África: comércio, exploração e escravidão
Após a conquista de Ceuta, os portugueses começaram a explorar a costa ocidental do continente em busca de ouro e de seres humanos para serem vendidos como escravos em Portugal. Outros importantes itens foram acrescentados ao comércio com a
África: sal, pimenta- -malagueta, ferro, tecidos, marfim etc. Para estabelecer sua presença no continente e assegurar a prática regular de transações com os povos locais, os portugueses passaram a construir feitorias.
As feitorias construídas ao longo da costa foram fundamentais para o comércio luso com os povos africanos. Entretanto, os portugueses não conseguiram penetrar no interior do continente, onde eram encontradas as fontes de
escravos, ouro, marfim e outros produtos. Para obtê-los, dependiam do fornecimento de intermediários africanos. É provável que não tenham avançado para o interior em razão da resistência dos povos locais.
Na África antiga, embora a atividade não fosse predominante, a escravização se dava em razão de dívidas ou captura de inimigos. Como os habitantes da África se identificavam como integrantes de comunidades, aldeias ou reinos muitas vezes
inimigos, era comum utilizar prisioneiros de guerra do próprio continente como escravos. A partir do século VII, com a expansão muçulmana sobre o continente africano, a prática da escravidão foi se tornando mais sistematizada, embora os muçulmanos não escravizassem quem professava a fé islâmica. Os chefes locais e os mercadores islamizados organizaram o tráfico de escravizados direcionando-os para o Oriente Médio, a Ásia e a Europa. O aumento contínuo de africanos escravizados nessas regiões
implicou a associação da condição de escravo à cor da pele.
“ Considerar que alguns homens são ‘naturalmente’ inferiores a outros é o mesmo que adotar uma atitude que podemos classificar de racista. [Associar] a ideia de inferioridade ‘natural’ às características físicas, como a cor da pele [...] atingiu sobretudo as populações da África negra. [...] esse tipo de racismo desenvolveu-se sobretudo a partir do momento em que
surgiu um comércio em grande escala de negros, tanto em direção à África do Norte e do Oriente Médio quanto às ilhas do Atlântico, do Oceano Índico e das Américas.”
PÉTRÉ-GRENOUILLEAU, Oliver. A história da escravidão. São Paulo: Boitempo, 2009, p. 33.
O tráfico de africanos e a escravidão moderna
Com a chegada dos portugueses ao continente africano e o estabelecimento do tráfico atlântico a partir do século XV, a demanda por seres humanos escravizados aumentou significativamente. Os cativos eram obtidos em troca de produtos como armas, pólvora e fumo. O tráfico de escravizados tornou-se, a partir de então, uma atividade altamente rentável, uma vez que os mercadores europeus obtinham altos lucros com a venda dos trabalhadores escravos nas colônias americanas.
No início, os portugueses capturavam africanos por meio da “caça” direta, mas logo perceberam que seria mais fácil entrar em negociação com os chefes de aldeias ou com os soberanos dos grandes reinos para conseguir escravos. Mantiveram, assim, por muito tempo, laços comerciais com o rei do Congo, de onde saiu boa parte dos africanos escravizados vendidos no Brasil. Esses laços comerciais desobrigaram os portugueses de penetrar no interior
da África em busca de escravos, pois os próprios chefes locais se encarregavam dessa tarefa.
Ampliando: a África durante o comércio negreiro “Antes do tráfico atlântico de escravos, o continente africano já tinha sido afetado por várias migrações forçadas. No entanto, nenhum [fluxo migratório] teve um custo humano tão alto quanto o tráfico atlântico, que vitimou cerca de 12 milhões de pessoas entre os séculos XVI e XIX, e disseminou violência e escravização no continente africano. Na África, o tráfico atlântico produziu efeitos múltiplos e deletérios. No curto prazo, gerou centralização política, sobretudo em reinos africanos que dominaram o fornecimento de cativos para os mercadores europeus na costa
O impacto do tráfico negreiro na África
O primeiro efeito do tráfico transatlântico foi uma queda acentuada no crescimento demográfico no continente africano, o que resultou na queda da atividade econômica das áreas que mais perderam populações. Durante esse período do tráfico, estima-se que dezenas de cidades africanas desapareceram, prejudicando, inclusive, o desenvolvimento de muitas regiões do continente.
Outra consequência foi estimular os reinos e
sociedades da África que exportavam escravos a voltar-se principalmente para o tráfico. Algumas regiões que antes só obtinham escravos por meio de conflitos retomaram antigas hostilidades, ou criaram novas, para obter prisioneiros de guerra e vendê-los aos europeus. As guerras foram ainda incrementadas pelas armas de fogo fornecidas pelos portugueses, transformando economias antes voltadas para a agricultura, o artesanato e o comércio em sociedades organizadas para a guerra e para a captura de
seres humanos a serem escravizados.
Nos reinos e regiões onde imperou o comércio de escravos com os europeus formou-se uma elite militar voltada para a guerra. Ao mesmo tempo, o modelo de escravidão levado à África pelos europeus – desenvolvido em grande escala e voltado para o lucro – impactou a escravidão tradicionalmente praticada no continente, transformando também o escravo interno em um bem comercializável e com menores
possibilidades de integração na sociedade. Tudo isso contribuiu para desorganizar a economia e a vida no continente africano ao longo dos séculos.