grande Deus, e absorve em cada viagem

Minh�alma -- este sombrio personagem

Do drama pante�stico da treva!

Depois de dezesseis anos de estudo

Generaliza��es grandes e ousadas

Traziam minhas for�as concentradas

Na compreens�o mon�stica de tudo.

Mas a aguadilha p�trida o ombro inerme

Me aspergia, banhava minhas t�bias,

E a ela se aliava o ardor das sirtes l�bias,

Cortanto o melanismo da epiderme.

Arim�nico g�nio destrutivo

Desconjuntava minha aut�noma alma

Esbandalhando essa unidade calma,

Que forma a coer�ncia do ser vivo.

E eu s� a tremer com a l�ngua grossa

E a voli��o no c�mulo do ex�cio,

Como quem � levado para o hosp�cio

Aos trambolh�es, num canto de carro;ca!

Perante o inexor�vel c�u aceso

Agrega��es abi�ticas esp�rias,

Como um cara, recebendo inj�rias,

Recebiam os cuspos do desprezo.

A essa hora, nas tel�rias reservas,

O reino mineral americano

Dormia, sob os p�s do orgulho humano,

E a cimalha min�scula das ervas.

E n�o haver quem, �ntegra, lhe entregue,

Com os ligamentos gl�ticos precisos,

A liberdade de vingar em risos

A ang�stia milen�ria que o persegue!

Bolia nos obscuros labirintos

Da f�rtil terra gorda, �mida e fresca,

A �nfima fauna absc�ndita e grotesca

Da fam�lia bastarda dos helmintos.

As vegetalidades subalternas

Que osserenos noturnos orvalhavam,

Pela alta frieza intr�nseca, lembravam

Toalhas molhadas sobre as minhas pernas.

E no estrume fresqu�ssimo da gleba

Formigavam, com a s�mplice sarcode,

O vibri�o, o ancil�stomo, o colpode

E outros irm�os leg�timso da ameba!

E todas essas formas que Deus lan�a

No Cosmos, me pediam, com o ar horr�vel,

Um peda�o de l�ngua dispon�vel

Para a filogen�tica vingan�a!

A cidade exalava um podre b�fio:

Os an�ncios das casas de com�rcio,

Mais tristes que as elegais de Prop�rcio,

Pareciam talvez meu epit�fio.

O motor teleol�gico da Vida

Parara! Agora, em di�stoles de guerra,

Vinha do cora��o quente da terra

Um rumor de mat�ria dissolvida.

A qu�mica feroz do cemit�rio

Transformava por��es de �tomos juntos

No �leo mals�o que escorre dos defuntos,

Com a abund�ncia de um geyser delet�rio.

Dedos denunciadores escreviam

Na l�gubre extens�o da rua preta

Todo o destino negro do planeta,

Onde minhas mol�culas sofriam.

Um necr�filo mau for�ava as lousas

E eu -- coet�neo do horrendo cataclismo --

Era puxado para aquele abismo

No redemoinho universal das cousas!

Alucina��o � beira-mar

Um medo de morrer meus p�s esfriava.

Noite alta. Ante o tel�rico recorte,

na diuturna disc�rdia, a equ�rea coorte

Atordoadamente ribombava!

Eu, eg�latra c�ptico, cismava

Em meu destino!... O vento estava forte

E aquela matem�rica da Morte

Com os seus n�meros negros, me assombrava!

Mas a alga usufrutu�ria dos oceanos

E os malacopter�gios subraquianos

Que um castigo de esp�cie emudeceu,

No eterno horror das convuls�es mar�timas

Pareciam tamb�m corpos de v�timas

Condenados � Morte, assim como eu!

Vandalismo

Meu cora��o tem catedrais imensas,

Templos de priscas e long�nquas datas,

Onde um nume de amor, em serenatas,

Canta a aleluia virginal das cren�as.

Na ogiva f�lgida e nas colunatas

Vertem lustrais irradia��es intensas

Cintila��es de l�mpadas suspensas

E as ametistas e os flor�es e as pratas.

Com os velhos Templ�rios medievais

Entrei um dia nessas catedrais

E nesses templos claros e risonhos...

E erguendo os gl�dios e brandindo as hastas,

No desespero dos iconoclastas

Quebrei a imagem dos meus pr�prios sonhos!

Versos �ntimos

V�s! Ningu�m assistiu ao formid�vel

Enterro de tua �ltima quimera.

Somente a Ingratid�o -- esta pantera --

Foi tua companheira insepar�vel!

Acostuma-te � lama que te espera!

O Homem, que, nesta terra miser�vel,
Mora, entre feras, sente invevit�vel

Necessidade de tamb�m ser fera.

Toma um f�sforo. Acende teu cigarro!

o beijo, amigo, � a v�spera do escarro,

A m�o que afaga � a mesma que apedreja.

Se a algu�m causa inda pena a tua chaga,

Apedreja essa m�o vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!

Vencedor

Toma as espadas r�tilas, guerreiro,

E � rutil�ncia das espadas, toma

A adaga de a�o, o gl�dio de a�o, e doma

Meu cora��o -- estranho carniceiro!

N�o podes?! Chama ent�o presto o primeiro

E o mais possante gladiador de Roma.

E qual mais pronto, e qual mais presto assoma

Nenhum p�de domar o prisioneiro.

Meu cora��o triunfava nas arenas.

Veio depois um domador de hienas

E outro mais, e, por fim, veio um atleta,

Vieram todos, por fim; ao todo, uns cem...

E n�o p�de dom�-lo enfim ningu�m,

Que ningu�m doma um cora��o de poeta!

A Ilha de Cipango

Estou sozinho! A estrada se desdobra

Como uma imensa e rutilante cobra

De epiderfe fin�ssima de areia...

E por essa fin�ssima epiderme

Eis-me passeando como um grande verme

Que, ao sol, em plena podrid�o, passeia!

A agonia do sol vai ter come�o!

Caio de joelhos, tr�mulo... Ofere�o

Preces a Deus de amor e de respeito

E o Ocaso que nas �guas se retrata

Nitidamente repdoruz, exata,

A saudade interior que h� no meu peito...

tenho alucina��es de toda a sorte...

Impressionado sem cessar com a Morte

E sentindo o que um l�zaro n�o sente,

Em negras nuan�as l�gubres e aziagas

Vejo terribil�ssimas adagas,

Atravessando os ares bruscamente.

Os olhos volvo para o c�u divino

E observo-me pigmeu e pequenino

Atrav�s de min�sculos espelhos.

Assim, quem diante duma cordilheira,

P�ra, entre assombros, pela vez primeira,

Sente vontade de cair de joelhos!

Soa o rumor fat�dico dos ventos,

Anunciando� desmoronamentos

De mil lajedos sobre mil lajedos...

E ao longe soam tr�gicos fracassos

De her�is, partindo e fraturando os bra�os

Nas pontas escarpadas dos rochedos!

Mas de repente, num enleio doce,

Qual num sonho arrebatado fosse,

Na ilha encantada de Cipango tombo,

Da qual, no meio, em luz perp�tua, brilha

A� �rvore da perp�tua maravilha,

� cuja sombra descansou Colombo!

Foi nessa ilha encantada de Cipango,

Verde, afetando a forma de um losango,

Rica, ostentando amplo floral risonho,

Que Toscanelli viu seu sonho extinto

E como sucedeu a Afonso Quinto

Foi sobre essa ilha que extingui meu sonho!

Lembro-me bem. Nesse maldito dia

O g�nio singular da Fantasia

Convidou-me a sorrir para um passeio...

Ir�amos a um pa�s de eternas pazes

Onde em cada deserto h� mil o�sis

E em cada rocha um cristalino veio.

Gozei numa hora s�culos de afagos,

Banhei-me na �gua de risonhos lagos,

E finalmente me cobri de flores...

Mas veio o vento que a Desgra�a espalha

E cobriu-me com o pano da mortalha,

Que estou cosendo para os meus amores!

Desde ent�o para c� fiquei sombrioi!

Um penetrante e corrosivo frio

Anestesiou-me a sensibilidade

E a grandes golpes arrancou as ra�zes

Que prendiam meus dias infelizes

A um sonho antigo de felicidade!

Invoco os Deuses salvadores do erro.

A tarde morre. Passa o seu enterro!...

A luz descreve siguezagues tortos

Enviando � terra os derradeiros beijos.

Pela estrada feral dois realejos

Est�o chorando meus amores mortos!

E a treva ocupa toda a estrada longa...

O Firmamento � uma caverna oblonga

Em cujo fundo a Via-L�ctea existe.

E como agora a lua cheia brilha!

Ilha maldita vinte vezes a ilha

Que para todo o sempre me fez triste!

Mater

Como a cris�lida emergindo do ovo

Para que o campo fl�rido a concentre,

Assim, oh! M�e, sujo de sangue, um novo

Ser, entre dores, te emergiu do ventre!

E puseste-lhe, haurindo amplo deleite,

No l�bio r�seo a grande teta farta

-- Fecunda fonte desse mesmo leite

Que amamentou os �febos de Esparta. --

Com que avidez ele essa fonte suga!

Ningu�m mais com a Beleza est� de acordo,

Do que essa pequenina sanguessuga,

Bebendo a vida no teu seio gordo!

Pois, quanto a mim, sem pretens�es, comparo,

Essas humanas coisas pequeninas

A um biscuit de quilate muito raro

Exposto a�, � amostra, nas vitrinas.

Mas o ramo frag�limo e venusto

Que hoje nas d�beis g�mulas se esbo�a,

H� de crescer, h� de tornar-se arbusto

E �lamo altivo de ramagem grossa.

Clara, a atmosfera se encher� de aromas,

O Sol vir� das �pocas sadias...

E o antigo le�o, que te esgotou as pomas,

H� de beijar-te as m�os todos os dias!

Quando chegar depois tua velhice

Batida pelos b�rbaros invernos,

Relembrar�s chorando o que eu te disse,

� sombra dos sic�moros eternos!

Poema negro

A Santos Neto

Para iludir minha desgra�a, estudo.

Intimamente sei que n�o me iludo.

Para onde vou (o mundo inteiro o nota)

Nos meus olhares f�nebres, carrego

A indiferen�a est�pida de um cego

E o ar indolente de um chin�s idiota!

A passagem dos s�culos me assombra.

Para onde ir� correndo minha sombra

Nesse cavalo de eletricidade?!

Caminho, e a mim pergunto, na vertigem:

-- Quem sou? Para onde vou? Qual minha origem?

E parece-me um sonho a realidade.

Em v�o com o grito do meu peito impreco!

Dos brados meus ouvindo apenas o eco,

Eu tor�o os bra�os numa ang�stia douda

E muita vez, � meia-noite, rio

Sinistramente, vendo o verme frio

Que h� de comer a minha carne toda!

� a Morte -- esta carn�vora assanhada --

Serpente m� de l�ngua envenenada

Que tudo que acha no caminho, come...

-- Faminta e atra mulher que, a 1 de Janeiro,

Sai para assassinar o mundo inteiro,

E o mundo inteiro n�o lhe mata a fome!

Nesta sombria an�lise das cousas,

Corro. Arranco os cad�veres das lousas

E as suas partes podres examino...

Mas de repente, ouvindo um grande estrondo,

Na podrid�o� daquele embrulho hediondo

Reconhe�o assombrado o meu Destino!

Surpreendo-me, sozinho, numa cova.

Ent�o meu desvario se renova...

Como que, abrindo todos os jazigos,

A Morte, em trajes pretos e amarelos.

Levanta contra mim grandes cutelos

E as baionetas dos drag�es antigos!

E quando vi que aquilo vinha vindo

Eu fui caindo como um sol caindo

De decl�nio em decl�nio; e de decl�nio

Em decl�nio, como a gula de uma fera,

Quis ver o que era, e quando vi o que era,

Vi que era p�, vi que era esterquil�nio!

Chegou a tua vez, oh! Natureza!

Eu desafio agora essa grandeza,

Perante a qual meus olhos se extasiam.

Eu desafio, desta cova escura,

No histerismo danado da tortura

Todos os monstros que os teus peitos criam.

Tu n�o �s minha m�e, velha nefasta!

Com o teu chicote frio de madrasta

Tu me a�oitaste vinte e duas vezes...

Por tua causa apodreci nas cruzes,

Em que pregas os filhos que produzes

Durante os desgra�ados nove meses!

Semeadora terr�vel de defuntod,

Contra a agress�o dos teus contrastes juntos

A besta, que em mim dorme, acorda em berros

Acorda, e ap�s gritar a �ltima inj�ria,

Chocalha os dentes com medonha f�ria

Como se fosso o atrito de dois ferros!

Pois bem! Chegou minha hora de vingan�a.

Tu mataste o meu tempo de crian�a

E de segunda-feira at� domingo,

Amarrado no horror de tua rede,

Deste-me fogo quanto eu tinha sede...

Deixa-te estar, canalha, que eu me vingo!

S�bito outra vis�o negra me espanta!

Estou em Roma. � Sexta-feira Santa.

A trava invade o obscuro orbe terrestre

No Vaticano, em grupos prosternados,

Com as longas fardas rubras, os soldados

Buardam o corpo do Divino Mestre.

Como as estalactites da caverna,

Cai no sil�ncio da Cidade Eterna

A �gua da chuva em largos fios grossos...

De Jesus Cristo resta unicamente

Um esqueleto; e a gente, vendo-o, a gente

Sente vontade de abra�ar-lhe os ossos!

N�o h� ningu�m na estrada da Ripetta.

Dentro da igreja de S�o Pedro, quieta,

As luzes funerais arquejam fracas...

O vento entoa c�nticos de morte.

Roma estremece! Al�m, num rumor forte

Recome�a o barulha das matracas.

A desagrega��o da minha Id�ia

Aumenta. Como as chagas da morf�ia

O medo, o desalento e o desconforto

Paralisam-me os c�rculos motores.

Na Eternidade, os ventos gemedores

Est�o dizendo que Jesus � morto!

N�o! Jesus n�o morreu! Vive na serra

Da Borborema, no ar de minha terra,

Na mol�cula e no �tomo... Resume

A espiritualidade da mat�ria

E ele � que embala o corpo da mis�ria

E faz da cloaca uma urna de perfume.

Na agonia� de tantos pesadelos

Uma dor bruta puxa-me� os cabelos.

Desperto. � t�o vazia a minha vida!

No pensamento desconexo e falho

Trago as cartas confusas de um baralho

E peda�o de cera derretida!

Dorme a casa. O c�u dorme. A �rvore dorme

Eu, somente eu, com a minha dor enorme

Os olhos ensang�ento na vig�lia!

E observo, enquanto o horror me corta a fala

O aspecto sepulcral da austera sala

E a impassibilidade da mob�lia.

Meu cora��o, como um crital, se quebre

O term�metro negue minha febre,

Torne-se gelo o sangue que me abrase

E eu me converta na cegonha triste

Que das ru�nas duma cassa assiste

Ao desmoronamento de outra casa!

Ao terminar este sendito poema

Onde vazei a minha dor suprema

Tenho os olhos em l�grimas imersos...

Rola-me na cabe�a o c�rebro oco.

Por ventura, meu Deus, estarei louco?!

Daqui por diante n�o farei mais versos.

Eterna m�goa

O homem por sobre quem caiu a praga

Da tristeza do Mundo, o homem que � triste

Para todos os s�culos existe

E nunca mais o seu pesar se apaga!

N�o cr� em nada, pois, nada h� que traga

Consolo � M�goa, a que s� ele assiste.

Quer resistir, e quanto mais resiste

Mais se lhe aumenta e se lhe afunda a chaga.

Sabe que sofre, mas o que n�o sabe

� que essa m�goa infinda assim, n�o cabe

Na sua vida, � que essa m�goa infinda

Transp�e a vida do seu corpo inerme;

E quando esse homem se transforma em verme

� essa m�goa que o acompanha ainda!

Queixas noturnas

Quem foi que viu a minha Dor chorando?!

Saio. Minh�alma sai agoniada.

Andam monstros sombrios pela estrada

E pela estrada, entre estes monstros, ando!

N�o trago sobre a t�nica fingida

As ins�gnias medonhas do infeliz

Como os falsos mendigos de Paris

Na atra rua de Santa Margarida.

O quadro de afli��es que me consomem

O pr�prio Pedro Am�rico n�o pinta...

Para pint�-lo, era preciso a tinta

Feita de todos os tormentos do homem!

Como um ladr�o sentado numa ponte

Espera algu�m, armado de arcabuz,

Na �nsia incoerc�vel de roubar a luz,

Estou � espera de que o Sol desponte!

Bati nas pedras dum tormento rude

E a minha m�goa de hoje � t�o intensa

Que eu penso que a Alegria � uma doen�a

E a Tristeza � minha �nica sa�de.

As minhas roupas, quero at� romp�-las!

Quero, arrancado das pris�es carnais,

Viver na luz dos astros imortais,

Abra�ado com todas as estrelas!

A Noite vai crescendo apavorante

E dentro do meu peito, no combate,

A Eternidade esmagadora bate

Numa dilata��o exorbitante!

E eu luto contra a universal grandeza

Na mais terr�vel desespera��o

� a luta, � o pr�lio enorme, � a rebeli�o

Da criatura contra a natureza!

Para essas lutas uma vida � pouca

Inda mesmo que os m�sculos se esforcem;

Os pobres bra�os do mortal se torcem

E o sangue jorra, em coalhos, pela boca.

E muitas vezes a agonia � tanta

Que, rolando dos �ltimos degraus,

O H�rcules treme e vai tombar no caos

De onde seu corpo nunca mais levanta!

� natural que esse H�rcules se estor�a,

E tombe para sempre nessas lutas,

Estrangulado pelas rodas brutas

Do mecanismo que tiver mais for�a.

Ah! Por todos os s�culos vindouros

H� de travar-se essa batalha v�

Do dia de hoje contra o de amanh�,

Igual � luta dos crist�os e mouros!

Sobre hist�rias de amor o interrogar-me

� v�o, � in�til, � improf�cuo, em suma;

N�o sou capaz de amar mulher alguma

Nem h� mulher talvez capaz de amar-me.

O amor tem favos e tem caldos quentes

E ao mesmo tempo que faz bem, faz mal;

O cora��o do Poeta � um hospital

Onde morreram todos os doentes.

Hoje � amargo tudo quanto eu gosto;

A b�n��o matutina que recebo...

E � tudo; o p�o que como, a �gua que bebo,

O velho tamarindo a que me encosto!

Vou enterrar agora a harpa bo�mia

Na atra e assombrosa solid�o feroz

Onde n�o cheguem o eco duma voz

E o grito desvairado da blasf�mia!

Que dentro de minh�alma americana

N�o mais palpite o cora��o -- esta arca,

Este rel�gio tr�gico que marca

Todos os atos da trag�dia humana!

Seja esta minha queixa derradeira

Cantada sobre o t�mulo de Orfeu;

Seja este, enfim, o �ltimo canto meu

Por esta grande noite brasileira!

Melancolia! Estende-me tu�asa!

�s a �rvore em que devo reclinar-me...

Se algum dia o Prazer vier procurar-me

Dize a este monstro que fugi de casa!

Ins�nia

Noite. Da M�goa o esp�rito noct�mbulo

Passou de certo por aqui chorando!

Assim, em m�goa, eu tamb�m vou passando

Son�mbulo... son�mbulo... son�mbulo...

Que voz � esta que a gemer concentro

No meu ouvido e que do meu ouvido

Como um bemol e como um sustenido

Rola impetuosa por meu peito adentro?!

-- Por que � que este gemido me acompanha?!

Mas dos meus olhos no sombrio palco

S�bito surge como um catafalco

Uma cidade ou mapa-m�ndi estranha.

A dispers�o dos sonhos vagos re�no.

Desta cidade pelas ruas erra

A prociss�o dos M�rtires da Terra

Desde os Crist�os at� Giordano Bruno!

Vejo diante de mim Santa Francisca

Que com o cil�cio as tenta��es suplanta,

E invejo o sofrimento desta Santa,

Em cujo olhar o V�cio n�o fa�sca!

Se eu pudesse ser puro! Se eu pudesse,

Depois de embebedado deste vinho.

Sair da vida puro como o arminho

Que os cabelos dos velhos embranquece!

Por que cumpri o universal ditame?!

Pois se eu sabia onde morava o V�cio,

Por que n�o evitei o precip�cio

Estrangulando minha carne infame?!

At� que dia o intoxicado aroma

Das paix�es torpes sorverei contente?

E os dias correr�o eternamente?!

E eu nunca sairei desta Sodoma?!

� propor��o que a minha ins�nia aumenta

Hier�glifos e esfinges interrogo...

Mas, triunfalmente, nos c�us altos, logo

Toda a alvorada espl�ndida se ostenta.

Vagueio pela Noite deca�da...

No espa�o a luz de Aldebar� e de �rgus

Vai projetando sobre os campos largos

O derradeiro f�sforo da Vida.

O Sol, equilibrando-se na esfera,

Restitui-me a pureza da hematose

E ent�o uma interior metamorfose

Nas minhas arcas cerebrais se opera.

O odor da margarida e da beg�nia

Subitamente me penetra o olfato...

Aqui, neste sil�ncio e neste mato,

Respira com vontade a alma camp�nia!

Grita a satisfa��o na alma dos bichos.

Incensa o ambiente o fumo dos cachimbos.

As �rvores, as flores, os corimbos,

Recordam santos nos seus pr�prios nichos.

Com o olhar a verde periferia abarco.

Estou alegre. Agora, por exemplo,

Cercado destas �rvores, contemplo

As maravilhas reais do meu Pau d�Arco!

Cedo vir�, por�m,� o funer�rio,

Atro drag�o da escura noite, hedionda,

Em que o T�dio, batendo na alma, estronda

Como um grande trov�o extraordin�rio.

Outra vez serei p�bulo do susto

E terei outra vez de, em m�goa imerso,

Sacrificar-me por amor do Verso

No meu eterno leito de Procusto!

Barcarola

Camtam nautas, choram flautas

Pelo mar e pelo mar

Uma sereia a cantar

Vela o Destino dos nautas.

Espelham-se os esplendores

Do c�u, em reflexos, nas

�guas, fingindo cristais

Das mais deslumbrantes cores.

Em fulvos fil�es doirados

Cai a luz dos astros por

Sobre o mar�timo horror

Como globos estrelados.

L� onde as rochas se assentam

Fulguram como outros s�is

Os flam�vomos far�is

Que os navegantes orientam.

Vai uma onda, vem outra onda

E nesse eterno vaiv�m

Coitadas! n�o acham quem,

Quem as esconda, as esconda...

Alegoria tristonha

Do que pelo Mundo vai!

Se um sonha e se ergue, outro cai;

Se um cai, outro se ergue e sonha.

Mas desgra�ado do pobre

Que em meio da Vida cai!

Esse n�o volta, esse vai

Para o t�mulo que o cobre.

Vagueia um poeta num barco.

O C�u, de cima, a luzir

Como um diamante de Ofir

Imita a curva de um arco.

A Lua -- globo de lou�a --

Surgiu, em l�cido v�u.

Cantam! Os astros do C�u

Ou�am e a Lua Cheia ou�a!

Ou�o do alto a Lua Cheia

Que a sereia vai falar...

Haja sil�ncio no mar

Para se ouvir a sereia.

Que � que ela diz?! Ser� uma

Hist�ria de amor feliz?

N�o! O que a sereia diz

N�o � hist�ria nenhuma.

� como um requiem profundo

De trist�ssimos bem�is...

Sua voz � igual � voz

Das dores todas do mundo.

�Fecha-te nesse medonho

�Redudo de Maldi��o,

�Viajeiro da Extrema-Un��o,

�Sonhador do �ltimo sonho!

�Numa redoma ilus�ria

�Cercou-te a gl�ria falaz,

�Mas nunca mais, nunca mais

�H� de cercar-te essa gl�ria!

�Nunca mais! S�, por�m, forte.

�O poeta � como Jesus!

�Abra�a-te � tua Cruz

�E morre, poeta da Morte!�

-- E disse e porque isto disse

O luar no C�u se apagou...

S�bito o barco tombou

Sem que o poeta o pressentisse!

Vista de luto o Universo

E Deus se enlute no C�u!

Mais um poeta que morreu,

Mais um coveiro do Verso!

Cantam nautas, choram flautas

Pelo mar e pelo mar

Uma sereia a cantar

Vela o Destino dos nautas!

Tristezas de um quarto minguante

Quarto Minguante! E, embora a lua o aclare,

Este Engenho Pau d�Arco � muito triste...

Nos engenhos da v�rzea n�o existe

Talvez um outro que se lhe equipare!

Do observat�rio em que eu estou situado

A lua magra, quando a noite cresce,

Vista, atrav�s do vidro azul, parece

Um paralelep�pedo quebrado!

O sono esmaga o enc�falo do povo.

Tenho 300 quilos no epigastro...

D�i-me a cabe�a. Agora a cara do astro

Lembra a metade de uma casca de ovo.

Diabo! N�o ser mais tempo de milagre!

Para que esta opress�o desapare�a

Vou amarrar um pano na cabe�a,

Molhar a minha fornte com vinagre.

Aumentam-se-me ent�o os grandes medos.

O hemisf�rio lunar se ergue e se abaixa

Num desenvolvimento de borracha,

Variando � a��o mec�nica dos dedos!

Vai-me crescendo a aberra��o do sonho.

Morde-me os nervos o desejo doudo

De dissolver-me, de enterrar-me todo

Naquele semic�rculo medonho!

Mas tudo isto � ilus�o de minha parte!

Quem sabe se n�o � porque n�o saio

Desde que, 6� feira, 3 de maio,

Eu escrevi os meus Gemidos de Arte?!

A l�mpada a estirar l�nguas vermelhas

Lambe o ar. No bruto horror que me arrebata,

Como um degenerado psicopata

Eis-me a contar o n�mero das telhas!

-- Uma, duas, tr�s, quatro... E aos tombos, tonta

Sinto a cabe�a e a conta perco; e, em suma,

A conta recome�o, em �nsias: -- Uma...

Mas novamente eis-me a perder a conta!

Sucede a uma tontura outra tontura.

-- Estarei morto?! E a esta pergunta estranha

Responde a Vida -- aquela grande aranha

Que anda tecendo a minha desventura! --

A luz do quarto diminuindo o brilho

Segue todas as fases de um eclipse...

Come�o a ver coisas de Apocalipse

No tri�ngulo escaleno do ladrilho!

Deito-me enfim. Ponho o chap�u num gancho.

Cinco len��is balan�am numa corda,

Mas aquilo mortalhas me recorda,

E o amontoamento dos len��is desmancho.

V�m-me � imagina��o sonhos dementes.

Acho-me, por exemplo, numa festa...

Tomba uma torre sobre a minha testa,

Caem-me de uma s� vez todos os dentes!

Ent�o dois ossos ro�dos me assombram...

-- �Por ventura haver� quem queira roer-nos?!

Os vermes j� n�o querem mais comer-nos

E os formigueiros j� nos desprezaram�.

Figuras espectrais de bocas tronchas

Tornam-me o pesadelo duradouro...

Choro e quero beber a �gua do choro

Com as m�os dispostas � fei��o de conchas.

Tal uma planta aqu�tica submersa,

Antegozando as �ltimas del�cias

Mergulho as m�os -- vis ra�zes advent�cias --

No algod�o quente de um tapete persa.

Por muito tempo rolo no tapete.

S�bito me ergo. A lua � morta. Um frio

Cai sobre o meu est�mago vazio

Como se fosse um copo de sorvete!

A alta frialdade me insensibiliza;

O suor me ensopa. Meu tormento � infindo...

Minha fam�lia ainda est� dormindo

E eu n�o posso pedir outra camisa!

Abro a janela. Elevam-se fuma�as

Do engenho enorme. A luz fulge abundante

E em vez do sepulcral Quarto Minguante

Vi que era o sol batendo nas vidra�as.

Pelos respirat�rios t�nues tubos

Dos poros vegetais, no ato da entrega

Do mato verde, a terra resfolega

Estrumada, feliz, cheia de adubos.

C�ncavo, o c�u, radiante e estriado, observa

A universal cria��o. Broncos e feios,

V�rios reptis cortam os campos, cheios

Dos tenros tinhor�es e da �mida erva.

Babujada por baixos bei�os brutos,

No h�mus feraz, hier�tica, se ostenta

A monarquia da �rvore opulenta

Que d� aos homens o �bolo dos frutos.

De mim diverso, r�gido e de rastos

Com a solidez do tegumento sujo

Sulca, em di�metro, o solo um caramujo

Naturalmente pelos mata-pastos.

Entretanto, passei o dia inquieto,

A ouvir, nestes buc�licos retiros

Toda a salva festal de 21 tiros

Que festejou� os funerais de Hamleto!

Ah! Minha ru�na � pior do que a de Tebas!

Quisera ser, numa �ltima cobi�a,

A fatia esponjosa de carni�a

Que os corvos comem sobre as jurubebas!

Porque, longe do p�o com que me nutres

Nesta hora, oh! Vida em que a sofrer me enxotas

Eu estaria como as bestas mortas

Pendurado no bico dos abutres!

Mist�rios de um f�sforo

Pego de um f�sforo. Olho-o. Olho-o ainda. Risco-o

Depois. E o que depois fica e depois

Resta � um ou, por outra, � mais de um, s�o dois

T�mulos dentro de um carv�o prom�scuo.

Dois s�o, porque um, certo, � do sonho ass�duo

Que a individual psique humana tece e

O outro � o do sonho altru�stico da esp�cie

Que � o substractum dos sonhos do indiv�duo!

E exclamo, �brio, a esvaziar b�quicos odres:

-- �Cinza, s�ntese m� da podrid�o,

�Miniatura aleg�rica do ch�o,

�Onde os ventres maternos ficam podres;

�Na tua clandestina e erma alma vasta,

�Onde nenhuma l�mpada se acende,

�Meu racioc�nio s�frego surpreende

�Todas as formas da mat�ria gasta!�

Raciocinar! Aziaga conting�ncia!

Ser quadr�pede! Andar de quatro p�s

� mais do que ser Cristo e ser Mois�s

Porque � ser animal sem ter consci�ncia!

B�bedo, os bei�os na �nfora �nfima, harto,

Mergulho, e na �nfima �nfora, harto, sinto

O amargor espec�fico do absinto

E o cheiro animal�ssimo do parto!

E afogo mentalmente os olhos fundos

Na amorfia da c�tula inicial,

De onde, por epig�nese geral,

Todos os organismos s�o oriundos.

Presto, irrupto, atrav�s ov�ide e hialino

Vidro, aparece, amorfo e l�rido, ante

Minha massa encef�lica minguante

Todo o g�nero humano intra-uterino!

� o caos da avita v�scera avarenta

-- Mucosa nojent�ssima de pus,

A nutrir diariamente os fetos nus

Pelas vilosidades da placenta! --

Certo, o arquitetural e �ntegro aspecto

Do mundo o mesmo inda e, que, ora, o que nele

Morre, sou eu, sois v�s, � todo aquele

Que vem de um ventre� inchado, �nfimo e infecto!

� a flor dos geneal�gicos abismos

-- Zooplasma pequen�ssimo e plebeu,

De onde o desprotegido homem nasceu

Para a fatalidade dos tropismos. --

Depois, � o ceu absc�ndito do Nada,

� este ato extraordin�rio de morrer

Que h� de na �ltima hebd�mada, atender

Ao pedido da cl�lula cansada!

Um dia restar�, na terra inst�vel,

De minha antropoc�ntrica mat�ria

Numa c�ncava x�cara fun�rea

Uma colher de cinza miser�vel!

Abro na treva os olhos quase cegos.

Que m�o sinistra e desgra�ada encheu

Os olhos tristes que meu Pai me deu

De alfinetes, de agulhas e de pregos?!

Pesam sobre o meu corpo oitenta arr�teis!

Dentro um d�namo d�spota, sozinho,

Sob a morfologia de um moinho,

Move todos os meus nervos vibr�teis.

Ent�o, do meu esp�rito, em segredo,

Se escapa, dentre as t�nebras, muito alto,

Na s�ntese acrob�tica de um salto,

O espectro angulos�ssimo do Medo!

Em cismas filos�ficas me perco

E vejo, como nunca outro homem viu,

Na anfigonia que me produziu

Nonilh�es de mol�culas de esterco.

Vida, m�nada vil, c�smico zero,

Migalha de albumina semifluida,

Que fez a boca m�stica do druida

E a l�ngua revoltada de Lutero;

Teus gineceus prol�ficos envolvem

Cinza fetal!... Basta um f�sforo s�

Para mostrar a inc�gnita de p�,

Em que todos os seres se resolvem!

Ah! Maldito o con�bio incestuoso

Dessas afinidades eletivas,

De onde quimicamente tu derivas,

Na aclama��o simbi�tica do gozo!

O enterro de minha �ltima neurona

Desfila... E eis-me outro f�sforo a riscas.

E esse acidente qu�mico vulgar

Extraordinariamente me impressiona!

Mas minha crise artr�tica n�o tarda.

Adeus! Que eu vejo enfim, com a alma vencida

Na abje��o embriol�gica da vida

O futuro de cinza que me aguarda!

OUTRAS POESIAS

O Lamento das coisas

Triste, a escutar, pancada por pancada,

A sucessividade dos segundos,

Ou�o, em sons subterr�neos, do Orbe oriundos

O choro da Energia abandonada!

� a dor da For�a desaproveitada

-- O cantoch�o dos d�namos profundos,

Que, podendo mover milh�es de mundos,

Jazem ainda na est�tica do Nada!

� o solu�o da forma ainda imprecisa...

Da transcend�ncia que se n�o realiza...

Da luz que n�o chegou a ser lampejo...

E � em suma, o subconsciente a� formidando

Da Natureza que parou, chorando,

No rudimentarismo do Desejo!

O meu nirvana

No alheamento da obscura forma humana,

De que, pensando, me desencarcero,

Foi que eu, num grito de emo��o, sincero

Encontrei, afinal, o meu Nirvana!

Nessa manumiss�o schopenhauereana,

Onde a Vida do humano aspecto fero

Se desarraiga, eu, feito for�a, impero

Na iman�ncia da Id�ia Soberana!

Destru�da a sensa��o que oriunda fora

Do tato -- �nfima antena aferidora

Destas tegument�rias m�os pleb�ias --

Gozo o prazer, que os anos n�o carcomem,

De haver trocado a minha forma de homem

Pela imortalidade das Id�ias!

Caput Immortale

Na din�mica aziaga das descidas,

Aglomeradamente e em turbilh�o

Solucem dentro do Universo anci�o,

Todas as urbes siderais vencidas!

Morra o �ter. Cesse a luz. Parem as vidas.

Sobre� a pancosmol�gica exaust�o

Reste apenas o acervo �rido e v�o

Das muscularidades consumidas!

Ainda assim, a animar o cosmos ermo,

Morto o com�rcio f�sico nefando,

OH! Nauta aflito do Subliminal,

Como a �ltima express�o da Dor sem termo,

Tua cabe�a h� de ficar vibrando

Na negatividade universal!

Ap�strofe � carne

Quando eu pego nas carnes do meu rosto

Pressinto o fim da org�nica batalha:

-- Olhos que o h�mus necr�fago estracalha,

Diafragmas, decompondo-se, ao sol posto...

E o Homem -- negro heter�clito composto,

Onde a alva flama ps�quica trabalha.

Desagrega-se e deixa na mortalha

O tato, a vista, o ouvido, o olfato e� o gosto!

Carne, feixe de m�nadas bastardas.

Conquanto em fl�meo fogo ef�mero ardas,

A dardejar relampejantes brilhos.

D�i-me ver, muito embora a alma te acenda,

Em tua podrid�o a heran�a horrenda,

Que eu tenho de deixar para os meus filhos!

Louvor � unidade

�Escafandros, arp�es, sondas e agulhas

�Debalde aplicas aos heter�geneos

�Fen�menos, e, h� in�meros mil�nios,

�Num pluralismo hediondo o olhar mergulhas!

�Une, pois, a irmanar diamantes e hulhas,

�Com essa intui��o mon�stica dos g�nios,

�A hirta forma falaz do aere perennius

�A transitoriedade das fagulhas!�

-- Era a estrangula�ao, sem retumb�ncia,

Da multimilen�ria disson�ncia

Que as harmonias siderais invade...

Era, numa alta aclama��o, sem gritos,

O regresso dos �tomos aflitos

Ao descanso perp�tuo da Unidade!

O p�ntano

Podem v�-lo, sem dor, meus semelhantes!...

Mas, para mim que a Natureza escuto,

Este p�ntano � o t�mulo absoluto,

De todas as grandezas come�antes!

Larvas desconhecidas de gigantes

Sobre o seu leito de pe�onha e luto

Dormem tranq�ilamente o sono bruto

Dos superorganismos ainda infantes!

Em sua estagna��o arde uma ra�a,

Tragicamente, � espera de quem passa

Para abrir-lhe, �s esc�ncaras, a porta...

E eu sinto a ang�stia dessa ra�a ardente

Condenada a esperar perpetuamente

No universo esmagado da �gua morta!

Supr�me convulsion

O equil�brio do humano pensamento

Sofre tamb�m a s�bita ruptura,

Que produz muita vez, na noite escura,

A convuls�o mete�rica do vento.

E a alma o obn�xio quietismo sonolento

Rasga; e, opondo-se � In�rcia, � a ess�ncia pura,

� a s�ntese, � o transunto, � a abreviatura

De todo o ubiq�it�rio Movimento!

Sonho, -- liberta��o do homem cativo --

Ruptura do equil�brio subjetivo,

Ah! foi teu beijo convulsionador

Que produziu este contraste fundo

Entre a abund�ncia do que eu sou, no Mundo,

E o nada do meu homem interior!

A um g�rmen

Come�aste a existir, gel�ia crua,

E h�s de crescer, no teu sil�ncio, tanto

Que, � natural, ainda algum dia, o pranto

Das tuas concre��es pl�smicas flua!

A �gua, em conjuga��o com a terra nua,

Vence o granito, deprimindo-o... O espanto

Convulsiona os esp�ritos, e, entanto,

Teu desenvolvimento contunua!

Antes, gel�ia humana, n�o progridas

E em retrograda��es indefinidas,

Volvas � antiga inexist�ncia calma!...

Antes o Nada, oh! g�rmen, que ainda haveres

De atingir, como o g�men de outros seres,

Ao supremo infort�nio de ser alma!

Natureza �ntima

Ao fil�sofo Farias Brito

Cansada de observar-se na corrente

Que os acontecimentos refletia,

Reconcentrando-se em si mesma, um� dia,

A Natureza olhou-se interiormente!

Baldada introspec��o! Noumenalmente

O que Ela, em realidade, ainda sentia

Era a mesma imortal monotonia

De sua face externa indiferente!

E a Natureza disse com desgosto:

�Terei somente, porventura, rosto?!

�Serei apenas mera crusta espessa?!

�Pois � poss�vel que Eu, causa do Mundo,

�Quando mais em mim mesma me aprofundo

�Menos interiormente me conhe�a?!�

A floresta

Em v�o com o mundo da floresta privas!

-- Todas as hermen�uticas sondagens,

Ante o hieroglifo e o enigma das folhagens,

S�o absolutamente negativas!

Arauc�rias, tra�ando arcos de ogivas,

Bracejamentos de �lamos selvagens,

Como um convite para estranhas viagens,

Tornam todas as almas pensativas!

H� uma for�a vencida nesse mundo!

Todo o organismo florestal profundo

� dor viva, trancada num disfarce...

Vivem s�, nele, os elementos broncos,

-- As ambi��es que se fizeram troncos,

Porque nunca puderam realizar-se!

A meretriz

A rua dos destinos desgra�ados

Faz medo. O V�cio estruge. Ouvem-se os brados

Da dana��o carnal... L�brica, � lua,

Na sodomia das mais negras bodas

Desarticula-se, em cor�as doudas,

Uma mulher completamente nua!

� a meretriz que, de cabelos ruivos,

Bramando, �bria e lasciva, h�rridos uivos

Na mesma esteira p�blica, recebe,

Entre farraparias e esplendores,

O eretismo das classes superiores

E o orgasmo bastard�ssimo da plebe!

� ela que, aliando, � luz do olhar protervo,

O indumento vil�ssimo do servo

Ao brilho da augustal toga pretexta,

Sente, alta noite, em contor��es sombrias,

Na vacuidade das entranhas frias

O esgotamento intr�nseco da besta!

� ela que, hirta, a arquivar credos desfeitos,

Com as m�os chagadas, espremendo os peitos,

Reduzidos, por fim, a �mbulas moles,

Sofre em cada mol�cula a ang�stia alta

De haver secado, como o estepe, � falta

Da �gua criadora que alimenta as proles!

� ela que, arremessada sobre o rude

Despenhadeiro da decrepitude,

Na vizinhan�a aziaga dos ossu�rios

Representa, atrav�s os meus sentidos,

A escurid�o dos gineceus falidos

E a desgra�a de todos os ov�rios!

Irrita-se-lhe a carne � meia-noite.

Espica�a-se a ignom�nia, excita-a o acoite

Do inc�ndio que lha inflama a l�ngua esp�ria.

E a mulher, funcion�ria dos instintos,

Com a roupa amarfanhada e os bei�os tintos,

Gane instintivamente de lux�ria!

Navio para o qual todos os portos

Est�o fechados, urna de ovos mortos,

Ch�o de onde uma s� planta n�o rebenta,

Ei-la, de bru�os, b�beda de gozo

Saciando o geotropismo pavoroso

De unir o corpo � terra famulenta!

Nesse espolinhamento repugnante

O esqueleto irritado da bacante

Estrala... Lembra o ru�do harto azorrague

A vergastar �speros dorsos grossos.

E � aterradora essa alegria de ossos

Pedindo ao sensualismo que os esmague!

� o pseudo-regozijo dos eunucos

Por natureza, dos que s�o caducos

Desde que a M�e-Comum lhes deu in�cio...

� a dor profunda da incapacidade

Que, pela pr�pria hereditariedade

A lei da sele��o disfar�a em V�cio!

� o j�bilo aparente da alma quase

A eclipsar-se, no horror da oc�dua fase

Esterilizadora de �rg�os... � o hino

Da mat�ria incapaz, filha do inferno,

Pagando com vol�pia o crime eterno

De n�o ter sido fiel ao seu destino!

� o Desespero que se faz bramido

De anelo animal�ssimo incontido,

Mais que a vaga incoerc�vel na �gua oce�nea...

� a Carne que, j� morta essencialmente,

Para a Finalidade Transcendente

Gera o prod�gio an�mico da Ins�nia!

Nas frias antec�meras do Nada

O fantasma da f�mea castigada,

Passa agora ao clar�o da lua acesa

E � seu corpo expiat�rio, alvo e desnudo

A s�ntese eucar�stica de tudo

Que n�o se realizou na Natureza!

Antigamente, aos t�citos apelos

Das suas carnes e dos seus cabelos,

Na �ptica abreviatura de um reflexo,

Fulgia, em cada humana nebulosa,

Toda a sensualidade tempestuosa

Dos apetites b�rbaros do Sexo!

O atavismo das ra�as sibaritas,

Criando concupisc�ncias infinitas

Como eviterno lobo insatisfeito;

Na homofagia hedionda que o consome,

Vinha saciar a milen�ria fome

Dentro das abund�ncias do seu leito!

Toda a libidinagem dos morma�os

Americanos flu�a-lhe dos bra�os,

Irradiava-se-lhe, h�rcica, das veias

E em torrencialidades quentes e �midas,

Gorda a escorrer-lhe das �rt�rias t�midas

Lembrava um transbordar de �nforas cheias.

A hora da morte acende-lhe o intelecto

E � �mida habita��o do v�cio abjecto

Afluem milh�es de s�is, rubros, radiando...

Res�duos memoriais tornan-se luzes

Fazem-se id�ias e ela v� as cruzes

Do seu martirol�gico miserando!

In�cios atrofiados de �tica, �nsia

De perfei��o, sonhos de culmin�ncia,

Libertos da ancestral modorra calma,

Saem da inf�ncia embrion�ria e erguem-se, adultos,

Lan�ando a sombra horr�vel dos seus vultos

Sobre a noite fechada daquela alma!

� o sublevamento coletivo

De um mundo inteiro que aparece vivo,

Numa cenografia de diorama,

Que, momentaneamente luz fecunda,

Brilha na prostituta moribunda

Como a fosforec�ncia sobre a lama!

� a visita alarmante do que outrora

Na abund�ncia prosp�rrima da aurora,

Pudera progredir, talvez, decerto,

Mas que, adstrito a inferior plasma incons�til,

Ficou rolando, como aborto in�til,

Como o ................. do deserto!

Vede! A prostitui��o of�dia aziaga

Cujo t�xico instila a inf�mia , e a estraga

Na delinq��ncia .............. impune,

Agarrou-se-lhe aos seios impudicos

Como o abra�o mort�fero do Ficus

Sugando a seiva da �rvore a que se une!

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Enroscou-se-lhe aos abra�os com tal gosto,

Mordeu-lhe a boca e o rosto...

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Ser meretriz depois do t�mulo! A alma

Roubada a hirta quietude da urbe calma

onde se extinguem todos os escolhos:

E, condenada, ao tr�gico ditame,

Oferecer-se � bicharia infame

Com a terra do sepulcro a encher-lhe os olhos!

Sentir a l�ngua aluir-se-lhe na boca

E com a cabe�a sem cabelos, oca...

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Na horrorosa avuls�o da forma n�vea

Dizer ainda palavras de lasc�via

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Guerra

Guerra � esfor�o, � inquietude, � �nsia, � transporte...

� a dramatiza��o sangrenta e dura

Da avidez com que o Esp�rito procura

Ser perfeito, ser m�ximo, ser forte!

� a Subconsci�ncia que se transfigura

Em voli��o conflagradora... � a coorte

Das ra�as todas, que se entrega � morte

Para a felicidade da Criatura!

� a obsess�o de ver sangue, � o instinto horrendo

De subir, na ordem c�smica, descendo

� irracionalidade primitiva...

� a Natureza que, no seu arcano,

Precisa de encharcar-se em sangue humano

Para mostrar aos homens que est� viva!

O sarc�fago

Senhor da alta hermen�utica do Fado

Perlustro o atrium da Morte... � frio o ambiente

E a chuva corta inexoravelmente

O dorso de um sarc�fago molhado!

Ah! Ningu�m ouve o solu�ante brado

De dor produnfa, ac�rrima e latente,

Que o sarc�fago, ereto e im�vel, sente

Em sua pr�pria sombra sepultado!

D�i-lhe (quem sabe?!) essa grandeza horr�vel,

Que em toda a sua m�scara se expande,

� humana como��o impondo-a, inteira...

D�i-lhe, em suma, perante o Incognosc�vel,

Essa fatalidade de ser grande

Para guardar unicamente poeira!

Hino � dor

Dor, sa�de dos seres que se fanam,

Riqueza da alma, ps�quico tesouro,

Alegria das gl�ndulas do choro

De onde todas as l�grimas emanam...

�s suprema! Os meus �tomos se ufanam

De� pertencer-te, oh! Dor, ancoradouro

Dos desgra�ados, sol do c�rebro, ouro

De que as pr�prias desgra�as se engalanam!

Sou teu amante! Ardo em teu corpo abstrato.

Com os corp�sculos m�gicos do tato

Prendo a orquestra de chamas que executas...

E, assim, sem convuls�o que me alvorece,

Minha maior ventura � estar de posse

De tuas claridades absolutas!

�ltima visio

Quando o homem, resgatado da cegueira

Vir Deus num simples gr�o de argila errante,

Ter� nascido nesse mesmo instante

A mineralogia derradeira!

A imp�rvia escurid�o obnubilante

H� de cessar! Em sua gl�ria inteira

Deus resplandecer� dentro da poeira

Como um gasofil�ceo de diamante!

Nessa �ltima vis�o j� subterr�nea,

Um movimento universal de ins�nia

Arrancar� da insci�ncia o homem precito...

A Verdade vir� das pedras mortas

E o homem compreender� todas as portas

Que ele ainda tem de abrir para o Infinito!

Aos meus filhos

Na intermit�ncia da vital canseira,

Sois v�s que sustentais (For�a Alta exige-o...)

Com o vosso catal�tico prest�gio,

Meu fantasma de carne passageira!

Vulc�o da bioqu�mica fogueira

Destruiu-me todo o org�nico fast�gio...

Dai-me asas, pois, para o �ltimo rem�gio,

Dai-me alma, pois, para a hora derradeira!

Culmin�ncias humanas ainda obscuras,

Express�es do universo radioativo,

�ons emanados do meu pr�prio ideal,

Benditos v�s, que, em �pocas futuras,

Haveis de ser no mundo subjetivo,

Minha continuidade emocional!

A dan�a da psique

A dan�a dos enc�falos acesos

Come�a. A carne � fogo, A alma arde, A espa�os

As cabe�as, as m�os, os p�s e os bra�os

Tombam, cedendo � a��o de ignotos pesos!

� ent�o que a vaga dos instintos presos

-- M�e de esterilidades e cansa�os --

Atira os pensamentos mais devassos

Contra os ossos cranianos indefesos.

Subitamente a cerebral cor�ia

P�ra. O cosmos sint�tico da Id�ia

Surge. Emo��es extraordin�rias sinto.

Arranco do meu cr�nio as nebulosas

E acho um feixe de for�as prodigiosas

Sustentando dois monstros: a alma e o instinto!

O poeta do hediondo

Sofro acelerad�ssimas pancadas

No cora��o. Ataca-me a exist�ncia

A mortificadora coalesc�ncia

Das desgra�as humanas congregadas!

Em alucinat�rias cavalgadas,

Eu sinto, ent�o, sondando-me a consci�ncia

A ultra-inquisitorial clarivid�ncia

De todas as neuronas acordadas!

Quanto me d�i no c�rebro esta sonda!

Ah! Certamente eu sou a mais hedionda

Generaliza��o do Desconforto...

Eu sou aquele que ficou sozinho

Cantando sobre os ossos do caminho

A poesia de tudo quanto � morto!

A fome e a amor

A um monstro

Fome! E, na �nsia voraz que, �vida, aumenta,

Receando outras mand�bulas e esbangem,

Os dentes antrop�fagos que rangem,

Antes da refei��o sanguinolenta!

Amor! E a satir�ase sedenta,

Rugindo, enquanto as almas se confrangem,

Todas as dana��es sexuais que abrangem

A apol�nica besta famulenta!

Ambos assim, tragando a ambi�ncia vasta,

No desembestamento que os arrasta,

Superexcitad�ssimos, os dois

Representam, no ardor dos seus assomos,

A alegoria do que outrora fomos

E a imagem bronca do que inda hoje sois!

Homo infimus

Homem, carne sem luz, criatura cega,

Realidade geogr�fica infeliz,

O Universo calado te renega

E a tua pr�pria boca te maldiz!

O n�umeno e o fen�meno, o alfa e o �mega

Amarguram-te. Hebd�madas hostis

Passam... Teu cora��o se desagrega,

Sangram-te os olhos, e, entretanto, ris!

Fruto injustific�vel dentre os frutos,

Mont�o de estercor�ria argila preta,

Excresc�ncia de terra singular.

Deixa a tua alegria aos seres brutos,

Porque, na superf�cie do planeta,

Tu s� tens um direito: -- o de chorar!

Minha finalidade

Turbilh�o teleol�fico incoerc�vel,

Que for�a alguma inibit�ria acalma,

Levou-me o cr�nio e p�s-lhe dentro a palma

Dos que amam apreender o Inapreens�vel!

Predetermina��o imprescriptivel

Oriunda da infra-astral Subst�ncia calma

Plasmou, aparelhou, talhou minha alma

Para cantar de prefer�ncia o Horr�vel!

Na canoniza��o emocionante,

Da dor humana, sou maior que Dante,

-- A �guia dos latif�ndios florentinos!

Sistematizo, sulu�ando, o Inferno...

E trago em mim, num sincronismo eterno

A f�rmula de todos os destinos!

Numa forja

De inexplic�veis �nsias prisioneiro

Hoje entrei numa forja, ao meio-dia.

Trinta e seis graus � sombra. O �ter possu�a

A t�rmica viol�ncia de um braseiro.

��������������� Dentro, a cuspir esc�rias

��������������� De f�lgida limalha

Dardejando centelhas transit�rias,

No horror da metal�rgica batalha

��������������� O ferro chiava e ria!

Ria, num sardonismo doloroso

��������������� De ing�nita amargura,

��������������� Da qual, bruta, provinha

Como de um negro c�spio de �gua impura

��������������� A multissecular desesperan�a

��������������� De sua esp�cia abjeta

Condenada a uma est�tica mesquinha!

Ria com essa met�lica tristeza

��������������� De ser na Natureza,

��������������� Onde a Mat�ria avan�a

��������������� E a Subst�ncia caminha

Aceleradamente para o gozo

��������������� Da integra��o completa.

Uma consci�ncia eternamente obscura!

O ferro continuava a chiar e a rir,

��������������� E eu nervoso, irritado

��������������� Quase com febre, a ouvir

��������������� Cada �tomo de ferro

��������������� Contra a incude esmagado

��������������� Sofrer, berrar, tinir.

Compreendia por fim que aquele berro

� subst�ncia inorg�nica arrancado

Era a dor do min�rio castigado

Na impossibilidade de reagir!

Era um cosmos inteiro sofredor,

��������������� Cujo negror profundo

��������������� Astro nenhum exorna

��������������� Gritando na bigorna

Asperamente a sua pr�pria dor!

��������������� Era, erguido do p�,

��������������� Inopinadamente

��������������� Para que � vida quente

Da sinergia c�smica desperte,

��������������� A ansiedade de um mundo

��������������� Doente de ser inerte,

��������������� Cansado de estar s�!

��������������� Era a revela��o

��������������� De tudo que ainda dorme

No metal bruto ou na gel�ia informe

No parto primitivo da Cria��o!

��������������� Era o ru�do-clar�o,

��������������� -- O �gneo jato vulc�nico

Que, atravessando a absconsa cripta enorme

��������������� De minha cavernosa subconsci�ncia,

��������������� Punha em clarivid�ncia

Intramoleculares s�is acesos

Perpetuamente �s mesmas formas presos,

Agarrados � in�rcia do Inorg�nico

��������������� Escravos da Coes�o!

Repuxavam-me a boca h�rridos trismos

��������������� E eu sentia, afinal,

��������������� Essa ang�stia alarmante

Pr�pria da aliena��o raciocinante,

��������������� Cheia de �nsias e medos

��������������� Com crispa��es nos dedos

��������������� Piores que os paroxismos

Da �rvore que a atmosfera ultriz destronca.

A ouvir todo esse cosmos potencial,

Preso aos mineral�gicos abismos

��������������� Angustiado e arquejante

A debater-se na estreiteza bronca

��������������� De um bloco de metal!

��������������� Como que a forja t�trica

��������������� Num estridor de estrago

Executava, em l�gubre crescendo

��������������� A ant�fona assim�trica

E o incompreens�vel wagnerismo aziago

��������������� De seu destino horrendo!

Ao clangor de tais carmes de mart�rio

Em cismas negras eu recaio imerso

��������������� Buscando no del�rio

De uma imagina��o convulsionada

Mais revolta talvez de que a onda atl�ntica

��������������� Compreender a sem�ntica

Dessa aleluia b�rbara gritada

�s margens glacial�ssimas do Nada

Pelas coisas mais brutas do Universo!

Noli me tangere

A exalta��o emocional do Gozo,

O Amor, a Gl�ria, a Ci�ncia, a Arte e a Beleza

Servem de combust�veis � ira acesa

Das tempestades do meu ser nervoso!

Eu sou, por conseq��ncia, um ser monstruoso!

Em minha arca encef�lica indefesa

Choram as for�as m�s da Natureza

Sem possibilidades de repouso!

Agregados an�malos malditos

Despeda�am-se, mordem-se, d�o gritos

Nas minhas camas cerebrais fun�reas...

Ai! N�o toqueis em minhas faces verdes,

Sob pena, homens felizes, de sofrerdes

A sensa��o de todas as mis�rias!

O Canto dos presos

Troa, a alardear b�rbaros sons abstrusos,

O epital�mio da Suprema Falta,

Entoado asperamente, em voz muito alta,

Pela promiscuidade dos reclusos!

No wagnerismo desses sons confusos,

Em que o Mal se engrandece e o �dio se exalta,

Uiva, � luz de fant�stica ribalta,

A ignom�nia de todos os abusos!

� a pros�dia do c�rcere, � a part�nea

Aterradoramente heterog�nea

Dos grandes transviamentos subjetivos...

� a saudade dos erros satisfeitos,

Que, n�o cabendo mais dentro dos peitos,

Se escapa pela boca dos cativos!

Aberra��o

Na velhice autom�tica e na inf�ncia,

(Hoje, ontem, amanh� e em qualquer era)

Minha hibridez � a s�mula sincera

Das defectividades da Subst�ncia:

Criando na alma a estesia abstrusa da �nsia,

Como Belerofonte com a Quimera

Mato o ideal; cresto o sonho; achato a esfera

E acho odor de cad�ver na fragr�ncia!

Chamo-me Aberra��o. Minha alma � um misto

De anomalias l�gubres. Existo

Como a cancro, a exigir que os s�os enfermem...

Te�o a inf�mia; urdo o crime; engendro o lodo

E nas mudan�as do Universo todo

Deixo inscrita a mem�ria do meu g�rmen!

V�tima do dualismo

Ser miser�vel dentre os miser�veis

-- Carrego em minhas c�lulas sombrias

Antagonismos irreconcili�veis

E as mais opostas idiosincrasias!

Muito mais cedo do que o imagin�veis

Eis-vos, minha alma, enfim, dada �s bravias

C�leras dos dualismos implac�veis

E � gula negra das antinomias!

Psique biforme, o C�u e o Inferno absorvo...

Cria��o a um tempo escura e cor-de-rosa,

Feita dos mais vari�veis elementos,

Ceva-se em minha carne, como um corvo,

A simultaneidade ultramonstruosa

De todos os contrastes famulentos!

Ao luar

Quando, � noite, o Infinito se levanta

� luz do luar, pelos caminhos quedos

Minha t�til intensidade � tanta

Que eu sinto a alma do Cosmos nos meus dedos!

Quebro a cust�dia dos sentidos tredos

E a minha m�o, dona, por fim, de quanta

Grandeza o Orbe estrangula em seus segredos,

Todas as coisas �ntimas suplanta!

Penetro, agarro, ausculto, apreendo, invado

Nos paroxismos da hiperestesia,

O Infinit�simo e o Indeterminado...

Transponho ousadamente o �tomo rude

E, transmudado em rutil�ncia fria,

Encho o Espa�o com a minha plenitude!

A um epil�tico

Perguntar�s quem sou?! -- ao suor que te unta,

� dor que os queixos te arrebenta, aos trismos

Da epilepsia horrenda, e nos abismos

Ningu�m responder� tua pergunta!

Reclamada por negros magnetismos

Tua cabe�a h� de cair, defunta

Na aterradora opera��o conjunta

Da tarefa animal dos organismos!

Mas ap�s o antrop�fago alambique

Em que � mister todo o teu corpo fique

Reduzido a excre��es de s�nie e lodo,

Como a luz que arde, virgem, num monturo,

Tu h�s de entrar completamente puro

Para a circula��o do Grande Todo!

Canto de onipot�ncia

Cloto, �tropos, T�fon, Laquesis, Siva...

E acima deles, como um astro, a arder,

Na hiperculmina��o definitiva

O meu supremo e estraordin�rio Ser!

Em minha sobre-humana retentiva

Brilhavam, como a luz do amanhecer,

A perfei��o virtual tornada viva

E o embri�o do que podia acontecer!

Por antecipa��o divinat�ria,

Eu, projetado muito al�m da Hist�ria,

Sentia dos fen�menos o fim...

A coisa em si movia-se aos meus brados

E os acontecimentos subjugados

Olhavam como escravos para mim!

Minha �rvore

Olha: � um tri�ngulo est�ril de �nvia estrada!

Como que a erva tem dor... Roem-na amarguras

Talvez humanas, e entre rochas duras

Mostra ao Cosmos a face degradada!

Entre os pedrou�os maus dessa morada

� que, �s apalpadelas e �s escuras,

H�o de encontrar as gera��es futuras

S�, minha �rvore humana desfolhada!

Mulher nenhuma afagar� meu tronco!

Eu n�o me abalarei, nem mesmo ao ronco

Do furac�o que, r�bido, remoinha...

Folhas e frutos, sobre a terra ardente

H�o de encher outras �rvores! Somente

Minha desgra�a h� de ficar sozinha!

Anseio

Quem sou eu, neste erg�stulo das vidas

Danadamente, a solu�ar de dor?!

-- Trinta trilh�es de c�lulas vencidas,

Nutrindo uma efem�ride interior.

Branda, entanto, a afagar tantas feridas,

A �urea m�o taumat�rgica do Amor

Tra�a, nas minhas formas carcomidas,

A estrutura de um mundo superior!

Alta noite, esse mundo incoerente

Essa elementar�ssima semente

Do que hei de ser, tenta transpor o Ideal...

Grita em meu grito, alarga-se em meu hausto,

E, ai! como eu sinto no esqueleto exausto

N�o poder dar-lhe vida material!

� mesa

Cedo � sofreguid�o do est�mago. � a hora

De comer. Coisa hedionda! Corro. E agora,

Antegozando a ensang�entada presa,

Rodeado pelas moscas repugnantes

��������������� Eis-me sentado � mesa!

Como por��es de carne morta... Ai! Como

Os que, como eu, t�m carne, com este assomo

Que a esp�cie humana em comer carne tem!...

Como! E pois que a Raz�o n�o me reprime,

Possa a terra vingar-se do meu crime

��������������� Comendo-me tamb�m.

M�os

��������������� H� m�os que fazem medo

Feias agrega��s pentagonais,

Umas, em sangue, a delinq�entes natos,

Assinalados pelo mancinismo,

��������������� Pertencentes talvez...

Outras, negras, a farpas de rochedo

��������������� Completamente iguais...

M�os de linhas an�logas e anfratos

Que a Natureza onicriadora fez

Em contraposi��o e antagonismo

�s da estrela, �s da neve, �s dos cristais.

M�os que adquiriram olhos, pituit�rias

Olfativas, tent�culos sutis,

E � noite, v�o cheirar, quebrando portas

O azul gasofil�ceo silencioso

��������������� Dos t�lamos crist�os.

M�os ad�lteras, m�os mais sang�in�rias

E estupradoras do que os bisturis

Cortando a carne em flor das crian�as mortas.

��������������� Monstruos�ssimas m�os,

Que apalpam e olham com lasc�via e gozo

A pureza dos corpos infantis.

Revela��o

I

Escafandrista de insondado oceano

Sou eu que, aliando Buda ao sibarita,

Penetro a ess�ncia plasm�tica infinita,

-- M�e prom�scua do amor e do �dio insano!

Sou eu que, hirto, auscultando o absconso arcano,

Por um poder de ac�stica esquisita,

Ou�o o universo ansioso que se agita

Dentro de cada pensamento humano!

No abstrato abismo equ�reo, em que me inundo,

Sou eu que, revolvendo o ego profundo

E a escurid�o dos c�rebros medonhos,

Restituo triunfalmente � esfera calma

Todos os cosmos que circulam na alma

Sob a forma embriol�gica de sonhos!

II

Treva e fulgura��o; s�nie e perfume;

Massa palp�vel e �ter; desconforto

E ataraxia; feto vivo e aborto...

-- Tudo a unidade do meu ser resume!

Sou eu que, ateando da alma o oc�duo lume,

Apreendo, em cisma abismadora absorto,

A potencialidade do que � morto

E a efic�cia prol�fica do estrume!

Ah! Sou eu que, transpondo a escarpa angusta

Dos limites org�nicos estreitos,

Dentro dos quais recalco em v�o minha �nsia,

Sinto bater na putresc�vel crusta

Do tegumento que me cobre os peitos

Toda a imortalidade da Subst�ncia!

Versos a um coveiro

Numerar sepulturas e carneiros,

Reduzir carnes podres a algarismos,

Tal �, sem complicados silogismos,

A aritm�tica hedionda dos coveiros!

Um, dois, tr�s, quatro, cinco... Esoterismos

Da Morte! E eu vejo, em f�lgidos letreiros,

Na progress�o dos n�meros inteiros

A g�nese de todos os abismos!

Oh! Pit�goras da �ltima aritm�tica,

Continua a contar na paz asc�tica

Dos t�bidos carneiros sepulcrais:

T�bias, c�rebros, cr�nios, r�dios e �meros,

Porque, infinita como os pr�prios n�meros,

A tua conta n�o acaba mais!

Trevas

Haver�, por hip�tese, nas geenas

Luz bastante fulm�nea que transforme

Dentro da noite cavernosa e enorme

Minhas trevas an�micas serenas?!

Raio horrendo haver� que as rasgue apenas?!

N�o! Porque, na abismal subst�ncia informe,

Para convulsionar a alma que dorme

Todas as tempestades s�o pequenas!

H� de a Terra vibrar na ard�ncia infinda

Do �ter em branca luz transubstanciado,

Rotos os nimbos maus que a obstruem a esmo...

A pr�pria Esfinge h� de falar-vos ainda

E eu, somente eu, hei de ficar trancado

Na noite aterradora de mim mesmo!

As montanhas

I

Das nebulosas em que te emaranhas

Levanta-te, alma, e dize-me, afinal,

Qual �, na natureza espiritual,

A significa��o dessas montanhas!

Quem n�o v� nas gran�ticas entranhas

A subjetividade ascensional

Paralisada e estrangulada, mal

Quis erguer-se a cum�adas tamanhas?!

Ah! Nesse anelo tr�gico de altura

N�o ser�o as montanhas, porventura,

Estacionadas, �ngremes, assim,

Por um abortamento de mec�nica,

A representa��o ainda inorg�nica

De tudo aquilo que parou em mim?!

II

Agora, oh! deslumbrada alma, perscuta

O puerp�rio geol�gico interior,

De onde rebenta, em contra��es de dor,

Toda a subleva��o da crusta hirsuta!

No curso inquieto da terr�quea luta

Quantos desejos f�rvidos de amor

N�o dormem, recalcados, sob o horror

Dessas agrega��es de pedra bruta?!

Como nesses relevos orogr�ficos,

Inacess�veis aos humanos tr�ficos

Onde s�is, em semente, amam jazer,

Quem sabe, alma, se o que ainda n�o existe

N�o vive em g�rmem no agregado triste

Da s�ntese sombria do meu Ser?!

Apocalipse

Minha divinat�ria Arte ultrapassa

Os s�culos ef�meros e nota

Diminui��o din�mica, derrota

Na atual for�a, integ�rrima, da Massa.

� a subvers�o universal que amea�a

A Natureza, e, em noite aziaga e ignota,

Destr�i a ebuli��o que a �gua alvorota

E p�e todos os astros na desgra�a!

S�o despeda�amentos, derrubadas,

Federa��es sid�ricas quebradas...

E eu s�, o �ltimo a ser, pelo orbe adiante,

Espi�o da catacl�smica surpresa,

A �nica luz tragicamente acesa

Na universalidade agonizante!

A nau

A Heitor de Lima

S�frega, al�ando o hirto espor�o guerreiro,

Zarpa. A �ngreme cordoalha �mida fica...

Lambe-lhe a quilha a esp�mea onda impudica

E �brios trit�es, babando, haurem-lhe o cheiro!

Na glauca art�ria equ�rea ou no estaleiro

Ergue a alma mastrea��o, que o �ter indica,

E estende os bra�os da madeira rica

Para as popula��es do mundo inteiro!

Aguarda-a ampla reentr�ncia de angra horrenda,

P�ra e, a amarra agarrada � �ncora, sonha!

M�goas, se as tem, subjugue-as ou disfarce-as...

E n�o haver uma alma que lhe entenda

A ang�stia transoce�nica medonha

No rangido de todas as enx�rcias!

Vol�pia imortal

Cuidas que o genes�aco prazer,

Fomo do �tomo e eur�tmico transporte

De todas as mol�culas, aborte

Na hora em que a nossa carne apodrecer?!

N�o! Essa luz radial, em que arde o Ser,

Para a perpetua��o da Esp�cie forte,

Tragicamente, ainda depois da morte,

Dentro dos ossos, continua a arder!

Surdos destarte a ap�strofes e brados,

Os nossos esqueletos descarnados,

Em convulsivas contor��es sensuais,

Haurindo o g�s sulf�drico das covas,

Com essa vol�pia das ossadas novas

H�o de ainda se apertar cada vez mais!

O fim das coisas

Pode o homem bruto, adstrito � ci�ncia grave,

Arrancar, num triunfo surpreendente,

Das profundezas do Subconsciente

O milagre estupendo da aeronave!

Rasgue os broncos basaltos negros, cave,

S�frego, o solo s�xeo; e, na �nsia ardente

De perscrutar o �ntimo do orbe, invente

A l�mpada aflog�stica de Davy!

Em v�o! Contra o poder criador do Sonho

O Fim das Coisas mostra-se medonho

Como o desaguadouro atro de um rio...

E quando, ao cabo do �ltimo mil�nio,

A humanidade vai pesar seu g�nio

Encontra o mundo, que ela encheu , vazio!

Viagem de um vencido

Noite. Cruzes na estrada. Aves com frio...

E, enquanto eu trope�ava sobre os paus,

A ef�gie apocal�ptica do Caos

Dan�ava no meu c�rebro sombrio!

O C�u estava horrivelmente preto

E as �rvores magr�ssimas lembravam

Pontos de admira��o que sa admiravam

De ver passar ali meu esqueleto!

Sozinho, uivando hoffm�nicos dizeres,

Aprazia-me assim, na escurid�o,

Mergulhar minha ex�tica vis�o

Na intimidade noumenal dos seres.

Eu procurava, com uma vela acesa,

O feto original, de onde decorrem

Todas essas mol�culas que morrem

Nas transubstancia��es da Natureza.

Mas o que meus sentidos apreendiam

Dentro da treva l�gubre, era s�

O ocaso sistem�tico de p�,

Em que as formas humanas se sumiam!

Reboava, num ruidoso borborinho

Bruto, an�logo ao pe� de m�rcios brados,

A rebeldia dos meus p�s danados

Nas pedras resignadas do caminho.

Sentia estar pisando com a planta �vida

Um povo de rad�culas e embri�es

Prestes a rebentar como vulc�es,

Do ventre equatorial da terra gr�vida!

Dentro de mim, como num ch�o profundo,

Choravam, com solu�os quase humanos,

Convulsionando C�us, almas e oceanos

As formas microsc�picas do mundo!

Era a larva agarrada a absconsas landes,

Era o abjeto vibri�o rudimentar

Na impot�ncia angustiosa de falar,

No desespero de n�o serem grandes!

Vinha-me � boca, assim, na �nsia dos p�rias,

Como o protesto de uma ra�a invicta,

O brado emocionante da vindicta

Das sensibilidades solit�rias!

A longanimidade e o vilip�ndio,

A abstin�ncia e a lux�ria, o bem e o mal

Ardiam no meu orco cerebral,

Numa crepita��o pr�pria de inc�ndio!

Em contraposi��o � paz fun�rea,

Do�a profundamente no meu cr�nio

Esse funcionamento simult�neo

De todos os conflitos da mat�ria!

Eu, perdido no Cosmos, me tornara

A assembl�ia bel�gera mals�,

Onde Ormuzd guerreava com Arim�,

Na disc�rdia perp�tua do sansara!

J� me fazia medo aquela viagem

A carregar pelas ladeiras t�tricas,

Na �ssea arma��o das v�rtebras sim�tricas

A ang�stia da biol�gica engrenagem!

No C�u, de onde se v� o Homem de rastros,

Brilhava, vingadora, a esclarecer

As manchas subjetivas do meu ser

A espionagem fat�dica dos astros!

Sentinelas de esp�ritos e estradas,

Noite alta, com a sid�rica lanterna,

Eles entravam todos na caverna

Das consci�ncias humanas mais fechadas!

Ao castigo daquela rutil�ncia,

Maior que o olhar que perseguiu Caim,

Cumpria-se afinal dentro de mim

O pr�prio sofrimento da Subst�ncia!

Como quem traz ao dorso muitas cargas

Eu sofria, ao colher simples gard�nia,

A multiplica��o heterog�nea

De sensa��es diversamente amargas.

Mas das �rvores, frias como lousas,

Flu�a, horrenda e mon�tona, uma voz

T�o grande, t�o profunda, t�o feroz

Que parecia vir da alma das cousas:

�Se todos os fen�menos complexos,

Desde a consci�ncia � ant�tese dos sexos

V�m de um d�namo flu�dico de g�s,

Se hoje, obscuro, amanh� p�ncaros galgas,

A humildade bot�nica das algas

De que grandeza n�o ser� capaz?!

Quem sabe, enquanto Deus, Jeov� ou Siva

Oculta � tua for�a cognitiva

Fenomenalidades que h�o de vir,

Se a contra��o que hoje produz o choro

N�o h� de ser no s�culo vindouro

Um simples movimento para rir?!

Que esp�cies outras, do Equador aos p�los,

Na pris�o milen�ria dos subsolos,

Rasgando avidamente o h�mus mals�o,

N�o trabalham, com a febre mais bravia,

Para erguer, na �nsia c�smica, a Energia

� �ltima etapa da objetiva��o?!

� in�til, pois, que, a espiar enigmas, entres

Na qu�mica gen�sica dos ventres,

Porque em todas as coisas, afinal,

Cr�nio, ov�rio, montanha, �rvore, iceberg,

Tragicamente, diante do Homem, se ergue

A esfinge do Mist�rio Universal!

A pr�pria for�a em que teu Ser se expande,
Para esconder-se nessa esfinge grande,

Deu-te (oh! mist�rio que se n�o traduz!)

Neste astro ruim de t�nebras e abrolhos

A efem�ride org�nica dos olhos

E o simulacro atordoador da Luz!

Por isto, oh! filho dos terr�queos limos,

N�s, arvoredos desterrados, rimos

Das v�s diatribes com que aturdes o ar...

Rimos, isto �, choramos, porque, em suma,

Rir da desgra�a que de ti ressuma

� quase a mesma coisa que chorar!��

�s vibra��es daquele horr�vel carme

Meu disp�ndio nervoso era tamanho

Que eu sentia no corpo um v�cuo estranho

Como uma boca s�frega a esvaziar-me!

Na avan �ada epil�tica dos medos

Cria ouvir, a escalar C�us e apogues,

A voz cavernos�ssima de Deus,

Reproduzida pelos arvoredos!

Agora, astro decr�pito, em destro�os,

Eu, desgra�adamente magro, a eguer-me,

Tinha necessidade de esconder-me

Longe da esp�cie humana, com os meus ossos!

Restava apenas na minha alma bruta

Onde frutificara outrora o Amor

Uma volicional fome interior

De ren�ncia bud�stica absoluta!

Porque, naquela noite de �nsia e inferno,

Eu fora, alheio ao mundan�rio ru�do,

A maior express�o do homem vencido

Diante da sombra do Mist�rio Eterno!

A noite

A nebulosidade amea�adora

Tolda o �ter, mancha a gleba, agride os rios

E urde amplas teias de carv�es sombrios

No ar que �lacre e radiante, h� instantes, fora.

A �gua transubstancia-se. A onda estoura

Na negrid�o do oceano e entre os navios

Troa b�rbara zoada de ais bravios,

Extraordinariamente atordoadora.

� cust�dia do an�mico registro

A planet�ria escurid�o se anexa...

Somente, iguais a espi�es que acordam cedo,

Ficam brilhando com fulgor sinistro

Dentro da treva on�moda e complexa

Os olhos fundos dos que est�o com medo!

A obsess�o do sangue

Acordou, vendo sangue... Horr�vel! O osso

Frontal em fogo... Ia talvez morrer,

Disse. Olhou-se no espelho. Era t�o mo�o,

Ah! Certamente n�o podia ser!

Levantou-se. E, eis que viu, antes do almo�o,

Na m�o dos a�ougueiros, a escorrer

Fita rubra de sangue muito grosso,

A carne que ele havia de comer!

No inferno da vis�o alucianada,

Viu montanhas de sangue enchendo a estrada,

Viu v�sceras vermelhas pelo ch�o...

E amou, com um berro b�rbaro de gozo,

O monocromatismo monstruoso

Daquela universal vermelhid�o!

Vox victimae

Morto! Consci�ncia quieta haja o assassino

Que me acabou, dando-me ao corpo v�o

Esta vol�pia de ficar no ch�o

Fruindo na tabidez sabor divino!

Espiando o meu cad�ver ressupino,

No mar da humana prolifera��o,

Outras cabe;as aparecer�o

Para compartilhar do meu destino!

Na festa genetl�aca do Nada,

Abra�o-me com a terra atormentada

Em contub�rnio convulsionador...

E ai! Como � boa esta vol�pia obscura

Que une os ossos cansados da criatura

Ao corpo ubiq�it�rio do Criador!

O �ltimo n�mero

Hora da minha morte. Hirta, ao meu lado,

A Id�ia estertorava-se... No fundo

Do meu entendimento moribundo

Jazia o �ltimo N�mero cansado.

Era de v�-lo, im�vel, resignado,

Tragicamente de si mesmo oriundo,

Fora da sucess�o, estranho ao mundo,

Com o reflexo f�nebre do Incriado:

Bradei: -- Que fazes ainda no meu cr�nio?

E o �ltimo N�mero, atro e subterr�neo,

Parecia dizer-me: �� tarde, amigo!

Pois que a minha antog�nica Grandeza

Nunca vibrou em tua l�ngua presa,

N�o te abandono mais! Morro contigo!��

M�goas

Quando nasci, num m�s de tantas flores,

Todas murcharam, tristes, langorosas,

Tristes fanaram redolentes rosas,

Morreram todas, todas sem olores.

Mais tarde da exist�ncia nos verdores

Da inf�ncia nunca tive as venturosas

Alegrias que passam bonan�osas,

Oh! Minha inf�ncia nunca tive flores!

Volvendo � quadra azul da mocidade,

Minh�alma levo aflita � Eternidade,

Quando a morte matar meus dissabores.

Cansado de chorar pelas estradas,

Exausto de pisar m�goas pisadas,

Hoje eu carrego a cruz de minhas dores!

O condenado

Folga a Justica e Geme a natureza

Bocage

Alma feita somente de granito,

Condenada a sofrer cruel tortura

Pela rua sombria d�amargura

-- Ei-lo que passa -- r�probo maldito.

Olhar ao ch�o cravado e sempre fito,

Parece contemplar a sepultura

Das suas ilus�es que a desventura

Desfez em p� no h�rrido delito.

E, � cruz da expia��o subindo mudo,

A vida a lhe fugir j� sente prestes

Quando ao golpe do algoz, calou-se tudo.

O mundo � um sepulcro de tristeza.

Ali, por entre matas de ciprestes,

Folga a justi�a e geme a natureza.

Soneto

Ouvi. snhora, o c�ntico sentido

Do cora��o que geme e s�estertora

N��nsia letal que mata e que o devora

E que tornou-o assim, triste e descrido.

Ouvi, senhora, amei; de amor ferido,

As minhas cren�as que alentei outrora

Rolam dispersas, p�lidas agora,

Desfeitas todas num guaiar dorido.

E como a luz do sol vai-se apagando!

E eu tiste, triste pela vida afora,

Eterno pegureiro caminhando.

Revolvo as cinzas de passadas eras,

Sombrio e mudo e glacial, senhora,

Como um coveiro a sepultar quimeras!

Infeliz

Alma vi�va das paix�es da vida,

Tu que, na estrada da exist�ncia em fora,

Cantaste e riste, e na exist�ncia agora

Triste solu�as a ilus�o perdida;

OH! tu, que na grinalda emurchecida

De teu passado de felicidade

Foste juntar os goivos da Saudade

�s flores da Esperan�a enlanguescida;

Se nada te aniquila o desalento

Que te invade, e pesar negro e profundo,

Esconde � Natureza o sofrimento,

E fica no teu ermo entristecida,

Alma arrancada do prazer do mundo,

Alma vi�va das paix�es da vida.

Soneto

N�augusta solid�o dos cemit�rios,

Resvalando nas sombras dos ciprestes,

Passam meus sonhos sepultados nestes

Brancos sepulcros, p�lidos, fun�reos.

S�o minhas cren�as divinais, ardentes

-- Alvos fantasmas pelos merenc�rios

T�mulos tristes, soturnais, silentes,

Hoje rolando nos umbrais marm�reos,

Quando da vida, no eternal solu�o,

Eu choro e gemo e triste me debru�o

Na laje fria dos meus sonhos pulcros,

Desliza ent�o a l�gubre cooorte.

E rompe a orquestra sepulcral da morte,

Quebrando a paz suprema dos sepulcros.

Noivado

Os namorados ternos suspiravam,

Quando h� de ser o venturoso dia?!

Quando h� de ser?! O noivo ent�o dizia

E a noiva e ambos d�amores s�embriagavam.

E a mesma frase o noivo repetia;

Fora no campo p�ssaros trinavam.

Quando h� de ser?! E os p�ssaros falavam,

H� de chegar, a brisa respondia.

Vinha rompendo a aurora majestosa,

Dos rouxin�is ao sonoroso arpejo

E a luz do sol vibrava esplendorosa.

Chegara enfim o dia desejado,

Ambos unidos, solu�ara um beijo,

Era o supremo beijo de noivado!

Soneto

No meu peito arde em chamas abrasada

A pira da vingan�a reprimida,

E em centelhas de raiva ensurdecida

A vingan�a suprema e concentrada

E espuma e ruge a c�lera entranhada,

Como no mar a vaga embravecida

Vai bater-se na rocha empedernida,

Espumando e rugindo em marulhada

Mas se das minhas dores ao calv�rio,

Eu subo na altitude dolorida

De um Cristo a redimir um mundo v�rio,

Em luta co�a natura sempiterna,

J� que do mundo n�o vinguei-me em vida,

A morte me ser� vingan�a eterna.

Triste regresso

A Dias Paredes

Uma vez um poeta, um tresloucado,

Apaixonou-se d�uma virgem bela;

Vivia alegre o vate apaixonado,

Louco vivia, enamorado dela.

Mas a P�tria chamou-o. Era soldado.

E tinha� que deixar pra sempre aquela

Meiga vis�o, ol�mpica e singela?!

E partiu, cora��o amargurado.

Dos canh�es ao ribombo, e das metralhas,

Altivo lutador, venceu batalhas,

Juncou-lhe a fronte aurifulgente estrela.

E voltou, mas a fronte aureolada,

Ao chegar, pendeu triste e desmaiada,

No sepulcro da loura virgem bela.

Amor e religi�o

Conheci-o: era um padre, um desses santos

Sacerdotes da F� de cren�a pura,

Da sua fala na eternal do�ura

Falava o cora��o. Quantos, oh! Quantos

Ouviram dele frases de candura

Que d�infelizes enxugavam prantos!

E como alegres n�o ficaram tantos

Cora��es sem prazer e sem ventura.

No entanto dizem que este padre amara.

Morrera um dia desvairado, estulto,

Su�alma livre para o c�u se alara.

E Deus lhe disse: ��s duas vezes santo,

Pois se da Religi�o fizeste culto,

Foste do amor o m�rtir sacrossanto�.

Soneto

Ao meu prezado irm�o Alexandre J�nior

pelas nove primaveras que hoje completou.

Canta no espa�o a passarada e canta

Dentro do peito o cora��o contente,

Tu�alma ri-se descuidosamente,

Minh�alma alegre no teu rir s�encanta.

Irm�o querido, bom Pap[a, consente

Que neste dia de ventura tanta

V�, num abra�o de ternura santa,

Mostrar-te o afeto que meu peito sente.

Somente assim festejarei teus anos;

Enquanto outros podem, d�o-te enganos,

J�ias, bonecos de formoso busto,

Eu s� encontro no primor da rima

A justa oferta, a j�ia que te exprima

O amor fraterno do teu mano.

Saudade

Hoje que a m�goa me apunhala o seio,

E o cora��o me rasga atroz, imensa,

Eu a bendigo da descren�a em meio,

Porque eu hoje s� vivo da descren�a.

� noite quando em funda soledade

Minh�alma se recolhe tristemente,

Pra iluminar-me a alma descontente,

Se acende o c�rio triste da Saudade.

E assim afeito �s m�goas e ao tormento,

E � dor e ao sofrimento eterno afeito,

Para dar vida � dor e ao sofrimento,

Da saudade na campa enegrecida

Guardo a lembran�a que me snagra o peito,

Mas que no entanto me alimenta a vida.

A esmola de Dulce

Ao Alfredo A.

E todo o dia eu vou como um perdido

De dor, por entre a dolorosa estrada,

Pedir a Dulce, a minha bem amada

A esmola dum carinho apetecido.

E ela fita-me, o olhar enlanguescido,

E eu balbucio tr�mula balada:

-- Senhora dai-me u�ma esmola -- e estertorada

A minha voz solu�a num gemido.

Morre-me a voz, e eu gemo o �ltimo arpejo,

Estendendo � Dulce a m�o, a f� perdida,

E dos l�bios de Dulce cai um beijo.

Depois,� como este beijo me consola!

Bendita seja a Dulce! A minha vida

Estava unicamente nessa esmola.

Soneto

G�nio das trevas l�gubres, acolhe-me,

Leva-me o esp�rito dessa luz que mata,

E a alma me ofusca e o peito me maltrata,

E o viver calmo e sossegado tolhe-me!

Leva-me, obumbra-me em teu seio, acolhe-me

N�asa da Morte redentora, e � ingrata

Luz deste mundo em breve me arrebata

E num pallium de t�nebras recolhe-me!

Aqui h� muita luz e muita aurora,

H� perfumes d�amor -- venenos d�alma --

E eu busco a plaga onde o repouso mora,

E as trevas moram, e, onde d��gua raso

O olhar n�o trago, nem me turba a calma

A aurora deste amor que � o meu ocaso!

O mar

O mar � triste como um cemit�rio;

Cada rocha � uma eterna sepultura

Banhada pela im�cula brancura

De ondas chorando num alvor et�reo.

Ah! dessas vagas no bramir fun�reo

Jamais vibrou a sinfonia pura

Do Amor; l�, s� descanta, dentre a escura

Treva do oceano, a voz do meu salt�rio!

Quando a c�ndida espuma dessas vagas,

Banhando a fria solid�o das fragas,

Onde a quebrar-se� t�o fugaz se esfuma,

Reflete a luz do sol que j� n�o arde,

Treme na treva a p�rpura da tarde,

Chora a Saudade envolta nesta espuma!

Soneto

Aurora morta, foge! Eu busco a virgem loura

Que fugiu-me do peito ao teu clar�o de morte

E Ela era a minha estrela, o meu �nico Norte,

O grande Sol de afeto -- o Sol que as almas doura!

Fugiu... E em si levou a Luz consoladora

Do amor -- esse clar�o eterno d�alma forte --

Astro da minha Paz, S�rius da minha Sorte

E da Noite da vida a V�nus redentora.

Agora, oh! minha M�goa, agita as tuas asas,

Vem! Rasga deste peito as nebulosas gazas

E, num p�lio auroral de Luz deslumbradora,

Ascende � Claridade. Adeus oh! Dia escuro,

Dia do meu Passado! Irrompe, meu Futuro;

Aurora morta, foge -- eu busco a virgem loura!

Soneto

Canta teu riso espl�ndido sonata,

E h�, no teu riso de anjos encantados,

Como que um doce tilintar de prata

E a vibra��o de mil cristais quebrados.

Bendito o riso assim que se desata

-- C�tara suave dos apaixonados,

Sonorizando os sonhos j� passados,

Cantando sempre em tr�nula volata!

Aurora ideal dos dias meus risonhos,

Quando, �mido de beijos em ress�bios

Teu riso esponta, despertando sonhos...

Ah! Num del�quio de ventura louca,

Vai-se minh�alma toda nos teus beijos,

Ri-se o meu cora��o na tua boca!

Cravo de noiva

Ao Dias Paredes

Cravo de noiva. A n�vea cor de cera

Que o seu seio branqueja, � como os prantos

N�veos, que a virgem chora, entre os encantos

Dum noivado risonho em primavera.

Flor de mist�rios d�alma, sacrossantos,

Guarda segredos divinais que eu dera

Duas vidas, se duas eu tivera

Pra desvendar os seus segredos santos.

E tudo quer que nessa flor se enleve

O poeta. � que dessa concha arm�nea,

Da lactesc�ncia ang�lica da neve,

Se evolam castos, virginais aromas

De ess�ncia estranha; ol�ncias de virg�nea

Carne fremindo num langor de pomas.

Plenil�nio

Desmaia o plenil�nio. A gaze p�lida

Que lhe serve de alv�ssimo sud�rio

Respira ess�ncias raras, toda a c�ida

M�stica ess�ncia desse alampad�rio.

E a lua � como um p�lido sacr�rio,

Onde as almas das virgens em cris�lida

De seios alvos e de fronte p�lida,

Derramam a urna dum perfume v�rio.

Voga a lua na et�rea imensidade!

Ela, eterna noct�mbula do Amor,

Eu, noct�mbulo da Dor e da Saudade.

Ah! Como a branca e merenc�ria lua,

Tamb�m envolta num sud�rio -- a Dor,

Minh�alma triste pelos c�us flutua!

C�tara m�stica

Cantas... E eu ou�o et�rea cavatina!

H� nos teus l�bios -- dois sangrentos c�rios --

A g�mea floresc�ncia de dois l�rios

Entrela�ados numa un��o divina.

Como o santo levita dos Mart�rios,

Rendo piedosa d�lia peregrina

� tua doce voz que me fascina,

-- Harpa virgem brandindo mil del�rios!

Quedo-me aos poucos, penseroso e pasmo,

E a Noite afeia como num sarcasmo

E agora a sombra versperal morreu...

Chegou a Noite... E para mim, meu anjo,

Teu canto agora � um salmodiar de arcanjo,

� a m�sica de Deus que vem do C�u!

S�plica num t�mulo

Maria, eis-me a tues p�s. Eu venho arrependido,

Implorar-te o perd�o do imenso crime meu!

Eis-me, pois, a teus p�s, perdoa o teu vencido,

A�ucena de Deus, l�rio morto do C�u!

Perd�o! E a minha voz estertora um gemido,

E o l�bio meu para sempre apartado do tue

N�o h� de beijar mais o teu l�bio querido!

Ah! Quando tu morreste, o meu Sonho morreu!

Perd�o, p�tria da Aurora exilada do Sonho!

-- Irei agora, assim, pelo mundo, para onde

Me levar o Destino abatido e tristonho...

Perd�o! E este sil�ncio e esta tumba que cala!

Ins�nia, ins�nia, ins�nia, ah! ningu�m me responde...

Perd�o! E este sepulcro imenso que n�o fala!

Afetos

Bendito o amor que infiltra n�alma o enleio

E santifica da exist�ncia o cado,

-- Amor que � mirra e que � sagrado nardo,

Turificando a languidez dum seio!

O amor, por�m, que da Desgra�a veio

Maldito seja, seja como o fardo

Desta descren�a funeral� em que ardo

E com que o fogo da paix�o ateio!

Funambulescamente a alma se atira

� luta das paix�es, e, como a Aurora

Que ao beijo vesperal anseia e expira,

Desce para a alma o ocaso da Car�cia

Ora em sonhos de Dor, supremos, e ora

Em contor��es supremas de Del�cia!

Mart�rio supremo

Duma Quimera ao fascinante abra�o,

Por um Cocito ardente e luxurioso,

Onde nunca gemeu o humano passo,

Transpus um dia o Inferno Azul do Gozo!

O amor em lavas de cand�ncia d�a�o,

Banhou-me o peito... Em �nsia de repouso,

Da Messalina fria no rega�o,

Chora saudades do terreno pouso!

Como um m�rtir de estranho sacrif�cio,

Tinha os l�bios crestados pela ard�ncia

Da luz letal do grande Sol do V�cio!

E mergulhei mais fundo no estu�rio...

Mas, no Inferno do Gozo, sem Calv�rio,

Cristo d�amor morri pela inoc�ncia!

R�gio

Festa no pa�o! Noite... E no entretanto

Luzes, flores, clar�es por toda a festa

E h� nos r�gios sal�es, em cada aresta,

Cred�ncias d�ouro de supremo encanto.

No baldaquino a orquestra real se apresta

E o �ureo dossel finge um relevo santo...

-- Bissos eg�pcios d�alto gosto, a um canto,

Flordilisados de nelumbo e giesta.

Morreu a noite e veio o Sol Eterno

-- �mbar de sangue que desceu do Inferno

No turbilh�o dos alvos raios diurnos...

Brilham no pa�o refulg�ncias de elmo

E a princesa assomou como um santelmo

Na realeza branca dos coturnos.

M�rtir da fome

Nesta da vida l�gubre caverna

De ossos e frios funerais que eu sinto

Como um chacal saciando o eterno instinto

Vou saciando a minha Fome Eterna.

-- Fomoe de sangue de um Passado extinto,

De extintas cren�as -- bacanal superna,

Horr�vel assim como a Hidra de Lerna

E muda como o bronze de Corinto!

�nsias de sonhos, desespero fundo!

E a alma que sonha no marnel do Mundo,

Morre de Fome pelas noites belas...

E como� o Cristo -- o M�rtir do Calv�rio

Morre. E no entanto vai para o estel�rio

Matar a Fome num festim de estrelas!

Festival

Para J�natas Costa

C�mbalos soam no sal�o. O dia

Foge, e ao compasso de arrabis serenos

A valsa rompe, em compassados trenos

Sobre os veludos da tape�aria.

Estatuetas de m�rmore de Lemnos

Est�o dispostas numa simetria

Inconfund�vel, recordando a estria

Dos corpos de Afrodite e V�nus.

Fulgem por entre mil cristais vermelhos

O alvo cristal dos n�tidos espelhos

E a seda verde dos arbustos glabros.

E em meio �s refra��es verdes e hialinas,

Vibra, batendo em todas as retinas,�

A incandesc�ncia irial dos candelabros.

Noturno

Chove. L� fora os lampi�es escuros

Semelham monjas a morrer... Os ventos,

Desencadeados, v�o bater, violentos,

De encontro �s torres e de encontro aos muros.

Saio de casa. Os passos mal seguros

Tr�mulo movo, mas meus movimentos

Susto, diante do vulto dos conventos,

Negro, amea�ando os s�culos futuros!

De S�o Francisco no plangente bronze

Em badaladas compassadas onze

Horas soaram... Surge agora a Lua.

E eu sonho erguer-me aos p�ramos et�reos

Enquanto a chuva cai nos cemit�rios

E o vento apaga os lampi�es da rua!

Soneto

(Feito no decurso de dois minutos, em homenagem ao anivers�rio

natal�cio de Alexandre Rodrigues dos Anjos -- 28 de abril de 1905.)

Para quem tem na vida compreendido

Toda a grandeza da Fraternidade

O anivers�rio dum irm�o querido

A alma de alegres emo��es invade.

Depois quando no irm�o estremecido

Fazem alian�a o g�nio e a probidade,

Atinge o amor um grau nunca atingido

No term�metro santo da Amizade.

O Alexandre dos Anjos merecia

Grandes coroas nesse grande dia,

Tesouros reais, aur�feros tesouros...

Ter� no entanto indubitavelmente

A admira��o do s�culo presente

E a sagra��o dos s�culos vindouros!

O negro

Oh! Negro, oh! Filho da Hotent�ia ufana

Teus bra�os br�nzeos como dois escudos,

S�o dois colossos, dois gigantes mudos,

Representando a integridade humana!

Nesses bra�os de for�a soberana

Gloriosamente � luz do sol desnudos

Ao bruto encontro dos ferr�es agudos

Gemeu por muito tempo a alma africana!

No colorido dos teus br�nzeos bra�os,

Fulge o fogo mordente dos morma�os

E a chama fulge do solar brasido...

E eu cuido ver os m�ltiplos produtos

Da Terra -- as flores e os metais e os frutos

Simbolizados nesse colorido!

Senectude precoce

Envelheci. A cal da sepultura

Caiu por sobre a minha mocidade...

E eu que julgava em minha idealidade

Ver inda toda a gera��o futura!

Eu que julgava! Pois n�o � verdade?!

Hoje estou velho. Olha essa neve pura!

-- Foi saudade? Foi dor? -- Foi tanta agrura

Que eu nem sei se foi dor ou foi saudade!

Sei que durante toda a travessia

Da minha inf�ncia tr�gica, vivia,

Assim como uma casa abandonada.

Vinte e quatro anos em vinte e quatro horas...

Sei que na inf�ncia nunca tive auroras,

E afora disto, eu j� nem sei mais nada!

Andr� Ch�nier

Na real magnific�ncia dos gigantes

Grave como um lacedem�nio harmoste

Andr� Ch�nier ia subir ao poste

A que Lu�s XVI subira dantes!

Que a sua morte a homem nenhum desgoste

E incite o hero�smo das na��es distantes!...

Por isso, ele, a morrer, canta vibrantes

Versos divinos que arrebatam a hoste.

N�o h� quem nele um s� tremor denote!

-- Continua a cantar, a alma serena...

Mas, de repente, pressentindo a lousa,

Batendo com a cabe�a no barrote

Da guilhotina, diz ao povo: -- �� pena!

-- Aqui ainda havia alguma cousa...�

Mystica visio

Vinha passando pelo meu caminho

Um vulto estranhamente iluminado...

Para onde eu ia, o vulto ia a meu lado

E desde ent�o, n�o andei mais sozinho!

Abra�ou-me, beijou-me com um carinho

Que a um ser divino n�o seria dado...

E eu me elevava, sendo assim beijado

Muito acima do humano burburinho!

Falou-me de ilus�es e de luares,

Da tribo alegre que povoa os ares...

-- Assombrava-me aquela claridade!

Mas atrav�s daquelas falsas luzes

Pude rever enfim todas as cruzes

Que t�m pesado sobre a Humanidade!

Ilus�o

Dizes que sou feliz. N�o mentes. Dizes

Tudo que sentes. A infelicidade

Parece �s vezes com a felicidade

E os infelizes mostram ser felizes!

Assim, em Tebas -- a tumbal cidade,

A m�mia de um her�i do tempo de �sis,

Ostenta ainda as mesmas cicatrizes

Que eternizaram sua heroicidade!

Quem v� o her�i, inda com o bra�o altivo,

Diz que ele n�o morreu, diz que ele � vivo,

E, persuadido fica do que diz...

Bem como tu, que nessa cren�a infinda

Feliz me viste no Passado, e a inda

Te persuades de que sou feliz!

Gozo insatisfeito

Entre o gozo que aspiro, e o sofrimento

De minha mocidade, experimento

O mais profundo e abalador atrito...

Queimam-me o peito c�usticos de fogo

Esta �nsia de absoluto desafogo

Abrange todo o c�rculo infinito.

Na insaciedade desse gozo falho

Busco no desespero do trabalho,

Sem um domingo ao menos de repouso,

Fazer parar a m�quina do instinto,

Mas, quanto mais me desespero, sinto

A insaciabilidade desse gozo!

Dol�ncias

Oh! Lua morta de minha vida,

��������������� Os sonhos meus

Em v�o te buscam, andas perdida

E eu ando em busca dos rastos teus...

Vago sem cren�as, vagas sem norte,

Cheia de brumas e enegrecida,

Ah! Se morreste pra minha vida!

Vive, consolo de minha morte!

Baixa, portanto, cora��o ermo

��������������� De lua fria

� plaga triste, plaga sombria

Dessa dor lenta que n�o tem termo.

Tu que tombaste no caos extremo

Da Noite imensa do meu Passado,

Sabes da ang�stia do torturado...

Ah! Tu bem sabes por que � que eu gemo!

Instilo m�goas saudoso, e enquanto

Planto saudades num campo morto,

Ningu�m ao menos d�-me um conforto,

Um s� ao menos! E no entretanto

Ningu�m me chora! Ah! Se eu tombar

��������������� Cedo na lida...

Oh! Lua fria vem me chorar

Oh! Lua morta da minha vida!

Idealiza��es

A Santos Neto

I

Em v�o flameja, rubro, �gneo, sangrento

O sol, e, fulvos, aos astrais des�gnios,

Raios flamejam e fuzilam �gneos,

Nas chispas fulvas de um vulc�o violento!

� tudo em v�o! Atr�s da luz dourada,

Negras, pompeiam (triste maldi��o!)

-- Asas de corvo pelo cora��o...

-- Crep�sculo fatal vindo do Nada!

Que importa o Sol! A Treva, a Sombra -- eis tudo!

E no meu peito -- condenada treva --

A sombra desce, e o meu pesar se eleva

E chora e sangra, mudo, mudo, mudo...

E h� no mei peito -- ocaso nunca visto,

Martirizado porque nunca dorme

As Sete Chagas dum mart�rio enorme,

E os Sete Passos que magoaram Cristo!

II

Agora dorme o astro de sangue e de ouro

Como um sult�o cansado! As nuvens como

Odaliscas, da Noite ao negro assomo

Beijam-lhe o corpo ensang�entado d�ouro.

Legi�es de n�voas mortas e finadas

Como fragmenta��es d�ouro e basalto

Lembram guirlandas pompeando no Alto

Eterizadas, volaterizadas.

E a Noite emerge, santa e vitoriosa

Dente um velarium de veludos. Atros,

Descem os nimbos... No ar h� malabatros

Turiferando a negrid�o tediosa.

Al�m, dourando as n�voas dos espa�os,

Na majestade dum condor bendito,

Subindo � majestade do Infinito,

A Via-L�ctea vai abrindo os bra�os!

�ureas estrelas, alvas, luminosas,

Trazem no peito o branco das manh�s

E dormem brancas como leviat�os

Sobre o oceano astral das nebulosas.

Eu amo a noite que este Sol arranca!

Namoro estrelas... S�rius me deslumbra,

V�sper me encanta, e eu beijo na penumbra

A imagem lirial da Noite Branca.

III

De novo, a Aurora, entre esplendores, h�-de

Alva, se erguer, como tombou outrora,

E como a Aurora -- o Sol -- h�stia da Aurora,

Aben�oada pela Eternidade!

E ei-lo de novo, ontem moribundo,

Hoje de novo, curvo ao seu destino,

Fant�stico, cicl�pico, assassino

�brio de fogo, dominando o mundo!

Mas de que serve o Sol, se triste em cada

Raio que tomba no marnel da terra,

Mais em meu peito uma ilus�o se enterra,

Mais em minh�alma um desespero brada?!

De que serve, se, � luz �urea que dele

Emana e estua e se refrange e ferve,

A M�goa ferve e estua, de que serve

Se � desespero e maldi��o todo ele?!

Pois, de que serve, se aclarandoos cerros

E engalanando os arvoredos gaios,

A alma se abate, como se esses raios

N�alma caindo, se tornassem� ferros?!

IV

Poeta, em v�o na luz do sol te inflamas,

E nessa luz queimas-te em v�o! �s todo

P�, e h�s de ser ap�s as chamas, lodo,

Como Herculanum foi ap�s as chamas.

Ah! Como tu, em lodo tudo acaba,

O le�o, o tigre, o mastodonte, a lesma,

Tudo por fim h� de acabar na mesma

T�nebra que hoje sobre ti desaba.

Ningu�m se exime dessa lei imensa

Que, em plena e fulva reverbera��o,

Arrasta as almas pela Escurid�o,

E arrasta os cora��es pela Descren�a.

Ergue, pois poeta, um pedestal de tanta

Treva e dor tanta, e num supremo e insano

E extraordin�rio e grande e sobre-humano

Esfor�o, sobre ao pedestal, e... canta!

Canta a Descren�a que passou cortanto

As tuas ilus�es pelas ra�zes,

E em vez de chagas e de cicatrizes

Deixar, foi valas funerais deixando.

E foi deixando essas fun�reas, frias,

Medonhas valas, onde, como abutres

Medonhos, de ossos, de ilus�es te nutres,

Vives de cinzas e de ruinarias!

V

Agora � noite! E na estelar coorte,

Como recorda��o da festa diurna,

Geme a pungente orquestra��o noturna

E chora a fanfarra triunfal da Morte.

Ent�o, a Lua que no c�u se espalha,

Iluminando as serranias, banha

As serranias duma luz estranha,

Alva como um peda�o de mortalha!

Nessa m�sica que a alma me ilumina

Tento esquecer as minhas pr�prias dores,

Canto, e minh�alma cobre-se de flores

-- Fera rendida � m�sica divina.

Harpas concertam! Brandas melodias

Plangem... Sil�ncio! Mas de novo as harpas

Reboam pelo mar, pelas escarpas,

Pelos rochedos, pelas penedias...

Eu amo a Noite que este Sol arranca!

Namoro estrelas... S�rius me deslumbra,

V�sper me encanta, e eu beijo na penumbra

A imagem lirial da Noite Branca!

A vit�ria do esp�rito

Era uma preta, funeral mesquita,

Abandonada aos lobos e aos leopardos

Numa floresta l�gubre e esquisita.

Engalanava-lhe as paredes frias

Uma coroa de urzes e de cardos

Coberta em p�lio pelas la�arias.

Uma vez, aos lampejos derradeiros

Das irisadas vespertinas velas,

Feras rompiam tojos e balseiros.

E pelas catacumbas desprezadas,

Mochos vagavam como sentinelas,

Em atalaia �s gera��es passadas!

Um crep�sculo imenso, nunca visto

Tauxiava o C�u de grandes roxos

Da mesma cor da t�nica de Cristo.

Fulgia em tudo uma estria��o violeta

E um viol�ceo clar�o banhava os mochos

Quem em torno estavam da mesquita preta.

J� na emin�ncia da amplid�o sid�rea

Como uma umbela, se desenrolava

A esteira astral da retra��o et�rea.

Os astros mortos refulgiam vivos

E a noite, ampla e brilhante, rutilava

Lantejoulada de opalinos crivos.

S�bito algu�m, o passo constrangendo,
Parou em frente da mesquita morta...

-- Um vento frio come�ou gemendo.

Era uma vi�va, e o olhar errante, a vi�va,

Em passo lento, foi transpondo a porta,

Eternamente aberta ao sol e � chuva.

A Lua encheu o espa�o sem limites

E, dentro, nos altares esboroados,

Foram caindo como estalactites.

Sobre o ouro e a prata das alfaias priscas

Um dil�vio de f�sforos prateados

E uma chuva doirada de fa�scas.

Fora, entretanto, por um ch�o de onagras

Vinha passeando como numa viagem

Um grupo feio de panteras magras.

E havia no atro olhar dessas panteras

Essa alegria doida da carnagem

Que � a alegria �nica das feras.

E ardendo na impuls�o das �nsias doidas

E em sevas f�rias, infernais ardendo

Todas as feras, as panteras todas

Avan�am para a vi�va desvalida.

E raivosas, contra ela, arremetendo,

Tiram-lhe todas ali mesmo a vida.

Morria a noite. As fl�mulas altivas

Do sol nascente erguiam-se vermelhas,

Comouma exposi��o de carnes vivas.

E iam cair em p�rolas de sangue

Sobre as asas doiradas das abelhas,

E sobre o corpo da vi�va� exangue.

A Natureza celebrava a festa

Do astro glorioso em cantos e baladas

-- O pr�prio Deus cantava na floresta!

Nos arvoredos rejuvenescidos,

Estrugiam can��es desesperadas

De misereres e de sustenidos.

Al�m, entanto, na redoma clara

Que envolve a porta da regi�o et�rea,

O esp�rito da vi�va se quedara

Ao contemplar dessa fulgente porta

E dessa clara e alva redoma a�rea,

No desfilar de sua carne morta

A transitoriedade da mat�ria!

Canto �ntimo

Meu amor, em sonhos erra,

Muito longe, altivo e ufano

Do barulho do oceano

E do gemido da terra!

O Sol est� moribundo.

Um grande recolhimento

Preside neste momento

Todas as for�as do Mundo.

De l�, dos grandes espa�os,

Onde h� sonhos inef�veis

Vejo os vermes miser�veis

Que h�o de comer os meus bra�os.

Ah! Se me ouvisses falando!

(E eu sei que �s dores resistes)

Dir-te-ia coisas t�o tristes

Que acabarias chorando.

Que mal o amor me tem feito!

Duvidas?! Pois, se duvidas,

Vem c�, olha estas feridas,

Que o amor abriu no meu peito.

Passo longos dias, a esmo...

N�o me queixo mais da sort

Nem tenho medo da Morte

Que eu tenho a Morte em mim mesmo!

�Meu amor, em sonhos, erra,

Muito longe, altivo e ufano

Do barulho do oceano

E do gemido da terra!��

A luva

Para o Augusto Belmont

Pansa na gl�ria! Arfa-lhe o peito, opresso.

-- O pensamento � uma locomotiva --

Tem a grandeza duma for�a viva

Correndo sem cessar para o Progresso.

Que importa que, contra ele, horrendo e preto

O �spide bjeto do Pesar se mova!...

E s�, no quadril�tero da alcova,

Vem-lhe � imagina��o este soneto:

�A princ�pio escrevia simplesmente

Para entreter o esp�rito... Escrevia

Mais por impulso de idiossincrasia

Do que por uma propuls�o consciente.

Entendi, depois disso, que devia,

Como Vulcano, sobre a forja ardente

Da Ilha de Lemnos, trabalhar contente,

Durante as vinte e quatro horas do dia!

Riam de mim, os monstros zombeteiros,

Trabalharei assim dias inteiros,

Sem ter uma alma s� que me idolatre...

Tenha a sorte de C�cero proscrito

Ou morra embora, tr�gico e maldito,

Como Cam�es morrendo sobre um catre!�

Nisto, abre, em �nsias, a tumbal janela

E diz, olhando o c�u que al�m se expande:

�-- A maldade do mundo � muito grande,

Mas meu orgulho ainda � maior do que ela!

Ruja a boca danada da profana

Coorte dos homens, com o seu grande grito,

Que meu orgulho do alto do Infinito

Suplantar� a pr�pria esp�cie humana!

Quebro montanhas e aos tuf�es resisto

Numa absoluta impassibilidade�,

E como um desafio � eternidade

Atira a luva para o pr�prio Cristo!

Chove. Sobre a cidade geme a chuva,

Batem-lhe os nervos, sacudindo-o todo,

E na suprema convuls�o o doudo

Parece aos astros atirar a luva!

A caridade

No universo a caridade

Em contraste ao v�cio infando

� como um astro brilhando

Sobre a dor da humanidade!

Nos mais sombrios horrores

Por entre a m�goa nefasta

A caridade se arrasta

Toda coberta de flores!

Semeadora de carinhos

Ela abre todas as portas

E no horror das horas mortas

Vem beijar os pobrezinhos.

Torna as tormentas mais calmas

Ouve o solu�o do mundo

E dentro do amor profundo

Abrange todas as almas.

O c�u de estrelas se veste

Em fluidos de misticismo

Vibra no nosso organismo

Um sentimento celeste.

A alegria mais acesa

Nossas cabe�as invade...

Gl�ria, pois, � Caridade

No seio da Natureza!

��������������� ��������������� Estribilho

Cantemos todos os anos

Na festa da Caridade

A solidariedade

Dos sentimentos humanos.

OUTROS POEMAS ESQUECIDOS

Abandonada

Bem depressa sumiu-se a vaporosa

Nuvem de amores, de ilus�es t�o bela;

�O brilho� se pagou daquela estrela

Que a vida lhe tornava venturosa!

Sombras que passam, sombras cor-de-rosa

-- Todas se foram num festivo bando,

Fugazes sonhos, g�rrulos voando

-- Resta somente um�alma tristurosa.

Coitada! o gozo lhe fugiu correndo,

Hoje ela habita a erma soledade,

Em que vive e em que aos poucos vai morrendo!

Seu rosto triste, seu olhar magoado,

Fazem lembrar em noute de saudade

A luz morti�a d�um olhar nublado.

Ceticismo

Desci um dia ao tenebroso abismo,

Onde a D�vida ergueu altar profano;

Cansado de lutar no mundo insano

Fraco que sou volvi ao ceticismo.

Da Igreja -- a Grande M�e -- o exorcismo

Terr�vel me feriu, e ent�o sereno

De joelhos aos p�s do Nazareno

Baixo rezei em fundo misticismo:

-- Oh! Deus, eu creio em ti, mas me perdoa!

Se esta d�vida cruel qual me magoa

Me torna �nfimo, desgra�ado r�u.

Ah, entre o medo que o meu ser aterra,

N�o sei se viva pra morrer na terra,

N�o sei se morra p�ra viver no c�u!

A m�scara

Eu sei que h� muito pranto na exist�ncia,

Dores que ferem cora��es de pedra,

E onde a vida borbulha e o sangue medra,

A� existe a m�gua em sua ess�ncia.

No del�rio, por�m, da febre ardente

Da ventura fugaz e transit�ria

O peito rompe a capa torment�ria

Para sorrindo palpitar contente.

Assim a turba inconsciente passa,

Muitos que esgotam do prazer a ta�a

Sentem no peito a dor indefinida.

E entre a m�goa que a m�sc�ra eterna apouca

A Humanidade ri-se e ri-se louca

No carnaval int�rmino da vida.

O coveiro

Uma tarde de abril suave e pura

Visitava eu somente ao derradeiro

Lar; tinha ido ver a sepultura

De um ente caro, amigo verdadeiro.

L� encontrei um p�lido coveiro

Com a cabe�a para o ch�o pendida;

Eu senti a minh�alma entristecida

E interroguei-o: �Eterno companheiro

Da morte, quem matou-te o cora��o?�

Ele apontou para uma cruz no ch�o,

Ali jazia o seu amor primeiro!

Depois, tomando a enxada, gravemente,

Balbuciou, sorrindo tristemente:

-- �Ai, foi por isso que me fiz coveiro!�

Pecadora

Tinha no olhar cet�neo, aveludado,

A chama cruel que arrasta os cora��es,

Os seios rijos eram dois bras�es

Onde fulgia o simb�lo do pecado.

Bela, divina, o porte emoldurado

No m�rmore sublime dos contornos,

Os seios brancos, palpitantes, mornos,

Dan�avam-lhe no colo perfumado.

No entanto, esta mulher de gr� beleza,

Moldada pela m�o da Natureza,

Tornou-se a pecadora vil. Do fado

Do destino fatal, presa, morria,

Uma noite entre as vascas da agonia,

Tendo no corpo o verme do pecado!

No claustro

Pelas do claustro salas silenciosas,

De lutulentas, �midas arcadas,

Na vastid�o silente das caladas

Ab�badas sombrias tenebrosas,

Vagueiam tristemente desfiladas

De freiras e de monjas tristurosas,

Que guardam cinzas de ilus�es passadas,
Que guardam pet�las de fun�reas rosas.

E � noute quando rezam na clausura,

No sigilo das rezas misteriosas,

Nem a sombra mais leve de ventura!

S� as arcadas ogivais desnudas,

E as mesmas monjas sempre tristurosas,

E as mesmas portas impass�veis, mudas!

Il trovatore

Canta da torre o trovador saudoso

-- Addio, Eleonora! oh! sonhos meus!

E o canto se desprende harmonioso,

Na vibra��o final do extremo adeus.

Repercute dolente, mavioso,

Subindo pelo Azul da Inspira��o;

Assim canta tamb�m meu cora��o,

Trovador tortorado e angustioso,

Ai! n�o, n�o acordeis, lembran�as minhas!

Saudade d�umas noutes em que vinhas

Cantar comigo um doce desafio!

Mas, pouco a pouco, os sons esmorecendo,

Perdem-se as notas pelo Azul morrendo,

-- Addio Eleonora, addio, addio!

A louca

Quando ela passa: -- a veste desgrenhada,

O cabelo revolto em desalinho,

No seu olhar feroz eu adivinho

O mist�rio da dor que a traz penada.

Mo�a, t�o mo�a e j� desventurada;

Da desdita ferida pelo espinho,

Vai morta em vida assim pelo caminho,

No sud�rio da m�goa sepultada.

Eu sei a sua hist�ria. -- Em seu passado

Houve um drama d�amor misterioso

-- O segredo d�um peito torturado --

E hoje, para guardar a m�goa oculta,

Canta, solu�a -- o cora��o saudoso,

Chora, gargalha, a desgra�ada estulta.

Primavera

Primavera gentil dos meus amores,

-- Arca cer�lea de ilus�es et�reas,

Chova-te o C�u cintila��es sid�reas

E a terra chova no teu seio flores!

Esplende, Primavera, os teus fulgores,

Na aur�ola azul, dos dias teus risonhos,

Tu que sorveste o fel das minhas dores

E me trouxeste o n�ctar dos teus sonhos!

Cedo vir�, por�m, o tiste outono,

Os dias voltar�o a ser tristonhos

E tu h�s de dormir o eterno sono,

Num sepulcro de rosas e de flores,

Arca sagrada de cer�leos sonhos,

Primavera gentil dos meus amores!

A esperan�a

A Esperan�a n�o murcha, ela n�o cansa,

Tamb�m como ela n�o sucumbe a Cren�a,

V�o-se sonhos nas asas da Descren�a,

Voltam sonhos nas asas da Esperan�a.

Muita gente infeliz assim n�o pensa;

No entanto o mundo � uma ilus�o completa,

E n�o � a Esperan�a por senten�a

Este la�o que ao mundo nos manieta?

Mocidade, portanto, ergue o teu grito,

Sirva-te a Cren�a do fanal bendito,

Salve-te a gl�ria no futuro -- avan�a!

E eu, que vivo atrelado ao desalento,

Tamb�m espero o fim do meu tormento,

Na voz da Morte a me bradar; descansa!

Soneto

Senhora, eu trajo o luto do Passado,

Este luto sem fim que � o meu Calv�rio

E ansio e choro, delirante e v�rio,

Son�mbulo da dor angustiado.

Quantas venturas que me acalentaram!

Meu peito t�m�lo do prazer finado

Foi outrora do riso aben�oado,

O ber�o onde as venturas se embalaram.

Mas n�o queiras saber nunca risonha

O mist�rio d�um peito que estertora

E o segredo d�um�alma que n�o sonha!

N�o, n�o busques saber porque, Senhora,

� minha sina perenal, tristonha

-- Cantar o Ocaso quando surge a Aurora.

Sofredora

Cobre-lhe a fria palidez do rosto

O sendal da tristeza que a desola;

Chora -- o orvalho do pranto lhe perola

As faces maceradas de desgosto.

Quando o ros�rio de seu pranto rola,

Das brancas rosas do seu triste rosto

Que rolam murchas como um sol j� posto

Um perfume de l�grimas se evola.

Tenta �s vezes, por�m, nervosa e louca

Esquecer por momento a m�goa intensa

Arrancando um sorriso � flor da boca.

Mas volta logo um negro desconforto,

Bela na Dor, sublime na Descren�a,

Como Jesus a solu�ar no Horto.

Ecos d�alma

Oh! madrugada de ilus�es, sant�ssima,

Sombra perdida l� do meu Passado,

Vinde entornar a cl�mide pur�ssima

Da luz que fulge no ideal sagrado!

Longe das tristes noutes tumulares

Quem me dera viver entre quimeras,

Por entre o resplandor das Primaveras

Oh! madrugada azul dos meus sonhares.

Mas quando vibrar a �ltima balada

Da tarde e se calar a passarada

Na bruma sepulcral que o c�u emba�a

Quem me dera morrer ent�o risonho

Fitando a nebulosa do meu sonho

E a Via-L�ctea da Ilus�o que passa!

Amor e cren�a

Sabes que � Deus? Esse infinito e santo

Ser que preside e rege os outros seres,

Que os encantos e a for�a dos poderes

Re�ne tudo em si, num s� encanto?

Esse mist�rio eterno e sacrossanto,

Essa sublime adora��o do crente,
Esse manto de amor doce e clemente

Que lava as dores e que enxuga o pranto?

Ah! Se queres saber a sua grandeza

Estente o teu olhar � Natureza,

Fita a c�p�la do C�u santa e infinita!

Deus � o Templo do Bem. Na altura imensa,

O amor � a h�stia que bendiz a cren�a,

Ama, pois, cr� em Deus e... s� bendita!

Arana

Ela � o tipo perfeito da ariana.

Branca, nevada, p�bere, mimosa,

A carne exuberante e capitosa

Trescala a ess�ncia que de si dimana.

As n�eas pomas do candor da rosa,

Rendilhando-lhe o colo de sultana,

Emergem da camisa cetinosa

Entre as rendas sutis de filigrana.

Dorme talvez. Em fl�cido abandono

Lembra formosa no seu casto sono

A languidez dormente da indiana.

Enquanto o amante p�lido, a seu lado,

Medita, a fronte triste, o olhar velado,

No Mist�rio da Carne Soberana.

Tempos idos

N�o enterres, coveiro, o meu Passado,

Tem pena dessas cinzas que ficaram;

Eu vivo d�essas cren�as qe passaram,

E quero sempre t�-las ao meu lado!

N�o, n�o quero o meu sonho sepultado

No cemit�rio da Desilus�o,

Que n�o se enterra assim sem compaix�o

Os escombros benditos do Passado!

Ai! n�o me arranques d�alma este conforto!

-- Quero abra�ar� o meu Passado morto

-- Dizer adeus aos sonhos meus perdidos!

Deixa ao menos que eu suba � Eternidade

Velado pelo c�rio da Saudade,

Ao dobre funeral dos tempos idos!

Soneto

Na rua em funeral ei-la que passa

A romaria eterna dos aflitos,

A prociss�o dos tristes, dos proscritos,

Dos romeiros saudosos da desgra�a.

E na cho�a a lam�ria que traspassa

O cora��o, al�m, �nsias e gritos

De m�es que arquejam sobre os pobrezitos

Filhos que a fome derrubou na pra�a.

Entre todos, por�m, l�nguida e bela,

Da juventude a� virginal capela

A lhe cingir de luz a fronte ba�a,

Vai Corina mendiga e esfarrapada,

A alma saudosa pelo amor vibrada

-- A Stella Matutina da Desgra�a.

Soneto

Adeus, adeus, adeus!� E suspirando

Sa� deixando morta a minha amada,

Vinha� o luar iluminando a estrada

E eu vinha pela estrada solu�ando.

Perto um ribeiro claro murmurando

Muito baixinho como quem chorava,

Parecia o ribeiro estar chorando

As l�grimas que eu triste gotejava.

S�bito ecoou o sino o som profundo!

Adeus!� -- eu disse. para mim no mundo

Tudo acabou-se, apenas restam m�goas.

Mas no mist�rio astral da noite bela

Pareceu-me inda ouvir o nome dela

No marulhar mon�tono das �guas!

A aenonave

Cindindo a vastid�o do Azul profundo,

Sulcando o espa�o, devassando a terra,

A Aeronave que um mist�rio encerra

Vai pelo espa�o acompanhando o mundo.

E na esteira sem fim da az�lea esfera

Ei-la embalada n�amplid�o dos ares,

Fitando o abismo sepulcral dos mares

Vencendo o azul que ante si s�erguera.

Voa, se eleva em busca do Infinito,

� como um despertar de estranho mito,

Auroreando a humana consci�ncia.

Cheia da� luz do cintilar de um astro,

Deixa ver na fulg�ncia do seu rastro

A trajet�ria augusta da Ci�ncia.

Lirial

Porque choras assim, tristonho l�rio,

Se eu sou o orvalho eterno que te chora,

P�ra que pendes o c�lice que enflora

Teu seio branco do palor do c�rio?!

Baixa a mim, irm� p�lida da Aurora,

Estrela esmaecida do Mart�rio;

Envolto da tristeza no del�rio,

Deixa beijar-se a face que descora!

Fosses antes a rosa purpurina

E eu beijaria a p�tala divina

Da rosa onde n�o pousa a desventura.

Ai! que ao menos talvez na vida escassa

N�o chorasses � sombra da desgra�a,

Para eu sorrir � sombra da ventura!

A minha estrela

Eu disse -- Vai-te, estrela do Passado!

Esconde-te no Azul da Imensidade,

L� onde nunca chegue esta saudade,

-- A sombra deste afeto estiolado.

Disse, e a estrela foi p�ra o C�u subindo,

Minh�alma que de longe a acompanhava,

Viu o adeus que ela do C�u enviava,

E quando ela no Azul foi se sumindo

Surgia a Aurora -- a m�gica princesa!

E eu vi o Sol do C�u iluminando

A Catedral da Grande Natureza.

Mas a noute chegou, triste, com ela

Negras sombras tamb�m foram chegando,

E eu nunca mais vi a minha estrela!

Soneto

A pra�a estava cheia. O condenado

Transpunha nobremente o cadafalso,

Puro de crime, isento de pecado,

V�tima augusta de indel�vel falso.

E na atitude do Crucificado,

O olhar azul pregado n�amplid�o,

Pude rever naquele desgra�ado

O drama lutuoso da Paix�o.

Quando do algoz cruento o bra�o al�ado

Se dispunha a vibrar sem compaix�o

O golpe na cabe�a do culpado

Ele, o algoz -- o criminoso -- ent�o,

Caiu na pra�a como fulminado

A solu�ar: perd�o, perd�o, perd�o!

Versos d�um exilado

Eu vou partir. Na l�mpida corrente

Rasga o batel o leito d��gua fina

-- Albatroz deslizando mansamente

Como se fosse vaporosa Ondina.

Exilado de ti, oh! P�tria! ausente

Irei cantar a m�goa peregrina

Como canta o pastor a matutina

Trova d�amor, � luz do sol nascente!

N�o mais virei talvez e, l� sozinho,

Hei de lembrar-me do meu p�trio ninho

D�onde levo comigo a nostalgia

E esta lembran�a que hoje me quebranta

E que eu levo hoje como a imagem santa

Dos sonhos todos que j� tive um dia!

Ave dolorosa

Ave perdida para sempre -- cren�a

Perdida -- segue a trilha que te tra�a

O Destino, ave negra da Desgra�a,

G�mea da M�goa e n�ncia da Descren�a!

Dos sonhos meus na Catedral imensa

Que nunca pouses. L�, na n�voa ba�a,

Onde o teu vulto l�rido esvoa�a,

Seja-te a vida uma agonia intensa!

Vives de cren�as mortas e te nutres,

Empenhada na sanha dos abutres,

Num desespero r�bido, assassino...

E h�s de tombar um dia em m�goas lentas,

Negrejada das asas lutulentas

Que te emprestar o corvo do Destino!

Nimbus

Nimbos de bronze que empanais escuros

O santu�rio azul da Natureza,

Quando vos vejo negros palinuros

Da tempestade negra e da tristeza,

Abismados na bruma enegrecida,

Julgo ver nos reflexos da minh�alma

As mesmas nuvens deslizando em calma,

Os nimbos das procelas desta vida;

Mas quando c�u � l�mpido, sem bruma

Que a transpar�ncia tolda, sem nenhuma

Nuvem sequer, ent�o, num mar de esp�ran�a,

Que o c�u reflete, a vida � qual risonho

Batel, e a alma � a fl�mula do sonho,

Que o guia e leva ao porto da bonan�a.

No campo

Tarde. Um arroio canta pela umbrosa

Estrada; as �guas l�mpidas alvejam

Como cristais. Aragem suspirosa

Agita os roseirias que ali vicejam.

No Alto, entretanto, os astros rumorejam

Um press�gio de noute luminosa

E ei-la que assoma -- a Louca Tenebrosa,

Branca, emergindo �s trevas que a negrejam.

Chora a corrente m�rmura, e, � dolente

Un��o da noute, as flores tamb�m choram

Num chuveiro de p�talas, nitente,

Pendem e caem -- os roseirais descoram

E elas b�iam no pranto da corrente

Que as rosas, ao luar, chorando enfloram.

Ins�nia

No mundo vago das idealidades

Afundei minha louca fantasia;

Cedo atraiu-me a aur�ola fugidia

Da refulg�ncia antiga das idades.

Mas ao esplendor das velhas majestades

Vacila a mente e o seu ardor esfria;

Busquei ent�o na nebulosa fria

Das Ilus�es, sonhar novas idades.

Que desespero insano me apavora!

Aqui, chora um ocaso sepultado;

Ali, pompeia a luz da branca aurora

E eu tremo e hesito entre um mist�rio escuro

-- Quero partir em busca do Passado

-- Quero correr em busca do Futuro.

O bandolim

Cantas, solu�as, bandolim do Fado

E de Saudade o peito meu transbordas;

Choras, e eu julgo que nas tuas cordas

Choram todas as cordas do Passado!

Guardas a alma talvez d�um desgra�ado,

Um dia morto da Ilus�o �s bordas,

Tanto que cantas, e ilus�es acordas,

Tanto que gemes, bandolim do Fado.

Quando alta noute, a lua � triste e calma,

Teu canto, vindo de produndas fr�guas,

� como as n�nias do Coveiro d�alma!

Tudo eterizas num coral de endeixas...

E vais aos poucos solu�ando m�goas,

E vais aos poucos solu�ando queixas!

Ara maldita

Como um�ave, cindindo os c�us risonhos,

Meiga, tu vinhas a cindir os ares,

E, qual h�stia, caindo dos altares,

Foste caindo n�ara dos meus sonhos.

E eu vi os seios teus virem inconhos

-- Esses teus seios que os cer�leos lares

Branquejaram de eternos nenufares,

Para nunca tocarem negros sonhos!

Ca�ste enfim no meu sacr�rio ardente,

Quiseste-me beijar a ara do peito,

E eu quis beijar-te o l�bio redolente.

E beijei-te, mas eis que neste enleio,

Tocando n�ara negra o n�veo seio,

Ca�ste morta ao celestial preceito.

Soneto

Na et�rea limpidez de um sonho branco,

L�cia sorriu-se � bruma nevoenta,

E a procela chorou n�um fundo arranco

De m�goa triste e de paix�o violenta.

E L�cia disse � bruma lutulenta:

-- Foge, sen�o co�o o meu olhar te espanco!

E eu vi que, � voz de L�cia, grave e lenta,

O c�u tremia em seu trevoso flanco.

Fulgia a bruma para sempre. A vida

Despontava na aurora amortecida

� rutil�ncia m�gica do dia.

Aquele riso despertava a aurora!

E tudo riu-se, e como L�cia, agora,

O sol, alegre e rubro, tamb�m ria!

Treva e luz

Neste p�lago escuro em que te afundas,

Longe das sombras aurorais e amadas,

Sentes o peito em �nsias revoltadas,

Diluis teu peito em sensa��es profundas.

Mas, eis que emerges, luminosa, �s fundas

�guas do mar das gl�rias obumbradas,

E, ante o branco estendal das madrugadas,

Nua, em banho ideal de amor te inundas.

Agora, � luz das alvoradas santas

Ungem-te o corpo redol�ncias tantas,

Que, ao ver-te nua, o Mundo se concentre,

E a lua, a Virgem M�e dos c�us escampos,

Que beija a terra e que aben�oa os campos,

Beije-te o seio e te aben�oe o ventre!

Soneto

O Templo da Descren�a -- ei-lo que avisto. A imensa

Cruz da Dor est� serena como um l�rio!

E vejo o pedestal que sustenta o Mart�rio;

E vejo o pedestal que sustenta a Descren�a!

-- A colunata �xul do Sonho Morto -- o c�rio

Da Quimera Falaz, o t�mulo da Cren�a,

Tudo! at� o altar onde a Ang�stia vibra intensa

N�uma f�ria assombral de feras em del�rio!

Penetro louco enfim o abismo funer�rio,

E a rasgar, a rasgar o l�rido sacr�rio,

Em mim como no Templo a Ang�stia se condensa,

E em mim como no Templo, urnas de Sonho; e, em bando,

Flores mortas da Aurora, e, eu sombrio chorando

Ante a imagem fatal do Sepulcro da Cren�a!

A peste

Filha da raiva de Jeov� -- a Peste

N�um insano ceifar que aterra e espanta,

De espa�o a espa�o sepulturas planta

E em cada cora��o planta um cipreste!

Exulta o Eterno e... tudo chora, tudo!

Quando Ela passa, semeando a Morte,

Todos dizem co�os olhos para a Sorte

-- � o castigo de Deus que passa mudo!

-- F�lgido foco de escaldantes brasas

-- O sol a segue, e a Peste ri-se, enquanto

Vai devastando o cora��o das casas...

E como� o sol que a segue e deixa um rastro

De luz em tudo, ela, como o sol� -- o astro --

Deixa um rastro de luto em cada canto!

Ideal

Quero-te assim, formosa entre as formosas,

No olhar d�amor a m�stica fulg�ncia

E o misticismo c�ndido das rosas,

Plena de gra�a, santa de inoc�ncia!

Anjo de luz de astral aurifulg�ncia,

Et�reo como as Wilis vaporosas,

Embaladas no albor da adolesc�ncia,

-- Virgens filhas das virgens nebulosas!

Quero-te assim, formosa, entre esplendores,

Colmado o seio de virentes flores,

A alma dilu�da em eterais cismares...

Quero-te assim -- e que bendita sejas

Como as aras sagradas das igrejas,

Como o Cristo sagrado dos altares.

Sombra imortal

-- E tu elas, a s�s, no p� da fulgur�ncia

Como uma velha cruz vela na sombra morta!

Fora, a noute � tumbal... e a saudade da inf�ncia,

Como um�alma de m�e, me acalenta e conforta!

Noute! E somente tu velas a rutil�ncia...

Lua que j� passou� e que hoje ainda corta

O penetral que guia � derradeira est�ncia,

O penetral que leva � derradeira porta!

Revejo em ti, mulher, num l�nguido smorzando

A sombra virginal qu�eu adoro chorando

E h� de um dia amparar-me na luta correndo...

Ah! que um dia da Vida, estes dardos ac�leos

Ca�am, tamb�m da Dor, l� dos bra�os herc�leos,

Domados pela meiga �nfale a que me rendo!

Cora��o frio

Frio o sagrado cora��o da lua,

Teu cora��o rolou da luz serena!

E eu tinha ido ver a aurora tua

Nos raios d�ouro da celeste arena...

E vi-te triste, desvalida e nua!

E o olhar perdi, ansiando a luz amena

No sil�ncio not�vago da rua...

-- Son�mbulo glacial da estranha pena!

Estavas fria! A neve que a alma corta

N�o gele talvez mais, nem mais alquebre

Um cora��o como a alma que est� morta...

E estavas morta, eu vi, eu que te almejo,

Sombra de gelo que me apaga a febre,

-- Lua que esfria o sol do meu desejo!

Noturno

Para o vale noital da eterna gaza

Rolou o Sol -- imenso moribundo --

E a noute veio na negrura d�asa,

Santificada pela Dor do Mundo!

U�a luz, entanto, no negror me abrasa,

E um canto vai morrer no vale fundo...

Que luz � esta que das brumas vasa,

Que canto � este, virginal, profundo?!

Rumores santos... e no santo arpejo,

Somente tristes os teus olhos veho,

Para o Infinito e para o C�u voltados!

Cantas, e � noute de fatais abrolhos...

Choras, e no meu peito estes teus olhos

Como que cravam dois punhais gelados!

Sedutora

Alva d�aurora, e em l�nguida sonata

Vinhas transpondo a margem do caminho,

Branca bem como empalidecido arminho,

Alvorejando em arrebol de prata.

Bendita a Santa do Carinho, inata!

E, ajoelhando � imagem do Carinho,

O roble altivo� entreteceu-te um ninho,

Alva d�aurora, te acolheu a mata.

P�rolas e ouro pela serrania...

No lago branco e r�tilo do dia

O azul pompeava para sempre vasto.

Chegaste, o seio branco, e, tu, chegando,

Uma pantera foi-se ajoelhando,

Rendida ao efl�vio do teu seio casto!

Pelo mundo

�nsias que pungem, m�rbidos encantos,

Crepita��es de flamas incendidas

Nalma explodindo como fogos santos,

V�o pelo mundo ensang�entando as Vidas.

Efl�vios quentes e fatais quebrantos

Crestam a alma das virgens adormidas...

E as brumas velam nos sinistros mantos

E as virgens dormem nas tumbais jazidas!

S�bitos fremem �spasmos derradeiros...

E a paix�o morre� e os cora��es coveiros

V�o como duendes pelos c�us risonhos,

Chorando auroras m�sicas perdidas

Na estrada santa ensang�entando as Vidas,

Nos campos-santos enterrando os Sonhos!

Soneto

E o mar gemeu a funda melop�ia

� luz feral que a tarde morta instila,

Triste como um solu�o de Dalila,

Fria como um crep�sculo da Jud�ia.

J� V�sper, no Alto, a l�nquida, cintila!

Naquela hora morria para a Id�ia

A minha branca e desgra�ada D�a,

Qual rosa branca que ao tuf�o vacila.

E o mar chamou-a para o fundo abismo!

E o c�u chamou-a para o Misticismo.

Nesse momento a Lua vinha calma

E c�u e mar num desespero mudo

N�o viram que num halo de veludo

� alma de D�a se evolava est�alma.

O riso

�Ri, cora��o, trist�ssimo palha�o�.

Cruz e Sousa

O Riso -- o valtairesco clown -- quem mede-o?!

-- Ele, que ao frio alvor da M�goa Humana,

Na Via-L�ctea fria do Nirvana,

Alenta a Vida que tombou no T�dio!

Que � Dor se prende, e a todo o seu ass�dio,

E ergue � sombra da dor a que se irmana

Laur�is de sangue de vol�pia insana,

Clar�es de sonho em nimbos de epic�dio!

Bendito sejas, Riso, clown da Sorte

-- Fogo sagrado nos festins da Morte

-- Eterno fogo, saturnal do Inferno!

Eu te bendigo! No mundano c�mulo

�s a Ironia que tombou no t�mulo

Nas sombras mortas de um desgosto eterno!

Soneto

Vamos, querida! J� � Ave-Maria

-- A hora dos tristes e dos descontentes.

Desfaz-se o peito em vibra��es dormentes

E o Fado geme sob a n�voa fria!

Que eu sinta n�alma o que tu n�alma sentes!

Nesta Missa de Atroz Melancolia

Bebes chorando o Vinho da Agonia

-- Consagra��o das almas padecentes!

Foi numa tarde assim que nos amamos.

Silfos morriam... No ar, os gaturamos

Num recesso de n�voa, adormecida...

Punge-me o peito da Saudade o cardo

Enquanto num mocho, sonolento e tardo,

Canta no espa�o a maldi��o da Vida!

A um m�rtir

Alma em cil�cio, vem, enrista a clava,

Brande no seio o esp�culo e o acinace

E unjam-te o seio que d�auroras nasce

Sangrentas b�n��os eclodindo em lava!

Nossa Senhora te unge a face escrava,

Cristo saudoso te aben�oa a face

De monja -- violeta que do C�u baixasse

� Virgem Santa Natureza brava!

Vais caminhando para a terra extrema,

Rosa dos Sonhos! e o teu galho trema

E a tua cren�a, o desespero mate-a...

E em nuvens d�ouro ascende enfim ao plaustro

Da Neve Eterna, estrela azul do claustro,

Levada para o Azul da Via-L�ctea!

Pelo mar

Manh� em flor. O mar � um policromo

E imenso lago d��ris e alabastros...

� aurora � brano e ao sol, o mar � como

Um p�lio imenso que caiu dos astros.

Longe, bem longe, no alvoral assomo

Ergue um navio os altanados mastros

E o Oceano dorme -- alourecido pomo

Num leito irial de p�rolas e nastros.

A alma da M�goa vai pelo seu dorso,

Em sonhos geme... Um cora��o de corso

Geme no mar, vibra no mar, entanto,

Colma-lhe o seio a opala das esponjas...

E � noute morta choram vagas -- monjas

Purificadas no cristal do pranto!

Pallida luna

�s do Passado! Vieste d�alvorada

N�asa dos elfos pela Morte espalma...

Cantas... e eu ou�o esta berceuse calma

Da harpa dos mundos ideais do Nada!

Ergue o Missal brilhante de tu�alma,

Mas nessa eleva��o mistificada,

Vem, que eu te espero, Deusa constelada

Desce, an�mona �xul que o C�u ensalma!

Venhas e des�as, Lua dos Mart�rios,

Des�as, mas venhas pela un��o dos l�rios.

Vis�o de Ocaso de anluaradas comas,

Vaso de Un��o descido dos espa�os,

Para ungirmos n�s dois, os nossos pa�os,

Na tule idealizada dos aromas.

A morte de V�nus

Velhos berilos, p�lidas cortinas,

Morno frouxel de nardos recendendo

Velam-lhe o sono, e V�nus vai morrendo

No ber�o azul� das n�voas matutinas!

Halos de luz de brancas musselinas

V�o-lhe do corpo virginal descendo

-- Abelha irial que foi adormecendo

Sobre um coxim de p�rolas divinas.

E quando o Sol lhe beija a esp�dua nua,

Cai-lhe da carne o resplendor da Lua

No reverbero dos deslumbramentos...

Enquanto no ar h� s�ndalos, h� flores

E haustos de morte -- os �ltimos cangores

Da m�sica chorosa dos mementos!

Sonho de amor

Sobre o aromal e amplo coxim de Flora,

Que os vapores da tarde inca incensavam

E que um incenso t�nue e bom vapora,

Os namorados l�nguidos sonhavam.

A alma do Ocaso entrava o c�u agora

E havia pelas t�nebras que entravam

Ora estrangulamentos surdos, ora

Ru�dos de carnes que se estrangulavam.

E sonharam assim durante toda

A noute, e toda a alva manh� durante!

-- O Sol jorrava largos raios longos

E em roda v�ride e nevado, em roda,

Lembrava o campo um colorido ondeante

De vidros verdes e cristais oblongos!

Soneto

A orgia mata a mocidade, quando

Rugem na carne do del�rio as feras,

E o mo�o morre como est� sonhando

Nas suas vinte e cinco primaveras.

Em cima -- o oiro sem mancha das esferas,

Em baixo oiro manchado de execrando

Festim de sibaritas, de heteras

Lubricamente se despeda�ando!

Em cima, a rede do estel�rio im�culo

Suspensa no alto como um tabern�culo

-- A orgia, em baixo, e no del�rio doudo

Como arvoredos juvenis tombados

Os mo�os mortos, os bras�es manchados,

E um turbilh�o de p�rpuras no lodo!

Soneto

E ele morreu. Ele que foi um forte

Que nunca se quebrou pelo Desgosto

Morreu... mas n�o deixou na ara do rosto

Um s� vest�gio que acusasse a Morte!

O anatomista que investiga a sorte

Das vidas que se abismam no Sol-posto

Ficaria admirado do seu rosto

Vendo-o t�o belo, t�o sereno e forte!

Quando meu Pai deixou o lar amigo

Um sabi� da casa muito antigo,

Que h� muito tempo n�o cantava l�,

Diluiu o sil�ncio em litanias...

E hoje, poetas, j� faz sete dias

Que eu ou�o o canto desse sabi�!

Vae victis

A Dor meu cora��o tor�a e retor�a

E me retalhe como se retalha

Para esc�rnio e alegria da canalha

Um le�o vencido que perdeu a for�a!

Sobre mum caia essa vingan�a corsa,

J� que perdi a �ltima batalha!

E, enquanto o T�dio a carne me trabalha,

A Dor meu cora��o tor�a e retor�a!

Cubra-me o corpo a podrid�o dos trapos!

Os vibri�es, os vermes vis, os sapos

Encontrem nele p�bulo eviterno...

-- Reposit�rio de milh�es de miasmas

Onde se fartem todos os fantasmas,

Primavera, ver�o, outono, inverno!

A dor

Chama-se a Dor, e quando passa, enluta

E todo mundo que por ela passa

H� de beber a ta�a da cicuta

E h� de beber at� o fim da ta�a!

H� de beber, enxuto o olhar, enxuta

A face, e o travo h� de sentir, e a amea�a

Amarga dessa desgra�ada fruta

Que � a fruta amargosa da Desgra�a!

E quando o mundo todo paralisa

E quando a multid�o toda agoniza,

Ela, inda altiva, ela, inda o olhar sereno

De agonizante multid�o rodeada,

Derrama em cada boca envenenada

Mais uma gota do fatal veneno!

Terra f�nebre

Aqui morreram tantos poetas! Tanta

Guitarra morta este lugar encerra!...

Aqui � o Campo-Santo, aqui � a Terra!

Em que a alma chora e em que a Saudade canta!

O caminheiro que o Pesar desterra,

Pare chorando nesta Terra Santa,

E se cantar como a Saudade canta,

O caminheiro fique nesta Terra!

� noute aqui um trovador eterno

Chora, abra�ado �s campas dos poetas,

-- Esse sombrio trovador � o Inverno!

Aqui � a Terra, onde, ao noturno a�oute,

Carpem na sombra p�ssaros ascetas,

Gemem poetas -- p�ssaros da Noute!

Soneto

O sonho, a cren�a e o amor, sendo a risonha

Sant�ssima Trindade da Ventura

Pode ser venturosa a criatura

Que n�o cr�, que n�o ama e que n�o sonha?!

Pois a alma acostumada a ser tristonha

Pode achar por acaso ou porventura

Felicidade numa sepultura,

Contentamento numa dor medonha?!

H� muito tempo, o sonho, do meu seio
Partiu num c�lere arrebatamento

De minha cren�a arrebentando a grade

Pois se eu n�o amo e se tamb�m n�o creio

De onde me vem este contentamento,

De onde me vem esta felicidade?!

Meditando

Penso em venturas! A alma do homem pensa

Sempre em venturas! Sorte do homem! O homem

H� de embalar eternamente a cren�a

Sem ter grilh�es e sem ter leis que o domem!

Punjam-no os vermes da Desgra�a, assomem

Descren�as, surjam t�dios na Descren�a,

Luta, e morrem os vermes que o consomem,

Vence, e por fim, nada h� que o abata e o ven�a!

Por isso, poeta, eu penso na Ventura!

E o pensamento, na Suprema Altura

Sinto, no imenso Azul do Firmamento

Ir rolando pelo ouro das estrelas,

E esse ouro santo vir rolando pelas

Trevas profundas do meu pensamento!

Soneto

Para que nesta vida o esp�rito esfalfaste

Em v�s medita��es, homem meditabundo?!

Escalpelaste todo o cad�ver do mundo

E, por fim, nada achaste... e, por fim, nada achaste!

A loucura destruiu tudo que arquitetaste

E a Alemanha tremeu ao teu gemido fundo!...

De que te serviu, pois, estudares, profundo,

O homem e a lesma e a rocha e a pedra e o carvalho e a haste?!

Pois, para penetrar o mist�rio das lousas,

Foi-te mister sondar a subst�ncia das cousas

Constru�ste de ilus�es um mundo diferente,

Desconheceste Deus no vidro do astrol�bio

E quando a ci�ncia v� te proclamava s�bio

A tua constru��o quebrou-se de repente!

O �brio

Bebi! Mas sei porque bebi!... Buscava

Em verdes nuan�as de miragens, ver

Se nesta �nsia suprema de beber,

Achava a Gl�ria que ningu�m achava!

E todo o dia ent�o eu me embriagava

-- Novo Sileno, -- em busca de ascender

A essa Babel fict�cia do Prazer

Que procuravam e que eu procurava.

Tr�s de mim, na atra estrada que trilhei,

Quantos tamb�m, quantos tamb�m deixei,

Mas eu n�o contarei nunca a ningu�m.

A ningu�m nunca eu contarei a hist�ria

Dos que, como eu, foram buscar a Gl�ria

E que, como eu, ir�o morrer tamb�m.

O canto da coruja

A coruja cantara-lhe na porta

Sinistramente a noite inteira! Ind�cio

Mais certo n�o havia!� -- Era o supl�cio!...

Da� a pouco, ela seria morta.

Saiu. O Sol ardia.� A estrada torta

Lembrava a antiga ponte de Subl�cio...

Havia pelo ch�o um desperd�cio

De folhas que a �urea xantofila corta.

Nisto, ouve o canto aziago da coruja!

-- Quer fugir, e n�o v� por onde fuja.

Implora a Deus como a um fetihe vago...

-- Se ao menos voasse! -- E o horror come�a! Rasga

As vestes; uma convuls�o a engasga

E morre ouvindo o mesmo canto aziago!

Nome maldito

Das trombetas prof�ticas o alarde

Falou-lhe, por seus onze aug�rios certos:

�� maldito o teu nome! E aos c�us abertos,

N�o h� divina prote��o que o guarde!�

D�vidas cru�is! Momentos cru�is! Incertos

E cru�is momentos! �nsias cru�is! E, � tarde,

Saiu aos tombos, como um c�o covarde,

A percorrer desertos e desertos...

E, assombrado, com medo do Infinito,

Por toda a parte, onde, aos trope�os, ia,

Por toda a parte viu seu nome escrito!

Vieram-lhe as �nsias. Teve sede e fome...

E foi assim que ele morreu um dia

Amaldi�oado pelo pr�prio nome!

Dol�ncias

Eu fui cad�ver antes de viver!

Meu corpo, assim como o de Jesus Cristo,

Sofreu o que olhos de homem n�o t�m visto

E olhos de fera n�o puderam ver!

Acostumei-me, assim, pois, a sofrer

E acostumado a assim sofrer existo...

Existo! -- E apesar disto, apesar disto

Inda cad�ver hei tamb�m de ser!

Quando eu morrer de novo, amigos, quando

Eu, de saudades me despeda�ando

De novo, triste e sem cantar, morrer,

Nada se altere em sua marcha infinda

-- O tamarindo reverde�a ainda,

A lua continue sempre a nascer!

A l�grima

-- Fa�a-me o obs�quio de trazer reunidos

Clorureto de s�dio, �gua e albumina...

Ah! Basta isto, porque isto � que origina

A l�grima de todos os vencidos!

-- A farmacologia e a medicina

Com a relatividade dos sentidos

Desconhecem os mil desconhecidos

Segredos dessa secre��o divina.

-- O farmac�utico me obtemperou. --

Vem-me ent�o � lembran�a o pai ioi�

Na �nsia ps�quica da �ltima efic�cia!

E logo a l�grima em meus olhos cai.

Ah! Vale mais lembrar-me eu de meu Pai

Do que todas as drogas da farm�cia!

Ave libertas

Ao clar�o da madrugada,

Da liberdade ao toque alvissareiro,

Banhou-se o cora��o do Brasileiro

Num efl�vio de luz auroreada.

� que baqueia a vida escravizada!

J� se ouvem os clangores do pregoeiro,

Como um Trit�o, levando ao mundo inteiro,

Da Rep�blica a nova sublimada.

E ali do despotismo entre os escombros,

Rola um drama que a P�tria exal�a e doura

Numa aur�ola de paz imorredoura,

A Rep�blica rola-lhe nos ombros;

Enquanto fora na trevosa agrura

Sucumbe o servilismo, e, esplendorosa,

A liberdade assoma majestosa,

-- Estrela d�Alva imaculada e pura!

� livre a P�tria outrora opressa e exangue!

Esse lab�u que mancha a gl�ria p�blica,

Que apouca o triunfo e que se chama sangue,

Manchar n�o pode as aras da Rep�blica.

N�o! que esse ideal puro, risonho,

H� de transpor sereno os penetrais

Da P�tria, e h� de elevar-se neste sonho

Ao topo azul das Gl�rias Imortais!

Esplende, pois, oh! Redentora d�alma,

Oh! Liberdade, essa bendita e branca

Luz que os negrores da opress�o espanca,

Essa luz etereal bendita e calma.

V�s, oh P�tria, fazei que destes brilhos,

Caia do santu�rio l� da Hist�ria,

Fulgente do valor da vossa gl�ria,

A b�n��o do valor dos vossos filhos!

Quadras

Embala-me em teus bra�os,

De amores bons � sombra --

Quero em cheirosa alfombra

Pousar os sonhos lassos!

Teus seios, oh! morena

-- Rel�quias de Carrara --

T�m a ambrosia rara

Da mais rara verbena.

Aperta-me em teu peito,

E d�-me assim, divina,

De l�rios e boninas

Um velud�neo leito.

Assim como Jesus,

Eu quero o meu Calv�rio

-- Anelo morrer v�rio

Dos bra�os teus na Cruz!

Porque n�o me confortas?!

Bem sei, perdeste a ci�ncia,

Morreu-te a redol�ncia,

Alma das virgens mortas --

Mas n�o! Apaga os tra�os

De t�o funesto aspeito...

Aperta-me em teu peito,

Embala-me em teus bra�os!

V�nus morta

A Via-Sacra Azul do amor primeiro

Veste hoje o luto que a desgra�a veste

No miserere do meu desespero...

-- Lotus dilu�do n�alma dum cipreste!

Como um lil�s eternizando abrolhos

Tinge de roxo o arminho da grinalda,

Rola a violeta santa dos teus olhos

-- Tufos de goivo em conchas de esmeralda.

No v�cuo imenso das desesperan�as

E dos passados vi�os,

Recordo o beijo que te dei nas tran�as

Emolduradas num flor�o de ri�os.

E como um nume de pesar, plangente,

Guarda a saudade que levou do Marne,

Eu guardo o travo deste beijo ardente

E a Nostalgia desta P�tria -- a Carne.

Sonho abra�ar-te, p�lida cam�lia,

Mas neste sonho, langue e seminua,

Pareces reviver a antiga Of�lia,

Opalesc�ncia tr�gica da lua!

Tu, oh Quimera, de reverberantes

E rubras asas de beliantos pulcros,

Crava-lhe n�alma o tirso das bacantes,

Brande-lhe n�alma o frio dos sepulcros.

Reza-lhe todo o cantoch�o memento

Dessa Missa de amor da Extrema Agrura,

Aben�oada pelo meu tormento

E consagrada pela sepultura.

E que ela suba na serena gaza

Dos mist�rios dourados e serenos

� terra Ideal das p�rpuras em brasa

E ao C�u doirado e auroreal de V�nus!

Ode ao amor

Enches o peito de cada homem, medras

Nalma de cada virgem, e toda a alma

Enches de beijos de infinita calma...

E o aroma dos teus beijos infinitos

Entra na terra, bate nos granitos

E quebra as rochas e arrebenta as pedras!

�s soberano! Sangras e torturas!

Ora, tangendo tiorbas em volatas,

Cantas a Vida que sangrando matas,

Ora, clavas brandindo em seva e insana

F�ria, lembras, Amor, a soberana

Imagem p�trea das montanhas duras.

Beijam-te o passo multid�es escravas

Dos Desgra�ados! -- Estas multid�es

Sonham p�trias doiradas de ilus�es

Entre os t�rculos negros da Desgra�a

-- Flores que tombam quando a neve passa

No turblh�o das avalanches bravas!

Tudo dominas! -- Dos verg�is tranq�ilos

Aos Capit�lios, e dos Capit�lios

Aos claros pulcros e brilhantes s�lios

De esplendor pulcro e de fulg�ncias claras,

Rendilhados de fulvas gemas raras

E pontilhados de crisoberilos.

Sobes ao monte ondeo edelweiss pompeia

Nalma do que subiu �quele monte!

Mas, vezes, desces ao segredo insonte

Do mar profundo onde a sereia canta

E onde a Alc�one tr�mula se espanta

Ouvindo a gusla crebra da sereia!

Rompe a manh�. Sinos al�m bimbalham.

Troa o con�bio dos amores velhos

-- As borboletas e os escaravelhos

Beijam-se no ar...Retroa o sino. E, quietos

Beijam-se al�m os silfos e os insetos

Sob a esteira dos campos que se orvalham.

E em tudo estruge a tua d�lia -- d�lia

Que na fibra mais forte e at� na fibra

Mais t�nue, chora e se lamenta e vibra...

E em cada peito onde um Ocaso chora

Levanta a cruz da reden��o da Aurora

Como a Judite a redimir Bet�lia!

Bem haja, pois, esse poder terr�vel,

-- Essa domina��o aterradora

-- Enorme for�a regeneradora

Que faz dos homens um le�o que dorme

E do Amor faz uma pot�ncia enorme

Que vela sobre os homens, impass�vel!

Esta de amor onde queixosa, Irene,

Quedo, sonhei-a, aos astros, ontem, quando

Entre estrias de estrelas, fosforeando,

Egr�gia estavas no teu plaustro egr�gio

Mais bela do que a Virgem de Corr�gio

E os quadros divinais de Guido Reni!

Qual um crente em asi�tico pagode,

Entre timbales e anafis estr�dulos,

Cativo, beija os �ureos p�s dos �dolos,

Assim, Irene, eis-me de ti cativo!

Cativaste-me, Irene, e eis o motivo,

Eis o motivo porque fiz esta ode.

Canto de agonia

Agonia de amor, agonia bendita!

-- Misto de infinita m�goa e de cren�a infinita.

Nos desertos da Vida uma estrela fulgura

E o Viajeiro do Amor, vendo-a, triste, murmura:

-- Que eu nunca chore assim! Que eu nunca chore como

Chorei, ontem, a s�s, num volutuoso assomo,

Numa prece de amor, numa fel�cia infinda,

Del�cia que ainda gozo, ora��o, prece que ainda

Entre saudades rezo, e entre sorrisos e entre

M�goas solu�o, at� que esta dor se concentre

No �mago de meu peito e de minha saudade.

Amor, escurid�o e eterna claridade...

-- Calor que hoje me alenta e h� de matar-me em breve,

Frio que me assassina, amor e frio, neve,

Neve que me embala como um ber�o divino,

Neve da minha dor, neve do meu destino!

E eu aqui a chorar nesta noite t�o fria!

Agonia, agonia, agonia, agonia!

-- Diz e morre-lhe a voz, e cansado e morrendo

O Viajeiro vai, e v� a luz e vendo

Uma sombra que passa, uma nuvem que corre,

Caminha e vai, o louco, abra�a a sombra e... morre!

E a alma se lhe dilui na amplid�o infinita...

Agonia de amar, agonia bendita!

Hist�ria de um vencido

Sol alto. A terra escalda: � um forno. A flama oriunda

Da solar refra��o bate no mundo, acende

O p�, aclara o mar e por tudo se estende

E arde em tudo, mordendo a atra terra infecunda.

E o Velho veio para o labor cotidiano,

Triste, do alegre Sol ao grande globo quente

E p�s-se para a�, desoladoramente

A revolver da terra o atro e infecundo arcano.

Por seis horas seu bra�o empenhado na luta,

Fez reboar pelo solo, alta e descompassada

A dura vibra��o inc�moda da enxada,

Rasgando, do agro solo, a superf�cie bruta.

Mas o bra�o cansou! Trabalhou... e o trabalho

-- Do Eterno Bem motor principal e alavanca --

Arrancara-lhe a Cren�a assim como se arranca

De um ninho a seda branca e de uma �rvore o galho!

Sangrou-lhe o cora��o e a saudade da Aurora!

-- O H�rcules que ele fora! O fraco que ele hoje era!

E surpreendido viu que um abismo se erguera

Entre o fraco que era hoje, e entre o H�rcules de outrora!

Pois havia de assim, nesta maldita senda

De sofrimento ignaro em sofrimento ignaro

Ir caminhando at� tombar sem um amparo

No tremendo marnel da Desgra�a tremenda?!

II

Noute! O sil�ncio vinha entrando pelo mundo

E ele, l�gubre e s�, tr�pego e cambaleando

Foi-se arrastando, foi aos poucos se arrastando,

Para as bordas fatais dum precip�cio fundo!

Quis um momento ainda olhar para o Passado...

E em tudo que o rodeava, oito vezes, fun�reo

Horrorizado viu como num cemit�rio

Cad�veres de um lado e cinzas de outro lado!

De s�bito, avistando uma frondosa t�lia

Julgou, louco, avistar a �Rvore da Esperan�a...

E bateram-lhe ent�o de chofre na lembran�a

A casa que deixara, os filhos, a fam�lia!

N�o morreria, pois! Somente morreria

Se da Vida, sozinho, ele pisasse os trilhos...

Que mal lhe haviam feito a esposa e a irm� e os filhos?!

Preciso era viver! Portanto, viveria!

Viveria! E a fecunda e deleitosa seara

Verde dos campos, onde arde e floresce a Cren�a,

Compensaria toda a sua dor imensa

Tal qual o C�u a dor de Cristo compensara!

E aos trope�os, tombando, o Velho caminhava...

Caminhava, e a sonhar, b�bado de miragem,

Nem viu que era chegado o termo da viagem,

E amplo, a rugir-lhe aos p�s, o precip�cio estava.

Num instante viu tudo, e compreendendo tudo,

Quis fazer um esfor�o -- o �ltimo esfor�o, e o bra�o

Pendeu exangue, o peito arqueou-se, o cansa�o

Empolgara-o, e ele quis falar e estava mudo!

Mudo! E a quem contaria agora as suas m�goas?!

E tr�gico, no horror brutoda despedida

Abra�ou-se com a Dor, abra�ou-se com a Vida

E sepultou-se ali no cora��o das �guas!

Cantavam muito ao longe uns carmes doloridos!

Eram tropeiros, era a turba trovadora

Que assim cantava, enquanto a Terra Vencedora

Celebrava ao luar a Missa dos Vencidos!

E o cad�ver, a toa, a flux d��gua, flutua!

Ningu�m o v�, ningu�m o acalenta, o acalenta...

Somente entre a negrura atra da terra poenta

Algu�m beija, algu�m vela o cad�ver: a Lua!

Estrofes sentidas

Eu sei que o Amor enche o Universo todo

E se prende dos poetas � guitarra

Como o p�lipo que se agarra ao lodo

E a ostra que �s rochas eternais se agarra.

O amor reduz-nos a uniformes placas,

Uniformiza todos os anelos

E une organiza��es fortes e fracas

Nos mesmos la�os e nos mesmos elos.

Por muito tempo eu lhe sorvi o aroma,

E, desvairado, sem prever o abismo

Fiz desse amor um �dolo de Roma,

Eleito Deus no altar do fetichismo!

Tudo sacrifiquei para ador�-lo

-- Mas hoje, vendo o horror dos meus destro�os,

Tenho vontade de estrangul�-lo

E reduzi-lo muitas vezes a ossos!

Todo o ser que no mundo turbilhona

Veja do Amor, � luz das minhas frases,

Uma montanha que se desmorona,

Estremecendo em suas pr�prias bases.

E em qualquer parte do Universo veja --

Sombrias ru�nas de um solar egr�gio

E o desmoronamento duma Igreja

Despeda�ada pelo sacril�gio.

A Natureza veste extraordin�rias

Roupagens de ouro. Al�m, nas oliveiras,

Aves de v�rias cores e de v�rias

Esp�cies, cantam �peras inteiras.

A compreens�o da minha niilidade

Aumenta � propor��o que aumenta o dia

E pouco a pouco o enc�falo me invade

Numa clareza de fotografia.

Na �rea em que estou, ao matinal assomo,

Passa um rebanho de carneiros d�ceis...

E o Sol arranca as minhas cren�as como

Boucher de Perthes arrancava f�sseis.

Observo ent�o a condi��o tristonha

Da Humanidade, �bria de fumo e de �pio,

Tal qual ela �, e n�o tal qual a sonha

E a v� o S�bio pelo telesc�pio.

O S�bio v� em propor��es enormes

Aquilo que � composto de pequenas

Partes, construindo corpos quase informes

E aquilo que � uma parcela apenas.

Da observa��o nos elevados montes

Prefiro, � nitidez real dos aspectos,

Ver mastodontes onde h� mastodontes

E insetos ver onde h� somente insetos.

A inanidade da Ilus�o demonstro

Mas, demonstrando-a, sinto um violento

Rancor da Vida -- este maldito monstro

Que no meu pr�prio est�mago alimento!

Nisto a alma o of�cio da Paix�o entoa

E vai cair, heroicamente, na �gua

Da misterios�ssima lagoa

Que a l�ngua humana denomina M�goa!

Dos meus sonhos o ex�rcito desfila

E, � frente dele, eu vou cantando a n�nia

Do Amor que eu tive e que se fez argila,

Como Tirteu na guerra de Mess�nia!

Transponho assim toda a sombria escarpa

Sinistro como quem medita um crime...

E quando a Dor me d�i, tanjo minha harpa

E a harpa saudosa a minha Dor exprime!

Estes versos de amor que agora findo

Foram sentidos na solid�o de uma horta,

� sombra dum verdoengo tamarindo

Que representa a minha inf�ncia morta!

FIM