A Convenção Europeia de direitos Humanos e o tratado de proteção

CONVENÇÃO EUROPEIA DOS DIREITOS HUMANOS

A Declaração Universal dos Direitos do Homem serviu como inspiração para a Convenção Europeia dos Direitos Humanos, um dos mais significativos acordos na Comunidade Europeia. A Convenção foi adotada em 1953 pelo Conselho da Europa, uma organização intergovernamental estabelecida em 1949 e composta de quarenta e sete Estados Membros da Comunidade Europeia. Este corpo foi formado para reforçar os direitos humanos e promover a democracia e o estado de direito.

A Convenção é feita cumprir através do Tribunal Europeu de Direitos Humanos em Estrasburgo, França. Qualquer pessoa que afirme ser vítima de uma violação em qualquer um dos países da Comunidade Europeia que assinaram e ratificaram a Convenção poderá procurar ajuda no Tribunal Europeu. A pessoa deve primeiro ter esgotado todos os recursos no tribunal do seu país natal e ter apresentado um pedido no Tribunal Europeu de Direitos Humanos em Estrasburgo.

INSTRUMENTOS DE DIREITOS HUMANOS PARA AS AMÉRICAS, ÁFRICA E ÁSIA

Na América do Norte e do Sul, África e Ásia, documentos regionais para a proteção e promoção de direitos humanos estendem a Carta Internacional de Direitos Humanos.

A Convenção Americana sobre Direitos Humanos pertence aos estados interamericanos, as Américas, e entrou em vigor em 1978.

Os Estados Africanos criaram a sua própria Carta dos Direitos Humanos e dos Povos (1981) e os Estados Muçulmanos criaram a Declaração dos Direitos Humanos do Cairo no Islão (1990).

A Carta Asiática dos Direitos Humanos (1986) foi criada pela Comissão Asiática dos Direitos Humanos, fundada nesse ano por um grupo de juristas e ativistas de direitos humanos em Hong Kong. A Carta é descrita como “uma carta do povo”, porque nenhuma carta governamental foi emitida até ao momento.

Faça o download DOCUMENTOS DE DIREITOS HUMANOS

1.º Protocolo Opcional para o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos adotado e aberto à assinatura, ratificação e adesão pela Resolução da Assembleia Geral 2200A (XXI) de 16 de dezembro de 1966 entrada em vigor em 23 de março de 1976, nos termos do Artigo 9.º Faça o download >>

2.º Protocolo Opcional para o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, com o objectivo da abolição da pena de morte adotado e proclamado pela resolução da Assembleia Geral 44/128 de 15 de dezembro de 1989 Faça o download >>

3.º Protocolo Opcional para o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos adotado e aberto à assinatura, ratificação e adesão pela Resolução da Assembleia Geral 2200A (XXI) de 16 de dezembro de 1966 entrada em vigor em 3 de março de 1976, nos termos do artigo 27.º Faça o download >>

4.ª Convenção para a proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais emendada pelo Protocolo N.º 11 e Protocolos N.º s 1, 4, 6, 7, 12 e 13 Faça o download >>

5.ª Carta Africana (Banjul) dos Direitos Humanos e dos Povos, (adotada em 27 de junho de 1981, Doc. da OUA, rev. CAB/LEG/67/3 5, 21 ILM 58 [1982], que entrou em vigor a 21 de outubro de 1986) Faça o download >>

6.ª Convenção Americana dos Direitos Humanos, Tratado O.A.S. Série N.º 36, 1144 UNTS 123, entrou em vigor a 18 de julho, 1978, reimpresso em Documentos Básicos como Matéria de Direitos Humanos no Sistema Interamericano, OEA/Ser. LV/II.82 doc. 6 rev. 1 em 25 (1992)Faça o download >>

Introdução

  • 1 Adotam-se aqui as designações “Convenção Europeia dos Direitos Humanos” e “Tribunal Europeu dos Dir (...)
  • 2 Adota-se aqui a definição de criança do artigo 1.º da Convenção Internacional sobre os Direitos da (...)
  • 3 Este artigo resulta do Projeto de Investigação “Desvio e crime juvenil no feminino: da invisibilida (...)

1A Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, comummente conhecida por Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH), contém poucas referências diretas sobre crianças e, neste sentido, o seu contributo e potencial para a proteção dos direitos fundamentais das crianças, quando comparada com outros instrumentos internacionais como a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança (CDC), não são imediatamente visíveis a partir do seu texto (Kilkelly, 2010). Contudo, de acordo com o artigo 1.º da CEDH, os Estados-membros são obrigados a reconhecer “a qualquer pessoa dependente da sua jurisdição” os direitos e liberdades da Convenção Europeia – princípio da universalidade. Por conseguinte, os direitos das crianças são direitos humanos e as crianças têm direitos humanos plenos à luz da CEDH (Tulkens, 2008).

2Acresce que a Convenção Europeia dos Direitos Humanos foi o primeiro tratado regional sobre direitos humanos que estabeleceu mecanismos de controlo e de execução, designadamente o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH), e, como tal, apesar de não ter sido originalmente elaborada como um tratado centrado nas crianças, desenvolveu, ao longo do tempo, um corpo extenso de jurisprudência em matéria de direitos das crianças (Van Bueren, 2007). É ainda de salientar que o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos não se focou exclusivamente nas restrições negativas impostas aos Estados-membros, mas, devido à vulnerabilidade particular das crianças, começou também progressivamente a impor obrigações positivas aos Estados, em relação aos direitos das crianças (Kilkelly, 2010), apoiado, inclusivamente, noutros instrumentos internacionais dedicados às crianças, como a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança.

3Por conseguinte, ainda que o seu texto contenha parcas referências a crianças, muitos dos seus artigos têm sido invocados para exercer a sua defesa e proteção, provando ser um instrumento valioso na proteção das crianças (Van Bueren, 1998). De acordo com Kilkelly (2001a), a Convenção Europeia dos Direitos Humanos e o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos têm contribuído consideravelmente para a evolução da legislação europeia e da prática judicial na área de direito da família e das crianças, para a proteção das crianças contra o abuso e negligência e, mais recentemente, para a justiça juvenil.

  • 4 Entende-se aqui por criança em conflito com a lei todo o ser humano menor de 18 anos a que seja imp (...)
  • 5 Todos os acórdãos citados foram consultados na base de dados disponibilizada pelo Tribunal Europeu (...)

4Assim, no presente artigo pretende-se desenvolver uma análise do contributo da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, do Conselho da Europa (CE) e do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos para os direitos da criança e, em especial, das crianças em conflito com a lei4 (justiça juvenil). Para tanto, atentar-se-á nos principais artigos da CEDH que têm sido invocados no TEDH, no âmbito de casos de crianças em conflito com a lei, nos artigos 3.º, 5.º e 6.º e respetiva jurisprudência.5

1. Direitos (Humanos) da criança: contributos da Convenção Europeia dos Direitos Humanos e do Conselho da Europa

  • 6 Porém, as origens da Convenção remontam ao período anterior ao Conselho da Europa, designadamente a (...)

5A Convenção Europeia dos Direitos Humanos, que entrou em vigor em 1953, é um instrumento regional, desenhado pelo Conselho da Europa,6 como uma resposta às atrocidades da Segunda Guerra Mundial (Merrills e Robertson, 2005). Pese embora ter sido originalmente criada com o objetivo de prevenir as violações graves de direitos humanos e conter parcas referências diretas aos direitos das crianças, a Convenção Europeia tem tido sucesso, segundo Van Bueren (2007), no que se refere a mitigar as deficiências das leis nacionais dos Estados-membros e provou, assim, ser um instrumento valioso para as crianças.

6Com efeito, a referência direta às crianças surge apenas duas vezes no corpo da Convenção, no artigo 5.º, sobre o direito à liberdade, e no artigo 6.º, em relação ao direito a um julgamento justo. O artigo 5.º garante o direito à liberdade sujeito a várias exceções. Se, por um lado, parece que os fundamentos em que a detenção é permitida, nos termos do artigo 5.º, número 1, também se aplicam a crianças, esse mesmo artigo 5.º, número 1, prevê também na alínea d) a detenção de um menor de idade com o objetivo de supervisão educacional ou para levar o menor perante uma autoridade competente. O artigo 6.º, por sua vez, consagra o direito a um julgamento justo, incluindo a uma audiência pública, e prevê uma exceção a este princípio no caso de menores, na medida em que a imprensa e o público podem ser excluídos da totalidade ou de parte da audiência, quando os interesses dos menores o exijam. Assim, em ambas as disposições, a ênfase é colocada na proteção dos menores.

  • 7 Artigo 2.º, do primeiro Protocolo adicional à Convenção Europeia dos Direitos Humanos: “A ninguém p (...)

7A única disposição que garante um direito de especial relevância para as crianças está contida no artigo 2.º, do primeiro Protocolo adicional à Convenção Europeia dos Direitos Humanos, e diz respeito à educação.7No entanto, a garantia da disposição do direito à educação é uma garantia geral, não específica para crianças. Além disso, a segunda parte da disposição garante aos pais, ao invés de às crianças, o direito de assegurar que a educação e o ensino das crianças está de acordo com as convicções religiosas e filosóficas dos pais (Kilkelly, 2001a). Da mesma forma, uma das disposições mais relevantes para as crianças, o artigo 8.º da CEDH, que garante o direito ao respeito pela vida privada e familiar, não faz referência expressa aos filhos ou ao direito a uma família.

  • 8 Uma palavra de agradecimento à Patrícia Branco que me auxiliou na recolhadas Recomendações do Comi (...)
  • 9 A Recomendação (2003) 20, adotada em setembro de 2003, apresenta como objetivos estratégicos da jus (...)
  • 10 Por sua vez, a Recomendação (2005) 5 considera que a institucionalização deve constituir sempre a e (...)
  • 11 A Recomendação (2008) 11, de 5 de novembro de 2008, tem como objetivo defender os direitos e a segu (...)

8No que respeita concretamente aos direitos das crianças e à justiça juvenil, em particular, o Comité dos Ministros do Conselho da Europa e a Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa prepararam e adotaram alguns textos setoriais,8 com que procuraram colmatar as lacunas da Convenção (Mas, 1990). As Recomendações do Comité de Ministros mais recentes quanto à justiça juvenil datam de 2003 (Recomendação (2003) 20, sobre os novos modos de tratamento da delinquência juvenil e sobre o papel da justiça juvenil);9 de 2005 (Recomendação (2005) 5, sobre os direitos das crianças que residem em instituições de acolhimento);10 e de 2008 (Recomendação (2008) 11, sobre as regras europeias para jovens infratores sujeitos a sanções ou medidas).11 Recentemente, em 17 de novembro de 2010, com o objetivo específico de garantir que a justiça é sempre adaptada às crianças, independentemente de quem sejam ou quais tenham sido os seus atos, o Conselho adotou as “Guidelines of the Committee of Ministers of the Council of Europe on Child-friendly justice”. Porém, desde finais da década de 1980 que o Comité apresenta Recomendações importantes para a justiça juvenil, como por exemplo: Recomendação (87) 20, sobre reações sociais à delinquência juvenil; Recomendação (88) 6, relativa às reações sociais ao comportamento delinquente dos jovens de famílias migrantes; e Recomendação (2000) 20, sobre o papel da intervenção psicossocial precoce na prevenção dos comportamentos criminais.

  • 12 Cargo público destinado à defesa dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, responsável, de (...)
  • 13 Ireneu Cabral Barreto (2005) menciona, também, as seguintes Recomendações da Assembleia Parlamentar (...)

9Relativamente às Recomendações da Assembleia Parlamentar, convém referenciar as seguintes: Recomendação 1532 (2001), sobre uma política social dinâmica em favor de crianças e adolescentes em meio urbano, em que se reconhece que a justiça juvenil, por si só, não consegue resolver os problemas derivados da delinquência juvenil, daí que a Assembleia Parlamentar acredite que a resposta à violência juvenil precisa de ser encontrada na prevenção, ao invés da repressão e do castigo; a Recomendação 1551 (2002), sobre a construção de uma sociedade com e para as crianças no século xxi, nesta recomendação a Assembleia Parlamentar convida os Estados-Membros a rever as suas legislações de modo a torná-las compatíveis com a Convenção da ONU de 1989, bem como a estabelecer um ombudsman12 nacional para as crianças e a promover a educação das crianças para os seus direitos, encorajando, ainda, a sua participação a todos os níveis de decisão; a Recomendação 1666 (2004) trata da supressão dos castigos corporais em toda a Europa, considerando-se que qualquer castigo corporal viola os direitos fundamentais das crianças à dignidade humana e à integridade física; em 2005, foi adotada a Recomendação 1698 (2005) sobre os direitos das crianças institucionalizadas, recomendando aos Estados-membros o desenvolvimento de alternativas à institucionalização; e, em 2007, a Assembleia Parlamentar adotou a Recomendação 1778 (2007) sobre a supressão de todas as formas de violência, exploração e abuso envolvendo crianças.13

  • 14 Cf. http://www.coe.int/T/TransversalProjects/Children/pdf/Booklet_en.pdf (março 2007). Há que refer (...)

10No tocante às Resoluções da Assembleia Parlamentar, convém mencionar a Resolução 1530 (2007), também sobre a supressão de todas as formas de violência, exploração e abuso envolvendo crianças, através da qual a Assembleia suporta a implementação do Programa Trienal (2006-2008) Building a Europe for and with Children (lançado em abril de 2006 no Mónaco). O Programa Building a Europe for and with Children14 assenta (tal como a Convenção da ONU de 1989) nos “4 Ps”, isto é: a proteção das crianças, a prevenção da violência, a persecução judicial dos criminosos e a participação das crianças. Daí que seja dada prioridade a seis áreas fundamentais: escola, instituições de acolhimento, família, comunidade, mass media e ciberespaço.

11Estas recomendações e resoluções refletem uma ampla gama de preocupações do Conselho da Europa em relação aos direitos (humanos) das crianças, porém a maioria destas preocupações não se cristalizaram em jurisprudência nacional ou em casos sob a jurisdição do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (Van Bueren, 2007). Não obstante, como veremos em seguida, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos desenvolveu jurisprudência significativa no que respeita à justiça (penal) juvenil. Isto porque, por um lado, o Tribunal não se focou exclusivamente nas restrições negativas impostas aos Estados-Membros, mas, devido à vulnerabilidade particular das crianças, impôs também obrigações positivas sobre os Estados em relação aos direitos das crianças, ao abrigo de artigos como o 3.º (proibição da tortura) (Kilkelly, 2010; Van Bueren, 2007). Por outro lado, a Convenção Europeia tem sido caracterizada pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos como um “instrumento vivo”, e, na interpretação das suas disposições, o Tribunal Europeu tem feito cada vez mais referências ao principal Tratado das Nações Unidas sobre as crianças, a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, de 1989 (Kilkelly, 2001b; Van Bueren, 2007). De acordo com Van Bueren (2007), estas influências sobre a proteção e o desenvolvimento dos direitos das crianças na Europa tendem a ser ainda mais significativas no futuro, não só por causa da expansão no número de membros do Conselho da Europa, mas também por causa do aumento do número de Estados europeus que, de alguma forma, incorporou as disposições da Convenção Europeia dos Direitos Humanos no direito interno.

2. A CEDH e a jurisprudência do TEDH sobre casos de crianças em conflito com a lei

12Em seguida atentar-se-á nos artigos da Convenção Europeia dos Direitos Humanos que, direta ou indiretamente, têm sido invocados no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos em casos de crianças em conflito com a lei, apresentando simultaneamente alguma jurisprudência.

2.1. Artigo 3.º - Proibição da tortura

  • 15 De acordo com Merrills e Robertson (2005), embora, à primeira vista, o artigo 3.º possa parecer bas (...)

13O artigo 3.º proíbe, em termos absolutos, a tortura ou o tratamento desumano ou degradante,15 sem qualquer possibilidade de reserva ou revogação, mesmo na reação a um perigo público ameaçando a vida da nação, como o terrorismo ou o crime organizado (Barreto, 2005; Merrills e Robertson, 2005). As crianças e outras pessoas vulneráveis, em especial, têm direito à proteção do Estado, sob a forma de uma prevenção eficaz que as coloque ao abrigo de graves ofensas à integridade da sua pessoa (Barreto, 2005).

  • 16 Acórdão Irlanda contra Reino Unido, de 18 de janeiro de 1978, entre outros.

14O Tribunal Europeu de Direitos Humanos determinou,16 com consequências positivas para as crianças, que para a aplicação deste artigo 3.º o maltrato terá de atingir um nível mínimo de gravidade, a definir tendo em consideração elementos diversos, como por exemplo a sua duração, os efeitos físicos ou mentais, a idade, o sexo ou o estado de saúde da vítima, não sendo suficiente que o tratamento seja ilegal, desonroso, repreensível ou desagradável (Van Bueren, 2007). Assim, uma pena ou um tratamento pode ser degradante ou não, consoante seja aplicado a um adulto ou a uma criança.

15No caso de Tyrer contra Reino Unido, de 25 abril de 1978, em que um adolescente da Ilha de Man, de quinze anos, foi condenado pelo tribunal local de menores a receber três vergastadas, o Tribunal Europeu considerou que os fatores a serem incluídos em qualquer determinação relativista de violação do artigo 3.º da CEDH “dependem de todas as circunstâncias do caso e, em especial, da natureza e conteúdo da punição em si e da forma e método da sua execução”. Assim, neste caso concreto, o TEDH ponderou na sua decisão o momento da punição e o atraso de três semanas entre a condenação e a execução da pena, o que causou angústia mental ao jovem, pela antecipação do castigo e da dor (ibidem).

  • 17 O Procurador-Geral da Ilha de Man tinha feito notar que a opinião pública da ilha se tinha manifest (...)
  • 18 Pelo contrário, nos casos Campbell e Cosans, acórdão de 25 fevereiro de 1982, e Costello-Roberts, a (...)

16O Tribunal pronunciou-se, ainda, sobre o facto de a legislação da Ilha de Man manter as penas corporais para determinados delitos relacionados, designadamente, com o uso da violência.17 O Tribunal argumentou que a proibição da tortura no direito internacional significa que não há exceções à natureza absoluta da proibição (Mas, 1990; Van Bueren, 2007). Por outras palavras, o dever do Estado é absoluto e inclui o dever de oferecer uma proteção eficaz para as crianças e de tomar as medidas necessárias para evitar maus-tratos de que as autoridades tiveram ou deveriam ter tido conhecimento. Além disso, a pena não perde o seu caráter degradante, mesmo quando se acredita ser uma ajuda eficaz para o controlo da criminalidade infantil. Assim, embora considerando que o castigo em causa não constituía nem uma tortura, nem uma pena desumana, o Tribunal e a Comissão concluíram que constituía uma pena degradante, nos termos do artigo 3.º da Convenção (acórdão de 25 abril de 1978).18

17O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos tem também imposto obrigações positivas aos Estados-membros, ao abrigo do artigo 3.º da CEDH, relativamente à detenção de pessoas vulneráveis, como crianças, tal como podemos observar nos casos Assenov contra Bulgária, acórdão de 28 de outubro de 1998, ou Okkali e Cigerhun Öner contra Turquia, acórdãos de 17 de outubro de 2006 e de 23 de novembro de 2010, respetivamente. Em termos gerais, o Tribunal declarou que as pessoas vulneráveis e, particularmente, os menores, têm direito a proteção do Estado, na forma de dissuasão eficaz contra qualquer infração grave dos direitos estabelecidos no artigo 3 º, o que pressupõe diligência especial por parte do Estado para garantir que essas pessoas gozam de condições de detenção, que são consistentes com o respeito pela dignidade humana (Tulkens, 2008).

18No acórdão Assenov contra Bulgária, de 28 de outubro de 1998, quanto ao mérito da causa, o Tribunal considerou que era impossível estabelecer, com fundamento nas provas disponíveis, se os ferimentos do requerente, de 14 anos, foram ou não provocados pela polícia, quando foi detido e levado sob custódia, como era alegado. Contudo, quando um indivíduo apresenta uma reclamação plausível de ter sido sujeito a maus-tratos em violação do artigo 3.º, essa disposição, em conjunto com o artigo 1.º da Convenção, exige implicitamente que haja uma investigação oficial efetiva. Assim, foi neste acórdão, relativo a uma criança, que o Tribunal encontrou, pela primeira vez, uma violação processual do artigo 3.º, com base na falta de uma investigação oficial. Esta foi, de acordo com Tulkens (2008), uma forma criativa de o Tribunal contornar a dificuldade, por vezes muito grande para as crianças, de provar maus-tratos e de impor aos Estados a obrigação positiva de conduzir uma investigação.

19No acórdão Okkali contra Turquia, de 17 de outubro de 2006, o requerente, de 12 anos, vítima de maus-tratos numa esquadra de polícia, reclamava que os polícias responsáveis pelos maus-tratos receberam penas mínimas, com suspensão de execução, e ainda que a sua ação de pedido de indemnização foi rejeitada, por prescrição (Tulkens, 2008). O TEDH considerou que, como menor de idade, o requerente devia ter gozado de maior proteção por parte das autoridades, que não tiveram em conta a sua vulnerabilidade particular. Além disso, o processo resultou na impunidade de pessoas que cometeram atos que violavam a proibição absoluta de tortura ou tratamento desumano ou degradante, prevista no artigo 3.º da CEDH. Assim, da forma como foi aplicado, o sistema penal não teve um efeito dissuasor, capaz de assegurar a efetiva prevenção de atos ilícitos como estes, nem forneceu uma reparação adequada a uma violação do princípio consagrado no artigo 3.º CEDH.

20Num caso mais recente, também envolvendo a Turquia, o caso Cigerhun Öner contra a Turquia, de 23 de novembro de 2010, um rapaz de 12 anos foi agredido fisicamente pela polícia, durante a sua detenção, após ter recusado dar o seu nome num controlo de identidade. O TEDH considerou existir violação do artigo 3.º da CEDH, argumentando que o jovem foi sujeito a um tratamento desumano e degradante, pelos maus tratos físicos sofridos, não tendo sido aplicada uma sanção efetiva ao polícia responsável pela agressão, violando-se, dessa forma, mais uma vez aquele artigo (Silva, 2013).

21Simultaneamente, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos reporta-se cada vez mais frequentemente a instrumentos internacionais específicos sobre direitos da criança (Van Bueren, 2007). A título de exemplo, as Regras da ONU para a Proteção de Jovens Privados de Liberdade de 1990, embora não vinculativas, têm auxiliado na definição do conceito de degradante, do artigo 3.º da CEDH, do ponto de vista da criança. A Regra 36, designadamente, estabelece que, na medida possível, as crianças devem ter o direito de usar as suas próprias roupas e de que toda a roupa ser adequada ao clima e não ser degradante.

22Não obstante, de acordo com Van Bueren (2007) o Tribunal Europeu e o Comité das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança têm abordagens divergentes sobre o que é tortura, tratamento cruel, desumano e degradante para as crianças. O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos desenvolveu uma longa linha de jurisprudência, que aceita que os Estados-membros da Convenção distingam entre formas legítimas ou razoáveis de violência contra crianças e outras formas de violência. O Comité da ONU sobre os Direitos da Criança, no entanto, argumenta que a Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança proíbe todas as formas de violência infantil, incluindo em instituições educacionais e da família. Assim, atualmente, embora estejam a interpretar os mesmos conceitos, o Tribunal Europeu de Direitos Humanos permite, em teoria, uma punição que o Comité da ONU sobre os Direitos da Criança considera cruel ou degradante. Por conseguinte, embora o Tribunal Europeu de Direitos Humanos se refira à Convenção sobre os Direitos da Criança, isto não significa que pretenda harmonizar as suas decisões em conformidade com as recomendações do Comité da ONU sobre os Direitos da Criança (ibidem).

2.2. Artigo 5.º - Direito à liberdade e à segurança

23A proteção da liberdade e da segurança da pessoa contra as prisões ou detenções arbitrárias é o objeto do artigo 5.º, da CEDH. Segundo Barreto (2005), os termos liberdade e segurança devem ser lidos em conjunto, formando um todo: a expressão liberdade da pessoa empregada no artigo 5.º significa, antes de mais, ausência de prisão ou detenção, ou seja, liberdade física, mas também liberdade de não ser ameaçado nem objeto de uma prisão ou detenção arbitrária. O direito à segurança da pessoa, por sua vez, contém, precisamente, a garantia de que um indivíduo só poderá ser preso ou detido pelos motivos e segundo processos previstos na lei.

24Com efeito, o artigo 5.º, depois de estabelecer o direito à liberdade e segurança da pessoa, continua, no número 1, declarando que “ninguém pode ser privado da sua liberdade, salvo nos casos seguintes e de acordo com o procedimento legal”, ao que se segue uma lista de seis tipos de situações em que a prisão ou detenção é permitida. De acordo com Merrils e Robertson (2005), dois pontos são merecedores de nota relativamente à frase citada. Primeiro, a frase “salvo nos casos seguintes” torna claro que a lista das situações em que a privação de liberdade é legal é exaustiva. Segundo, “de acordo com o procedimento legal” indica que se for necessário justificar uma ação ao abrigo desta provisão, a lei doméstica deve formular um procedimento a ser seguido por aqueles autorizados a executar prisões e detenções. Isto deve não só ser seguido, mas também conformar-se com as próprias regras da Convenção. Por exemplo, deve tratar-se de um procedimento justo e adequado, isento de arbitrariedade e executado por “uma autoridade apropriada”. Ainda no artigo 5.º, os números 2 a 5 enunciam os direitos das pessoas privadas da liberdade. Assim e no entender de Barreto, da leitura do artigo 5.º da CEDH decorrem três níveis de garantias: a) um relativo ao processo de privação de liberdade – de acordo com o procedimento legal; b) outro, sobre a própria privação da liberdade – apenas nas situações prevenidas nas alíneas do número 1; c) e um terceiro, que inclui as relativas às pessoas que foram privadas da sua liberdade (n.º 2 a 5) (Barreto, 2005).

25O artigo 5.º, número 1, alínea d), autoriza a detenção de um menor “por ordem judicial para o propósito de o educar sob vigilância ou com o fim de o fazer comparecer perante a autoridade competente”. No entender de Van Bueren (2007), há um paradoxo inerente à Convenção Europeia: a Convenção visa a proteger os direitos humanos, contudo, consagra um fundamento específico de privação de liberdade sob o qual as crianças podem ser detidas. Não obstante, a justificação para o artigo 5.º, número 1, alínea d), que permite a um Estado privar uma criança da liberdade para o exercício da supervisão educacional, é que ele oferece uma oportunidade para afastar uma criança da justiça criminal formal. Neste sentido, a disposição tem sido interpretada de forma dinâmica pelo Tribunal, que, em determinadas circunstâncias, impôs a obrigação positiva aos Estados de estes criarem os meios adequados, que garantam a educação e a reabilitação dos jovens em conflito com a lei (Kilkelly, 2010). O caso de Bouamar contra Bélgica, acórdão de 29 de fevereiro de 1988, e D.G. contra Irlanda, acórdão de 16 de maio de 2002, constituem exemplos desta obrigação positiva. Esta obrigação positiva encontrou também expressão, mais tarde, na Recomendação (2005) 5 do Comité de Ministros que estabelece, entre outros aspetos, que o pessoal afeto às instituições onde os jovens estão sob a guarda do Estado deve ser altamente qualificado.

26Bouamar, um jovem marroquino de dezasseis anos, foi colocado provisoriamente, por nove vezes, num centro de detenção, porque era impossível encontrar uma pessoa ou uma instituição capaz de o acolher (caso Bouamar contra Bélgica, acórdão de 29 de fevereiro de 1988; relatório de 18 de julho de 1986). Não obstante reconhecer o espírito liberal da legislação penal belga em relação aos menores, porque os subtrai às regras gerais do direito penal, o Tribunal assinalou que, para fins do artigo 5.º, número 1, alínea d), as medidas provisórias de prisão devem dar lugar, a curto prazo, à aplicação efetiva de um regime de educação vigiada num meio especializado (Mas, 1990). Tendo o Estado belga escolhido o sistema de educação vigiada para responder à delinquência juvenil, tinha obrigação de se dotar da infraestrutura apropriada para desempenhar estas funções. As detenções sofridas por Bouamar eram, pois, irregulares e violavam o artigo 5.º, número 1, alínea d) (ibidem).

  • 19 Neste caso o TEDH apreciou também se a utilização de algemas no jovem seria uma violação do artigo (...)

27No mesmo sentido, recentemente, no acórdão D.G. contra Irlanda,19 de 16 de maio de 2002, o Tribunal decidiu que, na ausência de instalações adequadas a um regime de supervisão educacional, a detenção de um menor numa prisão (ou instituição para jovens delinquentes) por vários meses foi ilegal (Tulkens, 2008). Após cumprir nove meses de detenção numa instituição para jovens delinquentes, por uma série de crimes, as autoridades tinham estabelecido que as necessidades da criança, diagnosticada como transtorno de personalidade, seriam atendidas numa unidade de suporte terapêutico para pessoas entre os 16 e os 18 anos de idade. Contudo, como não existia nenhuma unidade na Irlanda, procurou-se encontrar uma solução provisória, considerando-se que o risco de “autolesão” era elevado e, portanto, ele não poderia sair da custódia do Estado. Perante as diferentes opções disponíveis, o juiz decidiu colocar a criança novamente na instituição para jovens delinquentes.

28O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos observou que, quando um Estado adota um sistema legal de supervisão educacional, este é obrigado a criar as valências institucionais adequadas que respondam às exigências de segurança e educação estabelecidas, a fim de dar cumprimento ao artigo 5.º, número 1, alínea d). O Tribunal Europeu concluiu que a detenção do requerente não pode ser considerada como uma medida provisória de um regime de educação supervisionada, na medida em que as ordens judiciais não foram fundamentadas em qualquer proposta direcionada especificamente para a sua educação e segurança (Van Bueren, 2007). Assim, o Tribunal concluiu que a detenção do requerente era incompatível com o artigo 5. º da Convenção Europeia (acórdão de 16 de maio de 2002).

29A proporcionalidade e a relação com os factos que conduzem à privação de liberdade foram também ponderadas pelo TEDH, designadamente no caso Ichin e outros contra Ucrânia, de 21 de dezembro de 2010 (Silva, 2013). Neste caso, dois rapazes, de 13 e 14 anos, ficaram detidos, em instalações para jovens, pelo período de 30 dias, por terem furtado comida e utensílios de cozinha de uma cantina escolar, apesar de terem confessado os factos e efetuado a devolução de alguns dos utensílios e de estarem abaixo da idade de responsabilização criminal. O TEDH entendeu que os jovens tinham permanecido detidos arbitrariamente, num local que falhou ao não providenciar a “supervisão educativa” que se impunha, dessa forma violando as disposições do artigo 5.º, da CEDH (direito à liberdade e segurança) (ibidem).

30O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos foi ainda chamado a pronunciar-se acerca da aplicabilidade do artigo 5.º, número 1, alínea d), a menores de 18 anos, que já não se encontravam em idade de escolaridade obrigatória (nos termos da legislação nacional da Dinamarca e da Bélgica) (Tulkens, 2008). No caso Nielsen contra Dinamarca, de 28 de novembro de 1988, o Tribunal decidiu que o artigo 5. º, número 1, alínea d), era aplicável independentemente da idade escolar, porque o jovem ainda era “menor” em todo o período em questão. O Tribunal definiu “supervisão educacional” de forma ampla, argumentando que ela não deve ser interpretada de forma rígida e limitada à sala de aula, mas deve incluir os diferentes aspetos adicionais de exercício das responsabilidades parentais. O TEDH afirmou que “o artigo 5. º, número 1, alínea d), da Convenção reporta-se à detenção de “menores” e não à detenção de pessoas abaixo da idade escolar oficial”. O simples facto de o requerente, de 17 anos, não poder ser obrigado a frequentar a escola comum, não mancha a sua detenção sob uma ordem específica, desde que a detenção seja de facto “com o propósito de supervisão educacional”. O Tribunal sublinhou que o requerente tinha sido colocado numa instalação residencial especializada para jovens seriamente perturbados, que ofereceu a prestação de cuidados multidisciplinares, incluindo a educação. O Tribunal distinguiu, ainda, a posição deste requerente da posição de Bouamar contra Bélgica, acórdão de 29 de fevereiro de 1988, onde o recorrente estava numa prisão preventiva em condições de isolamento virtual, sem a assistência de funcionários com formação especializada. Em ambos os casos, o Tribunal decidiu que o artigo 5.º, número 1, alínea d), refere-se a “menores”, sendo consequentemente aplicável a todos os menores de 18 anos (ibidem).

  • 20 Os direitos da pessoa ao abrigo deste parágrafo devem, pois, ser distinguidos do seu direito ao abr (...)

31Os números 2 a 4, do artigo 5.º, estabelecem um conjunto de garantias adicionais, que se aplicam às exceções à liberdade e segurança. O artigo 5.º, número 2,20 exige que a pessoa seja informada das razões da prisão e destina-se a permitir que quem seja preso admita ou negue a alegada ofensa e faça uso efetivo das salvaguardas judiciais plasmadas no número 3, – direito a ser prontamente presente a um juiz e a julgamento dentro de um prazo razoável ou a libertação enquanto aguarda julgamento – e número 4 do artigo 5. º – direito a contestar a legalidade da detenção. Nos termos do artigo 5.º, número 2, não há necessidade de a acusação ser feita por escrito, nem de qualquer formalidade ou aconselhamento legal, nesta fase, na medida em que diz respeito simplesmente à primeira fase da prisão (Merrills e Robertson, 2005). É sugerido, igualmente, que há uma obrigação de assegurar que a pessoa que é presa é não apenas informada das razões, mas que as compreende, isto é, que existe o direito a ser informado numa linguagem que compreenda, o que significa adotar medidas especiais com imigrantes e crianças (ibidem).

  • 21 O direito a ser prontamente presente a um juiz deve ser distinguido, por um lado, do direito a julg (...)
  • 22 O direito de não ser detido para além de um prazo razoável destina-se a assegurar que uma pessoa se (...)

32O artigo 5.º, número 3, refere-se especificamente aos direitos daqueles que são presos ou detidos em conformidade com o artigo 5.º, número 1, alínea c), isto é, daqueles que são presos ou detidos com o propósito de serem presentes a uma autoridade legal competente sob suspeita razoável de terem cometido uma ofensa ou quando é razoavelmente julgado necessário para os impedir de cometerem uma ofensa ou de fugirem depois de o fazerem. Segundo Merrills e Robertson (ibidem), este artigo prevê que, em tais casos, o indivíduo tem dois direitos distintos. Primeiro, deve ser prontamente presente a um juiz ou outro oficial autorizado por lei a exercer poder judicial;21 segundo, tem direito a julgamento dentro de um prazo razoável ou a libertação enquanto aguarda julgamento, com a condição de a libertação poder ser condicionada por garantias de comparecer ao julgamento.22

33Esta provisão tem sido interpretada, de acordo com Tulkens (2008), de forma ampla e mais aprofundada nos casos que envolvem crianças. No acórdão Selçuk contra Turquia, de 10 de janeiro de 2006, o requerente, que era menor de idade à época dos factos (16 anos) foi preso preventivamente durante quatro meses antes de ser libertado. Tendo em conta o facto de o requerente ser menor de idade à época, o Tribunal considerou que as autoridades não demonstraram de maneira convincente a necessidade da detenção do requerente em prisão preventiva por esse período (artigo 5 º, número 3).

34Em Assenov contra Bulgária, acórdão de 28 de outubro de 1998, Assenov aguardou dois anos, em prisão preventiva, pelo julgamento, apesar de a legislação búlgara estabelecer que as crianças devem ser detidas em prisão preventiva apenas em casos excecionais. O Tribunal Europeu determinou que, tratando-se de uma criança, era ainda mais importante as autoridades serem especialmente diligentes, assegurando o julgamento do requerente dentro de um prazo razoável. O TEDH considerou que a Bulgária negou a Assenov o seu direito a julgamento “dentro de um prazo razoável”, violando o número 3, do artigo 5.º, da CEDH. Esta decisão do Tribunal é relevante, na medida em que estabelece para todos os Estados-membros da Convenção, independentemente da legislação nacional, o princípio de que a diligência e devida celeridade são exigidas no momento de levar crianças em prisão preventiva a julgamento (Van Bueren, 2007).

2.3. Artigo 6.º - Direito a um processo equitativo

35O artigo 6.º da CEDH garante o direito a um julgamento justo em matéria penal e civil perante um tribunal independente e imparcial, dentro de um prazo razoável. Com a exceção da referência no n.º 1, do artigo 6.º, para a necessidade de proteger os menores da publicidade adversa, este não oferece nenhuma proteção especial para os direitos dos jovens envolvidos em processos penais. No entanto, o artigo 6.º inclui outros direitos que são uma parte inerente do processo de julgamento justo, como o direito de participar efetivamente no processo ou a assistência jurídica, que são muito importantes para os menores (Kilkelly, 2001b; Silva, 2013).

36A este propósito é de salientar o facto de nem a Comissão, nem o Tribunal Europeu de Direitos Humanos terem limitado a aplicação do artigo 6.º em casos de crianças (Kilkelly, 2001b). Ainda que no caso Nortier contra Holanda, de 24 de agosto de 1993, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos se tenha escusado a responder à questão levantada pelo governo e por certos membros da Comissão sobre o facto de o artigo 6.º dever ou não ser aplicado a processos penais juvenis da mesma forma como ao processo penal de adultos.

  • 23 Ao afirmar este princípio, o Tribunal Europeu “adotou” e desenvolveu, mais concretamente, as dispos (...)

37Com efeito, só recentemente, no âmbito dos casos T. e V. contra o Reino Unido, acórdãos de 16 de dezembro de 1999, é que as instituições reconheceram expressamente a importância do tratamento adequado das crianças no sistema judicial. O TEDH, ao decidir que os dois rapazes não foram capazes de participar efetivamente no seu julgamento por homicídio num tribunal de adultos, em violação do artigo 6.º, adotou o ethos da justiça juvenil da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança (Kilkelly, 2001b). Em particular, o Tribunal observou que é “essencial” que uma criança acusada de um crime “seja tratada de uma forma que tenha plenamente em conta a sua idade, grau de maturidade e capacidade intelectual e emocional, e que sejam tomadas medidas para promover a sua capacidade de compreender e participar no processo”.23

38A capacidade de compreender e participar no processo, no âmbito da jurisprudência do TEDH, pressupõe que a criança tem uma ampla compreensão da natureza do processo de julgamento e do que está em jogo, incluindo o significado de qualquer penalização que pode ser imposta (Tulkens, 2008). Isto significa que a criança, se necessário com o auxílio de, por exemplo, um intérprete, advogado ou assistente social, deve ser capaz de compreender o sentido geral do que é dito no tribunal. A criança deve ser capaz de acompanhar o que é dito pelas testemunhas de acusação e, se representado, de explicar ao advogado a sua versão dos factos, apontando as declarações com as quais discorda e quaisquer factos que possam ser apresentados em sua defesa.

39Neste sentido, no acórdão de SC contra o Reino Unido, de 10 de novembro de 2004, o Tribunal Europeu de Direitos Humanos considerou que o julgamento de um menino de 11 anos de idade, em tribunal, acusado de tentativa de assalto, violou o direito a um julgamento justo, nos termos do artigo 6.º, número 1 (Van Bueren, 2007). O TEDH concluiu que o requerente tinha uma idade intelectual baixa, muito pouca compreensão do processo ou da natureza da pena que enfrentava, e, consequentemente, não tinha sido capaz de participar adequadamente no seu julgamento. O Tribunal considerou, ainda, que quando uma criança, como o recorrente, é julgada em processo penal: “É essencial que seja julgada num tribunal especializado que seja capaz de ponderar e responder adequadamente às necessidades especiais da criança, adaptando o seu procedimento em conformidade”. Ora o recorrente tinha um discernimento reduzido do papel do júri ou da importância de causar uma boa impressão aos membros do júri. Para além disso, parecia não entender que corria o risco de uma pena efetiva e, mesmo após ter sido condenado e levado para as celas, ele parecia confuso e esperava poder regressar a casa com seu pai adotivo.

40Em suma, o direito de participação efetiva de uma criança acusada num processo judicial inclui não só o direito de estar presente, mas também de ser ouvido e acompanhar o processo (Tulkens, 2008). No acórdão Sahin contra Alemanha, de 8 de julho de 2003, o Tribunal considerou que houve uma violação não só do artigo 6.º, mas também do artigo 8.º, na medida em que os tribunais alemães não tinham ouvido a criança, numa audiência, para obter informações completas e precisas sobre o seu relacionamento com o pai. Já no caso Adamkiewicz contra a Polónia, de 2 de março de 2010, o TEDH defendeu a importância do papel do advogado em toda a justiça juvenil e, em especial, no âmbito da delinquência juvenil. O advogado tem a função não só de ajudar a criança a compreender e participar no processo judicial, como de proteger a criança contra possíveis intimidações e pressões exteriores, no sentido de prestar declarações coincidentes com a acusação (ibidem).

41Por fim, e à semelhança do que observamos para o artigo 3.º, importa salientar que o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos tem adotado disposições de instrumentos internacionais específicos da justiça juvenil penal para auxiliar na interpretação do artigo 6.º da CEDH, como a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança. Em V. contra o Reino Unido, acórdão de 16 de dezembro de 1999, por exemplo, o Tribunal reconheceu que os instrumentos globais não vinculativos devem ser considerados, se forem uma referência quanto à forma como um direito da Convenção Europeia deve ser protegido (Van Bueren, 2007). No acórdão Sahin contra Alemanha, de 8 de julho de 2003, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos afirmou mesmo, como princípio geral, que “Os direitos humanos das crianças e as normas, a que todos os governos devem de aspirar para a concretização destes para todas as crianças, são estabelecidos na Convenção sobre os Direitos da Criança.” Note-se, contudo, que esta é apenas uma meta aspiracional e não uma expansão jurisdicional do TEDH (ibidem). Por outras palavras, uma violação da Convenção dos Direitos da Criança não será aceite pelo Tribunal como a principal causa de ação, ainda que este instrumento seja valioso como referência para os parâmetros de um determinado direito, como os reconhecidos nos artigos 3.º e 6.º da CEDH, no âmbito da CEDH. Ainda assim, no entender de Kilkelly (2001b), a utilização da Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança, quando bem fundamentada, utilizando todas as ferramentas do direito internacional, pode efetivamente melhorar a proteção dos direitos das crianças no âmbito do Conselho da Europa.

Considerações finais

42A Convenção Europeia dos Direitos Humanos contém, como vimos, poucas referências diretas sobre crianças, contudo, por um lado, o Comité dos Ministros do Conselho da Europa e a Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa prepararam e adotaram alguns textos setoriais, como a Recomendação (2008) 11, sobre as regras europeias para jovens infratores sujeitos a sanções ou medidas, do Comité de Ministros, ou a Recomendação 1698 (2005) sobre os direitos das crianças institucionalizadas, da Assembleia Parlamentar, com que procuraram colmatar as lacunas da Convenção.

43Por outro lado, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos devido à vulnerabilidade particular das crianças, para além das restrições negativas impostas aos Estados-Membros: 1) adotou uma interpretação relativista do artigo 3.º da CEDH, considerando a duração, os efeitos físicos ou mentais, a idade, o sexo ou o estado de saúde da vítima dos maus tratos (cf. caso Tyrer contra Reino Unido, de 25 abril de 1978); 2) impôs obrigações positivas aos Estados em relação aos direitos das crianças, ao abrigo dos artigos 3.º (cf. caso Assenov contra Bulgária, acórdão de 28 de outubro de 1998, ou Okkali contra Turquia, acórdão de 17 de outubro de 2006) e 5.º da CEDH (cf. casos de Bouamar contra Bélgica, acórdão de 29 de fevereiro de 1988, e D.G. contra Irlanda, acórdão de 16 de maio de 2002); 3) e adotou uma interpretação mais ampla e profunda, tanto do artigo 5.º, como do 6.º da CEDH, em casos de crianças, apoiando-se, inclusivamente, noutros instrumentos internacionais dedicados às crianças, como a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança e as Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça de Menores.

44Note-se que os textos setoriais adotados pelo Comité dos Ministros e a Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa acompanham a evolução das linhas interpretativas do TEDH. A título de exemplo, em primeiro lugar, tanto a recomendação (2003) 20, como as “Guidelines of the Committee of Ministers of the Council of Europe on Child-friendly Justice”, adotadas a 17 de novembro de 2010 pelo Conselho da Europa, têm o objetivo específico de garantir que a justiça é sempre adaptada às crianças, ou seja, o tratamento e as medidas aplicadas devem ajustar-se à idade e maturidade da criança. Em segundo lugar, na Recomendação 1551 (2002), sobre a construção de uma sociedade com e para as crianças no século xxi, a Assembleia Parlamentar convida os Estados-membros a rever as suas legislações de modo a torná-las compatíveis com a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, de 1989. Consequentemente, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos desenvolveu não só jurisprudência significativa no que respeita a justiça (penal) juvenil, como a sua jurisprudência tem vindo a consubstanciar-se, direta ou indiretamente, nas Recomendações do Comité dos Ministros do Conselho da Europa e da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa nesta área.

45Acresce ainda que a inexistência de um mecanismo para impor as disposições da CDC como acontece na CEDH com o TEDH, faz com que a Convenção Europeia dos Direitos Humanos ganhe relevância na proteção dos direitos das crianças. Pese embora não ser possível, a uma criança, dentro da jurisdição de um Estado-membro do Conselho da Europa, colocar uma petição ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, com base apenas na violação de um direito consagrado na Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança da ONU, e não na Convenção Europeia dos Direitos Humanos. Como a Convenção Europeia é um instrumento vivo e muitos dos seus direitos são enquadrados em termos idênticos aos da Convenção sobre os Direitos da Criança, isto cria espaço jurisprudencial para o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos adotar uma interpretação mais dinâmica, em linha com os direitos específicos das crianças (Van Bueren, 2007).

46É importante, contudo, como sugere Van Bueren (ibidem), evitar a ficção de que as crianças e os jovens podem exercer os seus direitos fundamentais consagrados na CEDH da mesma forma que os adultos. Existem, obviamente, problemas relativos ao acesso e à falta de conhecimento da importância da Convenção Europeia dos Direitos Humanos para crianças privadas da sua liberdade. Importa, assim, assegurar que as crianças gozam efetivamente da salvaguarda dos seus direitos pela Convenção Europeia dos Direitos Humanos e não apenas a nível teórico.

Quais são os direitos protegidos pela Convenção Europeia de Direitos Humanos?

Principais tópicos da Convenção: ampliação da proteção da liberdade e segurança pessoal; condições de legalidade da prisão; direitos clássicos dos prisioneiros (devido processo legal, ampla defesa etc.); princípio do nullum crimen sine lege é ampliado para alcançar os crimes cuja ilicitude seja reconhecida pelos ...

O que é o Sistema Europeu de Direitos Humanos?

O que é o Sistema Europeu de Direitos Humanos? É o sistema regional de proteção de Direitos Humanos mais antigo, servindo de base para os sistemas regionais subsequentes, como o Interamericano.

Como foi criado o sistema europeu de proteção de direitos humanos?

O Sistema Europeu originou-se no final da Segunda Guerra Mundial devido à necessidade dos Estados de defenderem os direitos mínimos da pessoa humana.

Como funciona a Corte Europeia de Direitos Humanos?

A Convenção Europeia dos Direitos do Homem é um tratado internacional aberto exclusivamente à assinatura dos Estados Membros do Conselho da Europa. A Convenção, que institui o Tribunal e regula o seu funcionamento, contém uma lista de direitos e liberdades que os Estados se comprometem a respeitar.