Fonte:
ANJOS, Augusto dos. Eu e outras poesias. 42. ed. Rio de Janeiro : Civiliza��o Brasileira, 1998.
Texto proveniente de:
A Biblioteca Virtual do Estudante de L�ngua Portuguesa
//www.bibvirt.futuro.usp.br>
A Escola do Futuro da Universidade de S�o Paulo
Permitido o uso apenas para fins educacionais.
Texto-base digitalizado por:
Francisco de Mesquita Moreira � Rio de Janeiro/RJ
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EU E OUTRAS POESIAS
Augusto dos Anjos
Mon�logo de uma sombra
�Sou uma Sombra! Venho de outras eras,
Do cosmopolitismo das moneras...
P�lipo de rec�nditas reentr�ncias,
Larva de caos tel�rico, procedo
Da escurid�o do c�smico segredo,
Da subst�ncia de todas as subst�ncias!
A simbiose das coisas me equilibra.
Em minha ignota m�nada, ampla, vibra
A alma dos movimentos rotat�rios...
E � de mim que decorrem, simult�neas,
A sa�de das for�as subterr�neas
E a morbidez dos seres ilus�rios!
Pairando acima dos mundanos tetos,
N�o conhe�o o acidente da Senectus
-- Esta universit�ria sanguessuga
Que produz, sem disp�ndio algum de v�rus,
O amarelecimento do papirus
E a mis�ria anat�mica da ruga!
Na exist�ncia social, possuo uma arma
-- O metafisicismo de Abidarma --
E trago, sem bram�nicas tesouras,
Como um dorso de az�mola passiva,
A solidariedade subjetiva
De todas as esp�cies sofredoras.
Como um pouco de saliva quotidiana
Mostro meu nojo � Natureza Humana.
A podrid�o me serve de Evangelho...
Amo o esterco, os res�duos ruins dos quiosques
E o animal inferior que urra nos bosques
� com certeza meu irm�o mais velho!
Tal qual quem para o pr�prio t�mulo olha,
Amarguradamente se me antolha,
� luz do americano plenil�nio,
Na alma crepuscular de minha ra�a
Como uma voca��o para a Desgra�a
E um tropismo ancestral para o Infort�nio.
A� vem sujo, a co�ar chagas pleb�ias,
Trazendo no deserto das id�ias
O desespero end�mico do inferno,
Com a cara hirta, tatuada de fuligens
Esse mineiro doido das origens,
Que se chama o Fil�sofo Moderno!
Quis compreender, quebrando est�reis normas,
A vida fenom�nica das Formas,
Que, iguais a fogos passageiros, luzem.
E apenas encontrou na id�ia gasta,
O horror dessa mec�nica nefasta,
A que todas as coisas se reduzem!
E h�o de ach�-lo, amanh�, bestas agrestes,
Sobre a esteira sarc�faga das pestes
A mosrtrar, j� nos �ltimos momentos,
Como quem se submete a uma charqueada,
Ao clar�o tropical da luz danada,
O esp�lio dos seus dedos pe�onhentos.
Tal a finalidade dos estames!
Mas ele viver�, rotos os liames
Dessa estranguladora lei que aperta
Todos os agregados perec�veis,
Nas eteriza��es indefin�veis
Da energia intra-at�mica liberta!
Ser� calor, causa ub�qua de gozo,
Raio X, magnetismo misterioso,
Quimiotaxia, ondula��o a�rea,
Fonte de repuls�es e de prazeres,
Sonoridade potencial dos seres,
Estrangulada dentro da mat�ria!
E o que ele foi: clav�culas, abd�men,
O cora��o, a boca, em s�ntese, o Homem,
-- Engrenagem de v�sceras vulgares --
Os dedos carregados de pe�onha,
Tudo coube na l�gica medonha
Dos apodrecimentos musculares.
A desarruma��o dos intestinos
Assombra! Vede-a! Os vermes assassinos
Dentro daquela massa que o h�mus come,
Numa glutoneria hedionda, brincam,
Como as cadelas que as dentu�as trincam
No espasmo fisiol�gico da fome.
� uma tr�gica festa emocionante!
A bacteriologia inventariante
Toma conta do corpo que apodrece...
E at� os membros da fam�lia engulham,
Vendo as larvas malignas que se embrulham
No cad�ver mals�o, fazendo um s.
E foi ent�o para isto que esse doudo
Estragou o vibr�til plasma todo,
� guisa de um faquir, pelos cen�bios?!...
Num suic�dio graduado, consumir-se,
E ap�s tantas vig�lias, reduzir-se
� heran�a miser�vel dos micr�bios!
Estoutro agora � o s�tiro peralta
Que o sensualismo sodomita exalta,
Nutrindo sua inf�mia a leite e a trigo...
Como que, em suas cl�lulas vil�ssimas,
H� estratifica��es requintad�ssimas
De uma animalidade sem castigo.
Brancas bacantes b�badas o beijam.
Suas art�rias h�rcicas latejam,
Sentindo o odor das carna��es abst�mias,
E � noite, vai gozar, �brio de v�cio,
No sombrio bazer domeretr�cio,
O cuspo afrodis�aco das f�meas.
No horror de sua an�mala nevrose,
Toda a sensualidade da simbiose,
Uivando, � noite, em l�bricos arroubos,
Como no babil�nico sansara,
Lembra a fome incoerc�vel que escancara
A mucosa carn�vora dos lobos.
S�frego, o monstro as v�timas aguarda.
Negra paix�o cong�nita, bastarda,
Do seu zooplasma of�dico resulta...
E explode, igual � luz que o ar acomete,
Com a veem�ncia mav�rtica do ar�ete
E os arremessos de uma catapulta.
Mas muitas vezes, quando a noite avan�a,
Hirto, observa atrav�s a t�nue tran�a
Dos filamentos flu�dicos de um halo
A destra descarnada de um duende,
Que tateando nas t�nebras, se estende
Dentro da noite m�, para agarr�-lo!
Cresce-lhe a intracef�lica tortura,
E de su�alma na caverna escura,
Fazendo ultra-epil�ticos esfor�os,
Acorda, com os candeeiros apagados,
Numa coreografia de danados,
A fam�lia alarmada dos remorsos.
� o despertar de um povo subterr�neo!
� a fauna cavern�cola do cr�nio
-- Macbeths da patol�gica vig�lia,
Mostrando, em rembrandtescas telas v�rias,
As incestuosidades sang�in�rias
Que ele tem praticado na fam�lia.
As alucina��es t�cteis pululam.
Sente que megat�rios o estrangulam...
A asa negra das moscas o horroriza;
E autopsiando a amar�ssima exist�ncia
Encontra um cancro ass�duo na consci�ncia
E tr�s manchas de sangue na camisa!
M�ngua-se o combust�vel da lanterna
E a consci�ncia do s�tiro se inferna,
Reconhecendo, b�bedo de sono,
Na pr�pria �nsia dion�sica do gozo,
Essa necessidade de horroroso,
Que � talvez propriedade do carbono!
Ah! Dentro de toda a alma existe a prova
De que a dor como um dartro se renova,
Quando o prazer barbaramente a ataca...
Assim tamb�m, observa a ci�ncia crua,
Dentro da elipse ign�voma da lua
A realidade de uma esfera opaca.
Somente a Arte, esculpindo a humana m�goa,
Abranda as rochas r�gidas, torna �gua
Todo o fogo tel�rico profundo
E reduz, sem que, entanto, a desintegre,
� condi��o de uma plan�cie alegre,
A aspereza orogr�fica do mundo!
Provo desta maneira ao mundo odiento
Pelas grandes raz�es do sentimento,
Sem os m�todos da abstrusa ci�ncia fria
E os trov�es gritadores da dial�tica,
Que a mais alta express�oda dor est�tica
Consiste essencialmente na alegria.
Continua o mart�rio das criaturas:
-- O homic�dio nas vielas mais escuras,
-- O ferido que a hostil gleba atra escarva,
-- O �ltimo solil�quio dos suicidas --
E eu sinto a dor de todas essas vidas
Em minha vida an�nima de larva!�
Disse isto a Sombra. E, ouvindo estes voc�bulos,
Da luz da lua aos p�lidos ven�bulos,
Na �nsa de um nervos�ssimo entusiasmo,
Julgava ouvir mon�tonas corujas,
Executando, entre daveiras sujas,
A orquestra arrepiadora do sarcasmo!
Era a elegia pante�sta do Universo,
Na produ��o do sangue humano imenso,
Prostitu�do talvez, em suas bases...
Era a can��o da Natureza exausta,
Chorando e rindo na ironia infausta
Da incoer�ncia infernal daquelas frases.
E o turbilh�o de tais fonemas acres
Trovejando grand�loquos massacres,
H�-de ferir-me as auditivas portas,
at� que minha ef�mera cabe�a,
Reverta � quieta��o datrava espessa
E � palidez das fotosferas mortas!
Agonia de um fil�sofo
Consulto o Phtah-Hotep. Leio o obsoleto
Rig-Veda. E, ante obras tais, me n�o consolo...
O Inconsciente me assombra e eu nele rolo
Com a e�lica f�ria do harmat� inquieto!
Assisto agora � morte de um inseto!...
Ah! todos os fen�menos do solo
Parecem realizar de p�lo a p�lo
O ideal do Anaximandro de Mileto!
No hier�tico are�pago heterog�neo
Das id�ias, percorro como um g�nio
Desde a alma de Haeckel � alma cenobial!...
Rasgo dos mundos o vel�rio espesso;
E em tudo igual a Goethe, reconhe�o
O imp�rio da subst�ncia universal!
O Morcego
Meia-noite. Ao meu quarto me recolho.
Meu Deus! E este morcego! E, agora, vede:
Na bruta ard�ncia org�nica dasede,
Morde-me a goela �gneo e escaldante molho.
�Vou mandar levantar outra parede...�
-- Digo. Ergo-me a tremer. Fecho o ferrolho
E olho o teto. E vejo-o ainda, igual a um olho,
Circularmente sobre a minha rede!
Pego de um pau. Esfor�os fa�o. Chego
A toc�-lo. Minh�alma se concentra.
Que ventre produziu t�o feio parto?!
A Consci�ncia Humana � este morcego!
Por mais que a gente fa�a, � noite ele entra
Imperceptivelmente em nosso quarto!
Psicologia de um vencido
Eu, filho do carbono e do amon�aco,
Monstro de escurid�o e rutil�ncia,
Sofro, desde a epig�nese da inf�ncia,
A influ�ncia m� dos signos do zod�aco.
Produndissimamente hipocondr�aco,
Este ambiente me causa repugn�ncia...
Sobe-me � boca uma �nsia an�loga � �nsia
Que se escapa da boca de um card�aco.
J� o verme -- este oper�rio das ru�nas --
Que o sangue podre das carnificinas
Come, e � vida em geral declara guerra,
Anda a espreitar meus olhos para ro�-los,
E h� de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorg�nica da terra!
A Id�ia
De onde ela vem?! De que mat�ria bruta
Vem essa luz que sobre as nebulosas
Cai de inc�gnitas criptas misteriosas
Como as estalactites duma gruta?!
Vem da psicogen�tica e alta luta
Do feixe de mol�culas nervosas,
Que, em desintegra��es maravilhosas,
Delibera, e depois, quer e executa!
Vem do enc�falo absconso que a constringe,
Chega em seguida �s cordas da laringe,
T�sica, t�nue, m�nima, raqu�tica...
Quebra a for�a centr�peta que a amarra,
Mas, de repente, e quase morta, esbarra
No molambo da l�ngua paral�tica!
O L�zaro da p�tria
Filho podre de antigos Goitacases,
Em qualquer parte onde a cabe�a ponha,
Deixa circunfer�ncias de pe�onha,
Marcas oriundas de �lceras e antrazes.
Todos os cinoc�falos vorazes
Cheiram seu corpo. � noite, quando sonha,
Sente no t�rax a press�o medonha
Do bruto embate f�rreo das tenazes.
Mostra aos montes e aos r�gidos rochedos
A hedionda elefant�ase dos dedos
H� um cansa�o no Cosmos... Anoitece.
Riem as meretrizes no Cassino,
E o L�zaro caminha em seu destino
Para um fim que ele mesmo desconhece!
Idealiza��o da humanidade futura
Rugia nos meus centros cerebrais
A multid�o dos s�culos futuros
-- Homens que a heran�a de �mpetos impuros
Tornara etnicamente irracionais!
N�o sei que livro, em letras garrafais,
Meus olhos liam! No h�mus dos monturos,
Realizavam-se os partos mais obscuros,
Dentre as genealogias animais!
Como quem esmigalha protozo�rios
Meti todos os dedos mercen�rios
Na consci�ncia daquela multid�o...
E, em vez de achar a luz que os C�us inflama,
Somente achei mol�culas de lama
E a mosca alegre da putrefa��o!
Soneto
Ao meu primeiro filho nascidomorto com 7 meses incompletos.
2 fevereiro 1911.
Agregado infeliz de sangue e cal,
Fruto rubro de carne agonizante,
Filho da grande for�a fecundante
De minha br�nzea trama neuronial,
Que poder embriol�gico fatal
Destruiu, com a sinergia de um gigante,
Em tua morfog�nese de infante
A minha morfog�nese ancestral?!
Por��o de minha pl�smica subst�ncia,
Em que lugar ir�s passar a inf�ncia,
Tragicamente� an�nimo, a feder?!
Ah! Possas tu dormir, feto esquecido,
Panteisticamente dissolvido
Na noumenalidade do N�O SER!
Versos a um c�o
Que for�a p�de adstrita e embri�es informes,
Tua garganta est�pida arrancar
Do segredo da c�lula ovular
Para latir nas solid�es enormes?
Esta obn�xia inconsci�ncia, em que tu dormes,
Suficient�ssima �, para provar
A inc�gnita alma, avoenga e elementar
Dos teus antepassados vemiformes.
C�o! -- Alma do inferior rapsodo errante!
Resigna-a, ampara-a, arrima-a, afaga-a, acode-a
A escala dos latidos ancestrais...
E ir�s assim, pelos s�culos adiante,
Latindo a esquisit�ssima pros�dia
Da ang�stia heredit�ria dos teus pais!
O Deus-Verme
Fator universal do transformismo.
Filho da teleol�gica mat�ria,
Na superabund�ncia ou na mis�ria,
Verme -- � o seu nome obscuro de batismo.
Jamais emprega o ac�rrimo exorcismo
Em sua di�ria ocupa��o fun�rea,
E vive em contub�rnio com a bact�ria,
Livre das roupas do antropomorfismo.
Almo�a a podrid�o das drupas agras,
Janta hidr�picos, r�i v�sceras magras
E dos defuntos novos incha a m�o...
Ah! Para ele � que a carne podre fica,
E no invent�rio da mat�ria rica
Cabe aos seus filhos a maior por��o!
Debaixo do tamarindo
No tempo de meu Pai, sob estes galhos,
Como uma vela f�nebre de cera,
Chorei bilh�es de vezes com a canseira
De inexorabil�ssimos trabalhos!
Hoje, esta �rvore, de amplos agasalhos,
Guarda, como uma caixa derradeira,
O passado da Flora Brasileira
E a paleontologia dos Carvalhos!
Quando pararem todos os rel�gios
De minha vida e a voz dos necrol�gios
Gritar nos notici�rios que eu morri,
Voltando � p�tria da homogeneidade,
Abra�ada com a pr�pria Eternidade
A minha sombra h� de ficar aqui!
As cismas do destino
I
Recife, Ponte Buarque de Macedo.
Eu, indo em dire��o � casa do Agra,
Assombrado com a minha sombra magra,
Pensava no Destino, e tinha medo!
Na austera ab�bada alta o f�sforo alvo
Das estrelas luzia... O cal�amento
S�xeo, de asfalto rijo, atro e vidrento,
Copiava a polidez de um cr�nio alvo.
Lembro-me bem. A ponte era comprida,
E a minha sombra enorme enchia a ponte,
Como uma pele de rinoceronte
Estendida por toda a minha vida!
A noite fecundava o ovo dos v�cios
Animais. Do carv�o da treva imensa
Ca�a um ar danado de doen�a
Sobre a cara geral dos edif�cios!
Tal uma horda feroz de c�es famintos,
Atravessando uma esta��o deserta,
Uivava dentro do eu, com a boca aberta,
A matilha espantada dos instintos!
Era como se, na alma da cidade,
Profundamente l�brica e revolta,
Mostrando as carnes, uma besta solta
Soltasse o berro da animalidade.
E aprofundando o racioc�nio obscuro,
Eu vi, ent�o, � luz de �ureos reflexos,
O trabalho gen�sico dos sexos,
Fazendo � noite os homens do Futuro.
Livres de microsc�pios e escalpelos,
Dan�avam, parodiando saraus c�nicos,
Bilh�es de centrossomas apol�nicos
Na c�mara prom�scua do vitellus.
Mas, a irritar-me os globos oculares,
Apregoando e alardeando a cor nojenta,
Fetos magros, ainda na placenta,
Estendiam-me as m�os rudimentares!
Mostravam-me o apriorismo incognosc�vel
Dessa fatalidade igualit�ria,
Que fez minha fam�lia origin�ria
Do antro daquela f�brica terr�vel!
A corrente atmosf�rica mais forte
Zunia. E, na �gnea crosta do Cruzeiro,
Julgava eu ver o f�nebre candeeiro
Que h� de me alumiar na hora da morte.
Ningu�m compreendia o meu solu�o,
Nem mesmo Deus! Da roupa pelas brechas,
O ventobravo me atirava flechas
E aplica��es hiemais de gelo russo.
A vingan�a dos mundos astron�micos
Enviava � terra extraordin�ria faca,
Posta em rija ades�o de goma laca
Sobre os meus elementos anat�micos.
Ah! Com certeza, Deus me castigava!
Por toda a parte, como um r�u confesso,
Havia um juiz que lia o meu processo
E uma forca especial que me esperava!
Mas o vento cessara por instantes
Ou, pelo menos, o ignis sapiens do Orco
Abafava-me o peito arqueado e porco
Num n�cleo de subst�ncias abrasantes.
� bem poss�vel que eu umdia cegue.
No ardor desta letal t�rrida zona,
A cor do sangue � a cor que me impressiona
E a que mais neste mundo me persegue!
Essa obsess�o crom�tica me abate.
N�o sei por que me v�m sempre � lembran�a
O est�mago esfaqueado de uma crian�a
E um peda�o de v�scera escarlate.
Quisera qualquer coisa provis�ria
Que a minha cerebral caverna entrasse,
E at� ao fim, cortasse e recortasse
A faculdade aziaga da mem�ria.
Na ascens�o barom�trica da calma,
Eu bem sabia, ansiado e contrafeito,
Que uma popula��o doente do peito
Tossia sem rem�dio na minh�alma!
E o cuspo que essa heredit�ria tosse
Golfava, � guisa de �cido res�duo,
N�o era o cuspo s� de um indiv�duo
Minado pela t�sica precoce.
N�o! N�o era o meu cuspo, com certeza
Era a expectora��o p�trida e crassa
Dos br�nquios pulmorares de uma ra�a
Que violou as leis da Natureza!
Era antes uma tosse ub�qua, estranha,
Igual ao ru�do de um calhau redondo
Arremessado no apogeu do estrondo,
Pelos fundibul�rios da montanha!
E a saliva daqueles infelizes
Inchava, em minha boca, de tal arte,
Que eu, para n�o cuspir� por toda a parte,
Ia engolindo, aos poucos, a hemopt�sis!
Na alta alucina��o de minhas cismas
O microcosmos l�quido da gota
Tinha a abund�ncia de uma art�ria rota,
Arrebatada pelos aneurismas.
Chegou-me o estado m�ximo da m�goa!
Duas, tr�s, quatro, cinco, seis e sete
Vezes que eu me furei com um canivete,
A hemoglobina vinha cheia de �gua!
Cuspo, cujas caudais meus bei�os regam,
Sob a forma de m�nimas cam�ndulas,
Benditas sejam todas essas gl�ndulas,
Que,� quotidianamente, te segregam!
Escarrar de um abismo noutro abismo,
Mandando ao C�u o fumo de um cigarro,
H� mais filosofia neste escarro
Do que em toda a moral do Cristianismo!
Porque, se no orbe oval que os meus p�s tocam
Eu n�o deixasse o meu cuspo carrasco,
Jamais exprimiria o ac�rrimo asco
Que os canalhas do mundo me provocam!
II
Foi no horror dessa noite t�o fun�rea
Que eu descobri, maior talvez que Vinci,
Com a for�a visual�stica do lince,
A falta de unidade na mat�ria!
Os esqueletos desarticulados,
Livres do acre fedor das carnes mortas,
Rodopiavam, com as brancas t�bias tortas,
Numa dan�a de n�meros quebrados!
Todas as divindades malfazejas,
Siva e Arim�, os duendes, o In e os trasgos,
Imitando o barulho dos engasgos,
Davam pancadas no adro das igrejas.
Nessa hora de mon�logos sublimes,
A companhia dos ladr�es da noite,
Buscando uma taverna que os a�oite,
Vai pela escurid�o pensando crimes.
Perpetravam-se os atos mais funestos,
E o luar, da cor de um doente de icter�cia,
Iluminava, a rir, sem pudic�cia,
A camisa vermelha dos incestos.
Ningu�m, de certo, estava ali, a espiar-me,
Mas um lampi�o, lembrava ante o meu rosto,
Um sugestionador olho, ali posto
De prop�sito, para hipnotizar-me!
Em tudo, ent�o, meus olhos distinguiram
Da miniatura singular de uma aspa,
� anatomia m�nima da caspa,
Embri�es de mundos que n�o progrediram!
Ser cachorro! Ganir incompreendidos
Verbos! Querer dizer-nos que n�o finge,
E a palavra embrulhar-se na laringe,
Escapando-se apenas em latidos!
Despir a putresc�vel forma tosca,
Na atra dissolu��o que tudo inverte,
Deixar cair sobre a barriga inerte
O apetite necr�fago da mosca!
A alma dos animais! Pego-a, distingo-a,
Acho-a nesse interior duelo secreto
Entre a �nsia de um voc�bulo completo
E uma express�o que n�o chegou � l�ngua!
Surpreendo-a em quatrilh�es de corpos vivos,
Nos antiperist�lticos abalos
Que produzem nos bois e nos cavalos
A contra��o dos gritos instintivos!
Tempo viria, em que,� daquele horrendo
Caos de corpos org�nicos disformes
Rebentariam c�rebros enormes,
Como bolhas febris de �gua, fervendo!
Nessa �poca que os s�bios n�o ensinam,
A pedra dura, os montes argilosos
Criariam feixes de cord�es nervosos
E o neuroplasma dos que raciocinam!
Almas pigm�ias! Deus subjuga-as, cinge-as
� imperfei��o! Mas vem o Tempo, e vence-o,
E o meu sonho crescia nosil�ncio,
Maior que as epop�ias carol�ngias!
Era a revolta tr�gica dos tipos
Ontog�nicos mais elementares,
Desde os foramin�feros dos mares
� grei liliputiana dos p�lipos.
Todos os personagens da trag�dia,
Cansados de viver na paz de Buda,
Pareciam pedir com a boca muda
A ganglion�ria c�lula interm�dia.
A planta que a can�cula �gnea torra,
E as coisas inorg�nicas mais nulas
Apregoavam enc�falos, medulas
Na alegria guerreira da desforra!
Os protistas e o obscuro acervo rijo
Dos espongi�rios e dos infus�rios
Recebiam com os seus �rg�os sens�ricos
O triunfo emocional do regozijo.
E apesar de j� n�o ser assim t�o tarde,
Aquela humanidade parasita,
Como um bicho inferior, berrava, aflita,
No meu temperamento de covarde!
Mas, refletindo, a s�s, sobre o meu caso
Vi que, igual a um amniota subterr�neo,
jazia atravassada no meu cr�nio
A intercess�o fat�dica do atraso!
A hip�tese genial do microzima
Me estrangulava o pensamento guapo,
E eu me encolhia todo como um sapo
Que tem um peso inc�modo por cima!
Nas agonias do delirium-tremens,
Os b�bedos alvares que me olhavam,
Com os copos cheios esterilizavam
A subst�ncia prol�fica dos s�mens!
Enterravam as m�os dentro das goelas,
E sacudidos de um tremor ind�mito
Expeliam, na dor forte do v�mito,
Um conjunto de gosmas amarelas.
Iam depois dormir nos lupanares
Onde, na gl�ria da concupisc�ncia,
Depositavam quase sem consci�ncia
As derradeiras for�as musculares.
Fabricavam destarte os bastodermas,
Em cujo repugnante recept�culo
Minha perscruta��o via o espet�culo
De uma prog�nie idiota de palermas.
Prostitui��o ou outro qualquer nome,
por tua causa, embora o homem te aceite,
� que as mulheres ruins ficam sem leite
E os meninos sem pai morrem de fome!
Por que h� de haver aqui tantos enterros?
L� no �Engenho� tamb�m, a morte � ingrata...
H� o malvado carb�nculo que mata
A sociedade infante dos bezerros!
Quantas mo�as que o t�mulo reclama!
E ap�s a podrid�o de tantas mo�as,
Os porcos espojando-se nas po�as
Da virgindade reduzida � lama!
Morte, ponto final da �ltima cena,
Forma difusa da mat�ria embele,
Minha filosofia te repele,
Meu racioc�nio enorme te condena!
Diante de ti, nas catedrais mais ricas,
Rolam sem efic�cia os amuletos,
Oh! Senhora dos nossos esqueletos
E das caveiras di�rias que fabricas!
E eu desejava ter, numa �nsia rara,
Ao pensar nas pessoas que perdera,
A inconsci�ncia das m�scaras de cera
Que a gente prega, como um cord�o, na cara!
Era um sonho ladr�o de submergir-me
Na vida universal,e, em tudo imerso,
Fazer da parte abstrada do Universo,
Minha morada equilibrada e firme!
Nisto, pior que o remorso do assassino,
Reboou, tal qual, num fundo de caverna,
Numa impressionadora voz interna,
o eco particular do meu Destino;
III
�Homem! por mais que a Id�ia deintegres,
Nessas perquisi��es que n�o t�m pausa,
Jamais, magro homem, saber�s a causa
De todos os fen�menos alegres!
Em v�o, com a bronca enxada �rdega, sondas
A est�ril terra, e a hialina l�mpada oca,
Trazes, por perscrutar (oh! ci�ncia louca!)
O conte�do das l�grimas hediondas.
Negro e sem fim � esse em que te mergulhas
lugar do Cosmos, onde a dor infrene
� feita como � feito o querosene
Nos rec�ncavos �midos das hulhas!
Porque, para que a Dor perscrutes, fora
Mister que, n�o como �s, em s�ntese, antes
Fosses, a refletir teus semelhantes,
A pr�pria humanidade sofredora!
A universal complexidade � que Ela
Compreende. E se, por vezes, se divide,
Mesmo ainda assim, seu todo n�o Residencia
No quociente isolado da parcela!
Ah! Como o ar imortal a Dor n�o finda!
Das papilas nervosas que h� nos tatos
Veio e vai desde os tempos mais transatos
Para outros tempos que h�o de vir ainda!
Como o machucamento das ins�nias
Te estraga, quando toda a estuada Id�ia
D�s ao s�frego estudo da ninf�ia
E de outras plantas dicotiled�neas!
A di�fana �gua alv�ssima e a h�rrida �scua
Que da �gnea flama bruta, estriada, espirra;
A forma��o molecular da mirra,
o cordeiro simb�lico da P�scoa;
As rebeladas c�leras que rugem
No homem civilizado, e a ele se prendem
Como �s pulseiras que os mascates vendem
A ader�ncia teimosa da ferrugem;
O orbe feraz que bastos jojos acres
Produz�a rebeli�o que na batalha,
Deixa os homens deitados, sem mortalha,
Na sangueira concreta dos massacres;
Os sanguinolent�ssimos chicotes
Da hemorragia; as n�doas mais espessas,
O achatamento ign�bil das cabe�as,
Que ainda degrada os povos hotentotes;
O Amor e a Fome, a fera ultriz que o fojo
Entra, � espera que a mansa v�tima o entre,
-- Tudo que gera no materno ventre
A causa fisiol�gica do nojo;
As p�lpebras inchadas na vig�lia,
As aves mo�as que perderam a asa,
O fog�o apagado de uma casa,
Onde morreu o chefe da fam�lia;
O trem particular que um corpo arrasta
Sinistramente pela via f�rrea,
A cristaliza��o da massa t�rrea,
O tecido da roupa que se gasta;
A �gua arbitr�ria que hiulcos caules grossos
Carrega e come; as negras formas feias
Dos aracn�deos e das centop�ias,
O fogo-f�tuo que ilumina os ossos;
As proje��es flam�vomas que ofuscam,
Como uma pincelada rembrandtesca,
A sensa��o que uma coalhada fresca
Transmite �s m�os nervosas dos que a buscam;
O antagonismo de T�fon e Os�ris,
O homem grande oprimindo o homem pequeno
A lua falsa de um parasseleno,
A mentira mete�rica do arco-�ris;
Os terremotos que, abalando os solos,
Lembram pai�is de p�lvora explodindo,
A rota��o dos fluidos produzindo
A depress�o geol�gica dos p�los;
O instinto de procriar, a �nsia leg�tima
Da alma, afrontando ovante aziagos riscos,
O juramento dos guerreiros priscos
Metendo as m�os nas gl�ndulas da v�tima;
As diferencia��es que o psicoplasma
Humano sofre da mania m�stica,
A pesada opress�o caracter�stica
Dos dez minutos de um acesso de asma;
E, (conquanto contra isto �dios regougues)
A utilidade f�nebre da corda
Que arrasta a r�s, depois que a r�s engorda,
� morte desgra�ada dos a�ougues...
Tudo isto que o terr�queo abismo encerra
Forma a complica��o desse barulho
Travado entre o drag�o do humano orgulho
E as for�as inorg�nicas da terra!
Por descobrir tudo isso, embalde cansas!
Ignoto � o g�rmem dessa for�a ativa
Que engendra, em cada c�lula passiva,
A heterogeneidade das mudan�as!
Poeta, feito mals�o, criado com os sucos
De um leite mau, carn�voro asqueroso,
Gerado no atavismo monstruoso
Da alma desordenada dos malucos;
�ltima das criaturasinferiores
Governada por �tomos mesquinhos,
Teu p� mata a uberdade dos caminhos
E esteriliza os ventres geradores!
O �spero mal que a tudo, em torno, trazes,
Am�logo � ao que, negro e a seu turno,
Traz o �vido fil�stomo noturno
Ao sangue dos mam�feros vorazes!
Ah! Por mais que, com o esp�rito, trabalhes
A perfei��o dos seres existentes,
H�s de mostrar a c�rie dos teus dentes
Na anatomia horrenda dos detalhes!
O Espa�o -- esta abstra��o spencereana
Que abrange as rela��es de coexist�ncia
E s�! N�o tem nenhuma depend�ncia
Com as v�rtebras mortais da esp�cie humana!
As radiantes elipses que as estrelas
Tra�am, e ao espectador falsas se antolham
S�o verdades de luz que os homens olham
Sem poder, no entretanto, compreend�-las.
Em v�o, com a m�o corrupta, outro �ter pedes
Que essa m�o, de esquel�ticas falanges,
Dentro dessa �gua que com a vista abranges,
Tamb�m prova o princ�pio de Arquimedes!
A fadiga feroz que te esbordoa
H� de deixar-te essa medonha marca,
Que, nos corpos inchados de anasarca,
Deixam os dedos de qualquer pessoa!
Nem ter�s no trabalho que tiveste
A misericordiosa toalha amiga,
Que afaga os homens doentes de bexiga
E enxuga, � noite, as p�stulas da peste!
Quando chegar depois a hora tranq�ila,
Tu ser�s arrastado, na carreira,
Como um cepo inconsciente de madeira
Na evolu��o org�nica da argila!
Um dia comparado com um mil�nio
Seja, pois, o teu �ltimo Evangelho...
� a evolu��o do novo para o velho
E do homog�neo para o heterog�neo!
Adeus! Fica-te a�, com o abd�men largo
A apodrecer!... �s poeira e embalde vibras!
O corvo que comer as tuas fibras
H� de achar nelas um sabor amargo!�
IV
Calou-se a voz. A noite era funesta.
E os queixos, a exibir trismos danados,
Eu puxava os cabelos desgrenhados
Como o Rei Lear, no meio da floresta!
Maldizia, com ap�strofes veementes,
No estentor de mil l�nguas insurretas,
O convencionalismo das Pandetas
E os textos maus dos c�digos recentes!
Minha imagina��o atormentada
Paria absurdos... Como diabos juntos,
perseguiam-me os olhos dos defuntos
Com a carne da escler�tica esverdeada.
Secara a clorofila das lavouras.
Igual aos sustenidos de uma endecha
Vinha-me �s cordas gl�ticas a queixa
Das coletividades sofredoras.
O mundo resignava-se invertido
Nas for�as principais do seu trabalho...
A gravidade era um princ�pio falho,
A an�lise espectral tinha mentido!
O Estado, a Associa��o, os Munic�pios
Eram mortos. De todo aquele mundo
Restava um mecanismo moribundo
E uma teleologia sem princ�pios.
Eu queria correr, ir para o inferno,
Para que, da psique no oculto jogo,
Morressem sufocadas pelo fogo
Todas as impress�es do mundo externo!
Mas a Terra negava-me o equil�brio...
Na Natureza, uma mulher de luto
Cantava, espiando as �rvores sem fruto.
A can��o prostituta do lud�brio.
Budismo moderno
Tome, Dr., esta tesoura, e...corte
Minha singular�ssima pessoa.
Que importa a mim que a bicharia roa
Todo o meu cora��o, depois da morte?!
Ah! Um urubu pousou na minha sorte!
Tamb�m, das diatom�ceas da lagoa
A cript�gama c�psula se esbroa
Ao contato de bronca destra forte!
Dissolva-se, portanto, minha vida
Igualmente a uma c�lula ca�da
Na aberra��o de um �vulo infecundo;
Mas o agregado abstrato das saudades
Fique batendo nas perp�tuas grades
Do �ltimo verso que eu fizer no mundo!
Sonho de um monista
Eu e o esqueleto esqu�lido de Esquilo
Viaj�vamos, com uma �nsia sibarita,
por toda a pro-din�mica infinita,
Na inconsci�ncia de um zo�fito tranq�ilo.
A verdade espantosa do Protilo
Me aterrava, mas dentro da alma aflita
Via Deus -- essa m�nada esquisita --
Coordenando e animando tudo aquilo!
E eu bendizia, com o esqueleto ao lado,
Na guturalidade do meu brado,
Alheio ao velho c�lculo dos dias,
Como um pag�o no altar de Proserpina,
A energia intrac�smica divina
Que � o pai e � a m�e das outras energias!
Solit�rio
Como um fantasma que se refugia
Na solid�o da natureza morta,
Por tr�s dos ermos t�mulos, um dia,
Eu fui refugiar-me � tua porta!
Fazia frio e o frio que fazia
N�o era esse que a carne nos contorta...
Cortava assim como em carni�aria
O a�o das facas incisivas corta!
Mas tu n�o vieste ver minha Desgra�a!
E eu sa�, como quem tudo repele,
-- Velho caix�o a carregar destro�os --
Levando apenas na tumba carca�a
O pergaminho singular da pele
E o chocalho fat�dico dos ossos!
Mater Originalis
Forma vermicular desconhecida
Que estacionaste, m�sera e mofina,
Como quase impalp�vel gelatina,
Nos estados prodr�micos da vida;
O hierofante que leu a minha sina
Ignorante � de que �s, talvez, nascida
Dessa homogeneidade indefinida
Que o insigne Herbert Spencer nos ensina.
Nenhuma ignota uni�o ou nenhum sexo
� conting�ncia org�nica do sexo
A tua estacion�ria alma prendeu...
Ah! De ti foi que, aut�noma e sem normas,
Oh! M�e original das outras formas,
A minha forma l�gubre nasceu!
O Lupanar
Ah! Por que monstruos�ssimo motivo
Prenderam para sempre, nesta rede,
Dentro do �ngulo diedro da parede,
A alma do homem poil�gamo e lascivo?!
Este lugar, mo�os do mundo, vede:
� o grande bebedeouro coletivo,
Onde os bandalhos, como um gado vivo,
Todas as noites, V�m matar a sede!
� o afrod�stico leito do hetairismo
A antec�mara l�brica do abismo,
Em que � mister que o g�nero humano entre.
Quando a promiscuidade aterradora
Matar a �ltima for�a geradora
E comer o �ltimo �vulo do ventre!
Idealismo
Falas de amor, e eu ou�o tudo e calo!
O amor da Humanidade � uma mentira.
�. E � por isso que na minha lira
De amores f�teis poucas vezes falo.
O amor! Quando virei por fim a am�-lo?!
Quando, se o amor quea Humanidade inspira
� o amor do sibarita e da heta�ra,
De Messalina e de Sardanapalo?!
Pois � mister que, para o amor sagrado,
O mundo fique imaterializado
-- Alavanca desviada do seu futuro --
E haja s� amizade verdadeira
Duma caveira para outra caveira,
Do meu sepulcro para o teu sepulcro?!
�ltimo credo
Como ama o homem ad�ltero o adult�rio
E o �brio a garrafa t�xica de rum,
Amo o coveiro -- este ladr�o comum
Que arrasta a gente para o cemit�rio!
� o transcendental�ssimo mist�rio!
� o nous, � o pneuma, � o ego sum qui sum,
� a morte, � esse danado n�mero Um
Que matou Cristo e que matou Tib�rio!
Creio, como o fil�sofo mais crente,
na generalidade descrente
Com que a subst�ncia c�smica evolui...
Creio, perante a evolu��o imensa,
Que o homem universal de amanh� ven�a
O homem particular eu que ontem fui!
O caix�o fant�stico
C�lere ia o caix�o, e, nele, inclusas,
Cinzas, caixas cranianas, cartilagens
Oriundas, como os sonhos dos selvagens,
De aberrat�rias abstra��es abstrusas!
Nesse caix�o iam, talvez as Musas,
Talvez meu Pai! Hoffm�nicas viagens
Enchiam meu enc�falo de imagens
As mais contradit�rias e confusas!
A energia mon�stica do Mundo,
� meia-noite, penetrava fundo
No meu fenomenal c�rebro cheio...
Era tarde! Fazia muito frio.
Na rua apenas o caix�o sombrio
Ia continuando o seu passeio!
Solil�quio de um vision�rio
Para desvirginar o labirinto
Do velho e metaf�sico Mist�rio,
Comi meus olhos crus no cemit�rio,
Numa antropofagia de faminto!
A digest�o desse manjar fun�reo
Tornado sangue transformou-me o instinto
De humanas impress�es visuais que eu sinto
Nas divinas vis�es do �ncola et�reo!
Vestido de hidrog�nio incandescente,
Vaguei um s�culo, improficuamente,
Pelas monotonias siderais...
subi talvez �s m�ximas alturas,
Mas, se hoje volto assim, com a alma �s escuras,
� necess�rio que ainda eu suba mais!
A um carneiro morto
Misericordios�ssimo carneiro
Esquartejado,� a maldi��o de Pio
D�cimo caia em teu algoz sombrio
E em todo aquele que for seu herdeiro!
Maldito seja o mercador vadio
Que te vender as carnes por dinheiro,
pois, tua l� aquece o mundo inteiro
E guarda as carnes dos que est�o com frio!
Quando a faca rangeu no teu pesco�o,
Ao monstro que espremeu teu sangue grosso
Teus olhos -- fontes de perd�o -- perdoaram!
Oh! tu que no Perd�o eu simbolizo,
Se fosses Deus, no Dia de Ju�zo,
Talvez perdoasses os que te mataram!
Vozes da morte
Agora sim! Vamos morrer, reunidos,
Tamarindo de minha desventura,
Tu, com o envelhecimento da nervura,
Eu, com o envelhecimento dos tecidos!
Ah! Esta noite � a noite dos Vencidos!
E a podrid�o, meu velho! E essa futura
Ultrafatalidade de ossatura,
A que nos acharemos reduzidos!
N�o morrer�o, por�m, tuas sementes!
E assim, para o Futuro, em diferentes
Florestas, vales, selvas, glebas, trilhos,
Na multiplicidade dos teus ramos,
Pelo muito que em vida nos amamos,
Depois da morte, inda teremos filhos!
Ins�nia de um simples
Em cismas patol�gicas insanas,
�-me grato adstringir-me, na hierarquia
Das formas vivas, � categoria
Das organiza��es liliputianas;
Ser semelhante aos zo�fitos e �s lianas,
Ter o destino de uma larva fria,
Deixar enfim na cloaca mais sombria
Este feixe de c�lulas humanas!
E enquanto arremedando �olo iracundo,
Na orgia heliogab�lica do mundo,
Ganem todos os v�cios de uma vez,
Apraz-me, adstrito ao tri�ngulo mesquinho
De um delta humilde, apodrecer sozinho
No sil�ncio de minha pequenez!
Os doentes
I
Como uma cascavel que se enroscava,
A cidade dos l�zaros dormia...
Somente, na metr�plole vazia,
Minha cabe�a aut�noma pensava!
Mordia-me a obsess�o m� de que havia,
Sob os meus p�s, na terra onde eu pisava,
Um f�gado doente que sangrava
E uma garganta �rf� que gemia!
Tentava compreender com as conceptivas
Fun��es do enc�falo as subst�ncias vivas
Que nem Spencer, nem Haeckel compreenderam...
E via em mim, coberto de desgra�as,
O resultado de bilh�es de ra�as
Que h� muito desapareceram!
II
Minha ang�stia feroz n�o tinha nome.
Ali, na urbe natal do Desconsolo,
Eu tinha de comer o �ltimo bolo
Que Deus fazia para a minha fome!
Convulso, o vento entoava um pseudosalmo.
Contrastando, entretanto, com o ar convulso
A noite funcionava como um pulso
Fisiologicamente muito calmo.
Ca�am sobre os meus centros nervosos,
Como os pingos ardentes de cem velas,
O uivo desenganado das cadelas
E o gemido dos homens bexigosos.
Pensava! E em que eu pensava, n�o perguntes!
Mas, em cima de um t�mulo, um cachorro
Pedia para mim �gua e socorro
� comisera��o dos transeuntes!
Bruto, de errante rio, alto e h�rrido, o urro
Reboava. Al�m jazia os p�s da serra,
Criando as supersti��es de minha terra,
A queixada espec�fica de um burro!
Gordo adubo de agreste urtiga brava,
Benigna �gua, magn�nima e magn�fica,
Em cuja �lgida un��o, branda e beat�fica,
A Para�ba ind�gena se lava!
A manga, a ameixa, a am�ndoa, a ab�bora, o �lamo
E a c�mara odor�fera dos sumos
Absorvem diariamente o ub�rrimo h�mus
Que Deus espalha � beira do seu t�lamo!
Nos de teu curso desobstru�dos trilhos,
Apenas eu compreendo, em quaisquer horas,
O hidrog�nio e o oxig�nio que tu choras
Pelo falecimento dos teus filhos!
Ah! Somente eu compreendo, satisfeito,
A inc�gnita psique das massas mortas
Que dormem, como as ervas, sobre as hortas,
Na esteira igualit�ria do teu leito!
O vento continuava sem cansa�o
E enchia com a fluidez do e�lico hissope
Em seu fantasmag�rido galope
A abund�ncia geom�trica do espa�o.
Meu ser estacionava, olhando os campos
Circunjacentes. No Alto, os astros mi�dos
Reduziam os C�us s�rios e rudos
A uma epiderme cheia de sarampos!
III
Dormia embaixo, com a prom�scua v�stia
No enbotamento crasso dos sentidos,
A comunh�o dos homens reunidos
Pela camaradagem da mol�stia.
Feriam-me o� nervo �ptico e a retina
Aponevroses e tend�es de Aquiles,
Restos repugnant�ssimos de b�lis,
V�mitos impregnados de ptialina.
Da degeneresc�ncia �tnica do �ria
Se escapava, entre estr�pitos e estouros,
Reboando pelos s�culos vindouros,
O ru�do de uma tosse heredit�ria.
OH! desespero das pessoas t�sicas,
Adivinhando o frio que h� nas lousas,
Maior felicidade � a destas cousas
Submetidas apenas �s leis f�sicas!
Estas, por mais que os cardos grandes rocem
Seus corpos brutos, dores n�o recebem;
Estas dis bacalhaus o �leo n�o bebem,
Estas n�o cospem sangue, estas n�o tossem!
Descender dos macacos catarr�neos,
Cair doente e passar a vida inteira
Com a boca junto de uma escarradeira,
Pintando o ch�o de co�gulos sang��neos!
Sentir, adstritos ao quimiotropismo
Er�tico, os micr�bios assanhados
Passearem, como in�meros soldados,
Nas cancerosidades do organismo!
Falar somente uma linguagem rouca.
Um portugu�s cansado e incompreens�vel,
Vomitar o pulm�o na noite horr�vel
Em que se deita sangue pela boca!
Expulsar, aos bocados, a exist�ncia
Numa bacia aut�mata de barro,
Alucinado, vendo em cada escarro
O retrato da pr�pria consci�ncia!
Querer dizer a ang�stia de que � p�bulo
E com a respira��o j� muito fraca
Sentir como que a ponta de uma faca,
Cortanto as ra�zes do �ltimo voc�bulo.
N�o haver terap�utica que arranque
Tanta opress�o como se, com efeito,
Lhe houvessem sacudido sobre o peito
A m�quina pneum�tica de Bianchi!
E o ar fugindo e a Morte a arca da tumba
A erguer, como um cron�metro gigante
Marcando a transi��o emocionante
Do lar materno para a catacumba!
Mas vos n�o lamenteis, magras mulheres,
Nos ardores danados da febre h�tica,
Consagrando vossa �ltima fon�tica
A uma recita��o de mesereres.
Antes levardes ainda uma quimera
Para a garganta omn�vora das lajes
Do que morrerdes, hoje, urrando ultrajes
Contra a dissolu��o que vos espera!
Porque a morte, resfriando-vos o rosto,
Consoante a minha concep��o ves�nica,
� a alf�ndega, onde toda a vida org�nica
H� de pagar um dia o �ltimo imposto!
IV
Come�ara a chover. Pelas algentes
Ruas, a �gua, em cachoeiras desobstru�das
Encharcava os buracos das feridas,
Alagava a medula dos Doentes!
Do fundo do meu tr�gico destino,
Onde a Resigna��o os bra�os cruza,
Sa�a, com o vexame de uma fusa,
A m�goa gaguejada de um cretino.
Aquele ru�do obscuro de gagueira
Que � noite, em sonhos m�rbidos, me acorda,
Vinha da vibra��o bruta da corda
Mais rec�ndita da alma brasileira!
Aturdia-me a t�trica miragem
De que, naquele instante, no Amazonas,
Fedia, entregue a v�sceras glutonas,
A carca�a esquecida de um selvagem.
A civiliza��o entrou na taba
Em que ele estava. O g�nio de Colombo
Manchou de opr�brios a alma do mazombo,
Cuspiu na cova do morubixaba!
E o �ndio, por fim, adstrito � �tnica esc�ria,
Recebeu, tendo o horror no rosto impresso,
Esse achincalhamento do progresso
Que o anulava na cr�tica da Hist�ria!
Como quem analisa uma apostema,
De repente, acordando na desgra�a,
Viu toda a podrid�o de sua ra�a...
Na tumba de Iracema!...
Ah! Tudo, como um l�gubre ciclone,
Exercia sobre ela a��o funesta
Desde o desbravamento da floresta
� ultrajante inven��o do telefone.
E sentia-se pior que um vagabundo
Microc�falo vil que a esp�cie encerra,
Desterrado na sua pr�pria terra,
Diminu�do na cr�nica do mundo!
A hereditariedade dessa pecha
Seguiria seus filhos. Dora em diante
Seu povo tombaria agonizante
Na luta da espingarda contra a flecha!
Veio-lhe ent�o como � f�mea v�m antojos.
Uma desesperada �nsia improf�cua
De estrangular aquela gente in�qua
Que progredia sobre os seus despojos!
Mas, diante a xantocr�ide ra�a loura,
Jazem, caladas, todas as in�bias,
E agora, sem dif�ceis nuan�as d�bias,
Com uma clarivid�ncia aterradora,
Em vez da prisca tribo e indiana tropa
A gente deste s�culo, espantada,
V� somente a caveira abandonada
De uma ra�a esmagada pela Europa!
V
Era a hora em que arrastados pelos ventos,
Os fantasmas haml�ticos dispersos
Atiram na consci�ncia dos perversos
A sombra dos remorsos famulentos.
As m�es sem cora��o rogavam pragas
Aos filhos bons. E eu, ro�do pelos medos,
Batia com o pent�gono dos dedos
Sobre um fundo hipot�tico de chagas!
Diab�lica din�mica daninha
Oprimia meu c�rebro indefeso
Com a for�a oneros�ssima de um peso
Que eu n�o sabia mesmo de onde vinha.
Perfurava-me o peito a �spera pua
do des�nimo negro que me prostra,
E quase a todos os momentos mostra
Minha caveira aos b�bedos da rua.
Hereditariedades polit�picas
Punham na minha boca putresc�vel
Interjei��es de abracadabra horr�vel
E os verbos indignados das Fil�picas.
Todos os vocativos dos blasfemos,
No horror daquela noite monstruosa,
Maldiziam, com voz estentorosa,
A pe�onha inicial de onde nascemos.
Como que havia na �nsia de conforto
De cada ser, ex.: o homem e o of�dio,
Uma necessidade de suic�dio
E um desejo incoerc�vel de ser morto!
Naquela ang�stia absurda e tragic�mica
Eu chorava, rolando sobre o lixo,
Com a contor��o neur�tica de um bicho
Que ingeriu 30 gramas de noz-v�mica.
E, como um homem doido que se enforca,
Tentava, na terr�quea superf�cie,
Consubstanciar-me todo com a imund�cie,
Confundir-me com aquela coisa porca!
Vinha, �s vezes, por�m, o anelo inst�vel
De, com o aux�lio especial do osso mass�ter
Mastigando homeom�rias neutras de �ter
Nutrir-me da mat�ria imponder�vel.
Anelava ficar um dia, em suma,
Menor que o anfi�xus e inferior � t�nia,
Reduzido � plast�dula homog�nea,
Sem diferencia��o de esp�cie alguma.
Era (nem sei em s�ntese o que diga)
Um velh�ssimo instinto at�vico, era
A saudade inconsciente da monera
Que havia sido minha m�e antiga.
Com o horror tradicional da raiva corsa
Minha vontade era, perante a cova,
Arrancar do meu pr�prio corpo a prova
Da persist�ncia tr�gica da for�a.
A pragm�tica m� de humanos usos
N�o compreende que a Morte que n�o dorme
� a absor��o do movimento enorme
Na dispers�o dos �tomos difusos.
N�o me incomoda esse �ltimo abandono
Se a carne individual hoje apodrece
Amanh�, como Cristo, reaparece
Na universalidadej do c arbono!
A vida vem do �ter que se condensa
Mas o que mais no Cosmos me entusiasma
� a esfera microsc�pica do plasma
Fazer a luz do c�rebro que pensa.
Eu voltarei, cansado, da �rdua li�a
� subst�ncia inorg�nica primeva
De onde, por epig�nese, veio Eva
E a stirpe radiolar chamada Actissa.
Quando eu for misturar-me com as violetas
Minha lira, maior que a B�blia e a Fedra
Reviver�, dando emo��o � pedra
Na ac�stica de todos os planetas!
VI
� �lgida agulha, agora, alva, a saraiva
Caindo, an�loga era... Um c�o agora
Punha a atra l�ngua hidr�foba de fora
Em contra��es miol�gicas de raiva.
Mas, para al�m, entre oscilantes chamas,
Acordavam os bairros da lux�ria...
As prostitutas, doentes de hemat�ria,
Se extenuavam nas camas.
Uma, ign�bil, derreada de cansa�o,
Quase que escangalhada pelo v�cio,
Cheirava com prazer no sacrif�cio
A lepra m� que lhe ro�a o bra�o!
E ensang�entava os dedos da m�o n�vea
Com o sentimento gasto e a emo��o pobre,
Nessa alegria b�rbara que cobre
Os saracoteamentos da lasc�via...
De certo, a pervers�o de que era presa
o sensorium daquela prostituta
Vinha da adapta��o quase absoluta
� ambi�ncia microbiana da baixeza!
Entanto, virgem fostes, e, quando o �reis,
N�o t�nheis ainda essa erup��o cut�nea,
Nem t�nheis, v�tima �ltima da ins�nia,
Duas mam�rias gl�ndulas est�reis!
Ah! Certamente n�o havia ainda
Rompido, com viol�ncia, no horizonte,
O sol malvado que secou a fonte
De vossa castidade agora finda!
Talvez tiv�sseis fome, e as m�os, embalde,
Estendestes ao mundo, at� que, �-toa,
Fostes vender a virginal coroa
Ao primeiro bandido do arrabalde.
E estais velha! -- De v�s o mundo � farto,
E hoje, que a sociedade vos enxota,
Somente as bruxas negras da derrota
Freq�entam diariamente vosso quarto!
prometem-vos (quem sabe?!) entre os ciprestes
Longe da mancebia dos alcouces,
Nas quietudes nirv�nicas mais doces
O noivado que em vida n�o tivestes!
VII
Quase todos os lutos conjugados,
Como uma associa��o de monop�lio,
Lan�avam pinceladas pretas de �leo
Na arquitetura arcaica dos sobrados.
Dentro da noite funda um bra�o humano
Parecia cavar ao longe um po�o
Para enterrar minha ilus�o de mo�o,
Como a boca de um po�o artesiano!
Atabalhoadamente pelos becos,
Eu pensava nas coisas que perecem,
Desde as musculaturas que apodrecem
� ru�na vegetal dos l�rios secos.
Cismava no prop�sito fun�reo
Da mosca debochada que fareja
O defunto, no ch�o frio da igreja,
E vai depois lev�-lo ao cemit�rio!
E esfregando as m�os magras, eu, inquieto,
Sentia, na craniana caixa tosca,
A racionalidade dessa mosca,
A consci�ncia terr�vel desse inseto!
Regougando, por�m, argots e alj�mias,
Como quem nada encontra que o perturbe,
A energ�mena gei dos �brios da urbe
Festejava seu s�bado de inf�mias.
A est�tica fatal das paix�es cegas,
Rugindo fundamente nos neur�nios,
Puxava aquele povo de dem�nios
Para a promiscuidade das adegas.
E a �bria turba que escaras sujas masca,
� falta idiossincr�sica de escr�pulo,
Absorvia com g�udio absinto, l�pulo
E outras subst�ncias t�xicas da tasca.
O ar ambiente cheirava a �cido ac�tico,
Mas, de repente, com o ar de quem empesta,
Apareceu, escorra�ando a festa,
A mand�bula inchada de um morf�tico!
Sali�ncias polim�rficas vermelhas,
Em cujo aspecto o olhar persp�cuo prendo,
Punham-lhe num destaque horrendo o horrendo
Tamanho aberrat�rio das orelhas.
O f�cies do morf�tico assombrava!
-- Aquilo era uma negra eucaristia,
Onde minh�alma inteira surpreendia
A Humanidade que se lamentava!
Era todo o meu sonho, assim inchado,
J� podre, que a morf�ia miser�vel
Tornava �s impress�es t�teis, palp�vel,
Como se fosse um corpo organizado!
VIII
Em torno a mim, nesta hora, estriges voam,
E o cemit�rio, em que eu entrei adrede,
D�-me a impress�o de um boulevard que fede,
Pela degrada��o dos que o povoam.
Quanta gente, roubada � humana coorte
Morre de fome, sobre a palha espessa,
Sem ter, como Ugolino, uma cabe�a
Que possa mastigar na hora da morte
E nua, ap�s baixar ao caos budista,
Vem para aqui, nos bra�os de um canalha
porque o madapol�o para a mortalha
Custa 1$200 ao lojista!
Que resta das cabe�as que pensaram?!
E afundado nos sonhos mais nefastos,
Ao pegar num milh�o de miolos gastos,
Todos os meus cabelos se arrepiaram.
Os evolucionistas benfeitores
Que por entre os cad�veres caminham,
iguais a irm�s de caridade, vinham
Com a podrid�o dar de comer �s flores!
Os defuntos ent�o me ofereciam
Com as articula��es das m�os inermes,
Num prato de hospital, cheio de vermes,
Todos os animais que apodreciam!
�� poss�vel que o est�mago se afoite
(Muito embora contra isto a alma se irrite)
A cevar o antrop�fago apetite,
Comendo carne humana, � meia-noite!
Com uma ilimitad�ssima tristeza,
Na impaci�ncia do est�mago vazio,
Eu devorava aquele bolo frio
Feito das podrid�es da Natureza!
E hirto, a camisa suada, a alma aos arrancos,
Vendo passar com as t�nicas obscuras,
As escaveirad�ssimas figuras
Das negras desonradas pelos brancos;
Pisando, como quem salta, entre fardos,
Nos corpos nus das mo�as hotentotes
Entregues, ao clar�o de alguns archotes,
� sodomia indigna dos moscardos;
Eu maldizia o deus de m�os nefandas
Que, transgredindo a igualit�ria regra
Da Natureza, atira a ra�a negra
Ao contub�rnio di�rio das quitandas!
Na evolu��o de minha dor grotesca,
Eu mendigava aos vermes insubmissos
Como indeniza��o dos meus servi�os,
O benef�cio de uma cova fresca.
Manh�. E eis-me a absorver a luz de fora,
Como o �ncola do p�lo �rtico, �s vezes,
Absorve, ap�s a noite de seis meses,
Os raios calor�ficos da aurora.
Nunca mais as goteiras cairiam
Como propositais setas malvadas,
No frio matador das madrugadas,
Por sobre o cora��o dos que sofriam!
Do meu c�rebro � absconsa t�bua rasa
Vinha a luz restituir o antigo cr�dito,
Proporcionando-me o prazer in�dito,
De quem possui um sol dentro de casa.
Era a vol�pia f�nebre que os ossos
Me inspiravam, trazendo-me ao sol claro,
� apreens�o fisiol�gica do faro
O odor cadaveroso dos destro�os!
IX
O invent�rio do que eu j� tinha sido
Espantava. Restavam s� de Augusto
A forma de um mam�fero vetusto
E a cerebralidade de um vencido!
O g�nio procriador da esp�cie eterna
Que me fizera, em vez de hiena ou lagarta,
Uma sobreviv�ncia de Sidarta,
Dentro da filog�nese moderna;
E arrancara milhares de exist�ncias
Do ov�rio ign�bil de uma fauna imunda,
Ia arrastando agora a alma infecunda
Na mais triste de todas as fal�ncias.
No c�u calamitoso de vingan�a
Desagregava, d�spota e sem normas,
O adesionismo bi�ntico das formas
Multiplicadas pela lei da heran�a!
A ru�na vinha horrenda e delet�ria
Do subsolo infeliz, vinha de dentro
Da mat�ria em fus�o que ainda h� no centro,
Para alcan�ar depois a periferia!
Contra a Arte, oh! Morte, em v�o teu �dio exerces!
Mas, a meu ver, os s�xeos pr�dios tortos
Tinham aspectos de edif�cios mortos,
Decompondo-se desde os alicerces!
A doen�a era geral, tudo a extenuar-se
Estava. O Espa�o abstrato que n�o morre
Cansara... O ar que, em col�nias flu�das, corre,
Parecia tamb�m desagregar-se!
�O prodromos de um t�tano medonho
Repuxavam-me o rosto... Hirto de espanto,
Eu sentia nascer-me n�alma, entanto,
O come�o magn�fico de um sonho!
Entre as formas decr�pitas do povo,
J� batiam por cima dos estragos
A sensa��o e os movimentos vagos
Da c�lula inicial de um Cosmos novo!
O letargo larv�rio da cidade
Crescia. Igual a um parto, numa furna,
Vinha da original treva noturna,
o vagido de uma outra Humanidade!
E eu, com os p�s atolados no Nirvana,
Acompanhava, com um prazer secreto,
A gesta��o daquele grande feto,
Que vinha substituir a Esp�cie Humana!
Asa de corvo
Asa de corvos carniceiros, asa
De mau agouro que, nos doze meses,
Cobre �s vezes o espa�o e cobre �s vezes
O telhado de nossa pr�pria casa...
Perseguido por todos os reveses,
� meu destino viver junto a esa asa,
Como a cinza que vive junto � brasa,
Como os Goncourts, como os irm�os siameses!
� com essa asa que eu fa�o este soneto
E a ind�stria humana faz o pano preto
Que as fam�lias de luto martiriza...
� ainda com essa asa extraordin�ria
Que a Morte -- a costureira funer�ria --
Cose para o homem a �ltima camisa!
Uma noite no Cairo
Noite no Egito. O c�u claro e produndo
Fulgura. A rua � triste. A Lua cheia
Est� sinistra, e sobre a paz do mundo
A alma dos Fara�s anda e vagueia.
Os mastins negros v�o ladrando � lua...
O Cairo � de uma formosura arcaica.
No �ngulo mais rec�ndito da rua
Passa cantando uma mulher hebraica.
O Egito � sempre assim quando anoitece!
�s vezes, das pir�mides o quedo
E atro perfil, exposto ao luar, parece
Uma sombria interjei��o de medo!
Como um contraste �queles mesereres,
Num quiosque em festa alegre turba grita,
E dentro dan�am homens e mulheres
Numa aglomera��o cosmopolita.
Tonto do vinho, um saltimbanco da �sia,
Convulso e roto, no apogeu da f�ria,
Executando evolu��es de razzia
Solta um brado epil�tico de inj�ria!
Em derredor duma ampla mesa preta
-- �ltima nota do con�bio infando --
V�em-se dez jogadores de roleta
Fumando, discutindo, conversando.
Resplandece a celeste superf�cie.
Dorme soturna a natureza s�bia...
Embaixo, na mais pr�xima plan�cie,
Pasta um cavalo espl�ndido da Ar�bia.
Vaga no espa�o um silfo solit�rio.
Troam kinnors! Depois tudo � tranq�ilo...
Apenas como um velho stradiv�rio,
Solu�a toda a noite a �gua do Nilo!
O Mart�rio do artista
Arte ingrata! E conquanto, em desalento,
A �rbita elipsoidal dos olhos lhe arda,
Busca exteriorizar o pensamento
Que em suas fronetais c�lulas guarda!
Tarda-lhe a Id�ia!� A inspira��o lhe tarda!
E ei-lo a tremer, rasga o papel, violento,
Como o soldado que rasgou a farda
No desespero do �ltimo momento!
Tenta chorar e os olhos sente enxutos!...
� como o paral�tico que, � m�ngua
Da pr�pria voz e na que ardente o lavra
Febre de em v�o falar, com os dedos brutos
Para falar, puxa e repuxa a l�ngua,
E n�o lhe vem� � boca uma palavra!
Duas estrofes
(� mem�ria de Jo�o de Deus)
Ahi! ciechi! il tanto affaticar che giova?
Tutti torniamo alla gran� madre� antica
E il nostro nome appena si ritrova.
Petrarca
A queda do teu l�rico arrabil
De um sentimento portugu�s ignoto
Lembra Lisboa, bela como um brinco,
Que um dia no ano tr�gico de mil
E setecentos e cinq�enta e cinco,
Foi abalada por um terremoto!
A �gua quieta do Tejo te aben�oa.
Tu representas toda essa Lisboa
De gl�rias quase sobrenaturais,
Apenas com uma diferen�a triste,
Com a diferen�a que Lisboa existe
E tu, amigo, n�o existes mais!
O MAR, A ESCADA E O HOMEM
�Olha agora, mam�fero inferior,
�� luz da espicurista ataraxia,
�O fracasso de tua geografia
�E do teu escafandro esmiu�ador!
�Ah! Jamais saber�s ser superior,
�Homem, a mim, conquanto ainda hoje em dia,
�Com a ampla h�lice auxiliar com que outrora ia
�Voando ao vento o vast�ssimo vapor.
�Rasgue a �gua h�rrida a nau �rdega e singre-me!�
E a verticalidade da Escada �ngreme:
�Homem, j� transpuseste os meus degraus?!�
E Augusto, o H�rcules, o Homem, aos solu�os,
Ouvindo a Escada e o Mar, caiu de bru�os
No pandem�nio aterrador do Caos!
Decad�ncia
Iguais �s linhas perpendiculares
Ca�ram, como cru�is e h�rridas hastas,
Nas suas 33 v�rtebras gastas
Quase todas as pedras tumulares!
A frialdade dos c�rculos polares,
Em sucessivas atua��es nefastas,
Penetrara-lhe os pr�prios neuroplastas,
Estragara-lhe os centros medulares!
Como quem quebra o objeto mais querido
E come�a a apanhar piedosamente
Todas as microsc�picas part�culas,
Ele hoje v� que, ap�s tudo perdido,
S� lhe restam agora o �ltimo doente
E a arma��o funer�ria das clav�culas!
Ricordanza della mia giovent�
A minha ama-de-leite Guilhermina
Furtava as moedas que o Doutor me dava.
Sinh�-Mocinha, minha M�e, ralhava...
Via naquilo a minha pr�pria ru�na!
Minha ama, ent�o, hip�crita, afetava
Susceptibilidade de menina:
�-- N�o, n�o fora ela! --� E maldizia a sina,
Que ela absolutamente n�o furtava.
Vejo, entretanto, agora, em minha cama,
Que a mim somente cabe o furto feito...
Tu s� furtaste a moeda, o ouro que brilha.
Furtaste a moeda s�, mas eu, minha ama,
Eu furtei mais, porque furtei o peito
Que dava leite para a tua filha!
A um mascarado
Rasga essa m�scara �tima de seda
E atira-a � arca ancestral dos palimpsestos...
� noite, e, � noite, a esc�ndalos e incestos
� natural que o instinto humano aceda!
Sem que te arranquem da garganta queda
A interjei��o danada dos protestos,
H�s de engolir, igual a um porco, os restos
Duma comida horrivelmente azeda!
A sucess�o de hebd�madas medonhas
Reduzir� os mundos que tu sonhas
Ao microcosmos do ovo primitivo...
E tu mesmo, ap�s a �rdua e atra refrega,
Ter�s somente uma vontade cega
E uma tend�ncia obscura de ser vivo!
Vozes de um t�mulo
Morri! E a Terra -- a m�e comum -- o brilho
Destes meus olhos apagou!... Assim
T�ntalo, aos reais convivas, num festim,
Serviu as carnes do seu pr�prio filho!
Por que para este cemit�rio vim?!
Por que?! Antes da vida o angusto trilho
Palmilhasse, do que este que palmilho
E que me assombra, porque n�o tem fim!
No ardor do sonho que o fronema exalta
Constru� de orgulho �nea pir�mide alta...
Hoje, por�m, que se desmoronou
A pir�mide real do meu orgulho,
Hoje que apenas sou mat�ria e entulho
Tenho consci�ncia de que nada sou!
Contrastes
A ant�tese do novo e do obsoleto,
O Amor e a Paz, o �dio e a Carnificina,
O que o homem ama e o que o homem abomina,
Tudo conv�m para o homem ser completo!
O �ngulo obtuso, pois, e o �ngulo reto,
Uma fei��o humana e outra divina
S�o como a eximenina e a endimenina
Que servem ambas para o mesmo feto!
Eu sei tudo isto mais do que o Eclesiastes!
Por justaposi��o destes contrastes,
Junta-se um hemisf�rio a outro hemisf�rio,
�s alegrias juntam-se as tristezas,
E o carpinteiroque fabrica as mesas
Faz tamb�m os caix�es do cemit�rio!...
Gemidos de arte
I
Esta desilus�o que me acabrunha
� mais traidora do que o foi Pilatos!...
Por causa disto, eu vivo pelos matos,
Magro, roendo a subst�ncia c�rnea de unha.
Tenho estremecimentos indecisos
E sinto, haurindo o t�pido ar sereno,
O mesmo assombro que sentiu Parfeno
Quando arrancou os olhos de Dionisos!
Em giro e em redemoinho em mim caminham
R�spidas m�goas estranguladoras,
Tais quais, nos fortes fulcros, as tesouras
Br�nzeas, tamb�m gira e redemoinham.
Os p�es -- filhos leg�timos dos trigos --
Nutrem a gera��o do �dio e da Guerra.
Os cachorros an�nimos da terra
S�o talvez os meus �nicos amigos!
Ah! Por que desgra�ada conting�ncia
� h�spida aresta s�xea �spera e abrupta
Da rocha brava, numa ininterrupta
Ades�o, n�o prendi minha exist�ncia?!
Por que Jeov�, maior do que Laplace,
N�o fez cair o t�mulo de Pl�nio
Por sobre todo o meu racioc�nio
Para que eu nunca mais raciocinase?!
Pois minha M�e t�o cheia assim daqueles
Carinhos, com que guarda meus sapatos,
Por que me deu consci�ncia dos meus atos
Para eu me arrepender de todos eles?!
Quisera antes, mordendo glabros talos,
Nabucodonosor ser do Pau d�Arco,
Beber a acre e estagnada �gua do charco,
Dormir na manjedoura com os cavalos!
Mas a carne � que � humana! A alma � divina.
Dorme num leito de feridas, goza
O lodo, apalpa a �lcera cancerosa,
Beija a pe�onha, e n�o se contamina!
Ser homem! escapar de ser aborto!
Sair de um vente inchado que se anoja,
Comprar vestidos pretos numa loja
E andar de luto pelo pai que � morto!
E por trezentos e sessenta dias
Trabalhar e comer! Mart�rios juntos!
Alimentar-se dos irm�os defuntos,
Chupar os ossos das alimarias!
Barulho de mand�bulas e abd�mens!
E vem-me com um desprezao por tudo isto
Uma vontade absurda de ser Cristo
Para sacrificar-me pelos homens!
Soberano desejo! Soberana
Ambi��o de construir para o homem uma
Regi�o, onde n�o cuspa l�ngua alguma
O �leo ran�oso da saliva humana!
Uma regi�o sem n�doas e sem lixos,
Subtra�da � hediondez de �nfimo casco,
Onde a forca feroz coma o carrasco
E o olho do estuprador se encha de bichos!
Outras constela��es e outros espa�os
Em que, no agudo grau da �ltima crise,
O bra�o do ladr�o se paralise
E a m�o da meretriz caia aos peda�os!
II
O sol agora � de um fulgor compacto,
E eu vou andando, cheio de chamusco,
Com a flexibilidade de um molusco,
�mido, pegajoso e untuoso ao tacto!
Re�nam-se em rebeli�o ardente e acesa
Todas as minhas for�as emotivas
E armem ciladas como cobras vivas
Para despeda�ar minha tristeza!
O sol de cima espiando a flora mo�a
Arda, fustigue, queime, corte, morda!...
Deleito a vista na verdura gorda
Que nas hastes delgadas se balou�a!
Avisto o vulto das sombrias granjas
Perdidas no alto... Nos terrenos baixos,
Das laranjeiras eu admiro os cachos
E a ampla circunfer�ncia das laranjas.
Ladra furiosa a tribo dos podengos.
Olhando para as p�tridas charnecas
Grita o ex�rcito avulso das marrecas
Na �mida copa dos bambus verdoengos.
Um p�ssaro alvo art�fice da teia
De um ninho, salta, no �rdego trabalho,
De �rvore em �rvore e de galho em galho,
Com a rapidez duma semicolcheia.
Em grandes semic�rculos aduncos,
Entran�ados, pelo ar, largando p�los,
Voam � semelhan �a de cabelos
Os chicotes fin�ssimos dos juncos.
Os ventos vagabundos batem, bolem
Nas �rvores. O ar cheira. A terra cheira...
E a alma dos vegetais rebenta inteira
De todos os corp�sculos do p�len.
A c�mara nupcial de cada ov�rio
Se abre. No ch�o coleia a lagartixa.
Por toda a parte a seiva bruta esguicha
Num extravasamento involunt�rio.
Eu, depois de morrer, depois de tanta
Tristeza, quero, em vez do nome -- Augusto,
Possuir a� o nome dum arbusto
Qualquer ou de qualquer obscura planta!
III
Pelo acidental�ssimo caminho
Fa�sca o sol. N�dios, batendo a cauda,
Urram os bois. O c�u lembra uma lauda
Do mais incorrupt�vel pergaminho.
Uma atmosfera m� de inc�moda hulha
Abafa o ambiente. O aziago ar morto a morte
Fede. O ardente calor da areia forte
Racha-me os p�s como se fosse agulha.
N�o sei que subterr�nea e atra voz rouca,
Por saibros e por cem c�ncavos vales,
Como pela avenida das Mappales,
Me arrasta � casa do finado Toca!
Todas as tardes a esta casa venho.
Aqui, outrora, sem conchego nobre,
Viveu, sentiu e amou este homem pobre
Que carregava canas para o engenho!
Nos outros tempos e nas outras eras,
Quantas flores! Agora, em vez de flores,
Os musgos, como ex�ticos pintores,
Pintam caretas verdes nas taperas.
Na bruta dispers�o de v�treos cacos,
� dura luz do sol resplandecente,
Tr�pega e antiga, uma parede doente
Mostra a cara medonha dos buracos.
O cupim negro broca o �mago fino
Do teto. E tra�a trombas de elefantes
Com as circunvolu��es extravagantes
Do seu complicad�ssimo intestino.
O lodo obscuro trepa-se nas portas.
Amontoadas em grossos feixes rijos,
As lagartixas, dos esconderijos,
Est�o olhando aquelas coisas mortas!
Fico a pensar no Esp�rito disperso
Que, unindo a pedra ao gneiss e a �rvore � crian�a,
Como um anel enorme de alian�a,
Une todas as coisas do Universo!
E assim pensando, com a cabe�a em brasas
Ante a fatalidade que me oprime,
Julgo ver este Esp�rito sublime,
Chamando-me do sol com as suas asas!
Gosto do sol ign�vomo e iracundo
Como o r�ptil gosta quando se molha
E na atra escurid�o dos ares, olha
Melancolicamente para o mundo!
Essa alegria imaterializada,
Que por vezes me absorve, � o �bolo obscuro,
� o peda�o j� podre de p�o duro
Que o miser�vel recebeu na estrada!
N�o s�o os cinco mil milh�es de francos
Que a Alemanha pediu a Jules Favre...
� o dinheiro coberto de azinhavre
Que o escravo ganha, trabalhando aos brancos!
Seja este sol meu �ltimo consolo;
E o esp�rito infeliz que em mim se encarna
Se alegre ao sol, como quem raspa a sarna,
S�, com a miseric�rdia de um tijolo!...
Tudo enfim a mesma �rbita percorre
E as bocas v�o beber o mesmo leite...
A lamparina quando falta o azeite
Morre, da mesma forma que o homem morre.
S�bito, arrebentando a horrenda calma,
Grito, e se gritio � para que meu grito
Seja a revela��o deste Infiniti
Que eu trago encarcerado da minh�alma!
Sol brasileiro! queima-me os destro�os!
Quero assistir, aqui, sem pai que me ame,
De p�, � luz da consci�ncia infame,
� carboniza��o dos pr�prios ossos!
Versos de amor
A um poeta er�tico
Parece muito doce aquela cana.
Descasco-a, provo-a, chupo-a... ilus�o treda!
O amor, poeta, � como a cana azeda,
A toda a boca que o n�o prova engana.
Quis saber que era o amor, por experi�ncia,
E hoje que, enfim, conhe�o o seu conte�do,
Pudera eu ter, eu que idolatro o estudo,
Todas as ci�ncias menos esta ci�ncia!
Certo, este o amor n�o � que, em �nsias, amo
Mas certo, o ego�sta amor este � que acinte
Amas, oposto a mim. Por conseguinte
Chamas amor aquilo que eu n�o chamo.
Oposto ideal ao meu ideal conservas.
Diverso �, pois, o ponto outro de vista
Consoante o qual, observo o amor, do ego�sta
Modo de ver, consoante o qual, o observas.
Porque o amor, tal como eu o estou amando,
� Esp�rito, � �ter, � subst�ncia fluida,
� assim como o ar que a gente pega e cuida,
Cuida, entretanto, n�o o estar pegando!
� a transubstancia��o de instintos rudes,
Imponderabil�ssima e impalp�vel,
Que anda acima da carne miser�vel
Como anda a gar�a acima dos a�udes!
Para reproduzir tal sentimento
Daqui por diante, atenta a orelha cauta,
Como M�rsias -- o inventor da flauta --
Vou inventar tamb�m outro instrumento!
Mas de tal arte e esp�cie tal faz�-lo
Ambiciono, que o idioma em que te eu falo
Possam todas as l�nguas declin�-lo
Possam todos os homens compreend�-lo.
Para que, enfim, chegando � �ltima calma
Meu podre cora��o roto n�o role,
Integralmente desfibrado e mole,
Como um saco vazio dentro d�alma!
Sonetos
I
A meu pai doente
Para onde fores, Pai, para onde fores,
Irei tamb�m, trilhando as mesmas ruas...
Tu, para amenizar as dores tuas,
Eu, para amenizar as minhas dores!
Que coisa triste! O campo t�o sem flores,
E eu t�o sem cren�a e as �rvores t�o nuas
E tu, gemendo, e o horror de nossas duas
M�goas crescendo e se fazendo horrores!
Magoaram-te, meu Pai?! Que m�o sombria,
Indiferente aos mil tormentos teus
De assim magoar-te sem pesar havia?!
-- Seria a m�o de Deus?! Mas Deus enfim
� bom, � justo, e sendo justo, Deus,
Deus n�o havia de magoar-te assim!
II
A meu pai morto
Madrugada de Treze de Janeiro,
Rezo, sonhando, o of�cio da agonia.
Meu Pai nessa hora junto a mim morria
Sem um gemido, assim como um cordeiro!
E eu nem lhe ouvi o alento derradeiro!
Quando acordei, cuidei que ele dormia,
E disse � minha M�e que me dizia:
�Acorda-o�! deixa-o, M�e, dormir primeiro!
E sa� para ver a Natureza!
Em tudo o mesmo abismo de beleza,
Nem uma n�voa no estrelado v�u...
Mas pareceu-me, entre as estrelas fl�reas,
Como Elias, num carro azul de gl�rias,
Ver a alma de�� meu Pai subindo ao C�u!
III
Podre meu Pai! A morte o olhar lhe vidra.
Em seus l�bios que os meus l�bios osculam
Microrganismos f�nebres pululam
Numa fermenta��o gorda de cidra.
Duras leis as que os homens e a h�rrida hidra
A uma s� lei biol�gica vinculam,
E a marcha das mol�culas regulam,
Com a invariabilidade da clepsidra!
Podre meu Pai! E a m�o que enchi de beijos
Ro�da toda de bichos, como os queijos
Sobre a mesa de org�acos festins!...
Amo meu Pai na at�mica desordem
Entre as bocas necr�fagas que o mordem
E a terra infecta que lhe cobre os rins!
Depois da orgia
O prazer que na orgia a heta�ra goza
Produz no meu sensorium de bacante
O efeito de uma t�nica brilhante
Cobrindo ampla apostema escrofulosa!
Troveja! E anelo ter, s�frega e ansiosa,
O sistema nervoso de um gigante
Para sofrer na minha carne estuante
A dor da for�a c�smica furiosa.
Apraz-me, enfim, despindo a �ltima alfaia
Que ao com�rcio dos homens me traz presa,
Livre deste cadeado de pe�onha,
Semelhante a um cachorro de atalaia
�s decomposi��es da Natureza,
Ficar latindo minha dor medonha!
A �rvore da serra
-- As �rvores, meu filho, n�o t�m alma!
E esta �rvore me serve de empecilho...
� preciso cort�-la, pois, meu filho,
Para que eu tenha uma velhice calma!
-- Meu pai, por que sua ira n�o se acalma?!
N�o v� que em tudo existe o mesmo brilho?!
Deus p�s almas nos cedros... no junquilho...
Esta �rvore, meu pai, possui minh�alma!...
-- Disse -- e ajoelhou-se, numa rogativa:
�N�o mate a �rvore, pai, para que eu viva!�
E quando a �rvore, olhando a p�tria serra,
Caiu aos golpes do machado bronco,
O mo�o triste se abra�ou com o tronco
E nunca mais se levantou da terra!
Vencido
No auge de atordoadora e �vida sanha
Leu tudo, desde o mais pr�stino mito,
por exemplo: o do boi �pis do Egito
Ao velho Niebelungen da Alemanha.
Acometido de uma febre estranha
Sem o esc�ndalo f�nico de um grito,
mergulhou a cabe�a no Infinito,
Arrancou os cabelos na montanha!
Desceu depois � gleba mais bastarda,
Pondo a �urea ins�gnia her�ldica da farda
� vontade do v�mito plebeu...
E ao vir-lhe o cuspo di�rio � boca fria
O vencido pensava que cuspia
Na c�lula infeliz de onde nasceu.
O Corrupi�o
Escaveirado corrupi�o idiota,
Olha a atmosfera livre, o amplo �ter belo,
E a alga cript�gama e a �snea e o cogumelo,
Que do fundo do ch�o todo o ano brota!
Mas a �nsia de alto voar, de � antiga rota
Voar, n�o tens mais! E pois, preto e amarelo,
P�es-te a assobiar, bruto, sem cerebelo
A gargalhada da �ltima derrota!
A gaiola aboliu tua vontade.
Tu nunca mais ver�s a liberdade!...
Ah! Tu somente ainda �s igual a mim.
Continua a comer teu milho alpiste.
Foi este mundo que me fez t�o triste,
Foi a gaiola que te p�s assim!
Noite de um vision�rio
N�mero cento e tr�s. Rua Direita.
Eu tinha a sensa��o de quem se esfola
E inopinadamente o corpo atola
Numa po�a de carne liquefeita!
-- �Que esta alucina��o t�til n�o cres�a!�
-- Dizia; e erguia, oh! c�u, alto, por ver-vos,
Com a rebeldia ac�rrima dos nervos
Minha atormentad�ssima cabe�a.
� a potencialidade que me eleva
Ao grande Deus, e absorve em cada viagem
Minh�alma -- este sombrio personagem
Do drama pante�stico da treva!
Depois de dezesseis anos de estudo
Generaliza��es grandes e ousadas
Traziam minhas for�as concentradas
Na compreens�o mon�stica de tudo.
Mas a aguadilha p�trida o ombro inerme
Me aspergia, banhava minhas t�bias,
E a ela se aliava o ardor das sirtes l�bias,
Cortanto o melanismo da epiderme.
Arim�nico g�nio destrutivo
Desconjuntava minha aut�noma alma
Esbandalhando essa unidade calma,
Que forma a coer�ncia do ser vivo.
E eu s� a tremer com a l�ngua grossa
E a voli��o no c�mulo do ex�cio,
Como quem � levado para o hosp�cio
Aos trambolh�es, num canto de carro;ca!
Perante o inexor�vel c�u aceso
Agrega��es abi�ticas esp�rias,
Como um cara, recebendo inj�rias,
Recebiam os cuspos do desprezo.
A essa hora, nas tel�rias reservas,
O reino mineral americano
Dormia, sob os p�s do orgulho humano,
E a cimalha min�scula das ervas.
E n�o haver quem, �ntegra, lhe entregue,
Com os ligamentos gl�ticos precisos,
A liberdade de vingar em risos
A ang�stia milen�ria que o persegue!
Bolia nos obscuros labirintos
Da f�rtil terra gorda, �mida e fresca,
A �nfima fauna absc�ndita e grotesca
Da fam�lia bastarda dos helmintos.
As vegetalidades subalternas
Que osserenos noturnos orvalhavam,
Pela alta frieza intr�nseca, lembravam
Toalhas molhadas sobre as minhas pernas.
E no estrume fresqu�ssimo da gleba
Formigavam, com a s�mplice sarcode,
O vibri�o, o ancil�stomo, o colpode
E outros irm�os leg�timso da ameba!
E todas essas formas que Deus lan�a
No Cosmos, me pediam, com o ar horr�vel,
Um peda�o de l�ngua dispon�vel
Para a filogen�tica vingan�a!
A cidade exalava um podre b�fio:
Os an�ncios das casas de com�rcio,
Mais tristes que as elegais de Prop�rcio,
Pareciam talvez meu epit�fio.
O motor teleol�gico da Vida
Parara! Agora, em di�stoles de guerra,
Vinha do cora��o quente da terra
Um rumor de mat�ria dissolvida.
A qu�mica feroz do cemit�rio
Transformava por��es de �tomos juntos
No �leo mals�o que escorre dos defuntos,
Com a abund�ncia de um geyser delet�rio.
Dedos denunciadores escreviam
Na l�gubre extens�o da rua preta
Todo o destino negro do planeta,
Onde minhas mol�culas sofriam.
Um necr�filo mau for�ava as lousas
E eu -- coet�neo do horrendo cataclismo --
Era puxado para aquele abismo
No redemoinho universal das cousas!
Alucina��o � beira-mar
Um medo de morrer meus p�s esfriava.
Noite alta. Ante o tel�rico recorte,
na diuturna disc�rdia, a equ�rea coorte
Atordoadamente ribombava!
Eu, eg�latra c�ptico, cismava
Em meu destino!... O vento estava forte
E aquela matem�rica da Morte
Com os seus n�meros negros, me assombrava!
Mas a alga usufrutu�ria dos oceanos
E os malacopter�gios subraquianos
Que um castigo de esp�cie emudeceu,
No eterno horror das convuls�es mar�timas
Pareciam tamb�m corpos de v�timas
Condenados � Morte, assim como eu!
Vandalismo
Meu cora��o tem catedrais imensas,
Templos de priscas e long�nquas datas,
Onde um nume de amor, em serenatas,
Canta a aleluia virginal das cren�as.
Na ogiva f�lgida e nas colunatas
Vertem lustrais irradia��es intensas
Cintila��es de l�mpadas suspensas
E as ametistas e os flor�es e as pratas.
Com os velhos Templ�rios medievais
Entrei um dia nessas catedrais
E nesses templos claros e risonhos...
E erguendo os gl�dios e brandindo as hastas,
No desespero dos iconoclastas
Quebrei a imagem dos meus pr�prios sonhos!
Versos �ntimos
V�s! Ningu�m assistiu ao formid�vel
Enterro de tua �ltima quimera.
Somente a Ingratid�o -- esta pantera --
Foi tua companheira insepar�vel!
Acostuma-te � lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miser�vel,
Mora, entre feras, sente invevit�vel
Necessidade de tamb�m ser fera.
Toma um f�sforo. Acende teu cigarro!
o beijo, amigo, � a v�spera do escarro,
A m�o que afaga � a mesma que apedreja.
Se a algu�m causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa m�o vil que te
afaga,
Escarra nessa boca que te beija!
Vencedor
Toma as espadas r�tilas, guerreiro,
E � rutil�ncia das espadas, toma
A adaga de a�o, o gl�dio de a�o, e doma
Meu cora��o -- estranho carniceiro!
N�o podes?! Chama ent�o presto o primeiro
E o mais possante gladiador de Roma.
E qual mais pronto, e qual mais presto assoma
Nenhum p�de domar o prisioneiro.
Meu cora��o triunfava nas arenas.
Veio depois um domador de hienas
E outro mais, e, por fim, veio um atleta,
Vieram todos, por fim; ao todo, uns cem...
E n�o p�de dom�-lo enfim ningu�m,
Que ningu�m doma um cora��o de poeta!
A Ilha de Cipango
Estou sozinho! A estrada se desdobra
Como uma imensa e rutilante cobra
De epiderfe fin�ssima de areia...
E por essa fin�ssima epiderme
Eis-me passeando como um grande verme
Que, ao sol, em plena podrid�o, passeia!
A agonia do sol vai ter come�o!
Caio de joelhos, tr�mulo... Ofere�o
Preces a Deus de amor e de respeito
E o Ocaso que nas �guas se retrata
Nitidamente repdoruz, exata,
A saudade interior que h� no meu peito...
tenho alucina��es de toda a sorte...
Impressionado sem cessar com a Morte
E sentindo o que um l�zaro n�o sente,
Em negras nuan�as l�gubres e aziagas
Vejo terribil�ssimas adagas,
Atravessando os ares bruscamente.
Os olhos volvo para o c�u divino
E observo-me pigmeu e pequenino
Atrav�s de min�sculos espelhos.
Assim, quem diante duma cordilheira,
P�ra, entre assombros, pela vez primeira,
Sente vontade de cair de joelhos!
Soa o rumor fat�dico dos ventos,
Anunciando� desmoronamentos
De mil lajedos sobre mil lajedos...
E ao longe soam tr�gicos fracassos
De her�is, partindo e fraturando os bra�os
Nas pontas escarpadas dos rochedos!
Mas de repente, num enleio doce,
Qual num sonho arrebatado fosse,
Na ilha encantada de Cipango tombo,
Da qual, no meio, em luz perp�tua, brilha
A� �rvore da perp�tua maravilha,
� cuja sombra descansou Colombo!
Foi nessa ilha encantada de Cipango,
Verde, afetando a forma de um losango,
Rica, ostentando amplo floral risonho,
Que Toscanelli viu seu sonho extinto
E como sucedeu a Afonso Quinto
Foi sobre essa ilha que extingui meu sonho!
Lembro-me bem. Nesse maldito dia
O g�nio singular da Fantasia
Convidou-me a sorrir para um passeio...
Ir�amos a um pa�s de eternas pazes
Onde em cada deserto h� mil o�sis
E em cada rocha um cristalino veio.
Gozei numa hora s�culos de afagos,
Banhei-me na �gua de risonhos lagos,
E finalmente me cobri de flores...
Mas veio o vento que a Desgra�a espalha
E cobriu-me com o pano da mortalha,
Que estou cosendo para os meus amores!
Desde ent�o para c� fiquei sombrioi!
Um penetrante e corrosivo frio
Anestesiou-me a sensibilidade
E a grandes golpes arrancou as ra�zes
Que prendiam meus dias infelizes
A um sonho antigo de felicidade!
Invoco os Deuses salvadores do erro.
A tarde morre. Passa o seu enterro!...
A luz descreve siguezagues tortos
Enviando � terra os derradeiros beijos.
Pela estrada feral dois realejos
Est�o chorando meus amores mortos!
E a treva ocupa toda a estrada longa...
O Firmamento � uma caverna oblonga
Em cujo fundo a Via-L�ctea existe.
E como agora a lua cheia brilha!
Ilha maldita vinte vezes a ilha
Que para todo o sempre me fez triste!
Mater
Como a cris�lida emergindo do ovo
Para que o campo fl�rido a concentre,
Assim, oh! M�e, sujo de sangue, um novo
Ser, entre dores, te emergiu do ventre!
E puseste-lhe, haurindo amplo deleite,
No l�bio r�seo a grande teta farta
-- Fecunda fonte desse mesmo leite
Que amamentou os �febos de Esparta. --
Com que avidez ele essa fonte suga!
Ningu�m mais com a Beleza est� de acordo,
Do que essa pequenina sanguessuga,
Bebendo a vida no teu seio gordo!
Pois, quanto a mim, sem pretens�es, comparo,
Essas humanas coisas pequeninas
A um biscuit de quilate muito raro
Exposto a�, � amostra, nas vitrinas.
Mas o ramo frag�limo e venusto
Que hoje nas d�beis g�mulas se esbo�a,
H� de crescer, h� de tornar-se arbusto
E �lamo altivo de ramagem grossa.
Clara, a atmosfera se encher� de aromas,
O Sol vir� das �pocas sadias...
E o antigo le�o, que te esgotou as pomas,
H� de beijar-te as m�os todos os dias!
Quando chegar depois tua velhice
Batida pelos b�rbaros invernos,
Relembrar�s chorando o que eu te disse,
� sombra dos sic�moros eternos!
Poema negro
A Santos Neto
Para iludir minha desgra�a, estudo.
Intimamente sei que n�o me iludo.
Para onde vou (o mundo inteiro o nota)
Nos meus olhares f�nebres, carrego
A indiferen�a est�pida de um cego
E o ar indolente de um chin�s idiota!
A passagem dos s�culos me assombra.
Para onde ir� correndo minha sombra
Nesse cavalo de eletricidade?!
Caminho, e a mim pergunto, na vertigem:
-- Quem sou? Para onde vou? Qual minha origem?
E parece-me um sonho a realidade.
Em v�o com o grito do meu peito impreco!
Dos brados meus ouvindo apenas o eco,
Eu tor�o os bra�os numa ang�stia douda
E muita vez, � meia-noite, rio
Sinistramente, vendo o verme frio
Que h� de comer a minha carne toda!
� a Morte -- esta carn�vora assanhada --
Serpente m� de l�ngua envenenada
Que tudo que acha no caminho, come...
-- Faminta e atra mulher que, a 1 de Janeiro,
Sai para assassinar o mundo inteiro,
E o mundo inteiro n�o lhe mata a fome!
Nesta sombria an�lise das cousas,
Corro. Arranco os cad�veres das lousas
E as suas partes podres examino...
Mas de repente, ouvindo um grande estrondo,
Na podrid�o� daquele embrulho hediondo
Reconhe�o assombrado o meu Destino!
Surpreendo-me, sozinho, numa cova.
Ent�o meu desvario se renova...
Como que, abrindo todos os jazigos,
A Morte, em trajes pretos e amarelos.
Levanta contra mim grandes cutelos
E as baionetas dos drag�es antigos!
E quando vi que aquilo vinha vindo
Eu fui caindo como um sol caindo
De decl�nio em decl�nio; e de decl�nio
Em decl�nio, como a gula de uma fera,
Quis ver o que era, e quando vi o que era,
Vi que era p�, vi que era esterquil�nio!
Chegou a tua vez, oh! Natureza!
Eu desafio agora essa grandeza,
Perante a qual meus olhos se extasiam.
Eu desafio, desta cova escura,
No histerismo danado da tortura
Todos os monstros que os teus peitos criam.
Tu n�o �s minha m�e, velha nefasta!
Com o teu chicote frio de madrasta
Tu me a�oitaste vinte e duas vezes...
Por tua causa apodreci nas cruzes,
Em que pregas os filhos que produzes
Durante os desgra�ados nove meses!
Semeadora terr�vel de defuntod,
Contra a agress�o dos teus contrastes juntos
A besta, que em mim dorme, acorda em berros
Acorda, e ap�s gritar a �ltima inj�ria,
Chocalha os dentes com medonha f�ria
Como se fosso o atrito de dois ferros!
Pois bem! Chegou minha hora de vingan�a.
Tu mataste o meu tempo de crian�a
E de segunda-feira at� domingo,
Amarrado no horror de tua rede,
Deste-me fogo quanto eu tinha sede...
Deixa-te estar, canalha, que eu me vingo!
S�bito outra vis�o negra me espanta!
Estou em Roma. � Sexta-feira Santa.
A trava invade o obscuro orbe terrestre
No Vaticano, em grupos prosternados,
Com as longas fardas rubras, os soldados
Buardam o corpo do Divino Mestre.
Como as estalactites da caverna,
Cai no sil�ncio da Cidade Eterna
A �gua da chuva em largos fios grossos...
De Jesus Cristo resta unicamente
Um esqueleto; e a gente, vendo-o, a gente
Sente vontade de abra�ar-lhe os ossos!
N�o h� ningu�m na estrada da Ripetta.
Dentro da igreja de S�o Pedro, quieta,
As luzes funerais arquejam fracas...
O vento entoa c�nticos de morte.
Roma estremece! Al�m, num rumor forte
Recome�a o barulha das matracas.
A desagrega��o da minha Id�ia
Aumenta. Como as chagas da morf�ia
O medo, o desalento e o desconforto
Paralisam-me os c�rculos motores.
Na Eternidade, os ventos gemedores
Est�o dizendo que Jesus � morto!
N�o! Jesus n�o morreu! Vive na serra
Da Borborema, no ar de minha terra,
Na mol�cula e no �tomo... Resume
A espiritualidade da mat�ria
E ele � que embala o corpo da mis�ria
E faz da cloaca uma urna de perfume.
Na agonia� de tantos pesadelos
Uma dor bruta puxa-me� os cabelos.
Desperto. � t�o vazia a minha vida!
No pensamento desconexo e falho
Trago as cartas confusas de um baralho
E peda�o de cera derretida!
Dorme a casa. O c�u dorme. A �rvore dorme
Eu, somente eu, com a minha dor enorme
Os olhos ensang�ento na vig�lia!
E observo, enquanto o horror me corta a fala
O aspecto sepulcral da austera sala
E a impassibilidade da mob�lia.
Meu cora��o, como um crital, se quebre
O term�metro negue minha febre,
Torne-se gelo o sangue que me abrase
E eu me converta na cegonha triste
Que das ru�nas duma cassa assiste
Ao desmoronamento de outra casa!
Ao terminar este sendito poema
Onde vazei a minha dor suprema
Tenho os olhos em l�grimas imersos...
Rola-me na cabe�a o c�rebro oco.
Por ventura, meu Deus, estarei louco?!
Daqui por diante n�o farei mais versos.
Eterna m�goa
O homem por sobre quem caiu a praga
Da tristeza do Mundo, o homem que � triste
Para todos os s�culos existe
E nunca mais o seu pesar se apaga!
N�o cr� em nada, pois, nada h� que traga
Consolo � M�goa, a que s� ele assiste.
Quer resistir, e quanto mais resiste
Mais se lhe aumenta e se lhe afunda a chaga.
Sabe que sofre, mas o que n�o sabe
� que essa m�goa infinda assim, n�o cabe
Na sua vida, � que essa m�goa infinda
Transp�e a vida do seu corpo inerme;
E quando esse homem se transforma em verme
� essa m�goa que o acompanha ainda!
Queixas noturnas
Quem foi que viu a minha Dor chorando?!
Saio. Minh�alma sai agoniada.
Andam monstros sombrios pela estrada
E pela estrada, entre estes monstros, ando!
N�o trago sobre a t�nica fingida
As ins�gnias medonhas do infeliz
Como os falsos mendigos de Paris
Na atra rua de Santa Margarida.
O quadro de afli��es que me consomem
O pr�prio Pedro Am�rico n�o pinta...
Para pint�-lo, era preciso a tinta
Feita de todos os tormentos do homem!
Como um ladr�o sentado numa ponte
Espera algu�m, armado de arcabuz,
Na �nsia incoerc�vel de roubar a luz,
Estou � espera de que o Sol desponte!
Bati nas pedras dum tormento rude
E a minha m�goa de hoje � t�o intensa
Que eu penso que a Alegria � uma doen�a
E a Tristeza � minha �nica sa�de.
As minhas roupas, quero at� romp�-las!
Quero, arrancado das pris�es carnais,
Viver na luz dos astros imortais,
Abra�ado com todas as estrelas!
A Noite vai crescendo apavorante
E dentro do meu peito, no combate,
A Eternidade esmagadora bate
Numa dilata��o exorbitante!
E eu luto contra a universal grandeza
Na mais terr�vel desespera��o
� a luta, � o pr�lio enorme, � a rebeli�o
Da criatura contra a natureza!
Para essas lutas uma vida � pouca
Inda mesmo que os m�sculos se esforcem;
Os pobres bra�os do mortal se torcem
E o sangue jorra, em coalhos, pela boca.
E muitas vezes a agonia � tanta
Que, rolando dos �ltimos degraus,
O H�rcules treme e vai tombar no caos
De onde seu corpo nunca mais levanta!
� natural que esse H�rcules se estor�a,
E tombe para sempre nessas lutas,
Estrangulado pelas rodas brutas
Do mecanismo que tiver mais for�a.
Ah! Por todos os s�culos vindouros
H� de travar-se essa batalha v�
Do dia de hoje contra o de amanh�,
Igual � luta dos crist�os e mouros!
Sobre hist�rias de amor o interrogar-me
� v�o, � in�til, � improf�cuo, em suma;
N�o sou capaz de amar mulher alguma
Nem h� mulher talvez capaz de amar-me.
O amor tem favos e tem caldos quentes
E ao mesmo tempo que faz bem, faz mal;
O cora��o do Poeta � um hospital
Onde morreram todos os doentes.
Hoje � amargo tudo quanto eu gosto;
A b�n��o matutina que recebo...
E � tudo; o p�o que como, a �gua que bebo,
O velho tamarindo a que me encosto!
Vou enterrar agora a harpa bo�mia
Na atra e assombrosa solid�o feroz
Onde n�o cheguem o eco duma voz
E o grito desvairado da blasf�mia!
Que dentro de minh�alma americana
N�o mais palpite o cora��o -- esta arca,
Este rel�gio tr�gico que marca
Todos os atos da trag�dia humana!
Seja esta minha queixa derradeira
Cantada sobre o t�mulo de Orfeu;
Seja este, enfim, o �ltimo canto meu
Por esta grande noite brasileira!
Melancolia! Estende-me tu�asa!
�s a �rvore em que devo reclinar-me...
Se algum dia o Prazer vier procurar-me
Dize a este monstro que fugi de casa!
Ins�nia
Noite. Da M�goa o esp�rito noct�mbulo
Passou de certo por aqui chorando!
Assim, em m�goa, eu tamb�m vou passando
Son�mbulo... son�mbulo... son�mbulo...
Que voz � esta que a gemer concentro
No meu ouvido e que do meu ouvido
Como um bemol e como um sustenido
Rola impetuosa por meu peito adentro?!
-- Por que � que este gemido me acompanha?!
Mas dos meus olhos no sombrio palco
S�bito surge como um catafalco
Uma cidade ou mapa-m�ndi estranha.
A dispers�o dos sonhos vagos re�no.
Desta cidade pelas ruas erra
A prociss�o dos M�rtires da Terra
Desde os Crist�os at� Giordano Bruno!
Vejo diante de mim Santa Francisca
Que com o cil�cio as tenta��es suplanta,
E invejo o sofrimento desta Santa,
Em cujo olhar o V�cio n�o fa�sca!
Se eu pudesse ser puro! Se eu pudesse,
Depois de embebedado deste vinho.
Sair da vida puro como o arminho
Que os cabelos dos velhos embranquece!
Por que cumpri o universal ditame?!
Pois se eu sabia onde morava o V�cio,
Por que n�o evitei o precip�cio
Estrangulando minha carne infame?!
At� que dia o intoxicado aroma
Das paix�es torpes sorverei contente?
E os dias correr�o eternamente?!
E eu nunca sairei desta Sodoma?!
� propor��o que a minha ins�nia aumenta
Hier�glifos e esfinges interrogo...
Mas, triunfalmente, nos c�us altos, logo
Toda a alvorada espl�ndida se ostenta.
Vagueio pela Noite deca�da...
No espa�o a luz de Aldebar� e de �rgus
Vai projetando sobre os campos largos
O derradeiro f�sforo da Vida.
O Sol, equilibrando-se na esfera,
Restitui-me a pureza da hematose
E ent�o uma interior metamorfose
Nas minhas arcas cerebrais se opera.
O odor da margarida e da beg�nia
Subitamente me penetra o olfato...
Aqui, neste sil�ncio e neste mato,
Respira com vontade a alma camp�nia!
Grita a satisfa��o na alma dos bichos.
Incensa o ambiente o fumo dos cachimbos.
As �rvores, as flores, os corimbos,
Recordam santos nos seus pr�prios nichos.
Com o olhar a verde periferia abarco.
Estou alegre. Agora, por exemplo,
Cercado destas �rvores, contemplo
As maravilhas reais do meu Pau d�Arco!
Cedo vir�, por�m,� o funer�rio,
Atro drag�o da escura noite, hedionda,
Em que o T�dio, batendo na alma, estronda
Como um grande trov�o extraordin�rio.
Outra vez serei p�bulo do susto
E terei outra vez de, em m�goa imerso,
Sacrificar-me por amor do Verso
No meu eterno leito de Procusto!
Barcarola
Camtam nautas, choram flautas
Pelo mar e pelo mar
Uma sereia a cantar
Vela o Destino dos nautas.
Espelham-se os esplendores
Do c�u, em reflexos, nas
�guas, fingindo cristais
Das mais deslumbrantes cores.
Em fulvos fil�es doirados
Cai a luz dos astros por
Sobre o mar�timo horror
Como globos estrelados.
L� onde as rochas se assentam
Fulguram como outros s�is
Os flam�vomos far�is
Que os navegantes orientam.
Vai uma onda, vem outra onda
E nesse eterno vaiv�m
Coitadas! n�o acham quem,
Quem as esconda, as esconda...
Alegoria tristonha
Do que pelo Mundo vai!
Se um sonha e se ergue, outro cai;
Se um cai, outro se ergue e sonha.
Mas desgra�ado do pobre
Que em meio da Vida cai!
Esse n�o volta, esse vai
Para o t�mulo que o cobre.
Vagueia um poeta num barco.
O C�u, de cima, a luzir
Como um diamante de Ofir
Imita a curva de um arco.
A Lua -- globo de lou�a --
Surgiu, em l�cido v�u.
Cantam! Os astros do C�u
Ou�am e a Lua Cheia ou�a!
Ou�o do alto a Lua Cheia
Que a sereia vai falar...
Haja sil�ncio no mar
Para se ouvir a sereia.
Que � que ela diz?! Ser� uma
Hist�ria de amor feliz?
N�o! O que a sereia diz
N�o � hist�ria nenhuma.
� como um requiem profundo
De trist�ssimos bem�is...
Sua voz � igual � voz
Das dores todas do mundo.
�Fecha-te nesse medonho
�Redudo de Maldi��o,
�Viajeiro da Extrema-Un��o,
�Sonhador do �ltimo sonho!
�Numa redoma ilus�ria
�Cercou-te a gl�ria falaz,
�Mas nunca mais, nunca mais
�H� de cercar-te essa gl�ria!
�Nunca mais! S�, por�m, forte.
�O poeta � como Jesus!
�Abra�a-te � tua Cruz
�E morre, poeta da Morte!�
-- E disse e porque isto disse
O luar no C�u se apagou...
S�bito o barco tombou
Sem que o poeta o pressentisse!
Vista de luto o Universo
E Deus se enlute no C�u!
Mais um poeta que morreu,
Mais um coveiro do Verso!
Cantam nautas, choram flautas
Pelo mar e pelo mar
Uma sereia a cantar
Vela o Destino dos nautas!
Tristezas de um quarto minguante
Quarto Minguante! E, embora a lua o aclare,
Este Engenho Pau d�Arco � muito triste...
Nos engenhos da v�rzea n�o existe
Talvez um outro que se lhe equipare!
Do observat�rio em que eu estou situado
A lua magra, quando a noite cresce,
Vista, atrav�s do vidro azul, parece
Um paralelep�pedo quebrado!
O sono esmaga o enc�falo do povo.
Tenho 300 quilos no epigastro...
D�i-me a cabe�a. Agora a cara do astro
Lembra a metade de uma casca de ovo.
Diabo! N�o ser mais tempo de milagre!
Para que esta opress�o desapare�a
Vou amarrar um pano na cabe�a,
Molhar a minha fornte com vinagre.
Aumentam-se-me ent�o os grandes medos.
O hemisf�rio lunar se ergue e se abaixa
Num desenvolvimento de borracha,
Variando � a��o mec�nica dos dedos!
Vai-me crescendo a aberra��o do sonho.
Morde-me os nervos o desejo doudo
De dissolver-me, de enterrar-me todo
Naquele semic�rculo medonho!
Mas tudo isto � ilus�o de minha parte!
Quem sabe se n�o � porque n�o saio
Desde que, 6� feira, 3 de maio,
Eu escrevi os meus Gemidos de Arte?!
A l�mpada a estirar l�nguas vermelhas
Lambe o ar. No bruto horror que me arrebata,
Como um degenerado psicopata
Eis-me a contar o n�mero das telhas!
-- Uma, duas, tr�s, quatro... E aos tombos, tonta
Sinto a cabe�a e a conta perco; e, em suma,
A conta recome�o, em �nsias: -- Uma...
Mas novamente eis-me a perder a conta!
Sucede a uma tontura outra tontura.
-- Estarei morto?! E a esta pergunta estranha
Responde a Vida -- aquela grande aranha
Que anda tecendo a minha desventura! --
A luz do quarto diminuindo o brilho
Segue todas as fases de um eclipse...
Come�o a ver coisas de Apocalipse
No tri�ngulo escaleno do ladrilho!
Deito-me enfim. Ponho o chap�u num gancho.
Cinco len��is balan�am numa corda,
Mas aquilo mortalhas me recorda,
E o amontoamento dos len��is desmancho.
V�m-me � imagina��o sonhos dementes.
Acho-me, por exemplo, numa festa...
Tomba uma torre sobre a minha testa,
Caem-me de uma s� vez todos os dentes!
Ent�o dois ossos ro�dos me assombram...
-- �Por ventura haver� quem queira roer-nos?!
Os vermes j� n�o querem mais comer-nos
E os formigueiros j� nos desprezaram�.
Figuras espectrais de bocas tronchas
Tornam-me o pesadelo duradouro...
Choro e quero beber a �gua do choro
Com as m�os dispostas � fei��o de conchas.
Tal uma planta aqu�tica submersa,
Antegozando as �ltimas del�cias
Mergulho as m�os -- vis ra�zes advent�cias --
No algod�o quente de um tapete persa.
Por muito tempo rolo no tapete.
S�bito me ergo. A lua � morta. Um frio
Cai sobre o meu est�mago vazio
Como se fosse um copo de sorvete!
A alta frialdade me insensibiliza;
O suor me ensopa. Meu tormento � infindo...
Minha fam�lia ainda est� dormindo
E eu n�o posso pedir outra camisa!
Abro a janela. Elevam-se fuma�as
Do engenho enorme. A luz fulge abundante
E em vez do sepulcral Quarto Minguante
Vi que era o sol batendo nas vidra�as.
Pelos respirat�rios t�nues tubos
Dos poros vegetais, no ato da entrega
Do mato verde, a terra resfolega
Estrumada, feliz, cheia de adubos.
C�ncavo, o c�u, radiante e estriado, observa
A universal cria��o. Broncos e feios,
V�rios reptis cortam os campos, cheios
Dos tenros tinhor�es e da �mida erva.
Babujada por baixos bei�os brutos,
No h�mus feraz, hier�tica, se ostenta
A monarquia da �rvore opulenta
Que d� aos homens o �bolo dos frutos.
De mim diverso, r�gido e de rastos
Com a solidez do tegumento sujo
Sulca, em di�metro, o solo um caramujo
Naturalmente pelos mata-pastos.
Entretanto, passei o dia inquieto,
A ouvir, nestes buc�licos retiros
Toda a salva festal de 21 tiros
Que festejou� os funerais de Hamleto!
Ah! Minha ru�na � pior do que a de Tebas!
Quisera ser, numa �ltima cobi�a,
A fatia esponjosa de carni�a
Que os corvos comem sobre as jurubebas!
Porque, longe do p�o com que me nutres
Nesta hora, oh! Vida em que a sofrer me enxotas
Eu estaria como as bestas mortas
Pendurado no bico dos abutres!
Mist�rios de um f�sforo
Pego de um f�sforo. Olho-o. Olho-o ainda. Risco-o
Depois. E o que depois fica e depois
Resta � um ou, por outra, � mais de um, s�o dois
T�mulos dentro de um carv�o prom�scuo.
Dois s�o, porque um, certo, � do sonho ass�duo
Que a individual psique humana tece e
O outro � o do sonho altru�stico da esp�cie
Que � o substractum dos sonhos do indiv�duo!
E exclamo, �brio, a esvaziar b�quicos odres:
-- �Cinza, s�ntese m� da podrid�o,
�Miniatura aleg�rica do ch�o,
�Onde os ventres maternos ficam podres;
�Na tua clandestina e erma alma vasta,
�Onde nenhuma l�mpada se acende,
�Meu racioc�nio s�frego surpreende
�Todas as formas da mat�ria gasta!�
Raciocinar! Aziaga conting�ncia!
Ser quadr�pede! Andar de quatro p�s
� mais do que ser Cristo e ser Mois�s
Porque � ser animal sem ter consci�ncia!
B�bedo, os bei�os na �nfora �nfima, harto,
Mergulho, e na �nfima �nfora, harto, sinto
O amargor espec�fico do absinto
E o cheiro animal�ssimo do parto!
E afogo mentalmente os olhos fundos
Na amorfia da c�tula inicial,
De onde, por epig�nese geral,
Todos os organismos s�o oriundos.
Presto, irrupto, atrav�s ov�ide e hialino
Vidro, aparece, amorfo e l�rido, ante
Minha massa encef�lica minguante
Todo o g�nero humano intra-uterino!
� o caos da avita v�scera avarenta
-- Mucosa nojent�ssima de pus,
A nutrir diariamente os fetos nus
Pelas vilosidades da placenta! --
Certo, o arquitetural e �ntegro aspecto
Do mundo o mesmo inda e, que, ora, o que nele
Morre, sou eu, sois v�s, � todo aquele
Que vem de um ventre� inchado, �nfimo e infecto!
� a flor dos geneal�gicos abismos
-- Zooplasma pequen�ssimo e plebeu,
De onde o desprotegido homem nasceu
Para a fatalidade dos tropismos. --
Depois, � o ceu absc�ndito do Nada,
� este ato extraordin�rio de morrer
Que h� de na �ltima hebd�mada, atender
Ao pedido da cl�lula cansada!
Um dia restar�, na terra inst�vel,
De minha antropoc�ntrica mat�ria
Numa c�ncava x�cara fun�rea
Uma colher de cinza miser�vel!
Abro na treva os olhos quase cegos.
Que m�o sinistra e desgra�ada encheu
Os olhos tristes que meu Pai me deu
De alfinetes, de agulhas e de pregos?!
Pesam sobre o meu corpo oitenta arr�teis!
Dentro um d�namo d�spota, sozinho,
Sob a morfologia de um moinho,
Move todos os meus nervos vibr�teis.
Ent�o, do meu esp�rito, em segredo,
Se escapa, dentre as t�nebras, muito alto,
Na s�ntese acrob�tica de um salto,
O espectro angulos�ssimo do Medo!
Em cismas filos�ficas me perco
E vejo, como nunca outro homem viu,
Na anfigonia que me produziu
Nonilh�es de mol�culas de esterco.
Vida, m�nada vil, c�smico zero,
Migalha de albumina semifluida,
Que fez a boca m�stica do druida
E a l�ngua revoltada de Lutero;
Teus gineceus prol�ficos envolvem
Cinza fetal!... Basta um f�sforo s�
Para mostrar a inc�gnita de p�,
Em que todos os seres se resolvem!
Ah! Maldito o con�bio incestuoso
Dessas afinidades eletivas,
De onde quimicamente tu derivas,
Na aclama��o simbi�tica do gozo!
O enterro de minha �ltima neurona
Desfila... E eis-me outro f�sforo a riscas.
E esse acidente qu�mico vulgar
Extraordinariamente me impressiona!
Mas minha crise artr�tica n�o tarda.
Adeus! Que eu vejo enfim, com a alma vencida
Na abje��o embriol�gica da vida
O futuro de cinza que me aguarda!
OUTRAS POESIAS
O Lamento das coisas
Triste, a escutar, pancada por pancada,
A sucessividade dos segundos,
Ou�o, em sons subterr�neos, do Orbe oriundos
O choro da Energia abandonada!
� a dor da For�a desaproveitada
-- O cantoch�o dos d�namos profundos,
Que, podendo mover milh�es de mundos,
Jazem ainda na est�tica do Nada!
� o solu�o da forma ainda imprecisa...
Da transcend�ncia que se n�o realiza...
Da luz que n�o chegou a ser lampejo...
E � em suma, o subconsciente a� formidando
Da Natureza que parou, chorando,
No rudimentarismo do Desejo!
O meu nirvana
No alheamento da obscura forma humana,
De que, pensando, me desencarcero,
Foi que eu, num grito de emo��o, sincero
Encontrei, afinal, o meu Nirvana!
Nessa manumiss�o schopenhauereana,
Onde a Vida do humano aspecto fero
Se desarraiga, eu, feito for�a, impero
Na iman�ncia da Id�ia Soberana!
Destru�da a sensa��o que oriunda fora
Do tato -- �nfima antena aferidora
Destas tegument�rias m�os pleb�ias --
Gozo o prazer, que os anos n�o carcomem,
De haver trocado a minha forma de homem
Pela imortalidade das Id�ias!
Caput Immortale
Na din�mica aziaga das descidas,
Aglomeradamente e em turbilh�o
Solucem dentro do Universo anci�o,
Todas as urbes siderais vencidas!
Morra o �ter. Cesse a luz. Parem as vidas.
Sobre� a pancosmol�gica exaust�o
Reste apenas o acervo �rido e v�o
Das muscularidades consumidas!
Ainda assim, a animar o cosmos ermo,
Morto o com�rcio f�sico nefando,
OH! Nauta aflito do Subliminal,
Como a �ltima express�o da Dor sem termo,
Tua cabe�a h� de ficar vibrando
Na negatividade universal!
Ap�strofe � carne
Quando eu pego nas carnes do meu rosto
Pressinto o fim da org�nica batalha:
-- Olhos que o h�mus necr�fago estracalha,
Diafragmas, decompondo-se, ao sol posto...
E o Homem -- negro heter�clito composto,
Onde a alva flama ps�quica trabalha.
Desagrega-se e deixa na mortalha
O tato, a vista, o ouvido, o olfato e� o gosto!
Carne, feixe de m�nadas bastardas.
Conquanto em fl�meo fogo ef�mero ardas,
A dardejar relampejantes brilhos.
D�i-me ver, muito embora a alma te acenda,
Em tua podrid�o a heran�a horrenda,
Que eu tenho de deixar para os meus filhos!
Louvor � unidade
�Escafandros, arp�es, sondas e agulhas
�Debalde aplicas aos heter�geneos
�Fen�menos, e, h� in�meros mil�nios,
�Num pluralismo hediondo o olhar mergulhas!
�Une, pois, a irmanar diamantes e hulhas,
�Com essa intui��o mon�stica dos g�nios,
�A hirta forma falaz do aere perennius
�A transitoriedade das fagulhas!�
-- Era a estrangula�ao, sem retumb�ncia,
Da multimilen�ria disson�ncia
Que as harmonias siderais invade...
Era, numa alta aclama��o, sem gritos,
O regresso dos �tomos aflitos
Ao descanso perp�tuo da Unidade!
O p�ntano
Podem v�-lo, sem dor, meus semelhantes!...
Mas, para mim que a Natureza escuto,
Este p�ntano � o t�mulo absoluto,
De todas as grandezas come�antes!
Larvas desconhecidas de gigantes
Sobre o seu leito de pe�onha e luto
Dormem tranq�ilamente o sono bruto
Dos superorganismos ainda infantes!
Em sua estagna��o arde uma ra�a,
Tragicamente, � espera de quem passa
Para abrir-lhe, �s esc�ncaras, a porta...
E eu sinto a ang�stia dessa ra�a ardente
Condenada a esperar perpetuamente
No universo esmagado da �gua morta!
Supr�me convulsion
O equil�brio do humano pensamento
Sofre tamb�m a s�bita ruptura,
Que produz muita vez, na noite escura,
A convuls�o mete�rica do vento.
E a alma o obn�xio quietismo sonolento
Rasga; e, opondo-se � In�rcia, � a ess�ncia pura,
� a s�ntese, � o transunto, � a abreviatura
De todo o ubiq�it�rio Movimento!
Sonho, -- liberta��o do homem cativo --
Ruptura do equil�brio subjetivo,
Ah! foi teu beijo convulsionador
Que produziu este contraste fundo
Entre a abund�ncia do que eu sou, no Mundo,
E o nada do meu homem interior!
A um g�rmen
Come�aste a existir, gel�ia crua,
E h�s de crescer, no teu sil�ncio, tanto
Que, � natural, ainda algum dia, o pranto
Das tuas concre��es pl�smicas flua!
A �gua, em conjuga��o com a terra nua,
Vence o granito, deprimindo-o... O espanto
Convulsiona os esp�ritos, e, entanto,
Teu desenvolvimento contunua!
Antes, gel�ia humana, n�o progridas
E em retrograda��es indefinidas,
Volvas � antiga inexist�ncia calma!...
Antes o Nada, oh! g�rmen, que ainda haveres
De atingir, como o g�men de outros seres,
Ao supremo infort�nio de ser alma!
Natureza �ntima
Ao fil�sofo Farias Brito
Cansada de observar-se na corrente
Que os acontecimentos refletia,
Reconcentrando-se em si mesma, um� dia,
A Natureza olhou-se interiormente!
Baldada introspec��o! Noumenalmente
O que Ela, em realidade, ainda sentia
Era a mesma imortal monotonia
De sua face externa indiferente!
E a Natureza disse com desgosto:
�Terei somente, porventura, rosto?!
�Serei apenas mera crusta espessa?!
�Pois � poss�vel que Eu, causa do Mundo,
�Quando mais em mim mesma me aprofundo
�Menos interiormente me conhe�a?!�
A floresta
Em v�o com o mundo da floresta privas!
-- Todas as hermen�uticas sondagens,
Ante o hieroglifo e o enigma das folhagens,
S�o absolutamente negativas!
Arauc�rias, tra�ando arcos de ogivas,
Bracejamentos de �lamos selvagens,
Como um convite para estranhas viagens,
Tornam todas as almas pensativas!
H� uma for�a vencida nesse mundo!
Todo o organismo florestal profundo
� dor viva, trancada num disfarce...
Vivem s�, nele, os elementos broncos,
-- As ambi��es que se fizeram troncos,
Porque nunca puderam realizar-se!
A meretriz
A rua dos destinos desgra�ados
Faz medo. O V�cio estruge. Ouvem-se os brados
Da dana��o carnal... L�brica, � lua,
Na sodomia das mais negras bodas
Desarticula-se, em cor�as doudas,
Uma mulher completamente nua!
� a meretriz que, de cabelos ruivos,
Bramando, �bria e lasciva, h�rridos uivos
Na mesma esteira p�blica, recebe,
Entre farraparias e esplendores,
O eretismo das classes superiores
E o orgasmo bastard�ssimo da plebe!
� ela que, aliando, � luz do olhar protervo,
O indumento vil�ssimo do servo
Ao brilho da augustal toga pretexta,
Sente, alta noite, em contor��es sombrias,
Na vacuidade das entranhas frias
O esgotamento intr�nseco da besta!
� ela que, hirta, a arquivar credos desfeitos,
Com as m�os chagadas, espremendo os peitos,
Reduzidos, por fim, a �mbulas moles,
Sofre em cada mol�cula a ang�stia alta
De haver secado, como o estepe, � falta
Da �gua criadora que alimenta as proles!
� ela que, arremessada sobre o rude
Despenhadeiro da decrepitude,
Na vizinhan�a aziaga dos ossu�rios
Representa, atrav�s os meus sentidos,
A escurid�o dos gineceus falidos
E a desgra�a de todos os ov�rios!
Irrita-se-lhe a carne � meia-noite.
Espica�a-se a ignom�nia, excita-a o acoite
Do inc�ndio que lha inflama a l�ngua esp�ria.
E a mulher, funcion�ria dos instintos,
Com a roupa amarfanhada e os bei�os tintos,
Gane instintivamente de lux�ria!
Navio para o qual todos os portos
Est�o fechados, urna de ovos mortos,
Ch�o de onde uma s� planta n�o rebenta,
Ei-la, de bru�os, b�beda de gozo
Saciando o geotropismo pavoroso
De unir o corpo � terra famulenta!
Nesse espolinhamento repugnante
O esqueleto irritado da bacante
Estrala... Lembra o ru�do harto azorrague
A vergastar �speros dorsos grossos.
E � aterradora essa alegria de ossos
Pedindo ao sensualismo que os esmague!
� o pseudo-regozijo dos eunucos
Por natureza, dos que s�o caducos
Desde que a M�e-Comum lhes deu in�cio...
� a dor profunda da incapacidade
Que, pela pr�pria hereditariedade
A lei da sele��o disfar�a em V�cio!
� o j�bilo aparente da alma quase
A eclipsar-se, no horror da oc�dua fase
Esterilizadora de �rg�os... � o hino
Da mat�ria incapaz, filha do inferno,
Pagando com vol�pia o crime eterno
De n�o ter sido fiel ao seu destino!
� o Desespero que se faz bramido
De anelo animal�ssimo incontido,
Mais que a vaga incoerc�vel na �gua oce�nea...
� a Carne que, j� morta essencialmente,
Para a Finalidade Transcendente
Gera o prod�gio an�mico da Ins�nia!
Nas frias antec�meras do Nada
O fantasma da f�mea castigada,
Passa agora ao clar�o da lua acesa
E � seu corpo expiat�rio, alvo e desnudo
A s�ntese eucar�stica de tudo
Que n�o se realizou na Natureza!
Antigamente, aos t�citos apelos
Das suas carnes e dos seus cabelos,
Na �ptica abreviatura de um reflexo,
Fulgia, em cada humana nebulosa,
Toda a sensualidade tempestuosa
Dos apetites b�rbaros do Sexo!
O atavismo das ra�as sibaritas,
Criando concupisc�ncias infinitas
Como eviterno lobo insatisfeito;
Na homofagia hedionda que o consome,
Vinha saciar a milen�ria fome
Dentro das abund�ncias do seu leito!
Toda a libidinagem dos morma�os
Americanos flu�a-lhe dos bra�os,
Irradiava-se-lhe, h�rcica, das veias
E em torrencialidades quentes e �midas,
Gorda a escorrer-lhe das �rt�rias t�midas
Lembrava um transbordar de �nforas cheias.
A hora da morte acende-lhe o intelecto
E � �mida habita��o do v�cio abjecto
Afluem milh�es de s�is, rubros, radiando...
Res�duos memoriais tornan-se luzes
Fazem-se id�ias e ela v� as cruzes
Do seu martirol�gico miserando!
In�cios atrofiados de �tica, �nsia
De perfei��o, sonhos de culmin�ncia,
Libertos da ancestral modorra calma,
Saem da inf�ncia embrion�ria e erguem-se, adultos,
Lan�ando a sombra horr�vel dos seus vultos
Sobre a noite fechada daquela alma!
� o sublevamento coletivo
De um mundo inteiro que aparece vivo,
Numa cenografia de diorama,
Que, momentaneamente luz fecunda,
Brilha na prostituta moribunda
Como a fosforec�ncia sobre a lama!
� a visita alarmante do que outrora
Na abund�ncia prosp�rrima da aurora,
Pudera progredir, talvez, decerto,
Mas que, adstrito a inferior plasma incons�til,
Ficou rolando, como aborto in�til,
Como o ................. do deserto!
Vede! A prostitui��o of�dia aziaga
Cujo t�xico instila a inf�mia , e a estraga
Na delinq��ncia .............. impune,
Agarrou-se-lhe aos seios impudicos
Como o abra�o mort�fero do Ficus
Sugando a seiva da �rvore a que se une!
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Enroscou-se-lhe aos abra�os com tal gosto,
Mordeu-lhe a boca e o rosto...
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.................................................................................
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Ser meretriz depois do t�mulo! A alma
Roubada a hirta quietude da urbe calma
onde se extinguem todos os escolhos:
E, condenada, ao tr�gico ditame,
Oferecer-se � bicharia infame
Com a terra do sepulcro a encher-lhe os olhos!
Sentir a l�ngua aluir-se-lhe na boca
E com a cabe�a sem cabelos, oca...
.................................................................................
Na horrorosa avuls�o da forma n�vea
Dizer ainda palavras de lasc�via
.................................................................................
Guerra
Guerra � esfor�o, � inquietude, � �nsia, � transporte...
� a dramatiza��o sangrenta e dura
Da avidez com que o Esp�rito procura
Ser perfeito, ser m�ximo, ser forte!
� a Subconsci�ncia que se transfigura
Em voli��o conflagradora... � a coorte
Das ra�as todas, que se entrega � morte
Para a felicidade da Criatura!
� a obsess�o de ver sangue, � o instinto horrendo
De subir, na ordem c�smica, descendo
� irracionalidade primitiva...
� a Natureza que, no seu arcano,
Precisa de encharcar-se em sangue humano
Para mostrar aos homens que est� viva!
O sarc�fago
Senhor da alta hermen�utica do Fado
Perlustro o atrium da Morte... � frio o ambiente
E a chuva corta inexoravelmente
O dorso de um sarc�fago molhado!
Ah! Ningu�m ouve o solu�ante brado
De dor produnfa, ac�rrima e latente,
Que o sarc�fago, ereto e im�vel, sente
Em sua pr�pria sombra sepultado!
D�i-lhe (quem sabe?!) essa grandeza horr�vel,
Que em toda a sua m�scara se expande,
� humana como��o impondo-a, inteira...
D�i-lhe, em suma, perante o Incognosc�vel,
Essa fatalidade de ser grande
Para guardar unicamente poeira!
Hino � dor
Dor, sa�de dos seres que se fanam,
Riqueza da alma, ps�quico tesouro,
Alegria das gl�ndulas do choro
De onde todas as l�grimas emanam...
�s suprema! Os meus �tomos se ufanam
De� pertencer-te, oh! Dor, ancoradouro
Dos desgra�ados, sol do c�rebro, ouro
De que as pr�prias desgra�as se engalanam!
Sou teu amante! Ardo em teu corpo abstrato.
Com os corp�sculos m�gicos do tato
Prendo a orquestra de chamas que executas...
E, assim, sem convuls�o que me alvorece,
Minha maior ventura � estar de posse
De tuas claridades absolutas!
�ltima visio
Quando o homem, resgatado da cegueira
Vir Deus num simples gr�o de argila errante,
Ter� nascido nesse mesmo instante
A mineralogia derradeira!
A imp�rvia escurid�o obnubilante
H� de cessar! Em sua gl�ria inteira
Deus resplandecer� dentro da poeira
Como um gasofil�ceo de diamante!
Nessa �ltima vis�o j� subterr�nea,
Um movimento universal de ins�nia
Arrancar� da insci�ncia o homem precito...
A Verdade vir� das pedras mortas
E o homem compreender� todas as portas
Que ele ainda tem de abrir para o Infinito!
Aos meus filhos
Na intermit�ncia da vital canseira,
Sois v�s que sustentais (For�a Alta exige-o...)
Com o vosso catal�tico prest�gio,
Meu fantasma de carne passageira!
Vulc�o da bioqu�mica fogueira
Destruiu-me todo o org�nico fast�gio...
Dai-me asas, pois, para o �ltimo rem�gio,
Dai-me alma, pois, para a hora derradeira!
Culmin�ncias humanas ainda obscuras,
Express�es do universo radioativo,
�ons emanados do meu pr�prio ideal,
Benditos v�s, que, em �pocas futuras,
Haveis de ser no mundo subjetivo,
Minha continuidade emocional!
A dan�a da psique
A dan�a dos enc�falos acesos
Come�a. A carne � fogo, A alma arde, A espa�os
As cabe�as, as m�os, os p�s e os bra�os
Tombam, cedendo � a��o de ignotos pesos!
� ent�o que a vaga dos instintos presos
-- M�e de esterilidades e cansa�os --
Atira os pensamentos mais devassos
Contra os ossos cranianos indefesos.
Subitamente a cerebral cor�ia
P�ra. O cosmos sint�tico da Id�ia
Surge. Emo��es extraordin�rias sinto.
Arranco do meu cr�nio as nebulosas
E acho um feixe de for�as prodigiosas
Sustentando dois monstros: a alma e o instinto!
O poeta do hediondo
Sofro acelerad�ssimas pancadas
No cora��o. Ataca-me a exist�ncia
A mortificadora coalesc�ncia
Das desgra�as humanas congregadas!
Em alucinat�rias cavalgadas,
Eu sinto, ent�o, sondando-me a consci�ncia
A ultra-inquisitorial clarivid�ncia
De todas as neuronas acordadas!
Quanto me d�i no c�rebro esta sonda!
Ah! Certamente eu sou a mais hedionda
Generaliza��o do Desconforto...
Eu sou aquele que ficou sozinho
Cantando sobre os ossos do caminho
A poesia de tudo quanto � morto!
A fome e a amor
A um monstro
Fome! E, na �nsia voraz que, �vida, aumenta,
Receando outras mand�bulas e esbangem,
Os dentes antrop�fagos que rangem,
Antes da refei��o sanguinolenta!
Amor! E a satir�ase sedenta,
Rugindo, enquanto as almas se confrangem,
Todas as dana��es sexuais que abrangem
A apol�nica besta famulenta!
Ambos assim, tragando a ambi�ncia vasta,
No desembestamento que os arrasta,
Superexcitad�ssimos, os dois
Representam, no ardor dos seus assomos,
A alegoria do que outrora fomos
E a imagem bronca do que inda hoje sois!
Homo infimus
Homem, carne sem luz, criatura cega,
Realidade geogr�fica infeliz,
O Universo calado te renega
E a tua pr�pria boca te maldiz!
O n�umeno e o fen�meno, o alfa e o �mega
Amarguram-te. Hebd�madas hostis
Passam... Teu cora��o se desagrega,
Sangram-te os olhos, e, entretanto, ris!
Fruto injustific�vel dentre os frutos,
Mont�o de estercor�ria argila preta,
Excresc�ncia de terra singular.
Deixa a tua alegria aos seres brutos,
Porque, na superf�cie do planeta,
Tu s� tens um direito: -- o de chorar!
Minha finalidade
Turbilh�o teleol�fico incoerc�vel,
Que for�a alguma inibit�ria acalma,
Levou-me o cr�nio e p�s-lhe dentro a palma
Dos que amam apreender o Inapreens�vel!
Predetermina��o imprescriptivel
Oriunda da infra-astral Subst�ncia calma
Plasmou, aparelhou, talhou minha alma
Para cantar de prefer�ncia o Horr�vel!
Na canoniza��o emocionante,
Da dor humana, sou maior que Dante,
-- A �guia dos latif�ndios florentinos!
Sistematizo, sulu�ando, o Inferno...
E trago em mim, num sincronismo eterno
A f�rmula de todos os destinos!
Numa forja
De inexplic�veis �nsias prisioneiro
Hoje entrei numa forja, ao meio-dia.
Trinta e seis graus � sombra. O �ter possu�a
A t�rmica viol�ncia de um braseiro.
��������������� Dentro, a cuspir esc�rias
��������������� De f�lgida limalha
Dardejando centelhas transit�rias,
No horror da metal�rgica batalha
��������������� O ferro chiava e ria!
Ria, num sardonismo doloroso
��������������� De ing�nita amargura,
��������������� Da qual, bruta, provinha
Como de um negro c�spio de �gua impura
��������������� A multissecular desesperan�a
��������������� De sua esp�cia abjeta
Condenada a uma est�tica mesquinha!
Ria com essa met�lica tristeza
��������������� De ser na Natureza,
��������������� Onde a Mat�ria avan�a
��������������� E a Subst�ncia caminha
Aceleradamente para o gozo
��������������� Da integra��o completa.
Uma consci�ncia eternamente obscura!
O ferro continuava a chiar e a rir,
��������������� E eu nervoso, irritado
��������������� Quase com febre, a ouvir
��������������� Cada �tomo de ferro
��������������� Contra a incude esmagado
��������������� Sofrer, berrar, tinir.
Compreendia por fim que aquele berro
� subst�ncia inorg�nica arrancado
Era a dor do min�rio castigado
Na impossibilidade de reagir!
Era um cosmos inteiro sofredor,
��������������� Cujo negror profundo
��������������� Astro nenhum exorna
��������������� Gritando na bigorna
Asperamente a sua pr�pria dor!
��������������� Era, erguido do p�,
��������������� Inopinadamente
��������������� Para que � vida quente
Da sinergia c�smica desperte,
��������������� A ansiedade de um mundo
��������������� Doente de ser inerte,
��������������� Cansado de estar s�!
��������������� Era a revela��o
��������������� De tudo que ainda dorme
No metal bruto ou na gel�ia informe
No parto primitivo da Cria��o!
��������������� Era o ru�do-clar�o,
��������������� -- O �gneo jato vulc�nico
Que, atravessando a absconsa cripta enorme
��������������� De minha cavernosa subconsci�ncia,
��������������� Punha em clarivid�ncia
Intramoleculares s�is acesos
Perpetuamente �s mesmas formas presos,
Agarrados � in�rcia do Inorg�nico
��������������� Escravos da Coes�o!
Repuxavam-me a boca h�rridos trismos
��������������� E eu sentia, afinal,
��������������� Essa ang�stia alarmante
Pr�pria da aliena��o raciocinante,
��������������� Cheia de �nsias e medos
��������������� Com crispa��es nos dedos
��������������� Piores que os paroxismos
Da �rvore que a atmosfera ultriz destronca.
A ouvir todo esse cosmos potencial,
Preso aos mineral�gicos abismos
��������������� Angustiado e arquejante
A debater-se na estreiteza bronca
��������������� De um bloco de metal!
��������������� Como que a forja t�trica
��������������� Num estridor de estrago
Executava, em l�gubre crescendo
��������������� A ant�fona assim�trica
E o incompreens�vel wagnerismo aziago
��������������� De seu destino horrendo!
Ao clangor de tais carmes de mart�rio
Em cismas negras eu recaio imerso
��������������� Buscando no del�rio
De uma imagina��o convulsionada
Mais revolta talvez de que a onda atl�ntica
��������������� Compreender a sem�ntica
Dessa aleluia b�rbara gritada
�s margens glacial�ssimas do Nada
Pelas coisas mais brutas do Universo!
Noli me tangere
A exalta��o emocional do Gozo,
O Amor, a Gl�ria, a Ci�ncia, a Arte e a Beleza
Servem de combust�veis � ira acesa
Das tempestades do meu ser nervoso!
Eu sou, por conseq��ncia, um ser monstruoso!
Em minha arca encef�lica indefesa
Choram as for�as m�s da Natureza
Sem possibilidades de repouso!
Agregados an�malos malditos
Despeda�am-se, mordem-se, d�o gritos
Nas minhas camas cerebrais fun�reas...
Ai! N�o toqueis em minhas faces verdes,
Sob pena, homens felizes, de sofrerdes
A sensa��o de todas as mis�rias!
O Canto dos presos
Troa, a alardear b�rbaros sons abstrusos,
O epital�mio da Suprema Falta,
Entoado asperamente, em voz muito alta,
Pela promiscuidade dos reclusos!
No wagnerismo desses sons confusos,
Em que o Mal se engrandece e o �dio se exalta,
Uiva, � luz de fant�stica ribalta,
A ignom�nia de todos os abusos!
� a pros�dia do c�rcere, � a part�nea
Aterradoramente heterog�nea
Dos grandes transviamentos subjetivos...
� a saudade dos erros satisfeitos,
Que, n�o cabendo mais dentro dos peitos,
Se escapa pela boca dos cativos!
Aberra��o
Na velhice autom�tica e na inf�ncia,
(Hoje, ontem, amanh� e em qualquer era)
Minha hibridez � a s�mula sincera
Das defectividades da Subst�ncia:
Criando na alma a estesia abstrusa da �nsia,
Como Belerofonte com a Quimera
Mato o ideal; cresto o sonho; achato a esfera
E acho odor de cad�ver na fragr�ncia!
Chamo-me Aberra��o. Minha alma � um misto
De anomalias l�gubres. Existo
Como a cancro, a exigir que os s�os enfermem...
Te�o a inf�mia; urdo o crime; engendro o lodo
E nas mudan�as do Universo todo
Deixo inscrita a mem�ria do meu g�rmen!
V�tima do dualismo
Ser miser�vel dentre os miser�veis
-- Carrego em minhas c�lulas sombrias
Antagonismos irreconcili�veis
E as mais opostas idiosincrasias!
Muito mais cedo do que o imagin�veis
Eis-vos, minha alma, enfim, dada �s bravias
C�leras dos dualismos implac�veis
E � gula negra das antinomias!
Psique biforme, o C�u e o Inferno absorvo...
Cria��o a um tempo escura e cor-de-rosa,
Feita dos mais vari�veis elementos,
Ceva-se em minha carne, como um corvo,
A simultaneidade ultramonstruosa
De todos os contrastes famulentos!
Ao luar
Quando, � noite, o Infinito se levanta
� luz do luar, pelos caminhos quedos
Minha t�til intensidade � tanta
Que eu sinto a alma do Cosmos nos meus dedos!
Quebro a cust�dia dos sentidos tredos
E a minha m�o, dona, por fim, de quanta
Grandeza o Orbe estrangula em seus segredos,
Todas as coisas �ntimas suplanta!
Penetro, agarro, ausculto, apreendo, invado
Nos paroxismos da hiperestesia,
O Infinit�simo e o Indeterminado...
Transponho ousadamente o �tomo rude
E, transmudado em rutil�ncia fria,
Encho o Espa�o com a minha plenitude!
A um epil�tico
Perguntar�s quem sou?! -- ao suor que te unta,
� dor que os queixos te arrebenta, aos trismos
Da epilepsia horrenda, e nos abismos
Ningu�m responder� tua pergunta!
Reclamada por negros magnetismos
Tua cabe�a h� de cair, defunta
Na aterradora opera��o conjunta
Da tarefa animal dos organismos!
Mas ap�s o antrop�fago alambique
Em que � mister todo o teu corpo fique
Reduzido a excre��es de s�nie e lodo,
Como a luz que arde, virgem, num monturo,
Tu h�s de entrar completamente puro
Para a circula��o do Grande Todo!
Canto de onipot�ncia
Cloto, �tropos, T�fon, Laquesis, Siva...
E acima deles, como um astro, a arder,
Na hiperculmina��o definitiva
O meu supremo e estraordin�rio Ser!
Em minha sobre-humana retentiva
Brilhavam, como a luz do amanhecer,
A perfei��o virtual tornada viva
E o embri�o do que podia acontecer!
Por antecipa��o divinat�ria,
Eu, projetado muito al�m da Hist�ria,
Sentia dos fen�menos o fim...
A coisa em si movia-se aos meus brados
E os acontecimentos subjugados
Olhavam como escravos para mim!
Minha �rvore
Olha: � um tri�ngulo est�ril de �nvia estrada!
Como que a erva tem dor... Roem-na amarguras
Talvez humanas, e entre rochas duras
Mostra ao Cosmos a face degradada!
Entre os pedrou�os maus dessa morada
� que, �s apalpadelas e �s escuras,
H�o de encontrar as gera��es futuras
S�, minha �rvore humana desfolhada!
Mulher nenhuma afagar� meu tronco!
Eu n�o me abalarei, nem mesmo ao ronco
Do furac�o que, r�bido, remoinha...
Folhas e frutos, sobre a terra ardente
H�o de encher outras �rvores! Somente
Minha desgra�a h� de ficar sozinha!
Anseio
Quem sou eu, neste erg�stulo das vidas
Danadamente, a solu�ar de dor?!
-- Trinta trilh�es de c�lulas vencidas,
Nutrindo uma efem�ride interior.
Branda, entanto, a afagar tantas feridas,
A �urea m�o taumat�rgica do Amor
Tra�a, nas minhas formas carcomidas,
A estrutura de um mundo superior!
Alta noite, esse mundo incoerente
Essa elementar�ssima semente
Do que hei de ser, tenta transpor o Ideal...
Grita em meu grito, alarga-se em meu hausto,
E, ai! como eu sinto no esqueleto exausto
N�o poder dar-lhe vida material!
� mesa
Cedo � sofreguid�o do est�mago. � a hora
De comer. Coisa hedionda! Corro. E agora,
Antegozando a ensang�entada presa,
Rodeado pelas moscas repugnantes
��������������� Eis-me sentado � mesa!
Como por��es de carne morta... Ai! Como
Os que, como eu, t�m carne, com este assomo
Que a esp�cie humana em comer carne tem!...
Como! E pois que a Raz�o n�o me reprime,
Possa a terra vingar-se do meu crime
��������������� Comendo-me tamb�m.
M�os
��������������� H� m�os que fazem medo
Feias agrega��s pentagonais,
Umas, em sangue, a delinq�entes natos,
Assinalados pelo mancinismo,
��������������� Pertencentes talvez...
Outras, negras, a farpas de rochedo
��������������� Completamente iguais...
M�os de linhas an�logas e anfratos
Que a Natureza onicriadora fez
Em contraposi��o e antagonismo
�s da estrela, �s da neve, �s dos cristais.
M�os que adquiriram olhos, pituit�rias
Olfativas, tent�culos sutis,
E � noite, v�o cheirar, quebrando portas
O azul gasofil�ceo silencioso
��������������� Dos t�lamos crist�os.
M�os ad�lteras, m�os mais sang�in�rias
E estupradoras do que os bisturis
Cortando a carne em flor das crian�as mortas.
��������������� Monstruos�ssimas m�os,
Que apalpam e olham com lasc�via e gozo
A pureza dos corpos infantis.
Revela��o
I
Escafandrista de insondado oceano
Sou eu que, aliando Buda ao sibarita,
Penetro a ess�ncia plasm�tica infinita,
-- M�e prom�scua do amor e do �dio insano!
Sou eu que, hirto, auscultando o absconso arcano,
Por um poder de ac�stica esquisita,
Ou�o o universo ansioso que se agita
Dentro de cada pensamento humano!
No abstrato abismo equ�reo, em que me inundo,
Sou eu que, revolvendo o ego profundo
E a escurid�o dos c�rebros medonhos,
Restituo triunfalmente � esfera calma
Todos os cosmos que circulam na alma
Sob a forma embriol�gica de sonhos!
II
Treva e fulgura��o; s�nie e perfume;
Massa palp�vel e �ter; desconforto
E ataraxia; feto vivo e aborto...
-- Tudo a unidade do meu ser resume!
Sou eu que, ateando da alma o oc�duo lume,
Apreendo, em cisma abismadora absorto,
A potencialidade do que � morto
E a efic�cia prol�fica do estrume!
Ah! Sou eu que, transpondo a escarpa angusta
Dos limites org�nicos estreitos,
Dentro dos quais recalco em v�o minha �nsia,
Sinto bater na putresc�vel crusta
Do tegumento que me cobre os peitos
Toda a imortalidade da Subst�ncia!
Versos a um coveiro
Numerar sepulturas e carneiros,
Reduzir carnes podres a algarismos,
Tal �, sem complicados silogismos,
A aritm�tica hedionda dos coveiros!
Um, dois, tr�s, quatro, cinco... Esoterismos
Da Morte! E eu vejo, em f�lgidos letreiros,
Na progress�o dos n�meros inteiros
A g�nese de todos os abismos!
Oh! Pit�goras da �ltima aritm�tica,
Continua a contar na paz asc�tica
Dos t�bidos carneiros sepulcrais:
T�bias, c�rebros, cr�nios, r�dios e �meros,
Porque, infinita como os pr�prios n�meros,
A tua conta n�o acaba mais!
Trevas
Haver�, por hip�tese, nas geenas
Luz bastante fulm�nea que transforme
Dentro da noite cavernosa e enorme
Minhas trevas an�micas serenas?!
Raio horrendo haver� que as rasgue apenas?!
N�o! Porque, na abismal subst�ncia informe,
Para convulsionar a alma que dorme
Todas as tempestades s�o pequenas!
H� de a Terra vibrar na ard�ncia infinda
Do �ter em branca luz transubstanciado,
Rotos os nimbos maus que a obstruem a esmo...
A pr�pria Esfinge h� de falar-vos ainda
E eu, somente eu, hei de ficar trancado
Na noite aterradora de mim mesmo!
As montanhas
I
Das nebulosas em que te emaranhas
Levanta-te, alma, e dize-me, afinal,
Qual �, na natureza espiritual,
A significa��o dessas montanhas!
Quem n�o v� nas gran�ticas entranhas
A subjetividade ascensional
Paralisada e estrangulada, mal
Quis erguer-se a cum�adas tamanhas?!
Ah! Nesse anelo tr�gico de altura
N�o ser�o as montanhas, porventura,
Estacionadas, �ngremes, assim,
Por um abortamento de mec�nica,
A representa��o ainda inorg�nica
De tudo aquilo que parou em mim?!
II
Agora, oh! deslumbrada alma, perscuta
O puerp�rio geol�gico interior,
De onde rebenta, em contra��es de dor,
Toda a subleva��o da crusta hirsuta!
No curso inquieto da terr�quea luta
Quantos desejos f�rvidos de amor
N�o dormem, recalcados, sob o horror
Dessas agrega��es de pedra bruta?!
Como nesses relevos orogr�ficos,
Inacess�veis aos humanos tr�ficos
Onde s�is, em semente, amam jazer,
Quem sabe, alma, se o que ainda n�o existe
N�o vive em g�rmem no agregado triste
Da s�ntese sombria do meu Ser?!
Apocalipse
Minha divinat�ria Arte ultrapassa
Os s�culos ef�meros e nota
Diminui��o din�mica, derrota
Na atual for�a, integ�rrima, da Massa.
� a subvers�o universal que amea�a
A Natureza, e, em noite aziaga e ignota,
Destr�i a ebuli��o que a �gua alvorota
E p�e todos os astros na desgra�a!
S�o despeda�amentos, derrubadas,
Federa��es sid�ricas quebradas...
E eu s�, o �ltimo a ser, pelo orbe adiante,
Espi�o da catacl�smica surpresa,
A �nica luz tragicamente acesa
Na universalidade agonizante!
A nau
A Heitor de Lima
S�frega, al�ando o hirto espor�o guerreiro,
Zarpa. A �ngreme cordoalha �mida fica...
Lambe-lhe a quilha a esp�mea onda impudica
E �brios trit�es, babando, haurem-lhe o cheiro!
Na glauca art�ria equ�rea ou no estaleiro
Ergue a alma mastrea��o, que o �ter indica,
E estende os bra�os da madeira rica
Para as popula��es do mundo inteiro!
Aguarda-a ampla reentr�ncia de angra horrenda,
P�ra e, a amarra agarrada � �ncora, sonha!
M�goas, se as tem, subjugue-as ou disfarce-as...
E n�o haver uma alma que lhe entenda
A ang�stia transoce�nica medonha
No rangido de todas as enx�rcias!
Vol�pia imortal
Cuidas que o genes�aco prazer,
Fomo do �tomo e eur�tmico transporte
De todas as mol�culas, aborte
Na hora em que a nossa carne apodrecer?!
N�o! Essa luz radial, em que arde o Ser,
Para a perpetua��o da Esp�cie forte,
Tragicamente, ainda depois da morte,
Dentro dos ossos, continua a arder!
Surdos destarte a ap�strofes e brados,
Os nossos esqueletos descarnados,
Em convulsivas contor��es sensuais,
Haurindo o g�s sulf�drico das covas,
Com essa vol�pia das ossadas novas
H�o de ainda se apertar cada vez mais!
O fim das coisas
Pode o homem bruto, adstrito � ci�ncia grave,
Arrancar, num triunfo surpreendente,
Das profundezas do Subconsciente
O milagre estupendo da aeronave!
Rasgue os broncos basaltos negros, cave,
S�frego, o solo s�xeo; e, na �nsia ardente
De perscrutar o �ntimo do orbe, invente
A l�mpada aflog�stica de Davy!
Em v�o! Contra o poder criador do Sonho
O Fim das Coisas mostra-se medonho
Como o desaguadouro atro de um rio...
E quando, ao cabo do �ltimo mil�nio,
A humanidade vai pesar seu g�nio
Encontra o mundo, que ela encheu , vazio!
Viagem de um vencido
Noite. Cruzes na estrada. Aves com frio...
E, enquanto eu trope�ava sobre os paus,
A ef�gie apocal�ptica do Caos
Dan�ava no meu c�rebro sombrio!
O C�u estava horrivelmente preto
E as �rvores magr�ssimas lembravam
Pontos de admira��o que sa admiravam
De ver passar ali meu esqueleto!
Sozinho, uivando hoffm�nicos dizeres,
Aprazia-me assim, na escurid�o,
Mergulhar minha ex�tica vis�o
Na intimidade noumenal dos seres.
Eu procurava, com uma vela acesa,
O feto original, de onde decorrem
Todas essas mol�culas que morrem
Nas transubstancia��es da Natureza.
Mas o que meus sentidos apreendiam
Dentro da treva l�gubre, era s�
O ocaso sistem�tico de p�,
Em que as formas humanas se sumiam!
Reboava, num ruidoso borborinho
Bruto, an�logo ao pe� de m�rcios brados,
A rebeldia dos meus p�s danados
Nas pedras resignadas do caminho.
Sentia estar pisando com a planta �vida
Um povo de rad�culas e embri�es
Prestes a rebentar como vulc�es,
Do ventre equatorial da terra gr�vida!
Dentro de mim, como num ch�o profundo,
Choravam, com solu�os quase humanos,
Convulsionando C�us, almas e oceanos
As formas microsc�picas do mundo!
Era a larva agarrada a absconsas landes,
Era o abjeto vibri�o rudimentar
Na impot�ncia angustiosa de falar,
No desespero de n�o serem grandes!
Vinha-me � boca, assim, na �nsia dos p�rias,
Como o protesto de uma ra�a invicta,
O brado emocionante da vindicta
Das sensibilidades solit�rias!
A longanimidade e o vilip�ndio,
A abstin�ncia e a lux�ria, o bem e o mal
Ardiam no meu orco cerebral,
Numa crepita��o pr�pria de inc�ndio!
Em contraposi��o � paz fun�rea,
Do�a profundamente no meu cr�nio
Esse funcionamento simult�neo
De todos os conflitos da mat�ria!
Eu, perdido no Cosmos, me tornara
A assembl�ia bel�gera mals�,
Onde Ormuzd guerreava com Arim�,
Na disc�rdia perp�tua do sansara!
J� me fazia medo aquela viagem
A carregar pelas ladeiras t�tricas,
Na �ssea arma��o das v�rtebras sim�tricas
A ang�stia da biol�gica engrenagem!
No C�u, de onde se v� o Homem de rastros,
Brilhava, vingadora, a esclarecer
As manchas subjetivas do meu ser
A espionagem fat�dica dos astros!
Sentinelas de esp�ritos e estradas,
Noite alta, com a sid�rica lanterna,
Eles entravam todos na caverna
Das consci�ncias humanas mais fechadas!
Ao castigo daquela rutil�ncia,
Maior que o olhar que perseguiu Caim,
Cumpria-se afinal dentro de mim
O pr�prio sofrimento da Subst�ncia!
Como quem traz ao dorso muitas cargas
Eu sofria, ao colher simples gard�nia,
A multiplica��o heterog�nea
De sensa��es diversamente amargas.
Mas das �rvores, frias como lousas,
Flu�a, horrenda e mon�tona, uma voz
T�o grande, t�o profunda, t�o feroz
Que parecia vir da alma das cousas:
�Se todos os fen�menos complexos,
Desde a consci�ncia � ant�tese dos sexos
V�m de um d�namo flu�dico de g�s,
Se hoje, obscuro, amanh� p�ncaros galgas,
A humildade bot�nica das algas
De que grandeza n�o ser� capaz?!
Quem sabe, enquanto Deus, Jeov� ou Siva
Oculta � tua for�a cognitiva
Fenomenalidades que h�o de vir,
Se a contra��o que hoje produz o choro
N�o h� de ser no s�culo vindouro
Um simples movimento para rir?!
Que esp�cies outras, do Equador aos p�los,
Na pris�o milen�ria dos subsolos,
Rasgando avidamente o h�mus mals�o,
N�o trabalham, com a febre mais bravia,
Para erguer, na �nsia c�smica, a Energia
� �ltima etapa da objetiva��o?!
� in�til, pois, que, a espiar enigmas, entres
Na qu�mica gen�sica dos ventres,
Porque em todas as coisas, afinal,
Cr�nio, ov�rio, montanha, �rvore, iceberg,
Tragicamente, diante do Homem, se ergue
A esfinge do Mist�rio Universal!
A pr�pria for�a em que teu Ser se expande,
Para esconder-se nessa esfinge grande,
Deu-te (oh! mist�rio que se n�o traduz!)
Neste astro ruim de t�nebras e abrolhos
A efem�ride org�nica dos olhos
E o simulacro atordoador da Luz!
Por isto, oh! filho dos terr�queos limos,
N�s, arvoredos desterrados, rimos
Das v�s diatribes com que aturdes o ar...
Rimos, isto �, choramos, porque, em suma,
Rir da desgra�a que de ti ressuma
� quase a mesma coisa que chorar!��
�s vibra��es daquele horr�vel carme
Meu disp�ndio nervoso era tamanho
Que eu sentia no corpo um v�cuo estranho
Como uma boca s�frega a esvaziar-me!
Na avan �ada epil�tica dos medos
Cria ouvir, a escalar C�us e apogues,
A voz cavernos�ssima de Deus,
Reproduzida pelos arvoredos!
Agora, astro decr�pito, em destro�os,
Eu, desgra�adamente magro, a eguer-me,
Tinha necessidade de esconder-me
Longe da esp�cie humana, com os meus ossos!
Restava apenas na minha alma bruta
Onde frutificara outrora o Amor
Uma volicional fome interior
De ren�ncia bud�stica absoluta!
Porque, naquela noite de �nsia e inferno,
Eu fora, alheio ao mundan�rio ru�do,
A maior express�o do homem vencido
Diante da sombra do Mist�rio Eterno!
A noite
A nebulosidade amea�adora
Tolda o �ter, mancha a gleba, agride os rios
E urde amplas teias de carv�es sombrios
No ar que �lacre e radiante, h� instantes, fora.
A �gua transubstancia-se. A onda estoura
Na negrid�o do oceano e entre os navios
Troa b�rbara zoada de ais bravios,
Extraordinariamente atordoadora.
� cust�dia do an�mico registro
A planet�ria escurid�o se anexa...
Somente, iguais a espi�es que acordam cedo,
Ficam brilhando com fulgor sinistro
Dentro da treva on�moda e complexa
Os olhos fundos dos que est�o com medo!
A obsess�o do sangue
Acordou, vendo sangue... Horr�vel! O osso
Frontal em fogo... Ia talvez morrer,
Disse. Olhou-se no espelho. Era t�o mo�o,
Ah! Certamente n�o podia ser!
Levantou-se. E, eis que viu, antes do almo�o,
Na m�o dos a�ougueiros, a escorrer
Fita rubra de sangue muito grosso,
A carne que ele havia de comer!
No inferno da vis�o alucianada,
Viu montanhas de sangue enchendo a estrada,
Viu v�sceras vermelhas pelo ch�o...
E amou, com um berro b�rbaro de gozo,
O monocromatismo monstruoso
Daquela universal vermelhid�o!
Vox victimae
Morto! Consci�ncia quieta haja o assassino
Que me acabou, dando-me ao corpo v�o
Esta vol�pia de ficar no ch�o
Fruindo na tabidez sabor divino!
Espiando o meu cad�ver ressupino,
No mar da humana prolifera��o,
Outras cabe;as aparecer�o
Para compartilhar do meu destino!
Na festa genetl�aca do Nada,
Abra�o-me com a terra atormentada
Em contub�rnio convulsionador...
E ai! Como � boa esta vol�pia obscura
Que une os ossos cansados da criatura
Ao corpo ubiq�it�rio do Criador!
O �ltimo n�mero
Hora da minha morte. Hirta, ao meu lado,
A Id�ia estertorava-se... No fundo
Do meu entendimento moribundo
Jazia o �ltimo N�mero cansado.
Era de v�-lo, im�vel, resignado,
Tragicamente de si mesmo oriundo,
Fora da sucess�o, estranho ao mundo,
Com o reflexo f�nebre do Incriado:
Bradei: -- Que fazes ainda no meu cr�nio?
E o �ltimo N�mero, atro e subterr�neo,
Parecia dizer-me: �� tarde, amigo!
Pois que a minha antog�nica Grandeza
Nunca vibrou em tua l�ngua presa,
N�o te abandono mais! Morro contigo!��
M�goas
Quando nasci, num m�s de tantas flores,
Todas murcharam, tristes, langorosas,
Tristes fanaram redolentes rosas,
Morreram todas, todas sem olores.
Mais tarde da exist�ncia nos verdores
Da inf�ncia nunca tive as venturosas
Alegrias que passam bonan�osas,
Oh! Minha inf�ncia nunca tive flores!
Volvendo � quadra azul da mocidade,
Minh�alma levo aflita � Eternidade,
Quando a morte matar meus dissabores.
Cansado de chorar pelas estradas,
Exausto de pisar m�goas pisadas,
Hoje eu carrego a cruz de minhas dores!
O condenado
Folga a Justica e Geme a natureza
Bocage
Alma feita somente de granito,
Condenada a sofrer cruel tortura
Pela rua sombria d�amargura
-- Ei-lo que passa -- r�probo maldito.
Olhar ao ch�o cravado e sempre fito,
Parece contemplar a sepultura
Das suas ilus�es que a desventura
Desfez em p� no h�rrido delito.
E, � cruz da expia��o subindo mudo,
A vida a lhe fugir j� sente prestes
Quando ao golpe do algoz, calou-se tudo.
O mundo � um sepulcro de tristeza.
Ali, por entre matas de ciprestes,
Folga a justi�a e geme a natureza.
Soneto
Ouvi. snhora, o c�ntico sentido
Do cora��o que geme e s�estertora
N��nsia letal que mata e que o devora
E que tornou-o assim, triste e descrido.
Ouvi, senhora, amei; de amor ferido,
As minhas cren�as que alentei outrora
Rolam dispersas, p�lidas agora,
Desfeitas todas num guaiar dorido.
E como a luz do sol vai-se apagando!
E eu tiste, triste pela vida afora,
Eterno pegureiro caminhando.
Revolvo as cinzas de passadas eras,
Sombrio e mudo e glacial, senhora,
Como um coveiro a sepultar quimeras!
Infeliz
Alma vi�va das paix�es da vida,
Tu que, na estrada da exist�ncia em fora,
Cantaste e riste, e na exist�ncia agora
Triste solu�as a ilus�o perdida;
OH! tu, que na grinalda emurchecida
De teu passado de felicidade
Foste juntar os goivos da Saudade
�s flores da Esperan�a enlanguescida;
Se nada te aniquila o desalento
Que te invade, e pesar negro e profundo,
Esconde � Natureza o sofrimento,
E fica no teu ermo entristecida,
Alma arrancada do prazer do mundo,
Alma vi�va das paix�es da vida.
Soneto
N�augusta solid�o dos cemit�rios,
Resvalando nas sombras dos ciprestes,
Passam meus sonhos sepultados nestes
Brancos sepulcros, p�lidos, fun�reos.
S�o minhas cren�as divinais, ardentes
-- Alvos fantasmas pelos merenc�rios
T�mulos tristes, soturnais, silentes,
Hoje rolando nos umbrais marm�reos,
Quando da vida, no eternal solu�o,
Eu choro e gemo e triste me debru�o
Na laje fria dos meus sonhos pulcros,
Desliza ent�o a l�gubre cooorte.
E rompe a orquestra sepulcral da morte,
Quebrando a paz suprema dos sepulcros.
Noivado
Os namorados ternos suspiravam,
Quando h� de ser o venturoso dia?!
Quando h� de ser?! O noivo ent�o dizia
E a noiva e ambos d�amores s�embriagavam.
E a mesma frase o noivo repetia;
Fora no campo p�ssaros trinavam.
Quando h� de ser?! E os p�ssaros falavam,
H� de chegar, a brisa respondia.
Vinha rompendo a aurora majestosa,
Dos rouxin�is ao sonoroso arpejo
E a luz do sol vibrava esplendorosa.
Chegara enfim o dia desejado,
Ambos unidos, solu�ara um beijo,
Era o supremo beijo de noivado!
Soneto
No meu peito arde em chamas abrasada
A pira da vingan�a reprimida,
E em centelhas de raiva ensurdecida
A vingan�a suprema e concentrada
E espuma e ruge a c�lera entranhada,
Como no mar a vaga embravecida
Vai bater-se na rocha empedernida,
Espumando e rugindo em marulhada
Mas se das minhas dores ao calv�rio,
Eu subo na altitude dolorida
De um Cristo a redimir um mundo v�rio,
Em luta co�a natura sempiterna,
J� que do mundo n�o vinguei-me em vida,
A morte me ser� vingan�a eterna.
Triste regresso
A Dias Paredes
Uma vez um poeta, um tresloucado,
Apaixonou-se d�uma virgem bela;
Vivia alegre o vate apaixonado,
Louco vivia, enamorado dela.
Mas a P�tria chamou-o. Era soldado.
E tinha� que deixar pra sempre aquela
Meiga vis�o, ol�mpica e singela?!
E partiu, cora��o amargurado.
Dos canh�es ao ribombo, e das metralhas,
Altivo lutador, venceu batalhas,
Juncou-lhe a fronte aurifulgente estrela.
E voltou, mas a fronte aureolada,
Ao chegar, pendeu triste e desmaiada,
No sepulcro da loura virgem bela.
Amor e religi�o
Conheci-o: era um padre, um desses santos
Sacerdotes da F� de cren�a pura,
Da sua fala na eternal do�ura
Falava o cora��o. Quantos, oh! Quantos
Ouviram dele frases de candura
Que d�infelizes enxugavam prantos!
E como alegres n�o ficaram tantos
Cora��es sem prazer e sem ventura.
No entanto dizem que este padre amara.
Morrera um dia desvairado, estulto,
Su�alma livre para o c�u se alara.
E Deus lhe disse: ��s duas vezes santo,
Pois se da Religi�o fizeste culto,
Foste do amor o m�rtir sacrossanto�.
Soneto
Ao meu prezado irm�o Alexandre J�nior
pelas nove primaveras que hoje completou.
Canta no espa�o a passarada e canta
Dentro do peito o cora��o contente,
Tu�alma ri-se descuidosamente,
Minh�alma alegre no teu rir s�encanta.
Irm�o querido, bom Pap[a, consente
Que neste dia de ventura tanta
V�, num abra�o de ternura santa,
Mostrar-te o afeto que meu peito sente.
Somente assim festejarei teus anos;
Enquanto outros podem, d�o-te enganos,
J�ias, bonecos de formoso busto,
Eu s� encontro no primor da rima
A justa oferta, a j�ia que te exprima
O amor fraterno do teu mano.
Saudade
Hoje que a m�goa me apunhala o seio,
E o cora��o me rasga atroz, imensa,
Eu a bendigo da descren�a em meio,
Porque eu hoje s� vivo da descren�a.
� noite quando em funda soledade
Minh�alma se recolhe tristemente,
Pra iluminar-me a alma descontente,
Se acende o c�rio triste da Saudade.
E assim afeito �s m�goas e ao tormento,
E � dor e ao sofrimento eterno afeito,
Para dar vida � dor e ao sofrimento,
Da saudade na campa enegrecida
Guardo a lembran�a que me snagra o peito,
Mas que no entanto me alimenta a vida.
A esmola de Dulce
Ao Alfredo A.
E todo o dia eu vou como um perdido
De dor, por entre a dolorosa estrada,
Pedir a Dulce, a minha bem amada
A esmola dum carinho apetecido.
E ela fita-me, o olhar enlanguescido,
E eu balbucio tr�mula balada:
-- Senhora dai-me u�ma esmola -- e estertorada
A minha voz solu�a num gemido.
Morre-me a voz, e eu gemo o �ltimo arpejo,
Estendendo � Dulce a m�o, a f� perdida,
E dos l�bios de Dulce cai um beijo.
Depois,� como este beijo me consola!
Bendita seja a Dulce! A minha vida
Estava unicamente nessa esmola.
Soneto
G�nio das trevas l�gubres, acolhe-me,
Leva-me o esp�rito dessa luz que mata,
E a alma me ofusca e o peito me maltrata,
E o viver calmo e sossegado tolhe-me!
Leva-me, obumbra-me em teu seio, acolhe-me
N�asa da Morte redentora, e � ingrata
Luz deste mundo em breve me arrebata
E num pallium de t�nebras recolhe-me!
Aqui h� muita luz e muita aurora,
H� perfumes d�amor -- venenos d�alma --
E eu busco a plaga onde o repouso mora,
E as trevas moram, e, onde d��gua raso
O olhar n�o trago, nem me turba a calma
A aurora deste amor que � o meu ocaso!
O mar
O mar � triste como um cemit�rio;
Cada rocha � uma eterna sepultura
Banhada pela im�cula brancura
De ondas chorando num alvor et�reo.
Ah! dessas vagas no bramir fun�reo
Jamais vibrou a sinfonia pura
Do Amor; l�, s� descanta, dentre a escura
Treva do oceano, a voz do meu salt�rio!
Quando a c�ndida espuma dessas vagas,
Banhando a fria solid�o das fragas,
Onde a quebrar-se� t�o fugaz se esfuma,
Reflete a luz do sol que j� n�o arde,
Treme na treva a p�rpura da tarde,
Chora a Saudade envolta nesta espuma!
Soneto
Aurora morta, foge! Eu busco a virgem loura
Que fugiu-me do peito ao teu clar�o de morte
E Ela era a minha estrela, o meu �nico Norte,
O grande Sol de afeto -- o Sol que as almas doura!
Fugiu... E em si levou a Luz consoladora
Do amor -- esse clar�o eterno d�alma forte --
Astro da minha Paz, S�rius da minha Sorte
E da Noite da vida a V�nus redentora.
Agora, oh! minha M�goa, agita as tuas asas,
Vem! Rasga deste peito as nebulosas gazas
E, num p�lio auroral de Luz deslumbradora,
Ascende � Claridade. Adeus oh! Dia escuro,
Dia do meu Passado! Irrompe, meu Futuro;
Aurora morta, foge -- eu busco a virgem loura!
Soneto
Canta teu riso espl�ndido sonata,
E h�, no teu riso de anjos encantados,
Como que um doce tilintar de prata
E a vibra��o de mil cristais quebrados.
Bendito o riso assim que se desata
-- C�tara suave dos apaixonados,
Sonorizando os sonhos j� passados,
Cantando sempre em tr�nula volata!
Aurora ideal dos dias meus risonhos,
Quando, �mido de beijos em ress�bios
Teu riso esponta, despertando sonhos...
Ah! Num del�quio de ventura louca,
Vai-se minh�alma toda nos teus beijos,
Ri-se o meu cora��o na tua boca!
Cravo de noiva
Ao Dias Paredes
Cravo de noiva. A n�vea cor de cera
Que o seu seio branqueja, � como os prantos
N�veos, que a virgem chora, entre os encantos
Dum noivado risonho em primavera.
Flor de mist�rios d�alma, sacrossantos,
Guarda segredos divinais que eu dera
Duas vidas, se duas eu tivera
Pra desvendar os seus segredos santos.
E tudo quer que nessa flor se enleve
O poeta. � que dessa concha arm�nea,
Da lactesc�ncia ang�lica da neve,
Se evolam castos, virginais aromas
De ess�ncia estranha; ol�ncias de virg�nea
Carne fremindo num langor de pomas.
Plenil�nio
Desmaia o plenil�nio. A gaze p�lida
Que lhe serve de alv�ssimo sud�rio
Respira ess�ncias raras, toda a c�ida
M�stica ess�ncia desse alampad�rio.
E a lua � como um p�lido sacr�rio,
Onde as almas das virgens em cris�lida
De seios alvos e de fronte p�lida,
Derramam a urna dum perfume v�rio.
Voga a lua na et�rea imensidade!
Ela, eterna noct�mbula do Amor,
Eu, noct�mbulo da Dor e da Saudade.
Ah! Como a branca e merenc�ria lua,
Tamb�m envolta num sud�rio -- a Dor,
Minh�alma triste pelos c�us flutua!
C�tara m�stica
Cantas... E eu ou�o et�rea cavatina!
H� nos teus l�bios -- dois sangrentos c�rios --
A g�mea floresc�ncia de dois l�rios
Entrela�ados numa un��o divina.
Como o santo levita dos Mart�rios,
Rendo piedosa d�lia peregrina
� tua doce voz que me fascina,
-- Harpa virgem brandindo mil del�rios!
Quedo-me aos poucos, penseroso e pasmo,
E a Noite afeia como num sarcasmo
E agora a sombra versperal morreu...
Chegou a Noite... E para mim, meu anjo,
Teu canto agora � um salmodiar de arcanjo,
� a m�sica de Deus que vem do C�u!
S�plica num t�mulo
Maria, eis-me a tues p�s. Eu venho arrependido,
Implorar-te o perd�o do imenso crime meu!
Eis-me, pois, a teus p�s, perdoa o teu vencido,
A�ucena de Deus, l�rio morto do C�u!
Perd�o! E a minha voz estertora um gemido,
E o l�bio meu para sempre apartado do tue
N�o h� de beijar mais o teu l�bio querido!
Ah! Quando tu morreste, o meu Sonho morreu!
Perd�o, p�tria da Aurora exilada do Sonho!
-- Irei agora, assim, pelo mundo, para onde
Me levar o Destino abatido e tristonho...
Perd�o! E este sil�ncio e esta tumba que cala!
Ins�nia, ins�nia, ins�nia, ah! ningu�m me responde...
Perd�o! E este sepulcro imenso que n�o fala!
Afetos
Bendito o amor que infiltra n�alma o enleio
E santifica da exist�ncia o cado,
-- Amor que � mirra e que � sagrado nardo,
Turificando a languidez dum seio!
O amor, por�m, que da Desgra�a veio
Maldito seja, seja como o fardo
Desta descren�a funeral� em que ardo
E com que o fogo da paix�o ateio!
Funambulescamente a alma se atira
� luta das paix�es, e, como a Aurora
Que ao beijo vesperal anseia e expira,
Desce para a alma o ocaso da Car�cia
Ora em sonhos de Dor, supremos, e ora
Em contor��es supremas de Del�cia!
Mart�rio supremo
Duma Quimera ao fascinante abra�o,
Por um Cocito ardente e luxurioso,
Onde nunca gemeu o humano passo,
Transpus um dia o Inferno Azul do Gozo!
O amor em lavas de cand�ncia d�a�o,
Banhou-me o peito... Em �nsia de repouso,
Da Messalina fria no rega�o,
Chora saudades do terreno pouso!
Como um m�rtir de estranho sacrif�cio,
Tinha os l�bios crestados pela ard�ncia
Da luz letal do grande Sol do V�cio!
E mergulhei mais fundo no estu�rio...
Mas, no Inferno do Gozo, sem Calv�rio,
Cristo d�amor morri pela inoc�ncia!
R�gio
Festa no pa�o! Noite... E no entretanto
Luzes, flores, clar�es por toda a festa
E h� nos r�gios sal�es, em cada aresta,
Cred�ncias d�ouro de supremo encanto.
No baldaquino a orquestra real se apresta
E o �ureo dossel finge um relevo santo...
-- Bissos eg�pcios d�alto gosto, a um canto,
Flordilisados de nelumbo e giesta.
Morreu a noite e veio o Sol Eterno
-- �mbar de sangue que desceu do Inferno
No turbilh�o dos alvos raios diurnos...
Brilham no pa�o refulg�ncias de elmo
E a princesa assomou como um santelmo
Na realeza branca dos coturnos.
M�rtir da fome
Nesta da vida l�gubre caverna
De ossos e frios funerais que eu sinto
Como um chacal saciando o eterno instinto
Vou saciando a minha Fome Eterna.
-- Fomoe de sangue de um Passado extinto,
De extintas cren�as -- bacanal superna,
Horr�vel assim como a Hidra de Lerna
E muda como o bronze de Corinto!
�nsias de sonhos, desespero fundo!
E a alma que sonha no marnel do Mundo,
Morre de Fome pelas noites belas...
E como� o Cristo -- o M�rtir do Calv�rio
Morre. E no entanto vai para o estel�rio
Matar a Fome num festim de estrelas!
Festival
Para J�natas Costa
C�mbalos soam no sal�o. O dia
Foge, e ao compasso de arrabis serenos
A valsa rompe, em compassados trenos
Sobre os veludos da tape�aria.
Estatuetas de m�rmore de Lemnos
Est�o dispostas numa simetria
Inconfund�vel, recordando a estria
Dos corpos de Afrodite e V�nus.
Fulgem por entre mil cristais vermelhos
O alvo cristal dos n�tidos espelhos
E a seda verde dos arbustos glabros.
E em meio �s refra��es verdes e hialinas,
Vibra, batendo em todas as retinas,�
A incandesc�ncia irial dos candelabros.
Noturno
Chove. L� fora os lampi�es escuros
Semelham monjas a morrer... Os ventos,
Desencadeados, v�o bater, violentos,
De encontro �s torres e de encontro aos muros.
Saio de casa. Os passos mal seguros
Tr�mulo movo, mas meus movimentos
Susto, diante do vulto dos conventos,
Negro, amea�ando os s�culos futuros!
De S�o Francisco no plangente bronze
Em badaladas compassadas onze
Horas soaram... Surge agora a Lua.
E eu sonho erguer-me aos p�ramos et�reos
Enquanto a chuva cai nos cemit�rios
E o vento apaga os lampi�es da rua!
Soneto
(Feito no decurso de dois minutos, em homenagem ao anivers�rio
natal�cio de Alexandre Rodrigues dos Anjos -- 28 de abril de 1905.)
Para quem tem na vida compreendido
Toda a grandeza da Fraternidade
O anivers�rio dum irm�o querido
A alma de alegres emo��es invade.
Depois quando no irm�o estremecido
Fazem alian�a o g�nio e a probidade,
Atinge o amor um grau nunca atingido
No term�metro santo da Amizade.
O Alexandre dos Anjos merecia
Grandes coroas nesse grande dia,
Tesouros reais, aur�feros tesouros...
Ter� no entanto indubitavelmente
A admira��o do s�culo presente
E a sagra��o dos s�culos vindouros!
O negro
Oh! Negro, oh! Filho da Hotent�ia ufana
Teus bra�os br�nzeos como dois escudos,
S�o dois colossos, dois gigantes mudos,
Representando a integridade humana!
Nesses bra�os de for�a soberana
Gloriosamente � luz do sol desnudos
Ao bruto encontro dos ferr�es agudos
Gemeu por muito tempo a alma africana!
No colorido dos teus br�nzeos bra�os,
Fulge o fogo mordente dos morma�os
E a chama fulge do solar brasido...
E eu cuido ver os m�ltiplos produtos
Da Terra -- as flores e os metais e os frutos
Simbolizados nesse colorido!
Senectude precoce
Envelheci. A cal da sepultura
Caiu por sobre a minha mocidade...
E eu que julgava em minha idealidade
Ver inda toda a gera��o futura!
Eu que julgava! Pois n�o � verdade?!
Hoje estou velho. Olha essa neve pura!
-- Foi saudade? Foi dor? -- Foi tanta agrura
Que eu nem sei se foi dor ou foi saudade!
Sei que durante toda a travessia
Da minha inf�ncia tr�gica, vivia,
Assim como uma casa abandonada.
Vinte e quatro anos em vinte e quatro horas...
Sei que na inf�ncia nunca tive auroras,
E afora disto, eu j� nem sei mais nada!
Andr� Ch�nier
Na real magnific�ncia dos gigantes
Grave como um lacedem�nio harmoste
Andr� Ch�nier ia subir ao poste
A que Lu�s XVI subira dantes!
Que a sua morte a homem nenhum desgoste
E incite o hero�smo das na��es distantes!...
Por isso, ele, a morrer, canta vibrantes
Versos divinos que arrebatam a hoste.
N�o h� quem nele um s� tremor denote!
-- Continua a cantar, a alma serena...
Mas, de repente, pressentindo a lousa,
Batendo com a cabe�a no barrote
Da guilhotina, diz ao povo: -- �� pena!
-- Aqui ainda havia alguma cousa...�
Mystica visio
Vinha passando pelo meu caminho
Um vulto estranhamente iluminado...
Para onde eu ia, o vulto ia a meu lado
E desde ent�o, n�o andei mais sozinho!
Abra�ou-me, beijou-me com um carinho
Que a um ser divino n�o seria dado...
E eu me elevava, sendo assim beijado
Muito acima do humano burburinho!
Falou-me de ilus�es e de luares,
Da tribo alegre que povoa os ares...
-- Assombrava-me aquela claridade!
Mas atrav�s daquelas falsas luzes
Pude rever enfim todas as cruzes
Que t�m pesado sobre a Humanidade!
Ilus�o
Dizes que sou feliz. N�o mentes. Dizes
Tudo que sentes. A infelicidade
Parece �s vezes com a felicidade
E os infelizes mostram ser felizes!
Assim, em Tebas -- a tumbal cidade,
A m�mia de um her�i do tempo de �sis,
Ostenta ainda as mesmas cicatrizes
Que eternizaram sua heroicidade!
Quem v� o her�i, inda com o bra�o altivo,
Diz que ele n�o morreu, diz que ele � vivo,
E, persuadido fica do que diz...
Bem como tu, que nessa cren�a infinda
Feliz me viste no Passado, e a inda
Te persuades de que sou feliz!
Gozo insatisfeito
Entre o gozo que aspiro, e o sofrimento
De minha mocidade, experimento
O mais profundo e abalador atrito...
Queimam-me o peito c�usticos de fogo
Esta �nsia de absoluto desafogo
Abrange todo o c�rculo infinito.
Na insaciedade desse gozo falho
Busco no desespero do trabalho,
Sem um domingo ao menos de repouso,
Fazer parar a m�quina do instinto,
Mas, quanto mais me desespero, sinto
A insaciabilidade desse gozo!
Dol�ncias
Oh! Lua morta de minha vida,
��������������� Os sonhos meus
Em v�o te buscam, andas perdida
E eu ando em busca dos rastos teus...
Vago sem cren�as, vagas sem norte,
Cheia de brumas e enegrecida,
Ah! Se morreste pra minha vida!
Vive, consolo de minha morte!
Baixa, portanto, cora��o ermo
��������������� De lua fria
� plaga triste, plaga sombria
Dessa dor lenta que n�o tem termo.
Tu que tombaste no caos extremo
Da Noite imensa do meu Passado,
Sabes da ang�stia do torturado...
Ah! Tu bem sabes por que � que eu gemo!
Instilo m�goas saudoso, e enquanto
Planto saudades num campo morto,
Ningu�m ao menos d�-me um conforto,
Um s� ao menos! E no entretanto
Ningu�m me chora! Ah! Se eu tombar
��������������� Cedo na lida...
Oh! Lua fria vem me chorar
Oh! Lua morta da minha vida!
Idealiza��es
A Santos Neto
I
Em v�o flameja, rubro, �gneo, sangrento
O sol, e, fulvos, aos astrais des�gnios,
Raios flamejam e fuzilam �gneos,
Nas chispas fulvas de um vulc�o violento!
� tudo em v�o! Atr�s da luz dourada,
Negras, pompeiam (triste maldi��o!)
-- Asas de corvo pelo cora��o...
-- Crep�sculo fatal vindo do Nada!
Que importa o Sol! A Treva, a Sombra -- eis tudo!
E no meu peito -- condenada treva --
A sombra desce, e o meu pesar se eleva
E chora e sangra, mudo, mudo, mudo...
E h� no mei peito -- ocaso nunca visto,
Martirizado porque nunca dorme
As Sete Chagas dum mart�rio enorme,
E os Sete Passos que magoaram Cristo!
II
Agora dorme o astro de sangue e de ouro
Como um sult�o cansado! As nuvens como
Odaliscas, da Noite ao negro assomo
Beijam-lhe o corpo ensang�entado d�ouro.
Legi�es de n�voas mortas e finadas
Como fragmenta��es d�ouro e basalto
Lembram guirlandas pompeando no Alto
Eterizadas, volaterizadas.
E a Noite emerge, santa e vitoriosa
Dente um velarium de veludos. Atros,
Descem os nimbos... No ar h� malabatros
Turiferando a negrid�o tediosa.
Al�m, dourando as n�voas dos espa�os,
Na majestade dum condor bendito,
Subindo � majestade do Infinito,
A Via-L�ctea vai abrindo os bra�os!
�ureas estrelas, alvas, luminosas,
Trazem no peito o branco das manh�s
E dormem brancas como leviat�os
Sobre o oceano astral das nebulosas.
Eu amo a noite que este Sol arranca!
Namoro estrelas... S�rius me deslumbra,
V�sper me encanta, e eu beijo na penumbra
A imagem lirial da Noite Branca.
III
De novo, a Aurora, entre esplendores, h�-de
Alva, se erguer, como tombou outrora,
E como a Aurora -- o Sol -- h�stia da Aurora,
Aben�oada pela Eternidade!
E ei-lo de novo, ontem moribundo,
Hoje de novo, curvo ao seu destino,
Fant�stico, cicl�pico, assassino
�brio de fogo, dominando o mundo!
Mas de que serve o Sol, se triste em cada
Raio que tomba no marnel da terra,
Mais em meu peito uma ilus�o se enterra,
Mais em minh�alma um desespero brada?!
De que serve, se, � luz �urea que dele
Emana e estua e se refrange e ferve,
A M�goa ferve e estua, de que serve
Se � desespero e maldi��o todo ele?!
Pois, de que serve, se aclarandoos cerros
E engalanando os arvoredos gaios,
A alma se abate, como se esses raios
N�alma caindo, se tornassem� ferros?!
IV
Poeta, em v�o na luz do sol te inflamas,
E nessa luz queimas-te em v�o! �s todo
P�, e h�s de ser ap�s as chamas, lodo,
Como Herculanum foi ap�s as chamas.
Ah! Como tu, em lodo tudo acaba,
O le�o, o tigre, o mastodonte, a lesma,
Tudo por fim h� de acabar na mesma
T�nebra que hoje sobre ti desaba.
Ningu�m se exime dessa lei imensa
Que, em plena e fulva reverbera��o,
Arrasta as almas pela Escurid�o,
E arrasta os cora��es pela Descren�a.
Ergue, pois poeta, um pedestal de tanta
Treva e dor tanta, e num supremo e insano
E extraordin�rio e grande e sobre-humano
Esfor�o, sobre ao pedestal, e... canta!
Canta a Descren�a que passou cortanto
As tuas ilus�es pelas ra�zes,
E em vez de chagas e de cicatrizes
Deixar, foi valas funerais deixando.
E foi deixando essas fun�reas, frias,
Medonhas valas, onde, como abutres
Medonhos, de ossos, de ilus�es te nutres,
Vives de cinzas e de ruinarias!
V
Agora � noite! E na estelar coorte,
Como recorda��o da festa diurna,
Geme a pungente orquestra��o noturna
E chora a fanfarra triunfal da Morte.
Ent�o, a Lua que no c�u se espalha,
Iluminando as serranias, banha
As serranias duma luz estranha,
Alva como um peda�o de mortalha!
Nessa m�sica que a alma me ilumina
Tento esquecer as minhas pr�prias dores,
Canto, e minh�alma cobre-se de flores
-- Fera rendida � m�sica divina.
Harpas concertam! Brandas melodias
Plangem... Sil�ncio! Mas de novo as harpas
Reboam pelo mar, pelas escarpas,
Pelos rochedos, pelas penedias...
Eu amo a Noite que este Sol arranca!
Namoro estrelas... S�rius me deslumbra,
V�sper me encanta, e eu beijo na penumbra
A imagem lirial da Noite Branca!
A vit�ria do esp�rito
Era uma preta, funeral mesquita,
Abandonada aos lobos e aos leopardos
Numa floresta l�gubre e esquisita.
Engalanava-lhe as paredes frias
Uma coroa de urzes e de cardos
Coberta em p�lio pelas la�arias.
Uma vez, aos lampejos derradeiros
Das irisadas vespertinas velas,
Feras rompiam tojos e balseiros.
E pelas catacumbas desprezadas,
Mochos vagavam como sentinelas,
Em atalaia �s gera��es passadas!
Um crep�sculo imenso, nunca visto
Tauxiava o C�u de grandes roxos
Da mesma cor da t�nica de Cristo.
Fulgia em tudo uma estria��o violeta
E um viol�ceo clar�o banhava os mochos
Quem em torno estavam da mesquita preta.
J� na emin�ncia da amplid�o sid�rea
Como uma umbela, se desenrolava
A esteira astral da retra��o et�rea.
Os astros mortos refulgiam vivos
E a noite, ampla e brilhante, rutilava
Lantejoulada de opalinos crivos.
S�bito algu�m, o passo constrangendo,
Parou em frente da mesquita morta...
-- Um vento frio come�ou gemendo.
Era uma vi�va, e o olhar errante, a vi�va,
Em passo lento, foi transpondo a porta,
Eternamente aberta ao sol e � chuva.
A Lua encheu o espa�o sem limites
E, dentro, nos altares esboroados,
Foram caindo como estalactites.
Sobre o ouro e a prata das alfaias priscas
Um dil�vio de f�sforos prateados
E uma chuva doirada de fa�scas.
Fora, entretanto, por um ch�o de onagras
Vinha passeando como numa viagem
Um grupo feio de panteras magras.
E havia no atro olhar dessas panteras
Essa alegria doida da carnagem
Que � a alegria �nica das feras.
E ardendo na impuls�o das �nsias doidas
E em sevas f�rias, infernais ardendo
Todas as feras, as panteras todas
Avan�am para a vi�va desvalida.
E raivosas, contra ela, arremetendo,
Tiram-lhe todas ali mesmo a vida.
Morria a noite. As fl�mulas altivas
Do sol nascente erguiam-se vermelhas,
Comouma exposi��o de carnes vivas.
E iam cair em p�rolas de sangue
Sobre as asas doiradas das abelhas,
E sobre o corpo da vi�va� exangue.
A Natureza celebrava a festa
Do astro glorioso em cantos e baladas
-- O pr�prio Deus cantava na floresta!
Nos arvoredos rejuvenescidos,
Estrugiam can��es desesperadas
De misereres e de sustenidos.
Al�m, entanto, na redoma clara
Que envolve a porta da regi�o et�rea,
O esp�rito da vi�va se quedara
Ao contemplar dessa fulgente porta
E dessa clara e alva redoma a�rea,
No desfilar de sua carne morta
A transitoriedade da mat�ria!
Canto �ntimo
Meu amor, em sonhos erra,
Muito longe, altivo e ufano
Do barulho do oceano
E do gemido da terra!
O Sol est� moribundo.
Um grande recolhimento
Preside neste momento
Todas as for�as do Mundo.
De l�, dos grandes espa�os,
Onde h� sonhos inef�veis
Vejo os vermes miser�veis
Que h�o de comer os meus bra�os.
Ah! Se me ouvisses falando!
(E eu sei que �s dores resistes)
Dir-te-ia coisas t�o tristes
Que acabarias chorando.
Que mal o amor me tem feito!
Duvidas?! Pois, se duvidas,
Vem c�, olha estas feridas,
Que o amor abriu no meu peito.
Passo longos dias, a esmo...
N�o me queixo mais da sort
Nem tenho medo da Morte
Que eu tenho a Morte em mim mesmo!
�Meu amor, em sonhos, erra,
Muito longe, altivo e ufano
Do barulho do oceano
E do gemido da terra!��
A luva
Para o Augusto Belmont
Pansa na gl�ria! Arfa-lhe o peito, opresso.
-- O pensamento � uma locomotiva --
Tem a grandeza duma for�a viva
Correndo sem cessar para o Progresso.
Que importa que, contra ele, horrendo e preto
O �spide bjeto do Pesar se mova!...
E s�, no quadril�tero da alcova,
Vem-lhe � imagina��o este soneto:
�A princ�pio escrevia simplesmente
Para entreter o esp�rito... Escrevia
Mais por impulso de idiossincrasia
Do que por uma propuls�o consciente.
Entendi, depois disso, que devia,
Como Vulcano, sobre a forja ardente
Da Ilha de Lemnos, trabalhar contente,
Durante as vinte e quatro horas do dia!
Riam de mim, os monstros zombeteiros,
Trabalharei assim dias inteiros,
Sem ter uma alma s� que me idolatre...
Tenha a sorte de C�cero proscrito
Ou morra embora, tr�gico e maldito,
Como Cam�es morrendo sobre um catre!�
Nisto, abre, em �nsias, a tumbal janela
E diz, olhando o c�u que al�m se expande:
�-- A maldade do mundo � muito grande,
Mas meu orgulho ainda � maior do que ela!
Ruja a boca danada da profana
Coorte dos homens, com o seu grande grito,
Que meu orgulho do alto do Infinito
Suplantar� a pr�pria esp�cie humana!
Quebro montanhas e aos tuf�es resisto
Numa absoluta impassibilidade�,
E como um desafio � eternidade
Atira a luva para o pr�prio Cristo!
Chove. Sobre a cidade geme a chuva,
Batem-lhe os nervos, sacudindo-o todo,
E na suprema convuls�o o doudo
Parece aos astros atirar a luva!
A caridade
No universo a caridade
Em contraste ao v�cio infando
� como um astro brilhando
Sobre a dor da humanidade!
Nos mais sombrios horrores
Por entre a m�goa nefasta
A caridade se arrasta
Toda coberta de flores!
Semeadora de carinhos
Ela abre todas as portas
E no horror das horas mortas
Vem beijar os pobrezinhos.
Torna as tormentas mais calmas
Ouve o solu�o do mundo
E dentro do amor profundo
Abrange todas as almas.
O c�u de estrelas se veste
Em fluidos de misticismo
Vibra no nosso organismo
Um sentimento celeste.
A alegria mais acesa
Nossas cabe�as invade...
Gl�ria, pois, � Caridade
No seio da Natureza!
��������������� ��������������� Estribilho
Cantemos todos os anos
Na festa da Caridade
A solidariedade
Dos sentimentos humanos.
OUTROS POEMAS ESQUECIDOS
Abandonada
Bem depressa sumiu-se a vaporosa
Nuvem de amores, de ilus�es t�o bela;
�O brilho� se pagou daquela estrela
Que a vida lhe tornava venturosa!
Sombras que passam, sombras cor-de-rosa
-- Todas se foram num festivo bando,
Fugazes sonhos, g�rrulos voando
-- Resta somente um�alma tristurosa.
Coitada! o gozo lhe fugiu correndo,
Hoje ela habita a erma soledade,
Em que vive e em que aos poucos vai morrendo!
Seu rosto triste, seu olhar magoado,
Fazem lembrar em noute de saudade
A luz morti�a d�um olhar nublado.
Ceticismo
Desci um dia ao tenebroso abismo,
Onde a D�vida ergueu altar profano;
Cansado de lutar no mundo insano
Fraco que sou volvi ao ceticismo.
Da Igreja -- a Grande M�e -- o exorcismo
Terr�vel me feriu, e ent�o sereno
De joelhos aos p�s do Nazareno
Baixo rezei em fundo misticismo:
-- Oh! Deus, eu creio em ti, mas me perdoa!
Se esta d�vida cruel qual me magoa
Me torna �nfimo, desgra�ado r�u.
Ah, entre o medo que o meu ser aterra,
N�o sei se viva pra morrer na terra,
N�o sei se morra p�ra viver no c�u!
A m�scara
Eu sei que h� muito pranto na exist�ncia,
Dores que ferem cora��es de pedra,
E onde a vida borbulha e o sangue medra,
A� existe a m�gua em sua ess�ncia.
No del�rio, por�m, da febre ardente
Da ventura fugaz e transit�ria
O peito rompe a capa torment�ria
Para sorrindo palpitar contente.
Assim a turba inconsciente passa,
Muitos que esgotam do prazer a ta�a
Sentem no peito a dor indefinida.
E entre a m�goa que a m�sc�ra eterna apouca
A Humanidade ri-se e ri-se louca
No carnaval int�rmino da vida.
O coveiro
Uma tarde de abril suave e pura
Visitava eu somente ao derradeiro
Lar; tinha ido ver a sepultura
De um ente caro, amigo verdadeiro.
L� encontrei um p�lido coveiro
Com a cabe�a para o ch�o pendida;
Eu senti a minh�alma entristecida
E interroguei-o: �Eterno companheiro
Da morte, quem matou-te o cora��o?�
Ele apontou para uma cruz no ch�o,
Ali jazia o seu amor primeiro!
Depois, tomando a enxada, gravemente,
Balbuciou, sorrindo tristemente:
-- �Ai, foi por isso que me fiz coveiro!�
Pecadora
Tinha no olhar cet�neo, aveludado,
A chama cruel que arrasta os cora��es,
Os seios rijos eram dois bras�es
Onde fulgia o simb�lo do pecado.
Bela, divina, o porte emoldurado
No m�rmore sublime dos contornos,
Os seios brancos, palpitantes, mornos,
Dan�avam-lhe no colo perfumado.
No entanto, esta mulher de gr� beleza,
Moldada pela m�o da Natureza,
Tornou-se a pecadora vil. Do fado
Do destino fatal, presa, morria,
Uma noite entre as vascas da agonia,
Tendo no corpo o verme do pecado!
No claustro
Pelas do claustro salas silenciosas,
De lutulentas, �midas arcadas,
Na vastid�o silente das caladas
Ab�badas sombrias tenebrosas,
Vagueiam tristemente desfiladas
De freiras e de monjas tristurosas,
Que guardam cinzas de ilus�es passadas,
Que guardam pet�las de fun�reas rosas.
E � noute quando rezam na clausura,
No sigilo das rezas misteriosas,
Nem a sombra mais leve de ventura!
S� as arcadas ogivais desnudas,
E as mesmas monjas sempre tristurosas,
E as mesmas portas impass�veis, mudas!
Il trovatore
Canta da torre o trovador saudoso
-- Addio, Eleonora! oh! sonhos meus!
E o canto se desprende harmonioso,
Na vibra��o final do extremo adeus.
Repercute dolente, mavioso,
Subindo pelo Azul da Inspira��o;
Assim canta tamb�m meu cora��o,
Trovador tortorado e angustioso,
Ai! n�o, n�o acordeis, lembran�as minhas!
Saudade d�umas noutes em que vinhas
Cantar comigo um doce desafio!
Mas, pouco a pouco, os sons esmorecendo,
Perdem-se as notas pelo Azul morrendo,
-- Addio Eleonora, addio, addio!
A louca
Quando ela passa: -- a veste desgrenhada,
O cabelo revolto em desalinho,
No seu olhar feroz eu adivinho
O mist�rio da dor que a traz penada.
Mo�a, t�o mo�a e j� desventurada;
Da desdita ferida pelo espinho,
Vai morta em vida assim pelo caminho,
No sud�rio da m�goa sepultada.
Eu sei a sua hist�ria. -- Em seu passado
Houve um drama d�amor misterioso
-- O segredo d�um peito torturado --
E hoje, para guardar a m�goa oculta,
Canta, solu�a -- o cora��o saudoso,
Chora, gargalha, a desgra�ada estulta.
Primavera
Primavera gentil dos meus amores,
-- Arca cer�lea de ilus�es et�reas,
Chova-te o C�u cintila��es sid�reas
E a terra chova no teu seio flores!
Esplende, Primavera, os teus fulgores,
Na aur�ola azul, dos dias teus risonhos,
Tu que sorveste o fel das minhas dores
E me trouxeste o n�ctar dos teus sonhos!
Cedo vir�, por�m, o tiste outono,
Os dias voltar�o a ser tristonhos
E tu h�s de dormir o eterno sono,
Num sepulcro de rosas e de flores,
Arca sagrada de cer�leos sonhos,
Primavera gentil dos meus amores!
A esperan�a
A Esperan�a n�o murcha, ela n�o cansa,
Tamb�m como ela n�o sucumbe a Cren�a,
V�o-se sonhos nas asas da Descren�a,
Voltam sonhos nas asas da Esperan�a.
Muita gente infeliz assim n�o pensa;
No entanto o mundo � uma ilus�o completa,
E n�o � a Esperan�a por senten�a
Este la�o que ao mundo nos manieta?
Mocidade, portanto, ergue o teu grito,
Sirva-te a Cren�a do fanal bendito,
Salve-te a gl�ria no futuro -- avan�a!
E eu, que vivo atrelado ao desalento,
Tamb�m espero o fim do meu tormento,
Na voz da Morte a me bradar; descansa!
�
Soneto
Senhora, eu trajo o luto do Passado,
Este luto sem fim que � o meu Calv�rio
E ansio e choro, delirante e v�rio,
Son�mbulo da dor angustiado.
Quantas venturas que me acalentaram!
Meu peito t�m�lo do prazer finado
Foi outrora do riso aben�oado,
O ber�o onde as venturas se embalaram.
Mas n�o queiras saber nunca risonha
O mist�rio d�um peito que estertora
E o segredo d�um�alma que n�o sonha!
N�o, n�o busques saber porque, Senhora,
� minha sina perenal, tristonha
-- Cantar o Ocaso quando surge a Aurora.
Sofredora
Cobre-lhe a fria palidez do rosto
O sendal da tristeza que a desola;
Chora -- o orvalho do pranto lhe perola
As faces maceradas de desgosto.
Quando o ros�rio de seu pranto rola,
Das brancas rosas do seu triste rosto
Que rolam murchas como um sol j� posto
Um perfume de l�grimas se evola.
Tenta �s vezes, por�m, nervosa e louca
Esquecer por momento a m�goa intensa
Arrancando um sorriso � flor da boca.
Mas volta logo um negro desconforto,
Bela na Dor, sublime na Descren�a,
Como Jesus a solu�ar no Horto.
Ecos d�alma
Oh! madrugada de ilus�es, sant�ssima,
Sombra perdida l� do meu Passado,
Vinde entornar a cl�mide pur�ssima
Da luz que fulge no ideal sagrado!
Longe das tristes noutes tumulares
Quem me dera viver entre quimeras,
Por entre o resplandor das Primaveras
Oh! madrugada azul dos meus sonhares.
Mas quando vibrar a �ltima balada
Da tarde e se calar a passarada
Na bruma sepulcral que o c�u emba�a
Quem me dera morrer ent�o risonho
Fitando a nebulosa do meu sonho
E a Via-L�ctea da Ilus�o que passa!
Amor e cren�a
Sabes que � Deus? Esse infinito e santo
Ser que preside e rege os outros seres,
Que os encantos e a for�a dos poderes
Re�ne tudo em si, num s� encanto?
Esse mist�rio eterno e sacrossanto,
Essa sublime adora��o do crente,
Esse manto de amor doce e clemente
Que lava as dores e que enxuga o pranto?
Ah! Se queres saber a sua grandeza
Estente o teu olhar � Natureza,
Fita a c�p�la do C�u santa e infinita!
Deus � o Templo do Bem. Na altura imensa,
O amor � a h�stia que bendiz a cren�a,
Ama, pois, cr� em Deus e... s� bendita!
Arana
Ela � o tipo perfeito da ariana.
Branca, nevada, p�bere, mimosa,
A carne exuberante e capitosa
Trescala a ess�ncia que de si dimana.
As n�eas pomas do candor da rosa,
Rendilhando-lhe o colo de sultana,
Emergem da camisa cetinosa
Entre as rendas sutis de filigrana.
Dorme talvez. Em fl�cido abandono
Lembra formosa no seu casto sono
A languidez dormente da indiana.
Enquanto o amante p�lido, a seu lado,
Medita, a fronte triste, o olhar velado,
No Mist�rio da Carne Soberana.
Tempos idos
N�o enterres, coveiro, o meu Passado,
Tem pena dessas cinzas que ficaram;
Eu vivo d�essas cren�as qe passaram,
E quero sempre t�-las ao meu lado!
N�o, n�o quero o meu sonho sepultado
No cemit�rio da Desilus�o,
Que n�o se enterra assim sem compaix�o
Os escombros benditos do Passado!
Ai! n�o me arranques d�alma este conforto!
-- Quero abra�ar� o meu Passado morto
-- Dizer adeus aos sonhos meus perdidos!
Deixa ao menos que eu suba � Eternidade
Velado pelo c�rio da Saudade,
Ao dobre funeral dos tempos idos!
Soneto
Na rua em funeral ei-la que passa
A romaria eterna dos aflitos,
A prociss�o dos tristes, dos proscritos,
Dos romeiros saudosos da desgra�a.
E na cho�a a lam�ria que traspassa
O cora��o, al�m, �nsias e gritos
De m�es que arquejam sobre os pobrezitos
Filhos que a fome derrubou na pra�a.
Entre todos, por�m, l�nguida e bela,
Da juventude a� virginal capela
A lhe cingir de luz a fronte ba�a,
Vai Corina mendiga e esfarrapada,
A alma saudosa pelo amor vibrada
-- A Stella Matutina da Desgra�a.
Soneto
Adeus, adeus, adeus!� E suspirando
Sa� deixando morta a minha amada,
Vinha� o luar iluminando a estrada
E eu vinha pela estrada solu�ando.
Perto um ribeiro claro murmurando
Muito baixinho como quem chorava,
Parecia o ribeiro estar chorando
As l�grimas que eu triste gotejava.
S�bito ecoou o sino o som profundo!
Adeus!� -- eu disse. para mim no mundo
Tudo acabou-se, apenas restam m�goas.
Mas no mist�rio astral da noite bela
Pareceu-me inda ouvir o nome dela
No marulhar mon�tono das �guas!
A aenonave
Cindindo a vastid�o do Azul profundo,
Sulcando o espa�o, devassando a terra,
A Aeronave que um mist�rio encerra
Vai pelo espa�o acompanhando o mundo.
E na esteira sem fim da az�lea esfera
Ei-la embalada n�amplid�o dos ares,
Fitando o abismo sepulcral dos mares
Vencendo o azul que ante si s�erguera.
Voa, se eleva em busca do Infinito,
� como um despertar de estranho mito,
Auroreando a humana consci�ncia.
Cheia da� luz do cintilar de um astro,
Deixa ver na fulg�ncia do seu rastro
A trajet�ria augusta da Ci�ncia.
Lirial
Porque choras assim, tristonho l�rio,
Se eu sou o orvalho eterno que te chora,
P�ra que pendes o c�lice que enflora
Teu seio branco do palor do c�rio?!
Baixa a mim, irm� p�lida da Aurora,
Estrela esmaecida do Mart�rio;
Envolto da tristeza no del�rio,
Deixa beijar-se a face que descora!
Fosses antes a rosa purpurina
E eu beijaria a p�tala divina
Da rosa onde n�o pousa a desventura.
Ai! que ao menos talvez na vida escassa
N�o chorasses � sombra da desgra�a,
Para eu sorrir � sombra da ventura!
A minha estrela
Eu disse -- Vai-te, estrela do Passado!
Esconde-te no Azul da Imensidade,
L� onde nunca chegue esta saudade,
-- A sombra deste afeto estiolado.
Disse, e a estrela foi p�ra o C�u subindo,
Minh�alma que de longe a acompanhava,
Viu o adeus que ela do C�u enviava,
E quando ela no Azul foi se sumindo
Surgia a Aurora -- a m�gica princesa!
E eu vi o Sol do C�u iluminando
A Catedral da Grande Natureza.
Mas a noute chegou, triste, com ela
Negras sombras tamb�m foram chegando,
E eu nunca mais vi a minha estrela!
Soneto
A pra�a estava cheia. O condenado
Transpunha nobremente o cadafalso,
Puro de crime, isento de pecado,
V�tima augusta de indel�vel falso.
E na atitude do Crucificado,
O olhar azul pregado n�amplid�o,
Pude rever naquele desgra�ado
O drama lutuoso da Paix�o.
Quando do algoz cruento o bra�o al�ado
Se dispunha a vibrar sem compaix�o
O golpe na cabe�a do culpado
Ele, o algoz -- o criminoso -- ent�o,
Caiu na pra�a como fulminado
A solu�ar: perd�o, perd�o, perd�o!
Versos d�um exilado
Eu vou partir. Na l�mpida corrente
Rasga o batel o leito d��gua fina
-- Albatroz deslizando mansamente
Como se fosse vaporosa Ondina.
Exilado de ti, oh! P�tria! ausente
Irei cantar a m�goa peregrina
Como canta o pastor a matutina
Trova d�amor, � luz do sol nascente!
N�o mais virei talvez e, l� sozinho,
Hei de lembrar-me do meu p�trio ninho
D�onde levo comigo a nostalgia
E esta lembran�a que hoje me quebranta
E que eu levo hoje como a imagem santa
Dos sonhos todos que j� tive um dia!
Ave dolorosa
Ave perdida para sempre -- cren�a
Perdida -- segue a trilha que te tra�a
O Destino, ave negra da Desgra�a,
G�mea da M�goa e n�ncia da Descren�a!
Dos sonhos meus na Catedral imensa
Que nunca pouses. L�, na n�voa ba�a,
Onde o teu vulto l�rido esvoa�a,
Seja-te a vida uma agonia intensa!
Vives de cren�as mortas e te nutres,
Empenhada na sanha dos abutres,
Num desespero r�bido, assassino...
E h�s de tombar um dia em m�goas lentas,
Negrejada das asas lutulentas
Que te emprestar o corvo do Destino!
Nimbus
Nimbos de bronze que empanais escuros
O santu�rio azul da Natureza,
Quando vos vejo negros palinuros
Da tempestade negra e da tristeza,
Abismados na bruma enegrecida,
Julgo ver nos reflexos da minh�alma
As mesmas nuvens deslizando em calma,
Os nimbos das procelas desta vida;
Mas quando c�u � l�mpido, sem bruma
Que a transpar�ncia tolda, sem nenhuma
Nuvem sequer, ent�o, num mar de esp�ran�a,
Que o c�u reflete, a vida � qual risonho
Batel, e a alma � a fl�mula do sonho,
Que o guia e leva ao porto da bonan�a.
No campo
Tarde. Um arroio canta pela umbrosa
Estrada; as �guas l�mpidas alvejam
Como cristais. Aragem suspirosa
Agita os roseirias que ali vicejam.
No Alto, entretanto, os astros rumorejam
Um press�gio de noute luminosa
E ei-la que assoma -- a Louca Tenebrosa,
Branca, emergindo �s trevas que a negrejam.
Chora a corrente m�rmura, e, � dolente
Un��o da noute, as flores tamb�m choram
Num chuveiro de p�talas, nitente,
Pendem e caem -- os roseirais descoram
E elas b�iam no pranto da corrente
Que as rosas, ao luar, chorando enfloram.
Ins�nia
No mundo vago das idealidades
Afundei minha louca fantasia;
Cedo atraiu-me a aur�ola fugidia
Da refulg�ncia antiga das idades.
Mas ao esplendor das velhas majestades
Vacila a mente e o seu ardor esfria;
Busquei ent�o na nebulosa fria
Das Ilus�es, sonhar novas idades.
Que desespero insano me apavora!
Aqui, chora um ocaso sepultado;
Ali, pompeia a luz da branca aurora
E eu tremo e hesito entre um mist�rio escuro
-- Quero partir em busca do Passado
-- Quero correr em busca do Futuro.
O bandolim
Cantas, solu�as, bandolim do Fado
E de Saudade o peito meu transbordas;
Choras, e eu julgo que nas tuas cordas
Choram todas as cordas do Passado!
Guardas a alma talvez d�um desgra�ado,
Um dia morto da Ilus�o �s bordas,
Tanto que cantas, e ilus�es acordas,
Tanto que gemes, bandolim do Fado.
Quando alta noute, a lua � triste e calma,
Teu canto, vindo de produndas fr�guas,
� como as n�nias do Coveiro d�alma!
Tudo eterizas num coral de endeixas...
E vais aos poucos solu�ando m�goas,
E vais aos poucos solu�ando queixas!
Ara maldita
Como um�ave, cindindo os c�us risonhos,
Meiga, tu vinhas a cindir os ares,
E, qual h�stia, caindo dos altares,
Foste caindo n�ara dos meus sonhos.
E eu vi os seios teus virem inconhos
-- Esses teus seios que os cer�leos lares
Branquejaram de eternos nenufares,
Para nunca tocarem negros sonhos!
Ca�ste enfim no meu sacr�rio ardente,
Quiseste-me beijar a ara do peito,
E eu quis beijar-te o l�bio redolente.
E beijei-te, mas eis que neste enleio,
Tocando n�ara negra o n�veo seio,
Ca�ste morta ao celestial preceito.
Soneto
Na et�rea limpidez de um sonho branco,
L�cia sorriu-se � bruma nevoenta,
E a procela chorou n�um fundo arranco
De m�goa triste e de paix�o violenta.
E L�cia disse � bruma lutulenta:
-- Foge, sen�o co�o o meu olhar te espanco!
E eu vi que, � voz de L�cia, grave e lenta,
O c�u tremia em seu trevoso flanco.
Fulgia a bruma para sempre. A vida
Despontava na aurora amortecida
� rutil�ncia m�gica do dia.
Aquele riso despertava a aurora!
E tudo riu-se, e como L�cia, agora,
O sol, alegre e rubro, tamb�m ria!
Treva e luz
Neste p�lago escuro em que te afundas,
Longe das sombras aurorais e amadas,
Sentes o peito em �nsias revoltadas,
Diluis teu peito em sensa��es profundas.
Mas, eis que emerges, luminosa, �s fundas
�guas do mar das gl�rias obumbradas,
E, ante o branco estendal das madrugadas,
Nua, em banho ideal de amor te inundas.
Agora, � luz das alvoradas santas
Ungem-te o corpo redol�ncias tantas,
Que, ao ver-te nua, o Mundo se concentre,
E a lua, a Virgem M�e dos c�us escampos,
Que beija a terra e que aben�oa os campos,
Beije-te o seio e te aben�oe o ventre!
Soneto
O Templo da Descren�a -- ei-lo que avisto. A imensa
Cruz da Dor est� serena como um l�rio!
E vejo o pedestal que sustenta o Mart�rio;
E vejo o pedestal que sustenta a Descren�a!
-- A colunata �xul do Sonho Morto -- o c�rio
Da Quimera Falaz, o t�mulo da Cren�a,
Tudo! at� o altar onde a Ang�stia vibra intensa
N�uma f�ria assombral de feras em del�rio!
Penetro louco enfim o abismo funer�rio,
E a rasgar, a rasgar o l�rido sacr�rio,
Em mim como no Templo a Ang�stia se condensa,
E em mim como no Templo, urnas de Sonho; e, em bando,
Flores mortas da Aurora, e, eu sombrio chorando
Ante a imagem fatal do Sepulcro da Cren�a!
A peste
Filha da raiva de Jeov� -- a Peste
N�um insano ceifar que aterra e espanta,
De espa�o a espa�o sepulturas planta
E em cada cora��o planta um cipreste!
Exulta o Eterno e... tudo chora, tudo!
Quando Ela passa, semeando a Morte,
Todos dizem co�os olhos para a Sorte
-- � o castigo de Deus que passa mudo!
-- F�lgido foco de escaldantes brasas
-- O sol a segue, e a Peste ri-se, enquanto
Vai devastando o cora��o das casas...
E como� o sol que a segue e deixa um rastro
De luz em tudo, ela, como o sol� -- o astro --
Deixa um rastro de luto em cada canto!
Ideal
Quero-te assim, formosa entre as formosas,
No olhar d�amor a m�stica fulg�ncia
E o misticismo c�ndido das rosas,
Plena de gra�a, santa de inoc�ncia!
Anjo de luz de astral aurifulg�ncia,
Et�reo como as Wilis vaporosas,
Embaladas no albor da adolesc�ncia,
-- Virgens filhas das virgens nebulosas!
Quero-te assim, formosa, entre esplendores,
Colmado o seio de virentes flores,
A alma dilu�da em eterais cismares...
Quero-te assim -- e que bendita sejas
Como as aras sagradas das igrejas,
Como o Cristo sagrado dos altares.
Sombra imortal
-- E tu elas, a s�s, no p� da fulgur�ncia
Como uma velha cruz vela na sombra morta!
Fora, a noute � tumbal... e a saudade da inf�ncia,
Como um�alma de m�e, me acalenta e conforta!
Noute! E somente tu velas a rutil�ncia...
Lua que j� passou� e que hoje ainda corta
O penetral que guia � derradeira est�ncia,
O penetral que leva � derradeira porta!
Revejo em ti, mulher, num l�nguido smorzando
A sombra virginal qu�eu adoro chorando
E h� de um dia amparar-me na luta correndo...
Ah! que um dia da Vida, estes dardos ac�leos
Ca�am, tamb�m da Dor, l� dos bra�os herc�leos,
Domados pela meiga �nfale a que me rendo!
Cora��o frio
Frio o sagrado cora��o da lua,
Teu cora��o rolou da luz serena!
E eu tinha ido ver a aurora tua
Nos raios d�ouro da celeste arena...
E vi-te triste, desvalida e nua!
E o olhar perdi, ansiando a luz amena
No sil�ncio not�vago da rua...
-- Son�mbulo glacial da estranha pena!
Estavas fria! A neve que a alma corta
N�o gele talvez mais, nem mais alquebre
Um cora��o como a alma que est� morta...
E estavas morta, eu vi, eu que te almejo,
Sombra de gelo que me apaga a febre,
-- Lua que esfria o sol do meu desejo!
Noturno
Para o vale noital da eterna gaza
Rolou o Sol -- imenso moribundo --
E a noute veio na negrura d�asa,
Santificada pela Dor do Mundo!
U�a luz, entanto, no negror me abrasa,
E um canto vai morrer no vale fundo...
Que luz � esta que das brumas vasa,
Que canto � este, virginal, profundo?!
Rumores santos... e no santo arpejo,
Somente tristes os teus olhos veho,
Para o Infinito e para o C�u voltados!
Cantas, e � noute de fatais abrolhos...
Choras, e no meu peito estes teus olhos
Como que cravam dois punhais gelados!
Sedutora
Alva d�aurora, e em l�nguida sonata
Vinhas transpondo a margem do caminho,
Branca bem como empalidecido arminho,
Alvorejando em arrebol de prata.
Bendita a Santa do Carinho, inata!
E, ajoelhando � imagem do Carinho,
O roble altivo� entreteceu-te um ninho,
Alva d�aurora, te acolheu a mata.
P�rolas e ouro pela serrania...
No lago branco e r�tilo do dia
O azul pompeava para sempre vasto.
Chegaste, o seio branco, e, tu, chegando,
Uma pantera foi-se ajoelhando,
Rendida ao efl�vio do teu seio casto!
Pelo mundo
�nsias que pungem, m�rbidos encantos,
Crepita��es de flamas incendidas
Nalma explodindo como fogos santos,
V�o pelo mundo ensang�entando as Vidas.
Efl�vios quentes e fatais quebrantos
Crestam a alma das virgens adormidas...
E as brumas velam nos sinistros mantos
E as virgens dormem nas tumbais jazidas!
S�bitos fremem �spasmos derradeiros...
E a paix�o morre� e os cora��es coveiros
V�o como duendes pelos c�us risonhos,
Chorando auroras m�sicas perdidas
Na estrada santa ensang�entando as Vidas,
Nos campos-santos enterrando os Sonhos!
Soneto
E o mar gemeu a funda melop�ia
� luz feral que a tarde morta instila,
Triste como um solu�o de Dalila,
Fria como um crep�sculo da Jud�ia.
J� V�sper, no Alto, a l�nquida, cintila!
Naquela hora morria para a Id�ia
A minha branca e desgra�ada D�a,
Qual rosa branca que ao tuf�o vacila.
E o mar chamou-a para o fundo abismo!
E o c�u chamou-a para o Misticismo.
Nesse momento a Lua vinha calma
E c�u e mar num desespero mudo
N�o viram que num halo de veludo
� alma de D�a se evolava est�alma.
O riso
�Ri, cora��o, trist�ssimo palha�o�.
Cruz e Sousa
O Riso -- o valtairesco clown -- quem mede-o?!
-- Ele, que ao frio alvor da M�goa Humana,
Na Via-L�ctea fria do Nirvana,
Alenta a Vida que tombou no T�dio!
Que � Dor se prende, e a todo o seu ass�dio,
E ergue � sombra da dor a que se irmana
Laur�is de sangue de vol�pia insana,
Clar�es de sonho em nimbos de epic�dio!
Bendito sejas, Riso, clown da Sorte
-- Fogo sagrado nos festins da Morte
-- Eterno fogo, saturnal do Inferno!
Eu te bendigo! No mundano c�mulo
�s a Ironia que tombou no t�mulo
Nas sombras mortas de um desgosto eterno!
Soneto
Vamos, querida! J� � Ave-Maria
-- A hora dos tristes e dos descontentes.
Desfaz-se o peito em vibra��es dormentes
E o Fado geme sob a n�voa fria!
Que eu sinta n�alma o que tu n�alma sentes!
Nesta Missa de Atroz Melancolia
Bebes chorando o Vinho da Agonia
-- Consagra��o das almas padecentes!
Foi numa tarde assim que nos amamos.
Silfos morriam... No ar, os gaturamos
Num recesso de n�voa, adormecida...
Punge-me o peito da Saudade o cardo
Enquanto num mocho, sonolento e tardo,
Canta no espa�o a maldi��o da Vida!
A um m�rtir
Alma em cil�cio, vem, enrista a clava,
Brande no seio o esp�culo e o acinace
E unjam-te o seio que d�auroras nasce
Sangrentas b�n��os eclodindo em lava!
Nossa Senhora te unge a face escrava,
Cristo saudoso te aben�oa a face
De monja -- violeta que do C�u baixasse
� Virgem Santa Natureza brava!
Vais caminhando para a terra extrema,
Rosa dos Sonhos! e o teu galho trema
E a tua cren�a, o desespero mate-a...
E em nuvens d�ouro ascende enfim ao plaustro
Da Neve Eterna, estrela azul do claustro,
Levada para o Azul da Via-L�ctea!
Pelo mar
Manh� em flor. O mar � um policromo
E imenso lago d��ris e alabastros...
� aurora � brano e ao sol, o mar � como
Um p�lio imenso que caiu dos astros.
Longe, bem longe, no alvoral assomo
Ergue um navio os altanados mastros
E o Oceano dorme -- alourecido pomo
Num leito irial de p�rolas e nastros.
A alma da M�goa vai pelo seu dorso,
Em sonhos geme... Um cora��o de corso
Geme no mar, vibra no mar, entanto,
Colma-lhe o seio a opala das esponjas...
E � noute morta choram vagas -- monjas
Purificadas no cristal do pranto!
Pallida luna
�s do Passado! Vieste d�alvorada
N�asa dos elfos pela Morte espalma...
Cantas... e eu ou�o esta berceuse calma
Da harpa dos mundos ideais do Nada!
Ergue o Missal brilhante de tu�alma,
Mas nessa eleva��o mistificada,
Vem, que eu te espero, Deusa constelada
Desce, an�mona �xul que o C�u ensalma!
Venhas e des�as, Lua dos Mart�rios,
Des�as, mas venhas pela un��o dos l�rios.
Vis�o de Ocaso de anluaradas comas,
Vaso de Un��o descido dos espa�os,
Para ungirmos n�s dois, os nossos pa�os,
Na tule idealizada dos aromas.
A morte de V�nus
Velhos berilos, p�lidas cortinas,
Morno frouxel de nardos recendendo
Velam-lhe o sono, e V�nus vai morrendo
No ber�o azul� das n�voas matutinas!
Halos de luz de brancas musselinas
V�o-lhe do corpo virginal descendo
-- Abelha irial que foi adormecendo
Sobre um coxim de p�rolas divinas.
E quando o Sol lhe beija a esp�dua nua,
Cai-lhe da carne o resplendor da Lua
No reverbero dos deslumbramentos...
Enquanto no ar h� s�ndalos, h� flores
E haustos de morte -- os �ltimos cangores
Da m�sica chorosa dos mementos!
Sonho de amor
Sobre o aromal e amplo coxim de Flora,
Que os vapores da tarde inca incensavam
E que um incenso t�nue e bom vapora,
Os namorados l�nguidos sonhavam.
A alma do Ocaso entrava o c�u agora
E havia pelas t�nebras que entravam
Ora estrangulamentos surdos, ora
Ru�dos de carnes que se estrangulavam.
E sonharam assim durante toda
A noute, e toda a alva manh� durante!
-- O Sol jorrava largos raios longos
E em roda v�ride e nevado, em roda,
Lembrava o campo um colorido ondeante
De vidros verdes e cristais oblongos!
Soneto
A orgia mata a mocidade, quando
Rugem na carne do del�rio as feras,
E o mo�o morre como est� sonhando
Nas suas vinte e cinco primaveras.
Em cima -- o oiro sem mancha das esferas,
Em baixo oiro manchado de execrando
Festim de sibaritas, de heteras
Lubricamente se despeda�ando!
Em cima, a rede do estel�rio im�culo
Suspensa no alto como um tabern�culo
-- A orgia, em baixo, e no del�rio doudo
Como arvoredos juvenis tombados
Os mo�os mortos, os bras�es manchados,
E um turbilh�o de p�rpuras no lodo!
Soneto
E ele morreu. Ele que foi um forte
Que nunca se quebrou pelo Desgosto
Morreu... mas n�o deixou na ara do rosto
Um s� vest�gio que acusasse a Morte!
O anatomista que investiga a sorte
Das vidas que se abismam no Sol-posto
Ficaria admirado do seu rosto
Vendo-o t�o belo, t�o sereno e forte!
Quando meu Pai deixou o lar amigo
Um sabi� da casa muito antigo,
Que h� muito tempo n�o cantava l�,
Diluiu o sil�ncio em litanias...
E hoje, poetas, j� faz sete dias
Que eu ou�o o canto desse sabi�!
Vae victis
A Dor meu cora��o tor�a e retor�a
E me retalhe como se retalha
Para esc�rnio e alegria da canalha
Um le�o vencido que perdeu a for�a!
Sobre mum caia essa vingan�a corsa,
J� que perdi a �ltima batalha!
E, enquanto o T�dio a carne me trabalha,
A Dor meu cora��o tor�a e retor�a!
Cubra-me o corpo a podrid�o dos trapos!
Os vibri�es, os vermes vis, os sapos
Encontrem nele p�bulo eviterno...
-- Reposit�rio de milh�es de miasmas
Onde se fartem todos os fantasmas,
Primavera, ver�o, outono, inverno!
A dor
Chama-se a Dor, e quando passa, enluta
E todo mundo que por ela passa
H� de beber a ta�a da cicuta
E h� de beber at� o fim da ta�a!
H� de beber, enxuto o olhar, enxuta
A face, e o travo h� de sentir, e a amea�a
Amarga dessa desgra�ada fruta
Que � a fruta amargosa da Desgra�a!
E quando o mundo todo paralisa
E quando a multid�o toda agoniza,
Ela, inda altiva, ela, inda o olhar sereno
De agonizante multid�o rodeada,
Derrama em cada boca envenenada
Mais uma gota do fatal veneno!
Terra f�nebre
Aqui morreram tantos poetas! Tanta
Guitarra morta este lugar encerra!...
Aqui � o Campo-Santo, aqui � a Terra!
Em que a alma chora e em que a Saudade canta!
O caminheiro que o Pesar desterra,
Pare chorando nesta Terra Santa,
E se cantar como a Saudade canta,
O caminheiro fique nesta Terra!
� noute aqui um trovador eterno
Chora, abra�ado �s campas dos poetas,
-- Esse sombrio trovador � o Inverno!
Aqui � a Terra, onde, ao noturno a�oute,
Carpem na sombra p�ssaros ascetas,
Gemem poetas -- p�ssaros da Noute!
Soneto
O sonho, a cren�a e o amor, sendo a risonha
Sant�ssima Trindade da Ventura
Pode ser venturosa a criatura
Que n�o cr�, que n�o ama e que n�o sonha?!
Pois a alma acostumada a ser tristonha
Pode achar por acaso ou porventura
Felicidade numa sepultura,
Contentamento numa dor medonha?!
H� muito tempo, o sonho, do meu seio
Partiu num c�lere arrebatamento
De minha cren�a arrebentando a grade
Pois se eu n�o amo e se tamb�m n�o creio
De onde me vem este contentamento,
De onde me vem esta felicidade?!
Meditando
Penso em venturas! A alma do homem pensa
Sempre em venturas! Sorte do homem! O homem
H� de embalar eternamente a cren�a
Sem ter grilh�es e sem ter leis que o domem!
Punjam-no os vermes da Desgra�a, assomem
Descren�as, surjam t�dios na Descren�a,
Luta, e morrem os vermes que o consomem,
Vence, e por fim, nada h� que o abata e o ven�a!
Por isso, poeta, eu penso na Ventura!
E o pensamento, na Suprema Altura
Sinto, no imenso Azul do Firmamento
Ir rolando pelo ouro das estrelas,
E esse ouro santo vir rolando pelas
Trevas profundas do meu pensamento!
Soneto
Para que nesta vida o esp�rito esfalfaste
Em v�s medita��es, homem meditabundo?!
Escalpelaste todo o cad�ver do mundo
E, por fim, nada achaste... e, por fim, nada achaste!
A loucura destruiu tudo que arquitetaste
E a Alemanha tremeu ao teu gemido fundo!...
De que te serviu, pois, estudares, profundo,
O homem e a lesma e a rocha e a pedra e o carvalho e a haste?!
Pois, para penetrar o mist�rio das lousas,
Foi-te mister sondar a subst�ncia das cousas
Constru�ste de ilus�es um mundo diferente,
Desconheceste Deus no vidro do astrol�bio
E quando a ci�ncia v� te proclamava s�bio
A tua constru��o quebrou-se de repente!
O �brio
Bebi! Mas sei porque bebi!... Buscava
Em verdes nuan�as de miragens, ver
Se nesta �nsia suprema de beber,
Achava a Gl�ria que ningu�m achava!
E todo o dia ent�o eu me embriagava
-- Novo Sileno, -- em busca de ascender
A essa Babel fict�cia do Prazer
Que procuravam e que eu procurava.
Tr�s de mim, na atra estrada que trilhei,
Quantos tamb�m, quantos tamb�m deixei,
Mas eu n�o contarei nunca a ningu�m.
A ningu�m nunca eu contarei a hist�ria
Dos que, como eu, foram buscar a Gl�ria
E que, como eu, ir�o morrer tamb�m.
O canto da coruja
A coruja cantara-lhe na porta
Sinistramente a noite inteira! Ind�cio
Mais certo n�o havia!� -- Era o supl�cio!...
Da� a pouco, ela seria morta.
Saiu. O Sol ardia.� A estrada torta
Lembrava a antiga ponte de Subl�cio...
Havia pelo ch�o um desperd�cio
De folhas que a �urea xantofila corta.
Nisto, ouve o canto aziago da coruja!
-- Quer fugir, e n�o v� por onde fuja.
Implora a Deus como a um fetihe vago...
-- Se ao menos voasse! -- E o horror come�a! Rasga
As vestes; uma convuls�o a engasga
E morre ouvindo o mesmo canto aziago!
Nome maldito
Das trombetas prof�ticas o alarde
Falou-lhe, por seus onze aug�rios certos:
�� maldito o teu nome! E aos c�us abertos,
N�o h� divina prote��o que o guarde!�
D�vidas cru�is! Momentos cru�is! Incertos
E cru�is momentos! �nsias cru�is! E, � tarde,
Saiu aos tombos, como um c�o covarde,
A percorrer desertos e desertos...
E, assombrado, com medo do Infinito,
Por toda a parte, onde, aos trope�os, ia,
Por toda a parte viu seu nome escrito!
Vieram-lhe as �nsias. Teve sede e fome...
E foi assim que ele morreu um dia
Amaldi�oado pelo pr�prio nome!
Dol�ncias
Eu fui cad�ver antes de viver!
Meu corpo, assim como o de Jesus Cristo,
Sofreu o que olhos de homem n�o t�m visto
E olhos de fera n�o puderam ver!
Acostumei-me, assim, pois, a sofrer
E acostumado a assim sofrer existo...
Existo! -- E apesar disto, apesar disto
Inda cad�ver hei tamb�m de ser!
Quando eu morrer de novo, amigos, quando
Eu, de saudades me despeda�ando
De novo, triste e sem cantar, morrer,
Nada se altere em sua marcha infinda
-- O tamarindo reverde�a ainda,
A lua continue sempre a nascer!
A l�grima
-- Fa�a-me o obs�quio de trazer reunidos
Clorureto de s�dio, �gua e albumina...
Ah! Basta isto, porque isto � que origina
A l�grima de todos os vencidos!
-- A farmacologia e a medicina
Com a relatividade dos sentidos
Desconhecem os mil desconhecidos
Segredos dessa secre��o divina.
-- O farmac�utico me obtemperou. --
Vem-me ent�o � lembran�a o pai ioi�
Na �nsia ps�quica da �ltima efic�cia!
E logo a l�grima em meus olhos cai.
Ah! Vale mais lembrar-me eu de meu Pai
Do que todas as drogas da farm�cia!
Ave libertas
Ao clar�o da madrugada,
Da liberdade ao toque alvissareiro,
Banhou-se o cora��o do Brasileiro
Num efl�vio de luz auroreada.
� que baqueia a vida escravizada!
J� se ouvem os clangores do pregoeiro,
Como um Trit�o, levando ao mundo inteiro,
Da Rep�blica a nova sublimada.
E ali do despotismo entre os escombros,
Rola um drama que a P�tria exal�a e doura
Numa aur�ola de paz imorredoura,
A Rep�blica rola-lhe nos ombros;
Enquanto fora na trevosa agrura
Sucumbe o servilismo, e, esplendorosa,
A liberdade assoma majestosa,
-- Estrela d�Alva imaculada e pura!
� livre a P�tria outrora opressa e exangue!
Esse lab�u que mancha a gl�ria p�blica,
Que apouca o triunfo e que se chama sangue,
Manchar n�o pode as aras da Rep�blica.
N�o! que esse ideal puro, risonho,
H� de transpor sereno os penetrais
Da P�tria, e h� de elevar-se neste sonho
Ao topo azul das Gl�rias Imortais!
Esplende, pois, oh! Redentora d�alma,
Oh! Liberdade, essa bendita e branca
Luz que os negrores da opress�o espanca,
Essa luz etereal bendita e calma.
V�s, oh P�tria, fazei que destes brilhos,
Caia do santu�rio l� da Hist�ria,
Fulgente do valor da vossa gl�ria,
A b�n��o do valor dos vossos filhos!
Quadras
Embala-me em teus bra�os,
De amores bons � sombra --
Quero em cheirosa alfombra
Pousar os sonhos lassos!
Teus seios, oh! morena
-- Rel�quias de Carrara --
T�m a ambrosia rara
Da mais rara verbena.
Aperta-me em teu peito,
E d�-me assim, divina,
De l�rios e boninas
Um velud�neo leito.
Assim como Jesus,
Eu quero o meu Calv�rio
-- Anelo morrer v�rio
Dos bra�os teus na Cruz!
Porque n�o me confortas?!
Bem sei, perdeste a ci�ncia,
Morreu-te a redol�ncia,
Alma das virgens mortas --
Mas n�o! Apaga os tra�os
De t�o funesto aspeito...
Aperta-me em teu peito,
Embala-me em teus bra�os!
V�nus morta
A Via-Sacra Azul do amor primeiro
Veste hoje o luto que a desgra�a veste
No miserere do meu desespero...
-- Lotus dilu�do n�alma dum cipreste!
Como um lil�s eternizando abrolhos
Tinge de roxo o arminho da grinalda,
Rola a violeta santa dos teus olhos
-- Tufos de goivo em conchas de esmeralda.
No v�cuo imenso das desesperan�as
E dos passados vi�os,
Recordo o beijo que te dei nas tran�as
Emolduradas num flor�o de ri�os.
E como um nume de pesar, plangente,
Guarda a saudade que levou do Marne,
Eu guardo o travo deste beijo ardente
E a Nostalgia desta P�tria -- a Carne.
Sonho abra�ar-te, p�lida cam�lia,
Mas neste sonho, langue e seminua,
Pareces reviver a antiga Of�lia,
Opalesc�ncia tr�gica da lua!
Tu, oh Quimera, de reverberantes
E rubras asas de beliantos pulcros,
Crava-lhe n�alma o tirso das bacantes,
Brande-lhe n�alma o frio dos sepulcros.
Reza-lhe todo o cantoch�o memento
Dessa Missa de amor da Extrema Agrura,
Aben�oada pelo meu tormento
E consagrada pela sepultura.
E que ela suba na serena gaza
Dos mist�rios dourados e serenos
� terra Ideal das p�rpuras em brasa
E ao C�u doirado e auroreal de V�nus!
Ode ao amor
Enches o peito de cada homem, medras
Nalma de cada virgem, e toda a alma
Enches de beijos de infinita calma...
E o aroma dos teus beijos infinitos
Entra na terra, bate nos granitos
E quebra as rochas e arrebenta as pedras!
�s soberano! Sangras e torturas!
Ora, tangendo tiorbas em volatas,
Cantas a Vida que sangrando matas,
Ora, clavas brandindo em seva e insana
F�ria, lembras, Amor, a soberana
Imagem p�trea das montanhas duras.
Beijam-te o passo multid�es escravas
Dos Desgra�ados! -- Estas multid�es
Sonham p�trias doiradas de ilus�es
Entre os t�rculos negros da Desgra�a
-- Flores que tombam quando a neve passa
No turblh�o das avalanches bravas!
Tudo dominas! -- Dos verg�is tranq�ilos
Aos Capit�lios, e dos Capit�lios
Aos claros pulcros e brilhantes s�lios
De esplendor pulcro e de fulg�ncias claras,
Rendilhados de fulvas gemas raras
E pontilhados de crisoberilos.
Sobes ao monte ondeo edelweiss pompeia
Nalma do que subiu �quele monte!
Mas, vezes, desces ao segredo insonte
Do mar profundo onde a sereia canta
E onde a Alc�one tr�mula se espanta
Ouvindo a gusla crebra da sereia!
Rompe a manh�. Sinos al�m bimbalham.
Troa o con�bio dos amores velhos
-- As borboletas e os escaravelhos
Beijam-se no ar...Retroa o sino. E, quietos
Beijam-se al�m os silfos e os insetos
Sob a esteira dos campos que se orvalham.
E em tudo estruge a tua d�lia -- d�lia
Que na fibra mais forte e at� na fibra
Mais t�nue, chora e se lamenta e vibra...
E em cada peito onde um Ocaso chora
Levanta a cruz da reden��o da Aurora
Como a Judite a redimir Bet�lia!
Bem haja, pois, esse poder terr�vel,
-- Essa domina��o aterradora
-- Enorme for�a regeneradora
Que faz dos homens um le�o que dorme
E do Amor faz uma pot�ncia enorme
Que vela sobre os homens, impass�vel!
Esta de amor onde queixosa, Irene,
Quedo, sonhei-a, aos astros, ontem, quando
Entre estrias de estrelas, fosforeando,
Egr�gia estavas no teu plaustro egr�gio
Mais bela do que a Virgem de Corr�gio
E os quadros divinais de Guido Reni!
Qual um crente em asi�tico pagode,
Entre timbales e anafis estr�dulos,
Cativo, beija os �ureos p�s dos �dolos,
Assim, Irene, eis-me de ti cativo!
Cativaste-me, Irene, e eis o motivo,
Eis o motivo porque fiz esta ode.
Canto de agonia
Agonia de amor, agonia bendita!
-- Misto de infinita m�goa e de cren�a infinita.
Nos desertos da Vida uma estrela fulgura
E o Viajeiro do Amor, vendo-a, triste, murmura:
-- Que eu nunca chore assim! Que eu nunca chore como
Chorei, ontem, a s�s, num volutuoso assomo,
Numa prece de amor, numa fel�cia infinda,
Del�cia que ainda gozo, ora��o, prece que ainda
Entre saudades rezo, e entre sorrisos e entre
M�goas solu�o, at� que esta dor se concentre
No �mago de meu peito e de minha saudade.
Amor, escurid�o e eterna claridade...
-- Calor que hoje me alenta e h� de matar-me em breve,
Frio que me assassina, amor e frio, neve,
Neve que me embala como um ber�o divino,
Neve da minha dor, neve do meu destino!
E eu aqui a chorar nesta noite t�o fria!
Agonia, agonia, agonia, agonia!
-- Diz e morre-lhe a voz, e cansado e morrendo
O Viajeiro vai, e v� a luz e vendo
Uma sombra que passa, uma nuvem que corre,
Caminha e vai, o louco, abra�a a sombra e... morre!
E a alma se lhe dilui na amplid�o infinita...
Agonia de amar, agonia bendita!
Hist�ria de um vencido
Sol alto. A terra escalda: � um forno. A flama oriunda
Da solar refra��o bate no mundo, acende
O p�, aclara o mar e por tudo se estende
E arde em tudo, mordendo a atra terra infecunda.
E o Velho veio para o labor cotidiano,
Triste, do alegre Sol ao grande globo quente
E p�s-se para a�, desoladoramente
A revolver da terra o atro e infecundo arcano.
Por seis horas seu bra�o empenhado na luta,
Fez reboar pelo solo, alta e descompassada
A dura vibra��o inc�moda da enxada,
Rasgando, do agro solo, a superf�cie bruta.
Mas o bra�o cansou! Trabalhou... e o trabalho
-- Do Eterno Bem motor principal e alavanca --
Arrancara-lhe a Cren�a assim como se arranca
De um ninho a seda branca e de uma �rvore o galho!
Sangrou-lhe o cora��o e a saudade da Aurora!
-- O H�rcules que ele fora! O fraco que ele hoje era!
E surpreendido viu que um abismo se erguera
Entre o fraco que era hoje, e entre o H�rcules de outrora!
Pois havia de assim, nesta maldita senda
De sofrimento ignaro em sofrimento ignaro
Ir caminhando at� tombar sem um amparo
No tremendo marnel da Desgra�a tremenda?!
II
Noute! O sil�ncio vinha entrando pelo mundo
E ele, l�gubre e s�, tr�pego e cambaleando
Foi-se arrastando, foi aos poucos se arrastando,
Para as bordas fatais dum precip�cio fundo!
Quis um momento ainda olhar para o Passado...
E em tudo que o rodeava, oito vezes, fun�reo
Horrorizado viu como num cemit�rio
Cad�veres de um lado e cinzas de outro lado!
De s�bito, avistando uma frondosa t�lia
Julgou, louco, avistar a �Rvore da Esperan�a...
E bateram-lhe ent�o de chofre na lembran�a
A casa que deixara, os filhos, a fam�lia!
N�o morreria, pois! Somente morreria
Se da Vida, sozinho, ele pisasse os trilhos...
Que mal lhe haviam feito a esposa e a irm� e os filhos?!
Preciso era viver! Portanto, viveria!
Viveria! E a fecunda e deleitosa seara
Verde dos campos, onde arde e floresce a Cren�a,
Compensaria toda a sua dor imensa
Tal qual o C�u a dor de Cristo compensara!
E aos trope�os, tombando, o Velho caminhava...
Caminhava, e a sonhar, b�bado de miragem,
Nem viu que era chegado o termo da viagem,
E amplo, a rugir-lhe aos p�s, o precip�cio estava.
Num instante viu tudo, e compreendendo tudo,
Quis fazer um esfor�o -- o �ltimo esfor�o, e o bra�o
Pendeu exangue, o peito arqueou-se, o cansa�o
Empolgara-o, e ele quis falar e estava mudo!
Mudo! E a quem contaria agora as suas m�goas?!
E tr�gico, no horror brutoda despedida
Abra�ou-se com a Dor, abra�ou-se com a Vida
E sepultou-se ali no cora��o das �guas!
Cantavam muito ao longe uns carmes doloridos!
Eram tropeiros, era a turba trovadora
Que assim cantava, enquanto a Terra Vencedora
Celebrava ao luar a Missa dos Vencidos!
E o cad�ver, a toa, a flux d��gua, flutua!
Ningu�m o v�, ningu�m o acalenta, o acalenta...
Somente entre a negrura atra da terra poenta
Algu�m beija, algu�m vela o cad�ver: a Lua!
Estrofes sentidas
Eu sei que o Amor enche o Universo todo
E se prende dos poetas � guitarra
Como o p�lipo que se agarra ao lodo
E a ostra que �s rochas eternais se agarra.
O amor reduz-nos a uniformes placas,
Uniformiza todos os anelos
E une organiza��es fortes e fracas
Nos mesmos la�os e nos mesmos elos.
Por muito tempo eu lhe sorvi o aroma,
E, desvairado, sem prever o abismo
Fiz desse amor um �dolo de Roma,
Eleito Deus no altar do fetichismo!
Tudo sacrifiquei para ador�-lo
-- Mas hoje, vendo o horror dos meus destro�os,
Tenho vontade de estrangul�-lo
E reduzi-lo muitas vezes a ossos!
Todo o ser que no mundo turbilhona
Veja do Amor, � luz das minhas frases,
Uma montanha que se desmorona,
Estremecendo em suas pr�prias bases.
E em qualquer parte do Universo veja --
Sombrias ru�nas de um solar egr�gio
E o desmoronamento duma Igreja
Despeda�ada pelo sacril�gio.
A Natureza veste extraordin�rias
Roupagens de ouro. Al�m, nas oliveiras,
Aves de v�rias cores e de v�rias
Esp�cies, cantam �peras inteiras.
A compreens�o da minha niilidade
Aumenta � propor��o que aumenta o dia
E pouco a pouco o enc�falo me invade
Numa clareza de fotografia.
Na �rea em que estou, ao matinal assomo,
Passa um rebanho de carneiros d�ceis...
E o Sol arranca as minhas cren�as como
Boucher de Perthes arrancava f�sseis.
Observo ent�o a condi��o tristonha
Da Humanidade, �bria de fumo e de �pio,
Tal qual ela �, e n�o tal qual a sonha
E a v� o S�bio pelo telesc�pio.
O S�bio v� em propor��es enormes
Aquilo que � composto de pequenas
Partes, construindo corpos quase informes
E aquilo que � uma parcela apenas.
Da observa��o nos elevados montes
Prefiro, � nitidez real dos aspectos,
Ver mastodontes onde h� mastodontes
E insetos ver onde h� somente insetos.
A inanidade da Ilus�o demonstro
Mas, demonstrando-a, sinto um violento
Rancor da Vida -- este maldito monstro
Que no meu pr�prio est�mago alimento!
Nisto a alma o of�cio da Paix�o entoa
E vai cair, heroicamente, na �gua
Da misterios�ssima lagoa
Que a l�ngua humana denomina M�goa!
Dos meus sonhos o ex�rcito desfila
E, � frente dele, eu vou cantando a n�nia
Do Amor que eu tive e que se fez argila,
Como Tirteu na guerra de Mess�nia!
Transponho assim toda a sombria escarpa
Sinistro como quem medita um crime...
E quando a Dor me d�i, tanjo minha harpa
E a harpa saudosa a minha Dor exprime!
Estes versos de amor que agora findo
Foram sentidos na solid�o de uma horta,
� sombra dum verdoengo tamarindo
Que representa a minha inf�ncia morta!
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