Como era concebido causa o Analfabetismos quando se iniciou a Educação de Jovens e Adultos?

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 A educação básica de jovens e adultos (EJA) começou a delimitar seu lugar na história da educação no Brasil a partir da década de 30, quando finalmente começa a se consolidar um sistema público de educação elementar no país.

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Com o fim da ditadura de Vargas em 1945, o país vivia a efervescência política da redemocratização. A Segunda Guerra Mundial recém terminara e a ONU — Organização das Nações Unidas — alertava para a urgência de integrar os povos visando a paz e a democracia. Tudo isso contribuiu para que a educação dos adultos ganhasse destaque dentro da preocupação geral com a educação elementar comum. Era urgente a necessidade de aumentar as bases eleitorais para a sustentação do governo central, integrar as massas populacionais de imigração recente e também incrementar a produção.

Campanha de Educação de Adultos

Nesse período, a educação de adultos define sua identidade tomando a forma de uma campanha nacional de massa, a Campanha de Educação de Adultos, lançada em 1947. Pretendia-se, numa primeira etapa, uma ação extensiva que previa a alfabetização em três meses, e mais a condensação do curso primário em dois períodos de sete meses.

Depois, seguiria uma etapa de “ação em profundidade”, voltada à capacitação profissional e ao desenvolvimento comunitário. Nos primeiros anos, sob a direção do professor Lourenço Filho, a campanha conseguiu resultados significativos, articulando e ampliando os serviços já existentes e estendendo-os às diversas regiões do país. Num curto período de tempo, foram criadas várias escolas supletivas, mobilizando esforços das diversas esferas administrativas, de profissionais e voluntários. O clima de entusiasmo começou a diminuir na década de 50; iniciativas voltadas à ação comunitária em zonas rurais não tiveram o mesmo sucesso e a campanha se extinguiu antes do final da década. Ainda assim, sobreviveu a rede de ensino supletivo por meio dela implantada, assumida pelos estados e municípios.

A instauração da Campanha de Educação de Adultos deu lugar também à conformação de um campo teórico-pedagógico orientado para a discussão sobre o analfabetismo e a educação de adultos no Brasil. Nesse momento, o analfabetismo era concebido como causa e não efeito da situação econômica, social e cultural do país.

A confiança na capacidade de aprendizagem dos adultos e a difusão de um método de ensino de leitura para adultos conhecido como Laubach inspiraram a inciativa do Ministério da Educação de produzir pela primeira vez, por ocasião da Campanha de 47, material didático específico para o ensino da leitura e da escrita para os adultos.

O Primeiro guia de leitura, distribuído pelo ministério em larga escala para as escolas supletivas do país, orientava o ensino pelo método silábico. As lições partiam de palavras-chave selecionadas e organizadas segundo suas características fonéticas. A função dessas palavras era remeter aos padrões silábicos, estes sim o foco do estudo. As sílabas deveriam ser memorizadas e remontadas para formar outras palavras. As primeiras lições também continham pequenas frases montadas com as mesmas sílabas. Nas lições finais, as frases compunham pequenos textos contendo orientações sobre preservação da saúde, técnicas simples de trabalho e mensagens de moral e civismo.

Alfabetização e conscientização – EJA

 

 No final da década de 50, as críticas à Campanha de Educação de Jovens e Adultos (EJA), dirigiam-se tanto às suas deficiências administrativas e financeiras quanto à sua orientação pedagógica. Denunciava-se o caráter superficial do aprendizado que se efetivava no curto período da alfabetização, a inadequação do método para a população adulta e para as diferentes regiões do país. Todas essas críticas convergiram para uma nova visão sobre o problema do analfabetismo e para a consolidação de um novo paradigma pedagógico para a educação de adultos, cuja referência principal foi o educador pernambucano Paulo Freire.

O pensamento pedagógico de Paulo Freire, assim como sua proposta para a alfabetização de adultos, inspiraram os principais programas de alfabetização e educação popular que se realizaram no país no início dos anos 60. Esses programas foram empreendidos por intelectuais, estudantes e católicos engajados numa ação política junto aos grupos populares. Desenvolvendo e aplicando essas novas diretrizes, atuaram os educadores do MEB — Movimento de Educação de Base, ligado à CNBB — Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, dos CPCs — Centros de Cultura Popular, organizados pela UNE — União Nacional dos Estudantes, dos Movimentos de Cultura Popular, que reuniam artistas e intelectuais e tinham apoio de administrações municipais. Esses diversos grupos de educadores foram se articulando e passaram a pressionar o governo federal para que os apoiasse e estabelecesse uma coordenação nacional das iniciativas. Em janeiro de 1964, foi aprovado o Plano Nacional de Alfabetização, que previa a disseminação por todo Brasil de programas de alfabetização orientados pela proposta de Paulo Freire. A preparação do plano, com forte engajamento de estudantes, sindicatos e diversos grupos estimulados pela efervescência política da época, seria interrompida alguns meses depois pelo golpe militar.

Paulo Freire

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Paulo Freire elaborou uma proposta de alfabetização de jovens e adultos (EJA), conscientizadora, cujo princípio básico pode ser traduzido numa frase sua que ficou célebre: “A leitura do mundo precede a leitura da palavra”. Prescindindo da utilização de cartilhas, desenvolveu um conjunto de procedimentos pedagógicos que ficou conhecido como método Paulo Freire.

Ele previa uma etapa preparatória, quando o alfabetizador deveria fazer uma pesquisa sobre a realidade existencial do grupo junto ao qual iria atuar. Concomitantemente, faria um levantamento de seu universo vocabular, ou seja, das palavras utilizadas pelo grupo para expressar essa realidade. Desse universo, o alfabetizador deveria selecionar as palavras com maior densidade de sentido, que expressassem as situações existenciais mais importantes. Depois, era necessário selecionar um conjunto que contivesse os diversos padrões silábicos da língua e organizá-lo segundo o grau de complexidade desses padrões. Essas seriam as palavras geradoras, a partir das quais se realizaria tanto o estudo da escrita e leitura como o da realidade.

Antes de entrar no estudo dessas palavras geradoras, Paulo Freire propunha ainda um momento inicial em que o conteúdo do diálogo educativo girava em torno do conceito antropológico de cultura. Utilizando uma série de ilustrações (cartazes ou slides), o educador deveria dirigir uma discussão na qual fosse sendo evidenciado o papel ativo dos homens como produtores de cultura e as diferentes formas de cultura: a cultura letrada e a não letrada, o trabalho, a arte, a religião, os diferentes padrões de comportamento e a sociabilidade. O objetivo era, antes mesmo de iniciar o aprendizado da escrita, levar o educando a assumir-se como sujeito de sua aprendizagem, como ser capaz e responsável. Tratava-se também de ultrapassar uma compreensão mágica da realidade e desmistificar a cultura letrada, na qual o educando estaria se iniciando.

Depois de cumprida essa etapa, iniciava-se o estudo das palavras geradoras, que também eram apresentadas junto com cartazes contendo imagens referentes às situações existenciais a elas relacionadas. Com cada gravura, desencadeava-se um debate em torno do tema e só então a palavra escrita era analisada em suas partes componentes: as sílabas. Enfim, era apresentado um quadro com as famílias silábicas com as quais os alfabetizandos deveriam montar novas palavras.

O Mobral e a educação popular

Com o golpe militar de 1964, os programas de alfabetização e educação popular que se haviam multiplicado no período entre 1961 e 1964 foram vistos como uma grave ameaça à ordem e seus promotores duramente reprimidos. O governo só permitiu a realização de programas de alfabetização de adultos assistencialistas e conservadores, até que, em 1967, ele mesmo assumiu o controle dessa atividade lançando o Mobral — Movimento Brasileiro de Alfabetização.

Durante a década de 70, o Mobral expandiu-se por todo o território nacional, diversificando sua atuação. Das iniciativas que derivaram do Programa de Alfabetização, a mais importante foi o PEI — Programa de Educação Integrada, que correspondia a uma condensação do antigo curso primário. Este programa abria a possibilidade de continuidade de estudos para os recém-alfabetizados, assim como para os chamados analfabetos funcionais, pessoas que dominavam precariamente a leitura e a escrita.

Paralelamente, grupos dedicados à educação popular continuaram a realizar experiências pequenas e isoladas de alfabetização de adultos com propostas mais críticas, desenvolvendo os postulados de Paulo Freire. Essas experiências eram vinculadas a movimentos populares que se organizavam em oposição à ditadura, comunidades religiosas de base, associações de moradores e oposições sindicais. Paulo Freire, que fora exilado, seguia trabalhando com educação de adultos no Chile e depois em países africanos.

Com a emergência dos movimentos sociais e o início da abertura política na década de 80, essas pequenas experiências foram se ampliando, construindo canais de troca de experiência, reflexão e articulação. Projetos de alfabetização se desdobraram em turmas de pós alfabetização, onde se avançava no trabalho com a língua escrita, além das operações matemáticas básicas. Também as administrações de alguns estados e municípios maiores ganhavam autonomia com relação ao Mobral, acolhendo educadores que se esforçaram por reorientar seus programas de educação básica de adultos. Desacreditado nos meios políticos e educacionais, o Mobral foi extinto em 1985. Seu lugar foi ocupado pela Fundação Educar, que abriu mão de executar diretamente os programas, passando a apoiar financeira e tecnicamente as iniciativas de governos, entidades civis e empresas a ela conveniadas.

Educação básica de jovens e adultos (EJA)

 Fonte: //www.esquerdadiario.com.br

Nesse período de reconstrução democrática, muitas experiências de alfabetização ganharam consistência, desenvolvendo os postulados e enriquecendo o modelo da alfabetização conscientizadora dos anos 60. Dificuldades encontradas na prática geravam reflexão e apontavam novas pistas.

Um avanço importante dessas experiências mais recentes é a incorporação de uma visão de alfabetização como processo que exige um certo grau de continuidade e sedimentação. Desde os anos 50, eram recorrentes as críticas a campanhas que pretendiam alfabetizar em poucos meses, com perspectivas vagas de continuidade, depois das quais se constatavam altos índices de regressão ao analfabetismo.

Os programas mais recentes preveem um tempo maior, de um, dois ou até três anos dedicados à alfabetização e pós-alfabetização, de modo a garantir que o jovem ou adulto atinja maior domínio dos instrumentos da cultura letrada, para que possa utilizá-los na vida diária ou mesmo prosseguir seus estudos, completando sua escolarização. A alfabetização é crescentemente incorporada a programas mais extensivos de educação básica de jovens e adultos.

A partir de meados da década de 80, difundem-se entre os educadores brasileiros estudos e pesquisas sobre o aprendizado da língua escrita com bases na linguística e na psicologia, que lançam novas luzes sobre as práticas de alfabetização.

Esses estudos enfatizam o fato de que a escrita e a leitura são mais do que a transcrição e decifração de letras e sons, que são atividades inteligentes, em que a percepção é orientada pela busca dos significados. Reforçam-se os argumentos críticos às cartilhas de alfabetização que contêm palavras e frases isoladas, fora de contextos significativos que auxiliem sua compreensão. Entretanto, mesmo nas propostas pedagógicas em que se pode constatar uma preocupação de trabalhar com palavras ou frases significativas, observa-se uma ênfase muito grande nos procedimentos do método silábico, de montagem e desmontagem de palavras. Como o método prescreve a apresentação de padrões silábicos que vão sendo introduzidos um de cada vez, fatalmente as frases ou textos resultantes são artificiais, enunciados “montados”, mais do que mensagens “de verdade”.

Especialmente os trabalhos da psicopedagoga argentina Emília Ferreiro trouxeram indicações aos alfabetizadores de como ultrapassar as limitações dos métodos baseados na silabação. Pesquisando as concepções sobre a escrita de crianças pré-escolares, essa autora mostrou que, convivendo num ambiente letrado, elas procuravam compreender o funcionamento desse sistema de representação, chegando à escola com hipóteses e informações prévias sobre a escrita que eram desprezadas pelas propostas de ensino. Emília Ferreiro realizou ainda um estudo junto a adultos analfabetos, mostrando que também eles tinham uma série de informações sobre a escrita e elaboravam hipóteses semelhantes às das crianças. As propostas pedagógicas para a alfabetização começam a incorporar a convicção de que não é necessário nem recomendável montar uma língua artificial para ensinar a ler e escrever. Os adultos analfabetos podem escrever enunciados significativos baseados em seus conhecimentos da língua, ainda que, no início, não produzam uma escrita convencional. É com essas produções que o educador deverá trabalhar, ajudando o aprendiz a analisá-las e introduzindo novas informações. Com relação à leitura, também se procura ampliar o universo linguístico, utilizando-se uma diversidade maior de textos, que vão de jornais e enciclopédias a receitas e embalagens. A formação de um bom leitor não depende só da memorização das correspondências entre letras e sons mas também do conhecimento das funções, estruturas e dos estilos próprios dos diferentes tipos de texto presentes na nossa cultura.

Essas reorientações do trabalho com a língua escrita começaram recentemente a se fazer presentes nas propostas pedagógicas para adultos. Para a fase inicial da alfabetização, algumas experiências abandonaram as palavras geradoras como pontos de partida, introduzindo outros procedimentos como o trabalho com os nomes dos alunos ou os chamados textos coletivos, grafados pelo alfabetizador a partir de sugestões ditadas pelos alfabetizandos. Surgem assim materiais didáticos com maior diversidade de textos e propostas de escrita.

No âmbito das políticas educacionais, os primeiros anos da década de 90 não foram muito favoráveis. Historicamente, o governo federal foi a principal instância de apoio e articulação das iniciativas de educação de jovens e adultos (EJA). Com a extinção da Fundação Educar, em 1990, criou-se um enorme vazio em termos de políticas para o setor. Alguns estados e municípios têm assumido a responsabilidade de oferecer programas na área, assim como algumas organizações da sociedade civil, mas a oferta ainda está longe de satisfazer a demanda. Acompanhando a falta de políticas para estender o atendimento, há uma grande falta de materiais didáticos de apoio, de estu dos e pesquisas sobre essa modalidade educativa, tendo os educadores de enfrentar com poucos recursos sua tarefa.

A história da educação de jovens e adultos no Brasil chega à década de 90, portanto, reclamando a consolidação de reformulações pedagógicas que, aliás, vêm se mostrando necessárias em todo o ensino fundamental. Do público que tem acorrido aos programas para jovens e adultos, uma ampla maioria é constituída de pessoas que já tiveram passagens fracassadas pela escola, entre elas, muitos adolescentes e jovens recém-excluídos do sistema regular. Esta situação ressalta o grande desafio pedagógico, em termos de seriedade e criatividade, que a educação de jovens e adultos impõe: como garantir a esse segmento social que vem sendo marginalizado nas esferas socioeconômica e educacional um acesso à cultura letrada que lhe possibilite uma participação mais ativa no mundo do trabalho, da política e da cultura.

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Revele para nós como foi essa experiência.

Como teve início a Educação de Jovens e Adultos?

A Educação de Jovens e Adultos (EJA) se faz notável no Brasil desde a época de sua colonização com os Jesuítas que se dedicavam a alfabetizar (catequizar) tanto crianças indígenas como índios adultos em uma intensa ação cultural e educacional, a fim de propagar a fé católica juntamente com o trabalho educativo.

Como ocorreu a Educação de Jovens e Adultos na época do Império?

Já no Brasil Império (1876), os primeiros apontamentos do Ensino Noturno para Adultos foram denominados educação ou instrução popular. Com a Lei Saraiva (1882), houve a proibição do voto do analfabeto. A escolarização, na época, é vinculada à ascensão social e o analfabetismo à incapacidade e inabilidade social.

Quando surgiu a educação de adultos?

Podemos atribuir para a primeira metade da década de 1960, do século passado, um período de luz para a Educação de Jovens e Adultos, pois, além de mais programas de educação voltados a essa modalidade, também houve uma reformulação no campo educacional com o que diz respeito ao reconhecimento e a exigência de se propor ...

Quando surgiu a campanha de educação de adolescentes e adultos?

Porém, foi em 1947, que o governo brasileiro lança pela primeira vez a Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos – CEAA, quando se estruturou o Serviço de Educação de Adultos do Ministério da Educação.

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